Uma década em uma noite [COM...

By LauraaMachado

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A última coisa da qual Bridget se lembra é do colegial. Minutos contados para que pudesse voltar para casa co... More

Projeto 1989
Prólogo
Capítulo 1 - Uma Década em uma Noite
Capítulo 2 - Coisinha Brilhante
Capítulo 3 - Voltando para Casa
Capítulo 4 - De Dezesseis a Vinte e Seis
Capítulo 5 - Ossos do Ofício
Capítulo 6 - Entre Tropeços
Capítulo 8 - Um Café e um Sorriso
Capítulo 9 - Trilha Sonora
Capítulo 10 - No Topo do Mundo
Capítulo 11 - Costa Oeste
Capítulo 12 - Segredos Acidentais
Capítulo 13 - Vestido de Noiva
Capítulo 14 - Um Novo Caminho
Capítulo 15 - Fora de Risco
Epílogo
Personagens
Playlist da Bridget e do Thomas
Agradecimentos

Capítulo 7 - Por Trás de Portas e Secretárias Eletrônicas

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By LauraaMachado

We were built to fall apart
And fall back together

Capítulo 7
Por Trás de Portas e Secretárias Eletrônicas

Nem se eu tentasse muito, conseguiria me lembrar de quando comecei a ser amiga de Leanne. Não poderia ao menos dizer quando exatamente a conheci, quando me aproximei e estiquei minha mão para me apresentar. Eu fui a primeira a chegar ao bairro, mas não tinha qualquer noção de vida antes de ela existir. Segundo minha mãe, a família dela se mudou para a casa vizinha da nossa quando Erika, minha irmã, tinha sete anos e, consequentemente, eu tinha três. Mas tia Mary insistia ainda de pé junto que eu já tinha seis, porque ela tinha certeza de que Lea tinha cinco e eles se mudaram em abril, um mês antes de ela fazer aniversário. Tinha passado minha vida ouvindo essa discussão, que sempre começava do mesmo jeito, na mesma discordância, depois dava voltas em torno de si mesma e acabava na mesma conclusão, que eu vinha gritando desde o começo, mas as duas se recusavam a me escutar.

Nós tínhamos quatro anos. Bom, eu tinha. Leanne estava para fazer.

Verdade! Nós tínhamos acabado de voltar das férias quando vimos um carro novo na frente da casa que sempre tinha estado vazia. E então a discussão virava uma conversa cheia de memórias nostálgicas de como nós corríamos pelo jardim e brincávamos o dia todo e não havia a preocupação e chateação de sermos adolescentes, acabando com Lea e eu revirando os olhos para os comentários delas sobre nós.

Ela simplesmente sempre esteve ali, desde que eu tinha consciência de quem era, desde que eu me lembrava. Não sabia quando nossa amizade tinha começado, se foi logo que ela se mudou, no primeiro dia, na primeira tarde, ou só anos depois. Enquanto tentasse me lembrar da minha própria vida, eu a conhecia, ela era minha melhor amiga.

E agora era terrivelmente irônico - e ainda mais cruel, - pensar que eu tampouco conseguia me lembrar de quando ela tinha deixado de ser minha amiga.

Porque era isso que tinha acontecido, não era? Ela tinha deixado de ser minha amiga. Pelo menos, foi o que pensei assim que ouvi outra vez o bipe da sua secretária eletrônica.

Devia ser só sétima vez que ligava para ela desde que tinha acordado no hospital. Teria ligado mais, mas tentar ganhar a aprovação de meus colegas de trabalho tinha se transformado em uma obsessão rápida e consumidora demais para isso. E, depois de cada ligação, tinha conseguido bloquear aquele pensamento.

Mas agora não dava mais. Já tinha recebido e-mails demais de uma linha só, a mesma de sempre. Ocupada demais. Não tinha tempo naquele momento. Nem depois para se lembrar de mim e me mandar outro ou, quem sabe, retornar a ligação.

Ela já não era minha amiga. E, mesmo assim, logo que o bipe acabou de soar, falei:

"Ei, Bridget aqui, como você deve imaginar pelo identificador de chamadas. É meu telefone do escritório."

Dei uma parada, só para respirar fundo e juntar mais coragem para ignorar minha tão dolorosa conclusão sobre nossa amizade.

"Pois é. Eu tenho um escritório. Sei que não liguei antes, mas era só porque estava ocupada. Quer dizer, não liguei desde que voltei a trabalhar. Ou voltei a tentar, ainda tenho que fazer tudo com vários livros em cima da mesa, porque não sei nada de cabeça. Sabe como é, perdi a memória," me esqueci do que quer que tenha acontecido para nós pararmos de ser amigas, queria completar, mas acabei por engolir. "Vi seu irmão ontem," continuei alegremente, como se nós tivéssemos nos encontrado no parque para um piquenique improvisado, não no hospital para eu poder chorar lágrimas sufocantes de rímel em seu jaleco e na minha camisa. "Ele me emprestou o colar dele de avião," quando falo isso, o sinto por baixo de meu vestido. "Você ainda tem o seu? Sabe o que fiz com o meu?"

Ela não era mais minha amiga.

Tentei respirar outra vez, mas aquelas palavras pareciam soar cada vez mais altas em meus ouvidos, a ponto de me impedirem de ouvir minha própria voz.

Ela não era minha amiga.

"Não," falei, para minha surpresa. "Você não sabe o que eu fiz com o meu. Você não tem a menor ideia do que eu fiz para nada, do que eu penso, do que quero. Você não é mais minha amiga. Em algum desses dez anos que perdi da minha vida, você deixou de ser minha amiga. E agora não faz a menor questão de me responder, nem que seja só para falar quando e por que você foi morar do outro lado do país e não fala comigo. Nem para me dar qualquer tipo de informação! Prefere me deixar falando sozinha com uma secretária eletrônica, como se ainda fosse oitenta e nove e só algumas semanas atrás nós tivéssemos enterrado nossas dores juntas. Desculpa se eu ainda sinto como se você fosse minha melhor amiga e a pessoa mais importante do mundo para mim! Você sabe o quanto isso machuca, Leanne? Sabe o quan-"

O bipe de final da secretária eletrônica soou antes que eu terminasse, me provando que minha explosão seria ainda mais humilhante do que eu já tinha me esforçado para que fosse.

Ótimo, pensei na hora, me segurando para não gritar. Como apaga isso?

Infelizmente, ninguém tinha inventado um dispositivo que apagasse mensagens assim na última década. E, respirando fundo e sentindo cada vez mais meus olhos lacrimejarem, tive que voltar o telefone para a base.

Soube que precisava falar tudo aquilo assim que as palavras começaram a sair da minha boca, mas, agora que estava no silêncio solitário da minha sala, que contrastava drasticamente com o barulho da festa que vinha do final do corredor, queria voltar atrás. Não porque achava que ela finalmente me responderia e só confirmaria que nós realmente não éramos mais amigas. Mas só para poder voltar àquela nuvem confortável e ilusória da negação, de quando eu ainda podia fingir não ter percebido.

Pensei em voltar na hora para a festa, deixar que meus colegas de trabalho ocupassem minha mente o suficiente para não pensar no que tinha acabado de acontecer. Também poderia contar para Savanah e já podia prever sua reação. Ela iria rir como se eu fosse a pessoa mais desequilibrada e divertida do mundo e, em alguns segundos, eu estaria rindo junto.

Também poderia ligar para Thomas, pedir para ele tentar falar com Leanne para mim. Ou só me dar mais alguns conselhos sobre meu passado, meu presente, ou qualquer coisa. Talvez só ouvir sua voz fosse o necessário, uma lembrança confortável de alguém que se importava comigo antes e, se eu me deixasse acreditar, agora também.

Mas não fiz nenhuma das duas coisas. Não voltei em seguida para a festa. Não liguei para ele. Só me deixei apoiar no encosto da cadeira, passando os olhos pelo escritório, agora decorado ao meu verdadeiro novo estilo. Pelo conselho de Thomas, e também insistência da minha mãe, hoje eu tinha tirado a manhã para ir fazer compras com ela de objetos novos. Almofadas estampadas, quadros novos, um tal de jardim de areia para relaxar - que me dava mais vontade de jogar pela janela, - e vários outros objetos inúteis, que todo mundo insiste em chamar de peso de papel, mas que nunca fica sobre nenhum.

Além das estrelinhas que colei pelo teto e a parede. Tinha que admitir que escolhi algumas coisas diferentes do que teria gostado se ainda tivesse dezesseis anos, mas também queria um pouco do passado. Se esse presente podia ser o que eu desejasse, não queria que ele fosse completamente noventa e nove. Não ainda. Talvez nunca.

Resolvi me esticar para pegar um peso de papel de cachorrinho, quando o telefone começou a tocar. Na hora, meu coração pulou uma batida, e, antes que tivesse tempo de pensar, peguei o telefone e coloquei no ouvido.

"Lea?" Perguntei, por pura ansiedade, porque já estava pronta para continuar meu monólogo.

"Não, querida. É seu pai," ainda que tenha ficado um pouco decepcionada, sua voz era rouca e reconfortante, além de ter o tom mais amigável que alguém usava para mim.

"Ah, oi, pai. Que saudades," era verdade. Para quem estava acostumada a vê-lo todos os dias e passar horas deitada no sofá ao lado do dele, os dois lendo em silêncio e harmonia, era bastante estranho não falar tanto com ele.

"É exatamente por isso que estou ligando," ele respondeu, já mais animado do que cauteloso. "Não posso demorar, porque estou ligando de outra cidade, mas quero te falar que eu chego quarta que vem. Queria te ver."

"Nossa, claro!" Estava prestes a falar que eu o encontraria em casa depois que saísse do trabalho, quando percebi que não sabia exatamente onde ele morava. "Espera, onde a gente pode se encontrar?"

"Você não se lembra, mas tem um café que nós combinamos de ir todas as semanas na terça-feira na hora do almoço. Fica na esquina da rua onde você trabalha."

"Sei qual é," claro que sabia. Passava lá todos os dias antes de chegar no escritório. Era muito conveniente, já que eles abriam às seis da manhã para café preto e às oito para todo o resto.

"Ótimo," respondeu, e, só pela sua entonação, soube que estava prestes a se despedir. "Preciso ir agora, mas te vejo lá meio dia de terça, está bem?"

"Sim."

"Amo você, querida."

E desligou antes que eu pudesse falar: "Eu também."

Não perdi um segundo para colocar o telefone na base. Vai que Leanne resolvia ligar bem naquele momento.

Mas, se estava planejando ligar, teria também que deixar uma mensagem, pois Max abriu a porta do meu escritório e colocou a cabeça para dentro bem na hora.

"Bree, por favor. Seus colegas a estão esperando," ele disse, um pouco mais irritado do que eu esperava que estaria por ter inventado uma desculpa e não voltado mais. "Você não é solitária, é sociável. Você quer se tornar sócia, lembra? É seu sonho."

Balancei minha cabeça na hora, mas ele não viu por um acaso absurdo do destino, usando aquele mesmo instante para abrir o resto da porta e abaixar seus olhos para a gravata, que arrumava pela milésima vez - e olha que eu tinha ficado fora por pelo menos metade da festa até então.

Mas ele ainda estava errado. Aquele não era meu sonho. Não sabia quando podia ter se tornado, mas eu gostava de direito mesmo para poder ir atrás dos culpados, não os defender. Meu sonho sempre tinha sido ser promotora. Ser advogada de divórcio não era terrível, não pelo que uma semana podia me mostrar, mas tampouco era o que eu tinha sonhado fazer, com ou sem meu nome na porta.

Me levantei, escondendo um suspiro cansado, e arrumei a saia do meu vestido longo. Aquela era uma confraternização para mim. Ainda que eu fosse solitária - e estava descobrindo a cada dia mais que era, - não poderia ficar agora, não durante essa noite. Eles estavam comemorando meu retorno e, segundo Schimdt, que tinha feito questão de fazer a piada com um toque descarado de bronca, eu precisava me cuidar. Não queriam que eu acabasse por processá-los por me fazerem trabalhar demais.

Em seus olhos, pude jurar que via que o que ele realmente queria dizer era que eu precisava aguentar melhor, não diminuir minhas horas de trabalho. Seja menos fraca, Bridget. Você não é assim.

Assim que cheguei até Max, enrosquei meu braço em volta do seu. As paredes do meu escritório que dão ao corredor são de vidro marrom escuro, ótimas para que ver nosso reflexo logo antes de sairmos de lá.

Parecíamos uma das nossas fotos nas revistas. Eu tinha conseguido fugir do evento da semana passada, mas, se não tivesse, era para ter usado esse vestido. E ele era glamoroso demais para uma festa no escritório. Glamoroso o suficiente para eu me sentir confiante, relaxada, quase superior e, de vez em quando, totalmente ridícula.

Aquele pouco tempo que eu tinha passado sozinha em meu escritório tinha sido a única parte relativamente normal da noite. Desde quando tinha chegado em casa e Max tinha me encontrado com um buquê enorme de flores, me surpreendendo em seguida com essa festa aqui que ele tinha organizado, parecia que eu tinha entrado em outra dimensão, ou em uma peça de teatro onde era meramente uma atriz. Mas ele estava tão feliz, me olhando tão orgulhoso, que eu não queria decepcioná-lo. Não era tão ruim assim, ter que parar de questionar quem eu era e só me deixar levar. Talvez fosse uma pausa da qual eu precisava mais do que imaginava.

Assim que chegamos à área dos advogados onde a festa estava acontecendo, várias pessoas se viraram para nós, e Max me indicou para irmos até o pequeno círculo de conversas de Schimdt e Adrian Ferris.

Adrian era forte também, comparado a qualquer um dos advogados ali, mas parecia tão magro ao lado de Max, que seria difícil pensar que estavam no mesmo time. Segundo Savanah, essa era uma das melhores qualidades do futebol americano. Existia uma posição para cada tipo físico, ela disse, orgulhosa do que aparentemente era uma das suas paixões. Nem precisava explicar muito, assim que Adrian entrou na sala de reuniões na segunda-feira, dava para ver em seus olhos que ela tinha acabado de conhecer um ídolo e se esquecido de seu próprio nome.

Ele adorava a atenção quase mais que Max. Cumprimentava a todos em seu caminho com sorriso de comercial de pasta de dente e apontava para eles como se compartilhassem um segredo. Para mim, em compensação, ele se limitou a ficar confirmando que eu ganharia o caso, que ele poderia trazer os filhos para morar com ele.

Assim que nos aproximamos deles na festa, pensei na única coisa que eu queria perguntar a ele, mas não podia:

"Por que mesmo você quer tirar os filhos da sua mulher?"

Segundo Savanah, era puro capricho. Ele já tinha uma babá contratada que teria que morar na casa dele. Não era questão de atenção ou carinho. Era de ganhar. Ele não sabia perder e não mediria esforços para se provar, sempre que possível, como vencedor, qualquer que fosse o jogo.

Não. Crianças não são um jogo. E eu tinha que trabalhar para ele.

"Mas é o que eu sempre digo. Essa noção está mais do que ultrapassada," Schimdt falou, e eu até estranhei sua entonação tão familiar com Adrian. "As mulheres buscam direitos iguais em tudo, mas quando chega na hora da custódia, querem prioridade para a mãe."

Tive que morder muito forte e respirar fundo para não revirar os olhos para meu chefe. Não precisava ouvir mais nenhuma palavra sair da sua boca para saber que tipo de pessoa ele era e desprezá-lo completamente.

"Eu estava falando isso com Bridget algumas semanas atrás," Schimdt se virou para mim bem na hora que um garçom passava por nós e Max tirava duas taças de sua bandeja para me dar uma. "Não é? O que você falou mesmo?"

Tomei um gole que me desceu bem mais amargo do que champanhe deveria ser. "Desculpa, não me lembro bem."

Ele sorriu. "Claro que não, mas o que você acha? Concorda comigo?"

Seus olhos eram só dois dos vários que me observavam e esperavam minha resposta.

Tomei outro gole, levantando o queixo no ar. Tudo que eu sabia era que não podia falar o que realmente pensava, senão nem teria a chance de voltar para trabalhar na segunda-feira.

"Concordo," menti e, como se tivesse acionado um botão, continuei falando: "Quer dizer, desde quando a mãe deveria ter prioridade nessas coisas? Só porque ela carregou o filho durante nove meses na barriga?" Meu tom era bem menos sarcástico do que as palavras na minha cabeça, e eu já não sabia parar. "É ele que provém para a família. Os advogados dela alegam que ele nem sabe o nome do pediatra deles, que nunca o conheceu. E desde quando isso importa?"

Todos à minha volta pareciam se segurar, quase nem se deixavam respirar, só esperando aonde eu queria chegar. Max era o que mais parecia em pânico, como se estivesse rezando dentro da sua cabeça para que eu estivesse falando sério e não tirando sarro descarado na frente de seu amigo e meu chefe.

"É ele que paga pelo médico," continuei, sem nem ter que pensar nas palavras, só deixá-las saírem. "Se ele não pagasse, ela não poderia usar sua tarde livre para levar os dois na consulta. O que importa mais? Sentar na sala de espera ou poder pagar para que o médico os trate de qualquer doença que tiverem? Essa prioridade é um absurdo."

Era impossível não notar que todos estavam aliviados e coletivamente respirando fundo por terem saído de perigo. Ainda mais que antes, precisava me segurar para não revirar os olhos e chamá-los todos de idiotas, machistas e péssimos pais se acreditavam mesmo que estar presente não era extremamente importante e só jogar dinheiro na direção dos filhos valia. Mas eles sorriam. E eu ainda tinha meu emprego e, mesmo que não a quisesse agora, a admiração de meu chefe. Mentir parecia tão fácil para mim quanto respirar naquele momento. E eu odiava isso.

Schimdt colocou uma mão pesada em meu ombro. "É por isso que você é a nossa estrela," disse, e eu tomei outro gole do champanhe, esvaziando a taça.

"Se vocês me dão licença, preciso ir ao banheiro."

E desapareci de perto deles.

Nem todo mundo ali era assim. Nem todo mundo tinha a mente fechada e falava coisas nas quais não acreditava para agradar seus clientes. O estranho era perceber que eu fazia isso, que eu me encaixava tão bem e tão naturalmente naquele grupo deturpado de chefes e clientes mais importantes da empresa. Era pensar na quantidade de vezes que eu já devia ter falado coisas terríveis como aquela e saído da conversa com uma medalha. Naquele instante, eu me odiava. E a única coisa que iria me curar era encontrar Savanah para falar sobre isso, sobre Lea, sobre tudo, e rir da desgraça que era minha vida como só ela sabia fazer.

Comecei a andar por entre os convidados, fazendo o caminho mais longo possível para o banheiro. Algo me dizia que Max estaria me observando, mantendo um olho nas minhas costas para ter certeza de que eu não estava só fugindo dali. Mas eu estava. Só não do mesmo jeito.

Para chegar ao banheiro mais próximo, precisava ir para o lado contrário do corredor que levava ao meu escritório. Era tão longe, que costumava ser motivo de reclamação de todo mundo. Tínhamos que passar pelo corredor remoto e apertado de salas dos advogados sêniores menos importantes e meramente ilustrativos. Eu aproveitei o caminho todo para procurar por Savanah, mas ela não estava em lugar nenhum! Vi até Harrison, um dos sócios que tinham o nome na empresa, mas que diziam ser como um fantasma, por nunca aparecer ali, mas não a vi. Ela não estava entre nenhum grupo dos alunos do nosso ano, nem na cozinha, nem no bar. Minha esperança era que estivesse no banheiro, ou então teria que procurá-la nos outros escritórios, e já podia imaginar Max reclamando comigo.

Mas, para fazer valer minha desculpa ou só para ganhar um tempo para respirar, resolvi que iria mesmo ao banheiro.

Dava para sentir a diferença do barulho da festa assim que entrei no corredor. Ninguém fazia questão de mirar autofalantes para aquele lado, ou até mesmo lembrar que ele existia. Cruzei caminho com uma garota, que devia estar voltando do banheiro, e nós duas sorrimos. Mais alguns metros e eu ganharia uns minutos para fingir que retocava minha maquiagem, mas só pensaria mesmo em tudo que estava acontecendo.

Agradeci quando percebi que o banheiro estava vazio e me coloquei na frente do espelho.

Era verdade o que eu tinha falado para Thomas. Estava perdendo aquela sensação de que ainda estava em oitenta e nove. A cada dia que passava, ainda que eu não soubesse exatamente como ou por quê, ia me acostumando mais a estar vivendo em outra década, prestes a entrar em outro milênio. Mas não era como se eu me lembrasse dela, como se sentisse que pertencia aqui. Eu simplesmente ia me desprendendo do meu passado, o sentindo se afastar de mim como mais uma lembrança que eu perdia. Todos dias, me forçava a encaixar aqui, me forçava a continuar uma rotina que nem me fazia sentido direito. E me deixava levar. Era tão fácil me deixar levar, mas sentia cada vez mais que estava me soltando em uma correnteza que nunca me faria feliz.

Era isso que eu queria? Era isso que escolheria, ainda que fosse só por falta de controle ou consciência de como fazer algo diferente? Me deixaria presa a um cara que tinha tudo para ser ótimo, mas por quem eu não estava apaixonada e, se me permitisse o risco de ser completamente honesta, estava começando a achar que nunca estaria? Era isso que eu queria? Morar em um apartamento que não reconhecia, onde não me sentia em casa, fazer um trabalho que não me preenchia, só porque já tinha me colocado nessa posição? Eu escolheria uma vida aceitável só porque acordei um belo dia presa a ela?

"O que você está fazendo, Bridget?" Perguntei ao meu reflexo, logo antes de dar um longo suspiro e lavar minha mão, como se fosse um pagamento por ter perdido todo aquele tempo ali.

Arrastava meus pés quando saí do banheiro. Não tinha a menor pressa em voltar para aquela festa e os braços de Max, não quando tudo que eu tinha eram perguntas e nenhuma resposta. Estava tão distraída, na verdade, que só percebi que tinha me apoiado em uma das portas dos escritórios ali, quando empurrei a maçaneta para baixo com meu cotovelo e ela abriu de uma vez.

Se o pânico de estar caindo não fosse o suficiente, o que eu vi dentro da sala me fez perder qualquer força e apoio que poderia ter e acabar de joelhos no chão.

"Ai, meu deus."

"Bridget?" Era a voz de Savanah, que devia ter virado e me visto enquanto eu fazia o impossível para conseguir levantar com meu vestido justo demais e os saltos baixos para sair dali o mais rápido possível.

Deve ter vindo até mim fechando o zíper do seu vestido, pois, quando me ofereceu um braço para me ajudar, já estava vestida de novo.

Não que tivesse ajudado muito. A imagem na minha cabeça ficaria ali para sempre, queimando de vergonha. Quanta humilhação uma pessoa podia sofrer no mesmo dia?

"Eu não vi nada, eu juro," falei, fechando meus olhos, mas tendo abri-los em seguida para ter qualquer noção de equilíbrio, e então me forçando a mirá-los no chão.

"Edwards," a voz autoritária de Melissa Lockwood não ajudava em nada meu cérebro a esquecer o que tinha acabado de presenciar. "Cuide disso."

E então, enquanto eu apoiava minha mão na de Savanah e quase caía outra vez tentando me levantar, ouvi a porta sendo fechada.

Não ter uma das sócias mais importantes do escritório no cômodo já ajudava bastante. Eu ainda sentia a marca do carpete do chão nos meus joelhos e toda a vergonha de ter pego as duas se beijando mais do que alguém faria em público na minha cara.

Savanah e Melissa. Savanah e Melissa se beijando. Savanah só de sutiã.

Droga. Por que eu fui apoiar nessa porta? Por que eu tinha que ter olhos?

Escondi meu rosto em minhas mãos, desejando mais do que nunca voltar no tempo. Vamos lá, universo. Só alguns minutos. Nem precisa ser uma década como eu vinha pedindo. Me deixa voltar só alguns minutos no tempo e juro que serei eternamente grata.

"Bridget, não é o que você está pensando," podia ouvir os passos de Savanah de um lado para o outro do escritório.

Ai meu deus, de quem era esse escritório?

Eu estava fraca demais para ficar de pé e me deixei sentar na ponta da mesa.

"Escuta," ela puxou minhas mãos para longe do meu rosto, me obrigando a encará-la. "Não é nada demais. Juro que não é nada demais."

"Quê?"

"É só um caso, rápido, nada que importa," seus olhos estavam vidrados, e ela continuava falando como se eu nem precisasse existir, como se ela mesma tivesse que ouvir. "A gente só se deixou levar por uma atração. É só atração. Juro que sei o que estou fazendo. Eu sei."

"Espera-" Devagar, mas com certa determinação, minha vergonha foi desaparecendo, deixando lugar só para preocupação.

"Eu não sou burra, Bridget. Não pense que eu sou," ela praticamente apontava para mim, como se me desse uma bronca. "Não estou me iludindo. Nunca me iludiria."

"Não acho que esteja," era mentira. Claro que eu achava. Se ela precisava repetir isso tantas vezes, certamente já tinha se deixado iludir. Devia querer aquilo bem mais do que se deixava admitir. E não precisaria de mim a julgando agora.

Mas, em algum momento, eu teria que a chacoalhar e perguntar qual era o problema dela de ficar com uma das nossas sócias, se achava que isso era mesmo uma boa ideia.

Porque não era. Era péssima!

"Eu não estou te julgando, acredite," pedi, percebendo pela primeira vez que aquela comoção tinha feito com que nós duas ficássemos ofegantes.

"Não é nada demais."

"Eu acredito."

"Nem estou só tentando me promover-"

"Claro que não," a cortei, me levantando e a segurando pelos ombros.

Seus olhos me miravam tão fundo, que achei que fosse começar a lacrimejar. Mas então ela parou, como se percebesse sua própria reação e a reprimisse, engolindo a seco.

"Você não pode contar para ninguém," não era um pedido, soava mais como uma ordem desesperada.

"Juro que não vou contar."

Ainda passou alguns segundos me observando, como se esperasse um sinal de que eu estava mentindo.

Mas não estava. Ela era uma das poucas pessoas na minha vida nova de quem eu gostava, que não me fazia sentir como se estivesse indo desenfreada pelo caminho errado. Nunca a trairia em nenhum sentido.

E então, assim que assentiu e pareceu relaxar, eu a abracei. Queria que ela sentisse que eu me importava com ela.

E, para ser honesta, também precisava sentir que ela se importava comigo.

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