Jogo de Máscaras

Von AliceHAlamo

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Não era para ser difícil ou perigoso, era para ser relaxante e prazeroso, apenas isso. Que ironia... Como se... Mehr

Capítulo 1 - Vista sua Máscara
Capítulo 2 - Tire sua máscara de inocente
Capítulo 3 - Tire sua máscara de puritano
Capítulo 4 - Vista sua máscara de bom amigo
Capítulo 5 - Vista sua máscara de bom partido
Capítulo 6 - Tire sua máscara de cara paciente
Capítulo 7 - Vista sua verdadeira máscara
Capítulo 8 - Vista sua máscara de felicidade
Capítulo 9 - Tire sua máscara de insegurança
Capítulo 10 - Vista sua primeira máscara
Capítulo 11 - Tire a máscara dos outros
Capítulo 12 - Vista sua máscara de enfermeiro
Capítulo 13 - Tire sua máscara de frieza
Capítulo 14 - Vista sua máscara de Mentiroso
Capítulo 15 - Vista sua máscara de protetor
Capítulo 16 - Vista sua máscara de Sasuke
Capítulo 17 - Vista sua máscara de honestidade
Capítulo 18 - Tire a máscara do seu adversário
Capítulo 20 - Vista sua máscara de cumplicidade
Capítulo 21 - Tire sua máscara de sob controle
Capítulo 22 - Tirem suas máscaras sociais
Capítulo 23 - Vista sua máscara de traído
Capítulo 24 - Tirem suas máscaras de protegidos
Capítulo 25 - Vista sua máscara de bom entendedor
Capítulo 26 - Vista sua máscara de ingênuo
Capítulo 27 - Vistam suas máscaras de aliados
Capítulo 28 - Tire sua máscara de encurralado, ainda há saída
Capítulo 29 - Vista sua máscara de John Dillinger
Capítulo 30 - Tire sua máscara de amigo leal
Capítulo 31 - Vista sua máscara de desespero
Capítulo 32 - Vista sua máscara de Giselle
Capítulo 33 - Vista sua máscara de precaução
Capítulo 34 - O cair das máscaras

Capítulo 19 - Vista sua máscara de Apaix-..., quer dizer, de viciado

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Von AliceHAlamo


Sasuke desligou a moto sem conseguir se desfazer do sorriso irritante e teimoso que se apossara de seus lábios. Contudo, sabia que não deveria estar se sentindo tão bem. Se dissesse que havia perdido a noção do horário, mentiria; o celular no bolso havia tocado a cada quinze minutos, o que lhe permitiu ter completa noção do horário. Então, sendo assim, permitiu-se se atrasar, ignorar Itachi, voltar tarde e, agora, ouvir um discurso enorme do irmão mais velho. E por que fizera aquilo? Vício. Essa era a resposta que estava na ponta da sua língua para qualquer um que perguntasse, mas não era bem a resposta que sua mente sussurrava ao coração fazendo-o acelerar de repente. Vício? Sim, vício. Que vício? Algumas pessoas se viciam em morfina, outras em drogas, outras em dor, e, apesar das diferentes substâncias, todas essas pessoas possuem algo em comum: estão em uma situação apática em que o vício interfere, melhorando-a de alguma forma, ou dando a impressão de que o faz. Afinal, ninguém se vicia a toa, não é mesmo?

Seus pensamentos foram temporariamente interrompidos quando a porta que ligava a garagem ao resto da casa foi aberta (escancarada com violência) por Itachi, Sakura e... aquela era Hinata? Tirou o capacete e desceu da moto como se estivesse tudo na mais perfeita ordem, ignorando o horário em seu relógio que acusava quase onze horas.

O rosto de Itachi estava calmo, indiferente, mas Sasuke sabia lê-lo. O modo robótico como o irmão respirava, inspirando em cinco segundos e expirando em sete já lhe dizia o suficiente sobre a raiva que Itachi tão bem aprendera a esconder dos outros. Sakura não estava diferente, quer dizer, ela, por sua vez, não escondia nada. Andava a passos rápidos em sua direção, com os olhos preocupados e a boca se abrindo diversas vezes sem nada dizer. Recuou dois passos devido à força e à falta de cuidado com que ela o apalpava enquanto começava a perguntar:

— Você está bem? Aconteceu alguma coisa? Sasuke! Quer nos matar do coração?!

Olhou-a. Gostava de poucas pessoas, bem poucas, mas Sakura, de alguma forma, conseguira conquistar seu afeto. O mundo, para ele, era como um lugar vazio, preto e branco, onde as pessoas que conseguiam lhe tirar alguma reação, algum sentimento, ganhavam cores e, então, passavam a fazer parte de sua vida. Itachi era o vermelho, vibrante, uma cor que lhe remetia poder, segurança talvez. E Sakura... Sakura era rosa, algo não muito original, admitia, já que o cabelo dela era daquela cor. Talvez fosse aquela preocupação exacerbada ou o modo tão natural, espontâneo e verdadeiro com que corria atrás e protegia aqueles com quem se importava. É, não precisava mentir para si mesmo, era realmente por isso. E o rosa, bem, ele lhe remetia ao cuidado, à atenção, à preocupação, ao carinho que a amiga tanto distribuía gratuitamente, sem esperar de si uma resposta, um agradecimento ou qualquer coisa. Era por isso que a deixava o inspecionar atrás de qualquer machucado ou seja lá o que Sakura estivesse procurando.

E aqui voltamos à explicação do vício. Durante toda sua existência, essas poucas pessoas que ganhavam cores para si e mudavam gradualmente sua rotina ofereciam-lhe pequenas doses de vida, davam-lhe motivos ou objetivos para que prosseguisse em um mundo onde, obviamente, não se encaixava muito bem, mas então aparecia Naruto. Naruto era uma incógnita que ele já tinha descoberto e se recusava a admitir, era uma peça branca que passava a brilhar em um amarelo como o sol, cegando-o se fosse possível. E não só isso! Ele lhe oferecia mais do que "pequenas doses", era como se tivesse uma overdose toda vez que o via!

Sacudiu a cabeça, livrando-se dos pensamentos quando Sakura deu um passo para trás depois de verificá-lo por completo.

— Onde você estava? — Sakura gritou à sua frente com as mãos na cintura. — Itachi está te ligando há horas, Sasuke!

— Eu te mandei uma mensagem — respondeu, calmo, tocando o ombro da amiga para que entrassem.

— Mensagem? — ela perguntou confusa.

E, como Sasuke sabia que ia acontecer, ela correu para dentro da casa atrás do celular que continha uma única mensagem enviada por SMS, justamente porque, como ele também já sabia, Sakura não lia nada que recebia no telefone se não fosse via e-mail ou aplicativos mais atuais de conversa, o que lhe serviria de único argumento de defesa.

— Ah, droga... — Sakura exclamou e mordeu o lábio inferior, sem jeito. — Itachi, ele mandou mesmo uma mensagem... Desculpe, eu não vi... Que merda, Sasuke, por que não manda uma mensagem pelo whatsapp como todo mundo?

— Estava sem internet — justificou, calmamente, enquanto se jogava no sofá, evitando olhar para o irmão e ser pego na mentira.

— Está com fome? — Itachi perguntou e indicou o sofá para que Hinata se sentasse também.

— Um pouco. Tem alguma coisa?

— Vou fazer alguns lanches, vocês têm muito o que conversar. Sakura vai dormir aqui para te ajudar a analisar o material. Hinata, se quiser, posso levá-la para casa, mas pode dormir aqui com Sakura se preferir.

Sasuke não ouviu bem o que Hinata respondeu para Itachi, apenas olhou para Sakura no outro sofá, que, agora, corava fortemente e movimentava as mãos de forma desordenada. Arqueou a sobrancelha e pendeu a cabeça para o lado enquanto a amiga desistia de se explicar e fixava os olhos no chão. Notou Hinata se aproximando, já com a bolsa pendurada no ombro. Ela o encarou com um sorriso gentil e se aproximou para despedir-se com um rápido beijo no rosto.

— Eu te acompanho até a porta. — Sakura se levantou rapidamente e limpou as mãos na calça enquanto sorria para Hinata.

Sasuke continuou confuso e olhou para trás onde Itachi o encarava com um sorriso travesso no rosto.

— Tenha cuidado. Assunto delicado ainda — Itachi recomendou enquanto lhe entregava uma xícara quente de café, após ter colocado os pratos rápidos no micro-ondas. — E então — Sentou-se ao lado do irmão. —, onde estava?

— Com Naruto.

Itachi revirou os olhos e deixou a cabeça repousar no encosto do sofá.

— Sasuke...

— Eu só sai com Naruto e fomos para a casa dele. Perdi a hora... você sabe como é. — Sorriu, malicioso, torcendo para o irmão acreditar na desculpa.

Itachi soltou uma risada anasalada e olhou para a porta, vendo o exato momento em que Hinata se aproximou e beijou levemente Sakura antes de ir embora.

— Uau! — Sasuke sussurrou. — Isso sim é informação nova. Desde quando?

— Pergunte a ela — Itachi respondeu.

— Mas você já sabia disso, não é?

— Pergunte a ela.

— Por que não me contaram?

— Pergunte. A. Ela. — Itachi bateu os dedos na testa do irmão e se levantou ao som do micro-ondas.

Sakura trocou um olhar acusador com ele antes de voltar à sala e, então, forçou um sorriso para Sasuke, sem saber como começar a falar. Sem perceber, permaneceu parada, a mão ora arrumando as mechas do cabelo ora apertando o tecido da blusa. E por que Sasuke tinha que parecer tão frio? Tão sério? Podia ver nos olhos dele um pouco da surpresa de minutos atrás, mas não conseguia saber a reação dele. Estaria chateado por não lhe ter contado antes? Estaria com raiva? Por que ele ficaria com raiva? Ele não tinha direito algum a ficar com raiva! Não ele que também não lhe contava as coisas e que só contou que era gay quando... Pera! Ele não contou! Tinha sido ela que, como sempre, havia ido ao apartamento dele levar uns documentos que ele tinha esquecido e BINGO! Achara-o com um homem mais velho, semi nus, no sofá daquela sala.

— Sakura? — Sasuke a chamou quando seu relógio acusou cinco minutos do mais puro e estranho silêncio. — Vai ficar de pé?

Ela negou e se sentou no sofá ao seu lado, cruzando as pernas e descruzando atrás de uma posição confortável.

Sasuke revirou os olhos e entendeu que seria melhor deixar aquele assunto para depois.

— E então? Como foi com Orochimaru? Conseguiu fazer as perguntas?

Sakura assentiu e se esticou no sofá para pegar a bolsa esquecida. Retirou o gravador e o caderno de Sasuke para os entregar ao amigo. Depois disso, esperou-o. Ele se levantou para ir ao quarto buscar o notebook, e Sakura sorriu quando Pandora finalmente acordou e saiu do quarto para se juntar a ela no sofá. Acariciou as orelhas geladas e deixou que ela subisse e deitasse em seu colo como se fosse uma grande e confortável almofada. Sasuke ligava o computador e se preparava para passar as gravações para ele a fim de escutá-las melhor, tudo em silêncio. Às vezes, poucas vezes, o silêncio dele era bom. Agradecia, mentalmente, por ele preferir não a encher de perguntas como qualquer outro faria. Havia acontecido tantas coisas só naquele dia... Estava exausta! Dissera que ficaria ali para ajudar Sasuke na pesquisa, mas seus olhos mal se aguentavam abertos.

— Sakura? — Itachi a chamou ao estender um prato quente de lasanha.

— Nossa, você com comida congelada? — ela provocou ao aceitar o prato.

— Temos que fazer compras, não pude cozinhar nada decente com o que Sasuke tem naquela geladeira. Aqui, Sasuke, coma. — Estendeu o segundo prato. — Eu vou deixar vocês dois trabalharem. Boa noite. Ah, otouto, não saia amanhã cedo, vamos conversar antes de pensar em ir a algum lugar.

Sasuke assentiu, contrariado, mas respondeu:

— Boa noite, aniki.

— Boa noite, Itachi, obrigada pela comida. — Sakura sorriu, desviando o prato de Pandora que se erguia para tentar a sorte.

Depois disso, Sakura até quis puxar assunto, quis se explicar porque, de alguma forma, achava que devia, mas a voz não saiu, continuaram a comer em silêncio, apenas o som de Sasuke digitando ressoava pela sala. Terminou de comer e colocou o prato junto ao de Sasuke sobre a mesa de centro. Pandora ergueu-se e, antes de pular para fora do sofá, Sakura a segurou e a colocou cuidadosamente no chão. Espreguiçou-se e se aproximou do amigo para encostar a cabeça no ombro dele enquanto a gravação do dia começava a rodar no computador.

— Essa não é sua voz — Sasuke comentou com o cenho franzido e a olhou, alarmado, em seguida. — Hinata? Deixou Hinata fazer as perguntas?

— Ela se ofereceu. E até acho que ela foi bem melhor do que eu seria.

Sasuke abriu o caderno e passou a anotar as respostas de Orochimaru que mais lhe interessavam. Eram duas horas de gravação entre as perguntas de Hinata e de outros jornalistas e repórteres, e Sakura observou, sonolenta, a atenção com que o amigo ouvia tudo, rascunhando alguma coisa naquele caderno preto. Ele mordia a tampa da caneta, estalava a língua no céu da boca quando Orochimaru dizia alguma mentira estúpida e sorria antes de bater a caneta duas vezes contra a folha branca quando o político se entregava sem perceber. Era engraçado ver como ele se divertia com algo tão perigoso. Para ele, tudo não passava de um jogo, como aqueles de tabuleiro em que a sorte é definida por um simples jogar de dados. E isso a preocupava. Sasuke não tinha a mínima noção de autopreservação, ele mergulhava em problemas e nadava sorridente a cada descoberta, abria caminho entre as mentiras, comemorava com braçadas longas toda nova revelação, porém se esquecia dos tubarões famintos que ficavam em seu encalço.

Bocejou. A luz da sala acesa era a única de toda a casa e não havia mais barulho na rua devido ao horário, só a voz de Hinata ainda ecoava, doce, mas forte, sem hesitação. Toda vez que Sakura a viu se levantar para se dirigir a Orochimaru, Hinata não tremia ou parecia desconfortável, era quase como se estivesse em seu próprio habitat. As perguntas de Sasuke eram inteligentes, provocantes, mas o raciocínio de Hinata era astuto o suficiente para criar réplicas ainda mais perspicazes. E ela era tão linda...

— Sakura, este é o quinto suspiro em menos de quatro minutos.

Ela esfregou o rosto no ombro dele, como um gato, e deu o sexto suspiro que fez Sasuke pausar a gravação a espera do desabafo.

— Sou lésbica.

— Isso eu percebi. — Sasuke sorriu de canto. — Por que não me contou?

— Porque... bem, você não é muito aberto para conversas sentimentais, não é, Sasuke? — Ela riu de nervosismo.

— É, Itachi se sai melhor nesse quesito — Sasuke admitiu.

— Muito melhor. E Hinata é... diferente. Nunca me interessei de verdade por uma mulher. Estranho, não? — Passou a mão no rosto para disfarçar o constrangimento. — E você?

— Prefiro homens, Sakura.

— Ah, eu sei. — Bocejou ao fazer um gesto de descaso. — Mas e Naruto? Hinata perguntou se você estava interessado nele. Eu disse que sim. Não me olhe assim! — reclamou quando ele estreitou o olhar e trincou a mandíbula. — Ele é legal, mandei umas fotos de você dormindo para ele. — Riu.

— Gosta dela?

— Gostar? — Sakura perguntou de repente e se afastou o suficiente para olhá-lo melhor. — Não sei. Ainda estamos nos conhecendo, não tem como gostar de alguém assim tão rápido, Sasuke. Ela é interessante, eu gosto da companhia dela, beija bem, mas gostar ainda não é certo, mal a conheço.

Sasuke deixou a caneta no sofá e apoiou a cabeça no estofado enquanto pensava. Ele não era como Sakura. Ela conseguia se envolver com alguém sem pensar realmente nos sentimentos que aquilo acarretava. Ele não. Todos que atravessavam a espessa linha, que separava as pessoas com quem se importava das que não, mexiam com seus sentimentos uma vez que o faziam se sentir vivo, mesmo que minimamente. Dizer que se interessava por Naruto era um eufemismo, embora não fosse falar isso em voz alta para alguém tão espalhafatosa quanto Sakura. Gostava dele, assim como gostava de Sakura, de Deidara, de Itachi, de Pandora. Ok, talvez não no mesmo patamar.

E o que isso significava? Significava que era um idiota. Podia ser como Sakura, optando por se envolver com alguém sem criar expectativas, sem pensar no quanto sua mente e coração ficariam abalados com aquilo. E já estavam abalados! Naruto o fazia se sentir vivo mesmo sem ter que recorrer à dor para isso. E era algo inédito, algo tão bom que sabia estar ficando totalmente dependente daquela sensação aos poucos, lentamente mais e mais necessitado da dose de endorfina que Naruto lhe proporcionava simplesmente por estar ao seu lado.

"Vício" era como ele chamava Naruto; recusava-se fortemente a usar a expressão que Itachi usava para essa situação porque tinha plena ciência que, uma vez que chamasse Naruto de sua exceção, iria perder-se, mais do que já havia feito.

Ah, mas que merda!

Olhou para o lado para rebater o que Sakura tinha dito, mas revirou os olhos quando a viu dormindo. Dormindo profundamente. Ótimo, teria que a levar para a cama, mais essa...

* * *

Gaara acordou cedo e com dor de cabeça. Também... quem dera pudesse discutir com Naruto e acordar bem no dia seguinte. Tá, não foi lá uma discussão, ele não deixou muito Naruto se defender nem disse todas as ofensas que queria, mas (e sempre existe um "mas") não fingiu que a visita rápida do jornalista se estendeu mais do que deveria.

Em síntese, haviam chegado a um acordo horrível na opinião de Gaara, porém, se era o único jeito, que alternativa tinha? Naruto faria o que quisesse (como se ele já não fosse fazer...), mas manteria ou ele ou Hinata avisados de tudo, absolutamente tudo, cada passo, cada nova ideia brilhante que Sasuke tinha como, por exemplo, ir falar com Kiba Inuzuka! Ah, Deus, o que Naruto tinha na cabeça para ir falar com Kiba? Por que ele não deixava aquele assunto quieto, esquecia Neji e, sei lá, tirava férias no exterior? Porque ele era um idiota. Simples assim.

Sério, a ingenuidade de Naruto deixava Gaara de extremo mau humor às vezes. Ele não podia ser um pouquinho como os demais da Akatsuki? Levemente depressivo ou revoltado com a vida?

Cumprimentou Tsunade na cozinha, já acordada pelo hábito. O relógio do celular mostrava sete da manhã, e a caneca e o prato na pia o informavam que Naruto já havia ido para a faculdade para a maratona de provas. Não tinha ideia de como o amigo aguentava aquela vida.

Terminou de comer e se levantou. Ino o havia dispensado por alguns dias para que revisse os quadros já quase prontos e, por isso, estava livre para fazer o que quisesse. Contudo, a verdade era que não conseguia pensar em mais nada que não fosse a maldita artista. Até havia acordado cedo por hábito! Como se ainda tivesse que ir ao apartamento dela para continuarem os quadros... Isso sem contar o ciúmes que corroía suas veias ao se lembrar do homem com quem tinha se encontrado da última vez que deixara o apartamento dela. O que ele estava fazendo lá?

Mas o problema que Gaara não entendia era que Ino não podia o deixar ir ao apartamento de maneira alguma. Sentada sobre uma almofada verde limão sobre um banco de madeira, com a luz branca do ateliê iluminando todo o cômodo e mais de trinta e seis horas sem dormir absolutamente nada, Ino deslizava o pincel com tinta preta sobre o contorno do queixo do retrato que finalizava. Concentrada, focada, irritada, decepcionada.

Depois da exposição que havia ido com Gaara, seu mundo havia sofrido com pequenos e chatos tremores. A começar pela "briga" com o modelo. Ele até havia ido ao seu apartamento no dia seguinte, como tinha prometido, em pleno feriado, mas Ino o dispensou depois de míseras duas horas no ateliê, em silêncio, pensativa demais e com um bico de descontentamento nos lábios pela frieza com que ele estava se portando. Não o queria daquele modo, e aquele também não era o homem a ser retratado em suas pinturas, não mesmo!

Como se o dia não pudesse piorar (ah, ele sempre piora), seu empresário achou muito oportuno visitá-la naquele mesmo dia, esbarrando-se em Gaara logo na porta de seu apartamento. Ah, aquela foi uma discussão cansativa...

— Você ficou louca? — Kakashi perguntou, quase que gritando. — Você levou um prostituto a um evento importante, Ino!

— Ele é meu modelo, não é nada demais eu levá-lo a um evento de arte; logo mais, ele será o centro de um também, lembra-se? — Sorriu enquanto oferecia uma xícara de café preto a ele. — O que houve? Você estava gripado, não deveria vir aqui. Já imaginou se eu fico doente também?

— Sem brincadeiras, Ino. As revistas não param de falar em você!

— Revistas? — perguntou, surpresa.

Kakashi revirou os olhos, inconformado com a alienação da artista. Enquanto ele abria a pasta que sempre carregava consigo e tirava as revistas do dia, Ino mordia o polegar ao buscar por seu próprio nome no Google do celular atrás de notícias. Fotos, fotos, fotos, mais fotos, mais fotos, comentários sobre o vestido, sobre o cabelo, sobre a postura e, finalmente, sobre seu acompanhante. Sentou-se no sofá e deixou o celular sobre a perna enquanto pegava uma a uma as revistas para lê-las primeiro. Revistas mais sérias, ou seja, as que temiam um processo que afetasse sua credibilidade, não tinham falado muita coisa sobre Gaara, apenas o mencionado como acompanhante dela e provável, PROVÁVEL, novo caso da artista.

— Como se eu tivesse muitos — resmungou ao deixar a revista sobre o sofá e pegar a que Kakashi fazia questão de lhe estender. — Essa é o problema?

Era. As fotos da revista News eram justamente as fotos que uma revista de fofoca usaria! Havia uma foto do começo do evento, logo quando eles haviam chegado e posado para a mídia rapidamente, mas as seguintes faziam Ino repensar se queria ou não ler a matéria. Tinham registrado o exato momento em que estava com Neji e Gaara, e a foto não deixava muitas dúvidas de que o clima da conversa não era nada bom. Aliás, do modo como a câmera havia pego a cena, a impressão que passava era de que Gaara e Neji estavam prestes a pular um sobre o outro e começar uma luta ali mesmo. Logo embaixo, mais duas fotos, tiradas na frente do prédio em que morava. O beijo que haviam trocado estava bem visível em uma das imagens e, na outra, mostrava Gaara indo embora e ela entrando no prédio.

— Quer que eu leia para você? — Kakashi pegou a revista das mãos dela. — "E parece que nem só de tintas e pincéis vive nossa queridinha Ino Yamanaka! A pintora que conquistou o mundo com seu mundo monocromático está saindo com, segundo nossos olhos, fotos e depoimentos, Gaara no Sabaku. Gaara possui vinte e oito anos, signo capricórnio e dono de uma beleza exótica. Onde esses artistas encontram pessoas assim é o que essa pobre escritora aqui se pergunta todos os dias. Até o momento, não sabemos muito sobre o mais novo crush das celebridades, mas, ao que parece, nosso querido prefeito Neji Hyuga deve saber já que foi flagrado discutindo com ele por longos minutos. Será esse o começo de uma história romântica? O prefeito teria tido algo com Ino Yamanaka no passado? Ou nosso crush ruivo não gostou de outro boy se aproximando dela? Eu aposto na segunda opção graças ao beijo dado à meia noite em frente ao prédio de nossa Cinderela! Romântico, não? Apesar de termos pesquisado muito sobre esse novo príncipe encantado, pouquíssima informação foi encontrada sobre ele, contudo, ao fim da matéria, disponibilizamos a única conta do faceebook encontrada no nome dele. Acharam que eu não traria nada útil aos meus queridos e fiéis leitores? Por enquanto, contentem-se com isso, mas não se preocupem! Ainda não sabemos ao certo quem é esse homem maravilhoso, mas não se esqueçam, queridos leitores, as notícias nunca deixam de correr; logo mais, desvendaremos esse mistério de olhos verdes!"

Ino balançou a cabeça em descrença.

— Pintura monocromática? Ela sabe o significado de monocromático? Porque eu tenho certeza que meus quadros, todos eles, tem ao menos uma parte colorida. — Bufou e se levantou, pronta para ignorar o empresário enquanto seguia ao ateliê.

— Ino! Esse não é ponto, e você sabe muito bem disso! Vão começar a investigar esse seu modelo! E quando descobrirem? O que você vai fazer se descobrirem?

— Kakashi, essa é a única notícia que saiu sobre Gaara e vem de uma revista de fofoca. Nenhuma revista séria compartilhou a informação ou do ponto de vista dessa retardada que não sabe a definição de quadros monocromáticos.

— Sua carreira pode ir ao lixo se insistir em retratar esse garoto de programa, Ino! — ele esbravejou e a segurou pelo braço.

— E quer que eu mude agora o modelo, a temática, tudo? Eu levo 40 horas no mínimo para finalizar por completo um quadro. Sabe o que é isso? Mesmo que, com 25 horas, o quadro esteja pronto, há 15 horas perdidas aí em que eu o retoco, adiciono cor, detalhes, mudo alguma coisa. A série toda é composta por dezoito quadros, consegue fazer as contas? Eu consigo porque já fiz várias vezes para saber se o prazo horrível que me deu daria certo! São 30 dias se eu não dormir, 37 se eu dormir cinco horas por dia, 40 se eu dormir cinco horas por dia e gastar uma hora para as refeições. Eu tenho oito quadros completos nesse momento, secando, enquanto os outros ainda não saíram nem do rascunho! E eu gastei boa parte do meu tempo no começo tentando procurar outro modelo porque você não aceitava Gaara. Não daria para começar outra série de quadros nem se alguém colocasse uma arma na minha cabeça, não daria tempo mais!

— Ele não vale sua carreira, Ino.

— Kakashi, entenda uma coisa, eu faço quadros pela arte, pela minha arte. Tudo o que eu coloco nas minhas telas é arte para mim; foi pela arte que me tornei pintora, não pela "carreira", fama ou qualquer outra coisa. Eu não vou deixar de retratar o que eu quero ou quem eu quero porque vai ou não vender, porque vai ou não me colocar em risco. E se você não está contente e não consegue aceitar isso, creio que seus serviços não são mais necessários.

Kakashi recuou um passo, voltou à expressão de seriedade e à sala para recolher as revistas e colocá-las na pasta. Virou-se para Ino que o observava de braços cruzados e, então, perguntou:

— Está me demitindo?!

— Se não pode lidar com meu modo de ver o mundo, sim.

— Seu modo de ver o mundo... Ino, você nem devia se envolver com esse tipo de pessoa para começar... Você foi a um bordel! Várias vezes! O que diriam se descobrissem? Realmente já parou para pensar na repercussão que vamos ter quando descobrirem o que seu modelo faz? Consegue imaginar as manchetes?

— Não serei a primeira nem a última artista a retratar algo ligado à prostituição, Kakashi! Em que século você vive? Henri de Toulouse-Lautrec o fez no século XIX, Auguste Clésinger esculpiu uma cortesã, Gustave Flaubert teve uma cortesã como musa e frequentava bordéis, Ticiano esculpiu outra no século XVI e a chamou de Vênus! Manet, Picasso e muitos outros! — gritara com raiva daquela vez, tendo que respirar fundo para continuar. — Não voltarei atrás porque está com medo do que umas revistas de fofoca podem dizer.

— Você não está só retratando esse homem, Ino, está se envolvendo com ele; isso torna as coisas piores, não se faça de idiota. Todos os que você citou foram julgados, condenados pela sociedade, mal vistos.

— E eternizados, não é? — ela cuspiu com ironia. — A arte não é apenas para mostrar o belo, é para incomodar, provocar, obrigar as pessoas a refletirem, a reverem seus conceitos antigos e abraçarem novos. Não importa a época, não importa o lugar, sempre haverá um artista que vai incomodar alguém. Então por que não eu?

Kakashi assentiu, sério, e então a olhou conformado com o veredito.

— Boa sorte com a procura do seu novo empresário. Não se preocupe que o contrato de sigilo ainda é válido, não comentarei nada sobre sua vida pessoal ou sobre seus trabalhos antigos, atuais e futuros. Tenha um bom dia, Ino, e — Riu sem humor. — boa sorte, você vai precisar.

Depois disso, preferiu preparar vários sanduíches e levar ao ateliê, de onde só saía para ir ao banheiro quando não podia mais segurar a vontade. Trinta e seis horas. Mais um quadro finalizado. Mais a vontade de rasgar tudo crescia dentro de si.

A exposição para o mês seguinte já estava confirmada, então não precisaria de um empresário tão cedo, contudo, Kakashi tê-la deixado era... difícil mesmo de engolir. Levantou-se e retirou o quadro do cavalete para movê-lo com cuidado até um outro mais ao fundo do ateliê, lugar onde os finalizados ficavam para esperar a tinta secar.

Pouco tempo, pouco tempo, pouco tempo. Terminar logo era uma necessidade, a tinta precisava secar completamente para a pintura poder ser exposta, não podia cometer erros; nenhum erro, nem o menor dos erros era permitido àquela altura do campeonato. Portanto, dispensara Gaara. Ele a distraía, não, não... Pintar ficava mais fácil com ele ali, o tempo parecia voar, e era isso que ela tinha que evitar! Quanto menos o tempo voasse, melhor! Se pudesse, o agarraria, pintando uma gaiola dourada ao estilo rococó apenas para guardá-lo enquanto não tivesse finalizado todos os quadros.

Arrastou-se para fora do ateliê, eram sete da manhã já, ativou o despertador para onze e meia porque sabia que só acordaria meio dia. Chegou a bateria do aparelho e ignorou a mensagem de Gaara que seu visor acusava. Entrou no quarto e deixou o corpo ser atraído para a cama como se fossem dois ímãs de cargas opostas e fechou os olhos na esperança de que dormir recarregasse minimamente suas energias para a pintura do próximo quadro.

* * *

Ten-Ten já havia percebido que Hiashi tinha colocado seguranças atrás dela para "protegê-la" quando não estivesse com Neji. Mentiroso... Ela sabia que não era para sua proteção, mas para a da campanha de Neji. Por algum motivo, Hiashi agora seguia tanto ela quanto o sobrinho para evitar que eles saíssem da rotina, ou seja, vissem os amantes. Mesmo que ela afirmasse com todas as letras que não via mais Kiba, Hiashi não acreditava e persistia na ideia de que qualquer deslize poderia ser o fim de todos. E esse medo visível dele levava Ten-Ten a se questionar o que Hiashi não estava contando a eles. Alguma coisa certamente havia acontecido na semana anterior, depois da exposição do artista, algo que Hiashi não lhes contava e, para piorar, fazia questão de mantê-los ocupados, extremamente ocupados.

— Senhora Hyuga, é um prazer recebê-la! — A diretora da creche lhe sorriu abertamente.

Era a terceira creche só naquela semana. Sorriu, como precisava ser feito, deixou que os fotógrafos do partido fizessem seu trabalho, leu para as crianças, deu um ou outro discurso sobre educação, sobre o futuro, essas coisas, e saiu com falsa cara de surpresa quando encontrou a mídia na saída da creche pública daquele bairro esquecido por Deus.

Respondeu educadamente a todos, mas o sorriso, tão bem desenhado em seus lábios cobertos do escuro batom, desapareceu gradativamente quando a pergunta que não queria ouvir foi feita:

— A senhora e Neji são casados já há alguns anos, não pensa em ser mãe?

A máscara caiu por alguns segundos e foi particularmente difícil recolocá-la, achar as palavras e responder de forma evasiva. Não convencera, percebeu isso, mas não podia fazer mais nada. Despediu-se e entrou no carro a sua espera ao passo que se repreendia pelas próximas notícias sobre o seu casamento que, com certeza, divulgariam no dia seguinte.

Deitou no banco do carro e abriu a agenda.

Jantar com a esposa de Orochimaru às 19h30min.

Eram já três da tarde, teria uma hora no trânsito até sua casa e esperava que Hiashi, pelo menos, já tivesse dado as ordens na cozinha para o jantar com Kaguya. Argh, mulher insuportável.

O celular vibrou.

"Espero que seu dia não esteja tão ruim quando o meu" – Neji.

"Ainda não, mas vai ficar. Jantar com Kaguya" – respondeu.

"Algo está errado. Hiashi me aprisionou dentro da prefeitura. Tenho mais três reuniões só hoje e, de repente, só hoje apareceram mais documentos que precisam da minha assinatura que em todo o meu mandato" – Neji.

"Já percebi. Não se preocupe. Verei o que está acontecendo"

"Tome cuidado" – Neji.

"Sempre tomo" — finalizou a conversa e desligou o aparelho para que pudesse descansar um pouco.

Seu pai já havia lhe prometido investigar Hiashi. Ela tinha o convencido bem do que estava acontecendo, e mandar uma mensagem contando que estava sendo seguida, vigiada e "controlada" só deixaria seu pai mais irritado, o que era uma boa jogada, já que, assim, podia, além de fortalecer a mentira inventada, dar um incentivo a mais a ele para caçar Hiashi de todas as formas possíveis.

Mentira... Não havia sido assim uma grande mentira se parasse para analisar.

1) Hiashi atrapalhava seu casamento (verdade)

2) Hiashi tenta controlar Neji e fazer a cabeça dele (verdade)

3) Hiashi a destratava e fazia o possível para fazer sua vida um inferno (verdade)

4) Hiashi os ameaçava com a retirada do apoio político (verdade)

5) Hiashi os obrigava a participar de vários esquemas que, obviamente, eles sabiam que dariam errado

6) Hiashi ameaçava incriminá-los

Viu? Só as duas últimas continham uma pequena mentira, tão pequena que, se negasse várias vezes, poderia até ela mesmo acreditar que não existia!

Deslizou os dedos pelo ventre, ato que já havia se tornado um hábito, e conferiu o relógio para ordenar:

— Vá devagar.

— Sim, senhora.

Dormiria um pouco, precisava disso para aguentar uma noite inteira com Kaguya...




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