Camille.
- Sinto muito, Srta. Camille. - Meu patrão me disse, me entregando meu salário.
Anthony teria de fechar a loja por problemas pessoais. Eu me vi parada na porta da 'Fashion Model', logo no início de Abril. O quê eu iria fazer? Precisava da grana.
Para mim, depois daquele acontecimento, as ruas pareciam mais vazias, o ar frio estava congelando minhas orelhas e eu cruzava os braços sobre o peito, tentando me aquecer com o casaco.
- Tudo bem... Mãe, pai,... Fui demitida. Não, está muito direto. - Eu dizia enquanto caminhava pelas ruas.
Meus pais, Emily e John, faziam de tudo para agradar à mim e à minha irmã mais velha, Anna, de 19 anos. Nós não tínhamos uma situação financeira muito boa, no momento. Eu trabalhava na 'Fashion Model' há 1 ano, aprendi tanto com os clientes, fiz amizades, e agora eu me via andando pelas ruas com o envelope do meu último salário na mão. Minha irmã estava procurando um emprego, mas estava bem difícil. Desde que papai perdeu o emprego, eu era quem bancava as coisas. Mamãe andava preocupada e mal dormia. Anna evitava trazer o namorado pra nossa casa pra não fazer despesa. Não seria fácil chegar e falar pra eles que eu estava desempregada.
Quando cheguei na porta, respirei fundo.
- Vai dar tudo certo. - Falei.
- Camille? Querida, é você? - A voz de mamãe ecoou do corredor.
- Sim. - Respondi.
Minha irmã estava sentada no sofá lendo um livro. Mamãe saiu da cozinha com um pano de prato na mão. Suas olheiras eram profundas e muitos papéis estavam espalhados sobre a mesa. Eram contas.
- Onde está papai? - Perguntei retirando o casaco.
- Estou aqui. - Meu pai disse, aparecendo na sala. Dei um abraço forte nele e ele riu. - Acalme-se, querida. Estamos aqui.
- Preciso falar com vocês. - Eu disse.
Na mesma hora, Anna tirou os olhos do livro e me olhou assustada. Ela era quem mais se preocupava. Ela achava que tinha culpa por não conseguir bancar a casa, também, já que papai e mamãe, durante uns anos, pagaram a faculdade dela que foi trancada ano passado. Eles fizeram tanto por ela, por nós...
Meus pais se sentaram no sofá e eu me coloquei na frente deles.
- Fui demitida. - Falei, de cabeça baixa. Um silêncio se fez. Meus pais se entreolharam e Anna não tirou os olhos de mim. - Anthony precisa fechar a loja. Ele está com alguns problemas pessoais. Aqui está. - Eu disse entregando o envelope na mão de mamãe.
- Está tudo bem, querida. Você é uma pessoa incrível e tem muito potencial. Você vai arranjar um emprego logo. - Meu pai disse.
- Deus te ouça. - Minha mãe disse.
Durante a noite, eu não conseguia dormir; peguei o Notebook e procurei por alguns empregos disponíveis. Não consegui achar nenhum que valia à pena ou pagava o necessário. Resolvi que, no dia seguinte, eu iria até a agência de trabalhos para ver algumas opções.
Na manhã seguinte, me arrumei de um jeito mais... Apropriado para a ocasião. Coloquei uma saia preta e justa, que vinha até o meio da coxa e uma blusa branca de botões por baixo da saia. Peguei um casaco que combinasse com a saia e coloquei. Trançei o meu cabelo e passei um batom nude. Eu parecia uma advogada.
- Não fique nervosa. - Minha mãe disse enquanto ajeitava a parte da frente do meu casaco.
Assenti com a cabeça e dei um abraço apertado nela.
Enquanto eu ia em direção à agência de trabalhos, passei pela 'Fashion Model'. Ela estava fechada, e pelas janelas dava para ver o quão vazio ela estava. Alguns móveis estavam cobertos por lençóis brancos e na porta, estava escrito em letras grandes:
"FECHADO. ESTE IMÓVEL ENCONTRA-SE À VENDA."
Meus olhos se encheram de lágrimas, mas eu as contive. Continuei caminhando.
Um prédio de uns 8 andares estava à minha frente. Era um prédio moderno, com janelas grandes, a parte de fora tinha um gramado com um verde bem vivo, e alguns bancos. "Agência de trabalhos de NY". Era o que dizia a placa logo na porta. Respirei fundo e abri.
A recepção era logo no meio da sala e várias poltronas rodeavam a mesma. Uma mulher ruiva, que tinha a aparência de uma aeromoça, olhou pra mim e me cumprimentou educadamente.
- Sou Camille Campbell.
- Tem alguma entrevista marcada com alguém? - Ela perguntou sem nem mesmo olhar pra mim.
- Não. Eu queria ver opções de emprego e só consegui o endereço de vocês.
- Me acompanhe, por favor. - Ela disse, se levantando e fazendo um gesto para que eu a seguisse.
Passamos por um longo corredor e pegamos o elevador. Muitos homens e mulheres passavam pelos corredores e me cumprimentavam. No 3° andar, ela abriu uma das primeiras portas.
- Com licença. - Ela disse, pondo a cabeça na porta e a abrindo em seguida para que eu entrasse.
Um homem de terno, pele branca, olhos verdes e cabelos castanhos me mandou sentar em uma das cadeiras. Ele aparentava ter uns 25 anos.
- Olá, senhorita. Sente-se.
- Ah, obrigada. Sou Camille Campbell.
- A senhorita tem algum currículo? - Ele perguntou mexendo em alguns papéis e ignorando a observação.
- N-não. Eu... Trabalhava em uma loja de roupas aqui perto, mas... A loja fechou e aqui estou eu. - Falei, rindo, mas ele não retribuiu nem com um sorriso.
- Muito bem. Quais são as suas especialidades?
Congelei e engoli em seco.
- Ham... Eu... - Suspirei. - Olha... Eu não tenho nenhuma especialidade, mas eu aprendo fácil. Preciso de dinheiro e eu aceito qualquer coisa.
Ele me olhou por alguns segundos e esfregou as mãos.
- Eu vi, um dia desses, que um homem, pai solteiro, precisa de alguém para cuidar de seus 2 filhos. - Ele disse.
- Viu? Ótimo!
- 5 babás se demitiram. - Ele disse, acabando com o meu barato.
Fiquei murcha.
- Não importa. Preciso desse trabalho.
Ele concordou com a cabeça.
- Vou ligar para o Sr. Tompson e perguntar se ele faz uma entrevista com você.
- Sr. Tompson? - Perguntei com a testa franzida.
- Sim. O pai das crianças. - Ele disse discando os números no telefone. Ele fez sinal para que eu fizesse silêncio e eu pus a mão na boca. - Sr. Tompson?
- Ele falou. - É da agência de empregos... Sim. Conseguimos alguém. - Ele se calou por uns segundos. - Tudo bem. Até logo. - Ele colocou o telefone sobre a mesa. - Amanhã, às 10:20. - Ele disse, enquanto escrevia o endereço da rua e me entregava. Quase chorei de alegria. - Ele tem um menino e uma menina. Audrey e Caleb. Os dois são gêmeos e tem 5 anos. - Ele me disse, enquanto apoiava os braços na mesa.
- Ótimo. Obrigada Sr...?
- Oh, desculpe minha falta de educação. Christian. Christian Swift. - Ele disse, apertando minha mão.
- Pois bem... Obrigada.
Ele piscou pra mim.
- Boa sorte. - Ele falou.
Quando saí da sala, eu senti meu rosto se encher de felicidade.
Corri até a minha casa e abri a porta. Meu pai estava sentado na poltrona vendo TV, Anna estava com a cabeça nos ombros dele e mamãe estava mexendo em uns papéis na mesa. Todos me olharam assustados.
- Consegui uma entrevista! Amanhã! - Eu gritei de felicidade.
Todos eles vieram em conjunto me dar um abraço.
- Com o que você vai trabalhar, se conseguir o emprego? - Anna perguntou.
- Vou trabalhar na casa de um homem que tem dois filhos, gêmeos, um menino e uma menina. Ele precisa de alguém para cuidar dos filhos dele. Serei babá.
Eles me olharam e forçaram um sorriso. Mas eu disse que valia à pena. O salário era bom...
Na hora de dormir, Anna bateu na porta. Ela se deitou ao meu lado e nós conversamos baixinho.
- Você tem que tomar cuidado. Eles são crianças. Olha a responsabilidade.
- Olha quem fala... Você que quase engravidou do Jordan. - Eu disse rindo.
Jordan era o namorado da Anna. Ele era alto, simpático, cabelos loiros, olhos castanhos e tinha um corpo bem definido. Lembro da situação engraçada. Minha mãe não estava em casa, mas meu pai sim. Ela tinha entrado correndo no meu quarto dizendo que estava atrasada e essas coisas... Eu fiquei apavorada junto com ela e nós fomos ao médico escondido. Alarme falso.
Eu estava rindo depois que falei aquilo. Ela dava tapas em meu braço e ria também.
- Ei! Isso foi sério! - Ela disse.
- Tudo bem.
Quando eu consegui parar de rir, nós duas pegamos no sono.
Acordei com a Anna me sacudindo.
- Cam! Cam! Acorde! Você vai se atrasar!
Ainda sonolenta, olhei para o relógio e vi que eu realmente ia me atrasar.
Levantei num pulo e tomei um banho rápido. Depois de escovar os dentes e lavar o rosto, coloquei uma calça jeans preta, uma blusa branca e soltinha e pus um casaco vermelho. Deixei meus cabelos soltos e fiz uma maquiagem leve. Na minha bolsa, tinha o necessário: batom, celular, bloco de anotações, uma caneta e um livro.
- Boa sorte! - Minha irmã gritou do quarto quando eu saí correndo.
- Tchau mãe! Tchau pai! - Eu disse correndo em direção à porta.
Corri atrás de um táxi e lhe mostrei o endereço.
- Pode ir um pouco mais rápido? Por favor? - Perguntei enquanto estava no táxi.
Ele acelerou e chegamos rápido até a casa. Entreguei-lhe o dinheiro, agradeci e lhe desejei um bom dia.
A casa era linda. Toda branca, um lugar cheio de brinquedos na parte da frente e dava para ouvir as crianças falando. Respirei fundo e dei uns passos até chegar na porta. Olhei para o relógio: 10:18. Esperei 2 minutos e apertei a campainha. Um senhor apareceu na porta. Ele tinha cabelos grisalhos, bem arrumados em um topete, pele bem branquinha, os olhos quase cinzas, alto e com uma postura boa para a idade que ele aparentava ter. Ele parecia ter uns 50 e poucos anos. Ele sorria pra mim, amigável.
- Bom dia! - Falei, simpática.
- Bom dia, senhorita. - Ele disse fazendo um gesto com a cabeça. - A senhorita é pontual.
Eu ri e ele me mandou entrar. A casa era ainda mais linda por dentro. Apesar da grande quantidade de brinquedos no chão, a casa era bem arrumada. Tinha móveis modernos e que combinavam com tudo. A luz do sol atravessava a janela dando luminosidade à sala e fazendo com que ela ficasse cada vez mais linda.
- Quer uma água, ou algo do tipo? - O senhor me perguntou.
- Oh não, obrigada. Eu vim para uma entrevista.
- Ah, sim. Vou chamar o Sr. Tompson.
Agradeci.
Fiquei admirando a casa até que duas crianças vieram correndo e esbarraram comigo. As duas caíram no chão.
- Oh meu Deus! Eu sinto muito. Vocês estão bem? - Perguntei, aflita e me abaixando para ajudá-las.
A menina estava vestida de princesa e o menino estava com uma espada de brinquedo na mão. Ela tinha os cabelos loiros, lisos e lindos. Seus olhos eram verdes maravilhosos e ela tinha um rosto de bonequinha. Ele tinha os cabelos loiros, lisos, olhos como o da garota e tinha um rosto lindo e sapeca.
- Sim. Quem é você? - O menino perguntou, com um semblante curioso.
- Vim falar com o pai de vocês. Eu sou Camille. - Eu disse enquanto os ajudava a se levantarem.
- Eu sou a Audrey e ele é o Caleb. - A menina disse. - Você é... Alguma princesa? - Eu ri.
- Oh, não...
- Você é linda. - O garoto disse.
- Obrigada!
Na mesma hora, o mesmo senhor que atendeu a porta, apareceu, e me disse:
- Por favor, acompanhe-me.
- Você vai voltar, não vai? - A menina perguntou, esperançosa.
- Vou. - Eu disse. Eles sorriram, mostrando os perfeitos dentinhos. - Volto logo.
O senhor me levou até um corredor e me mostrou a porta. Eu bati na porta.
- Entre. - Uma voz quente falou por trás.
Quando abri, pedi licença.
- Bom dia. - Eu disse, tensa.
- Sente-se. - O homem disse, direto.
Ele tinha cabelos negros, olhos azul-cobalto, pele mais ou menos bronzeada e aparentava ter a minha idade. Mesmo com o terno, seus músculos e peitoral obviamente definidos podiam ser notados, mesmo com a roupa por cima.
Me sentei na cadeira à sua frente.
- Então, onde trabalhou? - Ele me perguntou, se recostando na cadeira e me olhando como se fosse um policial interrogando um suspeito.
- Ham... - Comecei. Eu estava distraída. Céus! Ele era bonito pra caramba. - Eu trabalhava em uma loja de roupas perto da agência de trabalhos. 'Fashion Model'. Foi a minha única experiência de trabalho. Ora, me desculpe. Sou Camille Campbell, tenho 18 anos.
- Sou Alec Tompson. - Ele disse apertando minha mão. Seu toque era quente e me fazia ficar arrepiada. - Bom... Você tem experiência com crianças?
- Não. - Eu disse, como se já esperasse que ele me dispensasse.
- Então vou lhe fazer a seguinte pergunta: - Ele colocou os braços sobre a mesa e me olhou com aqueles lindos olhos azuis. - Como irá cuidar de meus filhos se você não tem experiência?
- Sr. Tompson, não vou mentir. Minha família depende do meu dinheiro e... Eu estou desempregada. Preciso desse emprego. Eu aprendo rápido. - Ele me olhou, atento. - Por favor. Me dê uma chance.
Ele se calou por uns segundos.
- Lhe darei 1 semana. Se demostrar responsabilidade e ter os devidos cuidados com meus filhos, estará contratada.
- Tudo bem. Muito, muito, muito obrigada, mesmo. - Eu disse, feliz.
Ele assentiu com a cabeça e me acompanhou até a sala.
- Papai! - As crianças gritaram e correram em direção ao pai.
Ele se agachou e abraçou os dois filhos.
- Ela não é linda, papai? - O filho perguntou.
- Diga que ela vai ficar, papai! - A menina falou.
O pai fez que sim com a cabeça e as duas crianças comemoraram. Eu ri. Não sabia que tinha ganhado o carinho delas tão rápido. As crianças não se pareciam muito com o pai, mas também não eram tão parecidas entre irmãos. O pai as encarava com um olhar amoroso e super paterno. Ele não tirava o sorriso do rosto enquanto estava ao lado deles e ouvia, atentamente, o que eles diziam.
- Deixei um caderno com as coisas mais importantes que você precisa fazer e como vai funcionar o seu turno. Está lá na cozinha. - Alec disse.
Assenti com a cabeça e agradeci, denovo. Ele piscou os olhos e esfregou o rosto.
- Está tudo bem?
- Sim. Só estou cansado. Se quiser, você pode começar o seu turno hoje.
- Tudo bem.
Foi quando notei seus olhos cansados. Ele parecia ter trabalhado por várias noites.
- Papai! Vem brincar conosco! - Audrey disse. - Venha Camille!
- Tudo bem. - Falei.
Eu me sentei ao lado das crianças e admirei a linda casinha de bonecas. Caleb brincava com um trenzinho. O Sr. Tompson foi até a filha e ajoelhou-se na frente dela.
- Eu prometo que quando eu tiver tempo, eu passo o dia inteiro com vocês. Tudo bem?
Os filhos disseram que sim mas ainda estavam chateados. O Sr. Tompson me olhou e voltou para o escritório.
- Vamos brincar, vamos. Me falem sobre vocês. - Falei.
Eles se sentaram na minha frente, animados, e cruzaram as perninhas. Eles seguraram minhas mãos e senti o toque gostoso de suas mãos gordinhas.
- Eu amo brincar de bonecas. - A menina começou. - Meu papai sempre me dá várias bonecas pra brincar.
- Eu percebi... Suas bonecas são lindas!
E eram bonitas mesmo. Todas tinham cabelos arrumados, roupas no lugar,... Eram muitas Barbies e bonecas de porcelana. Percebi que também havia um ursinho ao lado dela. Era um ursinho do tamanho de um coelho, marrom e fofo.
- E esse ursinho? - Perguntei, pegando-o e observando-o.
- Este é Olly. - Ela disse, sorrindo.
- Olly?
- Sim. Papai disse que foi uma das minhas primeiras palavrinhas.
- Que lindo!
- É...
- Você tem filhos? - Caleb perguntou.
- Ainda não.
- Ah...
- Bom... Qual de vocês dois é o mais velho ou velha?
- Eu. - Audrey disse.
- Foi o quê papai nos contou. Mas, ele não gosta muito de tocar no assunto de quando nascemos. - Caleb disse.
- Por que?
- Acho que é por causa da mamãe. - Audrey disse.
- Onde ela está?
- Ela foi embora. Assim que nascemos. Não me lembro dela, mas papai disse que somos parecidos com ela.
- Vocês são umas gracinhas. - Eu disse. Eles sorriram. - Caleb. Me fale sobre você.
- Gosto de Super-Heróis. Papai sempre me dá todos eles quando bonecos. Faço coleção deles e de carrinhos.
Haviam vários carrinhos no chão.
- E você? Camille? - Audrey perguntou.
- Bom... Eu gosto de tirar muitas fotos. Tenho uma parede em meu quarto, que é cheia de fotos. Coloco lá, as pessoas que mais gosto e que nunca vou abandonar, assim como elas não vão.
Audrey levantou e foi até uma gaveta. Ela a abriu e pegou de lá, alguma coisa. Ela correu até mim, se sentou no meu colo e me entregou. Era uma foto. Ela e Caleb. Eles sorriam e mostravam os dedinhos sujos de tinta. Haviam papéis no chão e os mesmos estavam com tinta. Estava uma perfeita fotografia.
- É uma foto minha e de Caleb. Pra você colar na sua parede. Para a gente saber que você nunca vai abandonar a gente, como muitos fizeram. - Ela disse, em uma voz meiga e inocente.
Meu coração apertou com tanta fofura e abracei os dois, que riram. Eu guardaria aquela foto com amor.
Brinquei com as crianças até o final da tarde, depois aquele mesmo senhor que me atendeu disse que eu podia ir descansar. Me despedi das crianças, com relutância pois gostei delas, e prometi que voltaria no dia seguinte.
Fui até a cozinha e peguei as coisas que o Sr. Tompson disse ter separado pra mim. Antes de ir embora, resolvi passar na sala dele para me despedir. Bati na porta mas não obtive resposta. Abri com cuidado e vi que ele estava dormindo com uma mão sobre o rosto e a outra repousava no peitoral definido. Peguei uma coberta e pus por cima dele. As janelas estavam um pouco abertas, mas, ainda assim, estava frio. Ele nem se mexeu. Vi que ele realmente estava cansado.
Observei-o, peguei minhas coisas e fui embora.
Ao chegar em casa, contei tudo pros meus pais e eles ficaram super felizes. Fui até o meu quarto e separei jogos e coisas legais para levar para as crianças. Antes de dormir, fiquei pensando nas coisas que aconteceram no meu dia. Lembrei da foto em minha bolsa. Me levantei num pulo e peguei minha bolsa, abrindo-a e procurando pela foto. Achei. Arrumei um espaço na parede, peguei uma tachinha e prendi a foto. Sorri e voltei para a cama. Até que aqueles olhos azuis me vieram à mente. Alguma coisa estava escondida através daquela ignorância, algo bom. Me virei para o outro lado e tentei dormir.
Durante aqueles dias, eu tinha me acostumado à toda a rotina na casa do Sr. Tompson. Eu chegava, às 8:20, preparava o café de Audrey e Caleb, os acordava, os dava banho e depois eles brincavam comigo. Às vezes, eu ficava no lado de fora da casa, observando eles brincarem.
Através de uma janela, dava para ver o escritório do Sr. Tompson. Isso quando a cortina estava aberta, o que era muito raro. Todas as manhãs eu passava no escritório dele para lhe dar "Bom dia" e quando eu ia embora eu também me despedia, mas ele parecia me odiar. Ele estava sempre de mal humorado. Quando eu chegava em casa, às 4:20, jantava e ia procurar por coisas que eu podia levar para Audrey e Caleb. Encontrei uma fantasia de joaninha, que eu usava quando era pequena, e uma capa de Super-Herói. Depois, eu arrumava as coisas, dava uma olhada nas anotações que o Sr. Tompson fez pra mim e ia dormir. Todos os dias, os olhos azul-cobalto me vinham à mente. Era inacreditável. Todo o momento em que eu fechava os olhos, isso era a primeira coisa que eu via.
Na semana seguinte, faltando uns minutos para eu ir embora, fui até a sala do Sr. Tompson.
- Entre, Camille. - Ele disse. Abri a porta.
- Mas... eu nem bati. - Eu falei, boquiaberta.
- Eu ouvi o barulho dos seus saltos e você hesita bater na porta por uns segundos. Fique tranquila, nunca joguei um vaso de flores nas babás quando algumas me desejavam um bom dia.
- Está bem. Desculpe.
- Sente-se. - Me sentei e ele ficou me olhando por uns segundos. - Bom... Você demonstrou responsabilidade, eu andei observando. Andei percebendo que meus filhos estão bem contentes com você aqui... E isso é bom.
- Então... Eu posso ficar?
- Sim.
Dei um gritinho e ele me olhou confuso, como se eu fosse uma maluca. Pigarreei e pedi desculpas. Ele me dispensou e eu lembrei das coisas que eu tinha que levar para Audrey e Caleb.
- Com licença. - Falei.
Saí correndo da sala e fui até o quarto das crianças. Elas me olharam assustadas quando eu abri a porta.
- Tenho presentes. - Falei para os dois. Eles se inclinaram pra frente, curiosos para saber o que tinha na mochila. - Para Audrey: - Peguei a fantasia e dei pra ela.
Ela deu um sorriso gigante e pulou com a fantasia.
- Obrigada! - Ela me abraçou.
- Para Caleb: - Eu lhe entreguei a capa de Super-Herói.
- Uau! - Ele pegou e a colocou.
Ele rodopiou várias vezes, me fazendo rir.
- Obrigado!
Fiz uma reverência para Audrey, que dizia ser a princesa joaninha e eu e Caleb demos um soco de mão. Nós três rimos e eles disseram que queriam mostrar as coisas para o pai. Eles se vestiram e foram até o escritório do pai. Audrey estava linda na fantasia de joaninha. A fantasia tinha mangas compridas, a calça cobria até os pés, havia um sapatinho preto, fiz duas trancinhas no cabelo dela, coloquei a touca e as anteninhas balançavam enquanto ela pulava e andava. Havia uma asinha preta atrás e a fantasia era vermelha e cheia de bolinhas pretas. Caleb estava muito engraçado. Ele colocou sua fantasia de super-man, endireitou o cabelo e colocou a capa. Eles bateram na porta.
- Papai! - Eles chamaram.
- Entrem.
Eles abriram a porta e fizeram pose. Eu ri por trás e o Sr. Tompson se encolheu na cadeira e riu até a barriga doer. Era aquela risada sincera. Seus olhos estavam cheios de lágrimas, ele tossia por engasgar,... E era uma risada mais do que perfeita.
- Do quê está rindo? - Audrey perguntou.
- Quem lhes trouxe isso? - Ele perguntou, em seguida, tossiu. As crianças apontaram pra mim e ele riu mais. Cruzei os braços sobre o peito e fiz uma cara de brava. - Ora, desculpem.
- Vamos brincar. Simon vai gostar das fantasias. - Eu falei.
- Com certeza. - Ele ainda ria.
Fechei a porta e eles começaram a correr pela casa em busca de Simon. Ele estava na cozinha.
- Sou a princesa das joaninhas! - Audrey falou.
- E eu sou o Super Caleb! - Caleb disse.
Simon me olhou e nós dois rimos.
- O Super-Herói e a princesa aceitam biscoitinhos? - Simon perguntou. As crianças se animaram e se sentaram na mesa. - E você, Srta. Camille? É o quê?
- Eu sou o Papai Noel adiantado.
Simon riu e todos nós comemos biscoitos. Separei alguns e fui levar para o Sr. Tompson.
- Entre. - Ele disse, quando eu bati na porta. Entrei e coloquei o prato com biscoitos sobre a mesa dele. Eu estava com cara de brava. - Ora... Não fique assim. Eu estava brincando.
- E rindo.
- Mas estava engraçado.
- Está bem. - Ele pegou um biscoito. - Bom... Eu já vou pra casa. Tenha uma boa noite.
Ele assentiu com a cabeça.
- Camille! - Me virei pra ele. - Obrigado.
Eu sorri, peguei minhas coisas e fui embora.
Estava frio, as ruas estavam vazias, as lojas já estavam fechando e o céu estava nublado. Fiquei caminhando enquanto lembrava daquela voz, daquela risada, daquele sorriso, daqueles olhos,... Óbvio que ele não pensava no mesmo.