A vendedora de calcinhas usad...

By delacerdamariana

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Na internet podemos ser quem quisermos, ou até desaparecer por completo... Inábeis em ocupar um lugar na soci... More

A Vendedora de Calcinhas Usadas
Detetive Encarcerada
Dona de Casa (Alheia)
Epílogo

Convidado de Aluguel

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By delacerdamariana

Algumas pessoas, no afã de aparentarem ser bem relacionadas, querem garantir que suas festas lotem, mas não com qualquer tipo, nem um tipo só, de convidado. É preciso que haja os jovens e bonitos, o intelectual, o engraçado, e por aí a lista segue. Esses anfitriões contratam convidados de aluguel que garantam a beleza, o interesse e a diversidade da comemoração. Muito bonito, Delano era o enfeite que todos queriam num evento, mas encontrava-se na função levado mais por uma sucessão de acasos que por um talento natural, embora este fosse inegável.

Morava com a mãe, d. Verônica, na mesma casa da Várzea em que nascera e se criara, e onde passara uma infância solitária. Na meninice, não tinha pontos em comum com as crianças vizinhas que contribuíssem para sua popularidade. Era filho único, enquanto as outras tinham irmãos. Estudava em escola particular, e as demais, nas escolas municipais e estaduais do bairro. Além disso, era, sem favor, o menino mais bonito das imediações, e sua "cara de rico" gerava despeito, desconfiança e antipatia nos outros pirralhos. Criou-se um círculo vicioso. Ressentido com a rejeição, ele se isolava mais, alimentando a antipatia dos moleques, que o consideravam orgulhoso, e redobravam a hostilidade. Delano travestia sua mágoa de desprezo, declarando-os inferiores e obtusos; mas com que olhos compridos observava-os brincar quando passava a pé pela praça em seu caminho de volta da escola! Havia apenas dois meninos mais chegados. Paulo, gordo e de óculos, não era bem recebido nos jogos de futebol. Já Roberto, filho de uma amiga de d. Verônica, fora uma amizade quase compulsória.

D. Verônica não ganhava muito, mas, como eram apenas ela e o filho, ele teve acesso a uma boa escola particular, ao cursinho de inglês do qual ela fizera questão absoluta, e... mais nada. Não sobrava para nada mais. Todo o resto era considerado supérfluo. Mesada era algo que ela tampouco podia financiar. Por isso, desde cedo, Delano deu um jeito de ganhar dinheiro por conta própria. Qualquer habilidade que adquiria, punha à venda. Na escola, vendia trabalhos e redações para os colegas. Durante o ensino médio, dava aulas particulares de tudo o que sabia melhor: inglês, matemática, física. Gostava de computadores e fazia pequenos reparos por módicas quantias.

Era a epítome do menino esforçado. Acreditava em sua mãe, que sempre afirmou que ele merecia muito mais do que o que ela poderia lhe oferecer, e insistia em que, com trabalho duro, ele abocanharia seu quinhão na vida. Aos dezoito anos, entrou na faculdade de Engenharia Mecânica. Para d. Verônica, foi o ápice, o certificado de missão cumprida. Algum tempo depois, ele conseguiu um estágio remunerado, mas continuava com seus bicos.

No dia em que foi chamado para consertar o computador de Branca, no entanto, sua crença no valor do esforço passou a ser insidiosamente abalada. Ele não sabia, mas Branca era uma agenciadora de convidados de aluguel. Enquanto ela mostrava o laptop defeituoso a Delano e respondia a algumas perguntas, impressionou-se com os traços e a polidez do rapaz, e, num impulso, ofereceu-lhe um trabalho. Ele hesitou, mas acabou por aceitar, tentado pelo dinheiro. Tímido, introvertido, não gostava de festas. A perspectiva financeira, porém, o animou a tentar gostar, ou ao menos fingir muito bem, para que quem o olhasse acreditasse que ele estava se divertindo. Afinal, uma de suas atribuições era convencer os convidados verdadeiros de que aquele era um evento animado.

Após o seu primeiro trabalho, o baile de debutantes da filha de um jornalista, recebeu um envelope. Dentro, havia quinhentos reais em cédulas. Foram suas horas mais bem pagas até então, por uma atividade que se podia dizer fácil. Bom, não chegava a ser duro como quebrar pedras, não é? Dava para se acostumar a passar umas três ou quatro horas jogando conversa fora, com comida e bebida à disposição. Cruzara a porta de entrada para a vida real, em que os ensinamentos de sua mãe se mostravam mentirosos ou, no mínimo, ingênuos. Ainda que não fosse algo que pudesse fazer todo dia — com sorte, iria a quantas festas num mês? —, rendia mais que suas aulinhas e consertos. Em pouco tempo, os abandonou. Descobrira que sua aparência podia ser comercializada com mais lucro que suas habilidades ou seu trabalho. Isso o surpreendeu, visto que, até aquele dia, sua beleza nunca lhe trouxera qualquer vantagem, só aumentara sua impopularidade.

Surpresa muito maior, porém, ele teve quando Branca lhe ofereceu dinheiro em troca de visitas íntimas. Branca era bonita e sofisticada, e ensinara-o a se divertir. Gostava da companhia dela, do ensolarado flat de Boa Viagem onde costumavam se encontrar, e a palavra prostituição não lhe passou pela cabeça. Pelo contrário, sentia-se orgulhoso por ela o haver escolhido.

Após alguns meses, ele financiou seu primeiro carro. Percorrendo a Av. Conselheiro Aguiar protegido do calor pelo potente ar-condicionado, erguia a vista para as janelas dos ônibus e lembrava-se, com um sorriso galhofeiro, do quanto se esfalfava antes para juntar ninharias.

Estava indo do flat para o lançamento do livro de um político metido a escritor que sem dúvida já comprara uma matéria em todos os principais jornais e queria que a sessão de autógrafos lotasse ao ponto da claustrofobia. Ao se aproximar do Paço Alfândega, já de longe Delano enxergou o movimento intenso. Filmagem, carro de um jornal local. Claro. Decerto o evento lotaria de qualquer forma, com os babões e puxa-sacos de sempre. Mas o autor preferiu garantir. Melhor para Delano. Pagava bem e era fácil. Ele só tinha mesmo que entrar na fila de autógrafos para fazer volume. Nem precisaria ficar de conversa fiada com ninguém. Daria até para chegar cedo em casa.

No entanto, em geral sua rotina era outra. As noitadas prejudicavam os estudos. As madrugadas acordado e as bebedeiras atrapalhavam seu desempenho acadêmico e comprometiam seu rendimento no estágio, que já estava por um fio. Tinha que admitir que sequer a faculdade estava levando a sério. Estudar, formar-se, nada disso tinha o poder de ter as costas quentes. Perdera o interesse e mesmo o respeito pelo tal "trabalho duro". De rapazinho estudioso e dedicado, virou uma figura cínica.

Dona Verônica não estava preocupada. Nutria absoluta confiança no filho, achava-o um menino de ouro — o que ele de fato tinha sido até há pouco tempo. Ao ver seu "menino", antes tão quieto, agora envolvido em festas e noitadas, ela concluía, satisfeita, que na faculdade ele enfim encontrara sua turma.

De fato, ele acabou tomando gosto por festas e não se furtava às comemorações da universidade. Foi assim que conheceu Marta, numa calourada em frente ao Centro de Convenções. Arrumar assunto foi fácil: ser convidado de aluguel lhe conferira muita prática em puxar conversa mole. E ela estava acompanhada apenas por uma amiga, o que tornava a abordagem mais fácil que se tivesse que imiscuir-se num grupo. Após o mote inicial, algo sobre a banda que tocava, apresentou-se:

"Muito prazer, Delano."

"Um nome incomum," ela observou.

"Minha mãe era admiradora de Franklin Delano Roosevelt."

"Isso é verdade?"

"Não sei. Mas pode muito bem ser, não pode?"

Ela riu mais do que ele previra, bom sinal. Mas não se apresentou.

"E o seu?"

"Meu o quê?"

"Nome."

"Ah, sim. Bom, minha mãe era devota de Santa Marta... segundo sua lógica!"

Já eram um casal quando se despediram naquela madrugada. Em plena paixonite dos começos de namoro, Delano começou a evitar Branca. Nem sempre atendia aos telefonemas, deixava mensagens sem resposta, se esquivava, pois cada minuto que passava com a antiga amante era subtraído dos momentos que poderia aproveitar com Marta. Se antes sentia-se lisonjeado por Branca o haver escolhido, agora era com desgosto que beijava aqueles lábios tão murchos em comparação aos de Marta, que apertava aquelas carnes flácidas que faziam tão triste figura frente ao corpo jovem e rijo da namorada. Não obstante, precisava continuar a encontrar-se com uma se quisesse dinheiro para usufruir com a outra; a palavra prostituição afinal lhe ocorreu.

Branca era experiente e vivida, e farejou o motivo daquela mudança de comportamento. Pressionou o rapaz até extrair a confissão. Depois de muito negar, ele admitiu o namoro. Ela fingiu não se incomodar nem estar enciumada, mas não tinha perdido tanto tempo lapidando aquele diamante bruto para dividi-lo com alguém. A fachada veio abaixo em pouco tempo. Se queria encontrar-se com Delano e este se dizia ocupado, ela já sabia: ele estava com "aquela lá", como ela fazia questão de referir-se a Marta, sem jamais pronunciar-lhe o nome. Quando afinal se viam, ela reclamava, fazia cenas. Depois das discussões, Delano amiudava os encontros, mas não tardava a espaçá-los novamente, até a próxima crise.

Seu maior erro foi passar a levar Marta consigo às festas, embora tenha sido inevitável. Os eventos consumiam quase todas as suas noites de sábado e domingo. Se não a levasse, que justificativa lhe daria? Além disso, não resistiu a impressioná-la um pouquinho levando-a àquelas comemorações de políticos e empresários. Tornara-se perito em responder-lhe do modo mais vago possível a indagações quanto à sua relação com o dono da festa.

Dizia a si mesmo que, quando o namoro estivesse mais firmado, e Marta, mais envolvida, ele contaria a verdade. Mas era puro autoengano, e ele sabia. Na realidade, as mentiras só faziam puxar umas às outras, a segunda para encobrir a primeira, a terceira para encobrir a segunda, num novelo cada vez mais difícil de desenrolar. Por exemplo, como levá-la até sua casa, aquela casa que em nada condizia com a habitação de alguém que frequentava políticos e empresários ricos? Resolveu apelar. Ele tinha a chave do flat de Boa Viagem, e passou a ir com Marta até lá eventualmente. Mas bem eventualmente, porque dava um trabalho do cão. Tinha que ir antes, apagar qualquer vestígio de Branca (fotos, roupas) do ambiente, e retornar depois do encontro para colocar tudo em seus devidos lugares. Vinha dando certo: Branca jamais desconfiara. Mas para não abusar da sorte e evitar tanto trabalho, era na quitinete de Marta que passavam a maioria de suas noites juntos, com a desculpa conveniente de, lá, estarem mais perto da universidade, para onde costumavam seguir juntos no outro dia pela manhã.

Era uma quitinete bastante simples, que a namorada mantinha com a ajuda dos pais e com o dinheiro que conseguia fazendo traduções. Frustrava-o ver a namorada prisioneira da mesma rotina de trabalho inútil de que fora refém no passado, mas não podia libertá-la sem se comprometer.

Porém, se escapou de um flagra no flat, ser flagrado com a namorada em uma festa foi mera questão de tempo; e esta humilhação Branca não perdoaria jamais! Aquele era território dela, trabalho que ela arrumara para aquele ingrato!, e não deixaria ele transformá-lo em boca-livre para a fulaninha. Se Delano soubesse que Branca estaria naquele evento, não teria aceitado o trabalho. Mas ela estava, e passou a festa a cercá-lo. Em um momento em que Marta se afastou para ir ao banheiro, Branca avançou, passando a mão pela bunda de Delano sem cerimônia.

"Pare com isso, Branca, que inferno!" Delano começou a protestar, mas mais não disse, pois Branca selou seus lábios com um beijo forçado, impedindo-o de continuar falando.

Delano demorou uns segundos para se desvencilhar, pois ela agarrava-se a ele com força. Quando conseguiu e ergueu a vista, deparou-se com Marta plantada diante deles, sem expressão. Assim que seus olhares se cruzaram, ela deu as costas e começou a caminhar, num passo duro e rápido, por entre os demais convidados, em direção à porta. Sem alternativas, ele a seguiu como pôde, com a maior discrição que conseguiu, abrindo caminho entre as pessoas ("Com licença, senhor!"; "Com licença, senhora!"), acompanhado pelo olhar vitorioso de Branca. Não podia criar uma cena, correr, gritar ("Maaaaartaaa!!! Maaaaartaaaa!!!" à la Marlon Brando em "Um Bonde Chamado Desejo"), afinal, ele estava lá a trabalho. Já do lado de fora, viu-a entrar em um táxi alguns metros adiante. Pensou em ir atrás dela, mas, mal enfiara a chave na porta de seu carro, desistiu, ciente de que nada do que pudesse lhe dizer seria razoável. Poderia contar um arremedo de verdade: "Marta, aquela é Branca, eu me relacionava com ela antes de conhecer você. Ela ainda insiste em me ver, mas juro que porei um ponto final nesta história (sim, só agora, que você descobriu tudo, acredite se quiser!)"; ou ser explícito: "Marta, minha namorada é você, mas Branca paga minhas contas e até custeia os presentes que eu lhe dou, em troca do que você acaba de testemunhar."

Não. Nenhuma das duas versões era aceitável, e não havia uma terceira. Aquele era o fim, e procurar Marta apenas para ouvir dela uma confirmação seria prolongar debalde o sofrimento, sem perspectiva de alterar o desfecho. Vencido, virou-se com a intenção de voltar à festa e tomou um susto ao ver Branca postada atrás dele.

"Vamos?" ela perguntou, balançando a chave do flat diante do nariz de Delano.

"Vamos," ele concordou, com um ar alheio, abrindo impassível a porta do carro.

***

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