És parte de mim

By Lady_Butterfly

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Marta envolve-se num acidente grave mas apesar de sair ilesa fisicamente, um grande sentimento de culpa aliad... More

Prólogo
A noite fatídica (1º Capítulo)
A Voz___
Não pode ser apenas imaginação
Tentando entender
Silêncio
A primeira vez que te vi
Esquizofrenia?
Problemas?
Going Out
És parte de mim
Epílogo

Verdade

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By Lady_Butterfly

Marta

 Não me lembrava de alguma vez ter chorado por um rapaz ou pelo menos não daquela maneira. Fiquei mesmo deprimida. A rejeição era algo que um dia me fora muito distante e a partir daquele dia ficou muito presente.

Na verdade, nunca encontrara um rapaz como o Lucas e por isso, doía tanto. Ele era diferente dos outros que conhecera. Atribuía uns sentimentos um valor incalculável. Era fiel mesmo depois da…morte. Mais uma vez, conviver com aquele sentimento de culpa tornava-se insuportável e nesse dia, nem eu sabia do pânico que se ia abater sobre mim. Um simples telefonema. Simples palavras. Uma simples data. E um encontro inevitável…

- Marta! – Chamou o Adriano pela quarta vez naquela manhã de Domingo.

- Agora não, Adriano! Deixa-me sozinha!

- Eu até deixava, mas os teus pais estão ao telefone. Já é a terceira vez que ligam. Fala com eles, por favor. Estão preocupados.

- Diz-lhes que liguem para o meu telemóvel… - Falei, afundando a cabeça na almofada.

- Então liga o teu telemóvel porque aposto que foi para aí que ligaram em primeiro lugar… - Ouvi o Lucas dizer.

- Vou dizer-lhes isso. – Falou o Adriano.

 Estiquei o braço e peguei no telemóvel que estava sobre a mesinha de cabeceira. Liguei-o. Aguardei a chamada, limpando a garganta para poder aclarar a minha voz.

- Filha, estás bem?

- Mãe…

- Sempre que te ligámos, nunca atendes! Não percebes como isso nos deixa preocupados?! O teu pai estava a pensar em…

- Em quê?! Desistir de fechar um negócio para vir ver como eu estava? Não me faças rir. Ele nunca fez isso e não o faria agora.

- Estás a ser injusta com o teu pai…

- Se é para discutir sobre o que eu penso sobre o meu pai, então estás a perder o teu tempo.

- Marta estás lembrada que tens que daqui a duas semanas, devemos ir...aquele lugar?

- Aquele lugar? – Perguntei sem perceber.

- Filha, nós até vamos por ti. O psicólogo diz que não tem a certeza se deves ou não ir a essa homenagem. Por falar nele, ele disse-me que nunca mais apareceste nas consultas!

- Não preciso dele para nada e…

 Nesse momento, lembrei-me de algo. Ergui-me rapidamente da cama e saí a correr do quarto. Entrei na cozinha. Procurei o calendário e observei a data que a minha mãe referira.

- Vai fazer um ano… - Murmurei, ainda segurando o telemóvel.

- Filha? Estás bem? Não precisas de ir. Nós é que mantivemos uns laços com os pais do rapaz e achamos que devíamos estar presentes. Eles iam gostar de te ver. Afinal, mesmo sem teres conseguido, tu tentaste ajudar. Eles estão gratos por isso.

 Desliguei a chamada. Desliguei o telemóvel.

 Pude ver-me na esquadra. Rodeada de policiais. Cercada por inúmeras perguntas. Apesar dos nervos, stress, confusão, culpa e todos outros sentimentos que podiam ter-me comprometido naquele dia, eu conseguira safar-me. Declarara-me inocente tantas vezes…

Os pais dele realmente, nunca me culparam mas o olhar da Carolina ainda me assombrava. Ela nada vira do acidente mas era como se soubesse da verdade. Vi ódio, amargura e um desejo de fazer-me mal. Um desejo que o tempo a fez esquecer visto que quando a vi, ela nem ao menos reconheceu o meu rosto.

- Marta há algo que me queiras contar?

- Não! – Neguei de imediato e nesse momento, tocou a campainha.

 O Adriano que estava parado na porta da cozinha a pensar provavelmente no que seria melhor fazer ou dizer-me, despertou e correu para a entrada. E talvez por paranóia tenha-lhe gritado. Pedi que não abrisse a porta mas era tarde. Estava em pânico.

- Olá…vim em má altura?

 Era apenas a Paula.

- Não…é que… - Tentava explicar o Adriano.

 Como ele ia explicar uma coisa que nem eu entendia? Sentei-me no sofá da sala. Coloquei a cabeça entre as minhas mãos. O que podia eu fazer? A verdade estava a querer levantar-se.

A pergunta pertinente do Lucas fizera-me temer ainda mais essa verdade. Talvez, ele já desconfiasse da verdade. Talvez a possibilidade de odiar-me, estivesse cada vez mais próxima.

Eu não queria que ele me odiasse. Não queria que ele descobrisse a verdade… Não queria…

Pensei que ouvindo o Adriano e a Paula conversarem sobre os exames e como a data da saída dos resultados estavam próximas, pensei que isso me fizesse “esquecer” por momentos o ocorrido mas cada vez me sentia mais nervosa. Nem sequer tinha coragem de encará-lo.

Ele estava ao meu lado. Eu sabia. Esperava uma resposta. Sabia que se olhasse para ele a sua expressão denunciaria que ele queria uma resposta. Deveria dar-lhe a verdade mesmo que isso significasse odiar-me?

- É verdade, Adriano, tu que conheces muita música, ouve este refrão. O meu inglês não é muito bom mas acho que me lembro… How could this happen to me/I've made my mistakes/
got nowhere to run…

Levantei-me, passando a mão no rosto.

- É dos Simple Plan… - Respondi com a voz trémula.

- Obrigada. – Agradeceu a Paula, escrevendo o nome da banda no telemóvel. – Apesar de triste, adoro a letra e a melodia é linda, não achas?

- Sim. – Concordou o Adriano.

- Pelos vistos, também gostas da música. – Comentou a Paula.

- Não! – Neguei. – Apenas conheço, mas…

 Sem querer desviei o olhar e lá estava ele. À espera da resposta.

- E se fôssemos ao café? Combinei encontrar-me com aquela rapariga. Sabes, aquela que conheci no Café com Letras? – Perguntou a Paula, tentando manter uma conversa normal e ignorar o meu comportamento.

- Por mim, ‘tá-se bem. Vens, Marta?

- Sim… - Murmurei. – Vou só…trocar de roupa e lavar a cara.

Peguei na primeira roupa que me veio à mão, mas quando estava a passar água no rosto, além da sua imagem no espelho, a pergunta repetiu-se.

- Marta há algo que me queiras contar?

Fiz de conta que não o ouvi. Ignorei, saindo da casa de banho e minutos depois, estava fora de casa. A Paula e o Adriano conversavam animadamente e tentavam inserir-me nesse ambiente descontraído, mas sem qualquer sucesso.

Entrámos no café e os momentos daquele dia em que saíra com o Lucas regressaram à minha mente. Uma pessoa como ele, não merecia aquela mentira, aquela ocultação da verdade. Eu sabia que não, mas…eu também não queria ser odiada por mais ninguém, sobretudo por ele.

- Carolina?

A dor no peito tornou-se mais forte.

Tive que apoiar-me no Adriano que um pouco apreensivo, perguntou-me o que se passava. Ia responder-lhe quando a vi. Era a Carolina, sentada numa mesa. Estava num canto acompanhada de um rapaz aparentemente mais velho, de cabelos castanhos encaracolados e um pouco compridos. Olhos também castanhos. Levava um brinco dourado na orelha direita.

Contudo, não era apenas a presença da Carolina ali que incomodava, mas sim a intimidade com o rapaz ao seu lado. Ele passando a mão no seu rosto, puxou-a mais para perto dele.

Não houve qualquer resistência. Divertida com a situação, deixou que o rapaz a beijasse.

Senti uma volta no estômago.

- Ora ali está ela! Carolina, olá! – Ouvi a Paula dizer.

Como?! A Carolina era a nova amiga de que ela me tinha falado há uns tempos atrás?!

- Estás bem?

 Afastei-me do Adriano, pedindo desculpa.

- Um pouco zonza é só…vamos beber um café e penso que já fico bem. – Afirmei rapidamente.

- Tu é que sabes. Podemos voltar para casa, se quiseres.

- Eu…estou bem. – Disse, sentindo o estômago dar outra volta.

 Acercámo-nos à mesa. Forcei um sorriso e a Carolina sorridente, cumprimentou-nos e brindou-nos com aquele final de frase…

- E este é o meu namorado, o Hélio.

- Peço desculpa. – Disse, afastando-me e correndo até à casa de banho.

Não tinha nada no estômago mas fiquei vários minutos com a cabeça inclinada sobre a sanita. Repentinamente, as lágrimas cobriam o meu rosto e outro som cortou-me o coração. Ele estava a chorar. Tentando conter-se, mas estava.

- Isto não é um simples pesadelo…o que é isto afinal?!

- Lucas…

- Tu sabes o que aconteceu, não sabes?! Tive algum acidente? Estou…em coma ou algo assim?

Coma? Nunca pensara em algo assim.

- Bom, na verdade…

- Há quanto tempo? Como é que tu sabes disto? Viste o acidente? Deves ter visto porque aquele som de gritos e ambulâncias…

- Sim, eu vi o acidente. – Falei, sentada no chão da casa de banho e com o rosto lavado em lágrimas.

- O que aconteceu?!

- Levaram-te para o hospital…

- Nunca recuperei a consciência?

Senti um nó na garganta.

- Não.

- Há quanto tempo estou no hospital? Espera…quando estávamos em casa, falaste em um ano. Um ano? É verdade? Passou-se um ano?

- Daqui a duas semanas fará um ano…

- Como é que isto foi me acontecer? – Perguntou-se. – Como é que eu posso acordar?

- Lucas…porque é que falaste no coma?

- Porquê? Não estou em coma? Aconteceu…aconteceu algo pior?

- Não. – Menti. – Mas achei…curioso teres pensado logo nisso.

- Os médicos até hoje tentam descobrir o que acontece com as pessoas que estão em coma. O que é feito da sua consciência. Mas agora que penso melhor, isto também não faz muito sentido…

- Claro que faz! Que outra explicação, poderia haver?

Ele fez silêncio.

Saí do cubículo da casa de banho e fui lavar a cara enquanto o ouvia e podia também ver pelo reflexo do espelho, caminhando de um lado para o outro. Além da confusão, havia frustração, sofrimento e inquietação naqueles passos. Mas agora que confirmara a história do coma, não podia deitar tudo a perder. A primeira coisa a fazer? Sair dali. Sair daquele café. Evitar o máximo de contacto possível com a Carolina.

- Ei, estás bem?

- Carolina?

Porquê?! Porque não viera a Paula ver-me! Porque é que tinha a Carolina que aparecer num momento tão impróprio?! Limpei as mãos e ainda trémula, respondi:

- Às vezes, tenho algumas quebras de tensão… - Falara a primeira coisa que me viera à cabeça.

- Quando assim é, não deves ficar sozinha. – Falou sorrindo-me. – É um dos conselhos médicos… alguém disse-me isto há algum tempo atrás.

 Engoli em seco.

- Diz-lhe que a queres conhecer melhor.

- O quê?! Mas porquê?! – Perguntei, virando-me para ele e notando então o olhar estranho que ela me lançara. – Desculpa…ainda não estou muito bem.

- Não há problema. – Disse-me. – A Paula fala-me muito de ti…

- Engraçado que eu não posso dizer o mesmo… - Falei nervosamente.

- Nós conhecemo-nos pela net. É normal que ela não fale muito de uma amiga virtual. – Disse um pouco divertida e repentinamente, abraçou-se a si própria dizendo. – Está frio aqui, não achas? É estranho… - Observou o espaço à sua volta. – Sinto-me estranha aqui…vamos sair?

- Sim. – Concordei.

- Diz-lhe que a queres conhecer melhor! Quero saber o que aconteceu durante estes meses!

- Não… - Murmurei.

- Marta, eu tenho o direito de saber a verdade! Por favor, eu preciso de saber como é que…como é que ela esqueceu-me…assim?

 Regressámos para perto dos outros que conversavam animadamente sobre futebol. De alguma forma, a Paula inserira-se na conversa entre o Adriano e o tal Hélio.

Realmente, nem eu percebia como ela pudera interessar-se por um rapaz que num café rodeado de literatura, resolvesse comentar sobre o jogo de futebol da noite passada.

- Estás melhor? – Perguntou o Adriano.

- Sim… - Menti.

- Mulheres. – Comentou o Hélio divertido, dando espaço à Carolina para que ela se sentasse ao seu lado. – Só elas se entendem.

- Isso é um comentário um pouco machista, não? – Indagou a Paula.

 O Adriano deu apenas um sorriso forçado, pedindo-me para me aproximar mais dele. Assim o fiz e ele segredou-me o seguinte:

- Queres sair? Ir a outro sítio qualquer? Sem que mais ninguém esteja presente?

 Limitei-me a acenar-lhe afirmativamente e por mim, ele explicou sumariamente que tínhamos combinado sair para ajudá-lo a encontrar um quarto para alugar. Tretas … Mas serviram como desculpa.

Saímos dali e isso foi o importante. Caminhámos em silêncio durante um período de tempo.

Dei por mim, sentada num banco à beira do Rio Douro. Por algum motivo, eu sempre acabava por ser atraída para aquele lugar. Talvez fossem os sons da água e dos pássaros. As pessoas apressadas, amigos a rirem-se e a tirar fotografias, quase fazendo concorrência aos turistas.

- Conta-me a verdade, Marta. – Falou o Adriano.

- Que verdade? – Perguntei, abaixando ligeiramente a cabeça.

- Há qualquer coisa muito errada que aconteceu na tua vida.

- Se existe, posso optar por não partilhar.

- Faz-te mal…

- Há segredos que não devem ser partilhados para que o mal seja menor. – Falei, apanhando uma pedrinha do chão e levantando-me. – Existem coisas que escapam até à compreensão das pessoas que as cometem…

 Vi que o Adriano também se levantara e colocando-se ao meu lado, atirou uma pedra ao rio, dizendo:

- Já matei alguém.

 Aquela afirmação dita num tom frio e de certo forma, até normal, provocou-me um arrepio na espinha. Porém, o que ainda iria ouvir, iria provocar-me muito mais mal-estar.

- Não brinques. – Disse, tentando inserir um tom de brincadeira que foi negado de imediato.

- É verdade e o motivo pelo qual estou aqui a contar-te isto e não atrás das grades é porque…não deixei testemunhas e as próprias pessoas não têm bem a certeza da morte do indivíduo em questão.

- Não. – Disse, abanando a cabeça. – Tu não és uma pessoa assim. Isso não é verdade…

- Não sou uma pessoa assim? – Perguntou, rindo-se um pouco. – Ou tu conheces pouco desta pessoa ao teu lado. Tenho ressentimentos e culpas como muita gente que anda por aí.

- Mas ter ressentimento é uma coisa, mas…

- Matar é outra completamente diferente, mas eu fi-lo e mesmo que o tempo voltasse atrás, penso que o faria de novo.

- Não…não te arrependes? – Perguntei com a voz trémula.

- Sou negro. Ao longo da minha vida, ouvi demasiadas coisas. Fui perseguido de muitas formas. Há uma diferença entre o querer e de facto, realizar uma vingança, descarregando todo o ressentimento na pessoa em questão… eu tive a coragem de fazer isso.

 Por mais que aquilo fosse verdade, eu não podia abrir-me da mesma forma que ele estava a fazer. Ele não seria o único a ouvir-me. Além disso, o choque de saber algo assim era demasiado forte para ser ignorado.

- Mesmo que estejas a dizer-me…

- Ele esteve presente desde da primária. Desde da primeira vez que coloquei os pés numa escola. E desde do primeiro instante, tentou deixar bem claro que a minha vida seria um inferno com ele por perto. – Disse com um sorriso amargo. – Eu era um pouco beto sim…reservado…e quase todos tinham a oportunidade de pisar-me. Já ele, popular na escola por ter um comportamento fora das regras, na escola quase não ia a aulas e o tempo dos intervalos era aproveitado para infernizar a minha vida e claro de outras pessoas das quais ele não gostasse. Ele desaparecia e por isso, esse é um dos motivos pelos quais ninguém estranhou muito os primeiros dias em que ele esteve ausente. Ainda hoje, pensam que ele está vivo por aí ou então morreu de uma overdose num canto qualquer.

- Mesmo assim…

- A arma era dele. Estava frio nesse dia e por isso, estava de luvas. Mas mesmo que não estivesse, pode considerar-se o crime perfeito… - Falava, mantendo o sorriso no rosto mas desta vez, podia ver que havia um certo ódio mas nenhum rasgo de arrependimento. – Era noite. Tencionava enfiar-me uma bala e empurrar-me por um penhasco que acabasse no mar. Pouca sorte a dele… A arma não ficou sempre nas suas mãos e as poucas coisas que lhe queria dizer, ouviu-as mesmo antes de… disparar e acertar-lhe na cabeça. Agora que penso melhor, talvez tivesse sido mais interessante, acertar-lhe com a bala em outro sítio…ele nem aproveitou a vista que aquele fantástico penhasco tinha. Não aproveitou a vista e muito menos, sentiu a temperatura agradável do mar numa noite de inverno…

 Eu não presenciara a cena mas a forma como ele falava, fizera-me estar lá naquele momento. Sentia o meu corpo tremer. Como podia ele estar tão calmo e quase que descontraído, sem qualquer arrependimento, falar que matar alguém daquela forma?

Repentinamente, senti os seus braços envolverem-me, fazendo-me suster a respiração quando a sua voz soou perto da minha orelha, dizendo:

- Mas agora, tu partilhas do segredo do crime perfeito sem testemunhas… Vês? O que pode haver na tua vida, mais horrível do que isto que acabei de contar? Nada… Viveste todo este tempo com um monstro ao teu lado. Talvez, eu sofra de uma doença mental qualquer que me permite sorrir e levar a vida na boa mesmo depois do que eu fiz, mas uma coisa deixo bem claro…Não me arrependo de nada.

- Adriano, eu não sei muito bem como… - Falei nervosamente, sem saber muito bem o que dizer depois de tudo o que ouvira.

 Afastei-me um pouco dele.

- Apenas quis que entendesses… – Disse, tocando meu rosto e diminuindo a distância entre nós. - …que não existe nada de tão horrível na tua vida que se compare a isto e também que podes confiar em mim, tal como eu confio em ti.

Beijou-me. Todo o meu corpo tremeu. Senão queria, porque é que o meu corpo não reagia? Porque é que não o empurrava? Porque é que estava tão paralisada?

- E senão te arrependeres do que fizeste, assim como eu… - Murmurou ainda perto dos meus lábios. – Não te preocupes, não és a única e…há no mundo gente que merece desaparecer…

 Lágrimas começaram a cair pelo meu rosto.

- Adriano, isso que tu disseste…

- Não chores. – Disse, passando a mão no meu rosto. – Vamos para casa? Imagino que estejas transtornada pelo que acabei de contar-te.

 Apesar de ter achado terrível a sua última afirmação acerca das pessoas que merecem desaparecer, não sabia porquê mas continuava em choque. Sem coragem para reagir, deixava-me levar por ele. Fomos para casa.

Sentei-me no sofá, ele trouxe-me um copo de água e ficou ao meu lado, tentando confortar-me. Não recordo uma só palavra que ouvi. Estava demasiado abalada.

Como é que tinha acabado por relacionar-me com uma pessoa daquelas? Como é que o Adriano que eu conheci há uns tempos atrás, se podia mostrar tão frio, calculista e indiferente com algo como a morte de uma pessoa! Quem éramos nós para julgar se uma pessoa merecia morrer ou não? O Lucas não o merecera! No entanto, ele atravessara-se no meu caminho…

Sem culpa alguma, sem nunca me ter feito nenhum mal, morreu por causa de uma irresponsabilidade minha. E por ironia e até uma certa crueldade do destino, estava ao meu lado dia após dia. Aguentando as minhas crises, os meus altos e baixos. Presente em cada momento da minha vida não porque quisesse, mas simplesmente porque não tinha escolha.

E como se todo esse mal já não fosse suficiente para ambos, eu ainda continuava a mentir-lhe.

Mas agora que o fizera, como poderia reverter essa situação? Como poderia impedir que acontecesse o mesmo que aconteceu com o Adriano? Não me queria tornar uma pessoa assim. Indiferente e satisfeita com a morte de alguém…

Não queria. Não era certo. Se cometíamos erros, tínhamos que arcar com as consequências. Esse era a justiça da vida, não é? Cá se fazem, cá se pagam. Não posso simplesmente ignorar que estou a viver agora a minha vida porque roubei esse direito a outra pessoa. Sabia o que estava errado. Tinha a noção do correcto, mas aconteceu.

Depois do que ouvira, tive medo dele. Medo de dizer-lhe não. Medo de ver aquela estranha personalidade distorcida manifestar-se novamente. Sentimentos? Não houve nenhum. O corpo limitou-se a agir e a entrar num ritual conhecido.

- Onde vais?

- Tomar banho. - Falei, levantando-me devagar e indo na direcção da casa de banho.

 Retirei o roupão, coloquei-me debaixo do chuveiro e misturada com a água, caíram as primeiras lágrimas ao aperceber-me do ocorrido. Assustada, procurei pelo Lucas mas contrariamente ao habitual, ele não estava presente.

- Lucas? Onde estás? – Perguntei, enquanto enrolada na toalha observava o espaço à minha volta.

Nada. Ele não estava ali. Desaparecera?

Saí da casa de banho. Caminhei pela casa completamente desnorteada e por mais que chamasse por ele, não havia resposta. Nem sequer o via. Não! Eu não queria que ele desaparecesse.

- Estás à procura de quem? – Perguntou o Adriano, ensonado encostado à porta do quarto.

- Não irias perceber…

- Senão explicares, é claro que não vou perceber.

Sem lhe responder, passei por ele empurrando-o um pouco. Abri o guarda-fatos e peguei numas peças de roupa ao acaso. Vesti-me rapidamente. Não sequei o cabelo. Limitei-me a prendê-lo. Calcei-me. Peguei numa mala e sob protestes do Adriano, saí de casa. Precisava de encontrá-lo. Não queria perdê-lo…

- Onde estás, Lucas?

Caminhei por inúmeras ruas. Vi-me rodeada de pessoas muitas vezes, mas nunca nenhum rosto correspondia ao dele. Dei por mim, numa noite gelada em frente ao rio. Porque é que sempre acabava naquele lugar? Comecei a acercar-me à margem e nesse momento, sozinha, eu vi-a.

- Carolina… - Murmurei.

 Ela observava o rio, sem aperceber-se da minha presença. Estava ali fisicamente, mas pela sua expressão, sabia que o seu pensamento estava longe. Lembrei-me que se o Lucas ali estivesse, iria querer aproximar-se dela. Vê-la de mais perto. Iria querer ouvir a sua voz…

- Carolina?

 Ela voltou-se para mim e esboçou um sorriso.

- Olá Marta, como estás?

- Na verdade…

- Para estares aqui, não deves estar bem… - Disse tristemente, voltando o olhar para o rio.

- E o que se passa contigo?

- Hoje a minha psiquiatra disse que eu tinha entrado numa fase de negação de inúmeros factos da minha vida. Vim ver se é verdade.

- Não percebi…vieste ver? – Perguntei.

- Por algum motivo, este lugar é importante para mim. Este local à beira rio transmite-me calma e uma felicidade que não consigo explicar. – Sorriu ainda mais. – Quero saber porquê. Lembrar-me do que ando a negar mesmo que me doa.

- Passou quase um ano… - Disse com um nó na garganta.

- Um ano…quase um ano? Estou a negar coisas assim há tanto tempo? – Perguntou.

Repentinamente, senti como se alguém falasse por mim…

- Sabes que prefiro a verdade por mais que essa me doa, sentirei sempre uma pontinha de felicidade por saber que tiveste a coragem de dizer-mo, olhando-me nos olhos. Quero poder olhar para ti e ver reflectido nos teus olhos, a verdade.

 Ela olhou para mim rapidamente e pude ver lágrimas a caírem pelo seu rosto.

- Lucas…? Lucas? O acidente… - Falou, ficando pálida. – Tu…assassina!

 Recuei.

- Do que estás a falar?

- Tu tiraste-o de mim! Tu mataste-o! Ninguém me tira isso da ideia! Como é que…como é que não te reconheci? A assassina dele!

- Não foi de propósito… - Falei, parando de andar para trás. – Foi um acidente…

- Acidente?! Que espécie de acidente?! Eu conhecia o Lucas! Ele nunca faria nada imprudente na estrada! Acredito mais nos teus amigos, nos testemunhos deles, disseram a verdade…tu foste quem provocaste o acidente! Ele estaria aqui comigo! Ele estaria aqui ao meu lado se tu não tivesses provocado o acidente! Tu mataste-o!

- Não o fiz com intenção! Já te disse que foi um acidente!

- Eu sabia…falaste na primeira pessoa, reparaste? – Perguntou ainda com lágrimas mas num tom amargo. – Tu sempre foste a assassina, mas procuraste safar-te, incriminando os teus amigos…que linda pessoa que tu és! Nem quiseste pagar pelos teus erros!

- Eu estava assustada…

- Se fosse o Lucas, ele estaria na cadeia! Sabes porquê?! Porque ele era uma pessoa decente e como tal, as pessoas decentes são presas e morrem mesmo sem ter culpa nenhuma!

- Eu…

- Ele não dormiria nunca mais! Não suportaria a culpa, mas tu…durante um ano, continuaste a tua vida, continuaste a rir-te dos teus amigos na cadeia…o que importa?! Safaste-te! Isso é o que importa! Assassina!

- É verdade, Marta? – Ouvi a sua voz e senti o mundo desabar. – Quer dizer este tempo todo, todas as vezes que te olhei nos olhos, vi reflectida apenas as mentiras… Porquê? O que foi que eu te fiz? Tive o azar de aparecer naquela noite de carro à tua frente? Foi isso que fiz de mal? E depois? Este tempo todo…o que fiz de mal para merecer mais mentiras? Sentes-te bem assim? A mentira faz-te feliz? Porque se te faz feliz… então, eu tenho pena de ti…

 Recebi um golpe no rosto.

 Caí e logo a Carolina colocou-se sobre mim, continuando a bater-me. Não tive reacção.

- Não faças isso, Carolina! Tu sabes que eu não iria querer algo assim!

 Pensei por momentos que ela o tivesse mesmo ouvido porque os golpes pararam. Ela apenas chorava e chamava por ele. Chorava cada vez mais. Um choro muito sofrido.

- Carolina…perdoa-me… sei que te prometi que nunca me afastaria de ti… Perdoa-me…

- Desculpa… - Pedi.

- Não há desculpas que o tragam de volta! – Gritou e saindo de cima de mim, correu até a um banco próximo. Foi até à sua mala.

Aproveitei para levantar-me. Passei a mão pelos meus lábios cheios de sangue.

Repentinamente, ouvi um som que me prendeu a respiração. Olhei para a Carolina. Nas suas mãos tinha uma arma.

- Intuitivamente, eu já deveria saber que não tinha vindo aqui para acabar com a minha vida…algo em mim deve ter pressentido que te iria encontrar… - Falou enquanto se aproximava.

- Carolina, não faças uma coisa dessas!

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