G L O S S Á R I O
Eomma: mamãe.
Appa: papai.
Gongju: princesa.
Agashi: senhorita.
Wang jeonha: sua majestade real, o rei.
Jeonha: pronome de tratamento para se dirigir ao rei.
Abamama: forma respeitosa de a princesa dirigir-se ao seu pai, o rei.
Eomamama: forma respeitosa de a princesa dirigir-se à sua mãe, a rainha.
GangnyeongJeon Hall: nome dado aos aposentos do rei e da rainha no palácio Gyeongbokgung.
Donggung: nome dado aos aposentos da princesa herdeira.
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Abril de 2016, Palácio Gyeongbokgung
Seul, Coreia do Sul.
UMA EXUBERANTE CHUVA torrencial agracia a cidade nesta tarde, pondo fim a um longo e angustiante período de seca.
Papai diria que isso é um sinal de que o céu aprova sua decisão.
Estendo a mão para fora da janela e sinto o toque delicado das gotas traçando rotas sinuosas ao desfazerem-se sobre minha pele.
Princesas não devem tomar chuva. É o que me ensinaram a vida inteira.
A Monarquia nem sempre foi a forma de governo adotada na Coreia do Sul, porém é tudo que eu conheço.
A invasão Japonesa em 1910 anexou nossas terras e colocou um fim na grande dinastia Joseon. Com o termino da segunda guerra mundial, as forças do Japão foram vencidas, mas nem por isso nossa situação melhorou.
Fomos separados cruelmente na altura do paralelo 38. Na época, a parte norte ficou sob o comando da antiga União Soviética e a parte sul, ocupada pelos Estados Unidos.
Mesmo após a retirada dos estrangeiros, a Coreia continuou dividida e este quadro, infelizmente, ainda permanece inalterado.
Não há paz com o norte, apenas um frágil cessar fogo. Vivemos todos num constante pesar.
Mais adiante, em 1992, a República da Coreia tomou a decisão de restabelecer a extinta monarquia, porém dessa vez sob o sistema parlamentarista, e foi assim que meus pais vieram parar aqui¹.
Eu, por outro lado, só vim a nascer alguns anos depois, já no seio da família real.
Minha família real.
Rainha que não posso chamar de eomma.
Rei que não posso chamar de appa.
Princesa que é apenas, e meramente, Gongju.
As pessoas não se referem a mim como Kim Sun Hee, nem mesmo meus pais. Às vezes obrigo Kang Soo Bin, minha dama de companhia, a pronunciar meu nome em voz alta, contudo o pavor em seus olhos é tão grande que acabo deixando-a em paz.
— Gongju agashi. — Soo Bin bate na porta e entra. — Wang jeonha a espera nos aposentos reais.
Sem delongas desnecessárias, levanto do chão e acompanho Soo Bin até o GangnyeongJeon² Hall. Mesmo ciente do que me aguarda, não consigo evitar sentir meu coração descompassar-se numa arritmia melancólica. Em alguns metros meu destino será selado.
Mais um passo. E outro e outro e, finalmente, o fim.
— Jeonha, a Gongju está aqui. — Minha dama de companhia anuncia minha presença, lança-me um olhar compassivo e se retira.
— Abamama — Cumprimento meu pai e me sento sobre minhas pernas.
— Imagino que saiba o motivo pelo qual a chamei. — Ele e mamãe estão acomodados na cama, observando-me com cautela, aguardando minha resposta.
Apenas assinto e ele prossegue.
— Começaremos em breve os encontros com a família de Lee Min Suk para discutir a possibilidade de um casamento. O pai dele é um homem com grande influência nas relações exteriores, o que faz com que essa união seja vista de forma favorável pelo parlamento. Se tudo correr bem, o noivado deve ser oficializado ao final do ano, esteja preparada.
— Abamama, sobre o meu pedido...
— Não acredito que seja seguro.— Ele me interrompe, coçando a barba como se refletisse intensamente. — Hoje não. Apenas vá.
Baixo a cabeça em sinal de respeito e me retiro sem pronunciar uma palavra sequer. Não tenho forças para tanto e estou certa de que começarei a chorar no instante em que abrir a boca.
Porém, antes que eu alcance a saída do saguão real, uma mão envolve meu braço. Mesmo sem olhar pra trás, sei de quem se trata. Seu perfume almiscarado é reconfortante e familiar.
— Gongju. — Eomamama me abraça e afaga meu rosto. — Desejo que seu coração não se entristeça muito. Você tem um dever para cumprir com essa nação, querida. Espero que se lembre disso e consiga ficar em paz.— Ela me fita e seus olhos estão úmidos, refletindo os meus. — Quanto ao seu pedido, tentarei conversar novamente com seu pai.
Mais uma vez, não digo nada e, geralmente, nem preciso. A mulher à minha frente é capaz de desvendar qualquer tipo de silêncio que eu lhe ofereça.
Contudo, nesta noite, mostro uma quietude que ela não pode discernir ou julga melhor fingir não entender.
Não a culpo. Meu interior só refletiria pensamentos que a deixariam aflita, por isso os guardo, disfarço e oculto. Depois os pego, reflito e pondero. Matuto, cogito e enlouqueço num angustiante ciclo vicioso até que eles não caibam mais em mim e, por fim, transbordo.
Despeço-me de minha mãe com um beijo, assegurando-lhe de que ficarei bem, e tomo um desvio antes de retornar ao meu quarto no palácio Donggung³.
De longe, contemplo a imponente estrutura do portão principal Gwanghwamun sabendo exatamente como concretizar meus anseios secretos.
Com a permissão de abamama, por um dia inteiro, eu vou sair.
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¹ Os fatos narrados neste parágrafo são fictícios e não correspondem à real história da Coreia do Sul.
² GangnyeongJeon Hall
³Palácio Donggung