Capuz de Sangue - Livro 1

By Magnors

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Annie é uma garota como muitas outras, emotiva, altruísta, tímida. Quando sua vida é girada de cabeça para ba... More

Guerras sem fim
Mistérios
Estilhaços
O acampamento
Um último adeus
Coisas em comum
Revelações e descobertas
Dois corações
Instinto primitivo
Visitante indesejado
Segredos do passado
A casa da vovó
East Woods
A guerreira e o alquimista
Novos tempos
A verdadeira história
Sede de poder

Floresta sombria

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By Magnors

Voltando aos dias atuais, estamos em janeiro de 1934, saio de casa para colher legumes, os quais minha mãe precisará para fazer uma sopa posteriormente. É final de tarde, no horizonte o sol começa a se pôr, as casas ganham um leve tom alaranjado, os habitantes do vilarejo realizam suas atividades diárias, a fim de manter o local funcionando. É espantoso o quanto esse lugar evoluiu nos sete últimos meses, desde que o descobrimos.

Tal evolução começou a partir da iniciativa de algumas pessoas em concertar coisas que ainda poderiam ser utilizadas por nós. Empolgados com isso, homens e mulheres com habilidades de construção tiveram várias ideias do que poderia ser feito para tornar nossa vida mais prática. O que não foi concertado ou construído, obtivemos a partir de excursões à Clivintown. Participei da primeira delas, e me arrependo profundamente, pois foi a experiência mais traumatizante que tive na vida.

Na manhã seguinte a nossa chegada ao vilarejo, enquanto todos arranjavam algo para fazer, eu e minha fomos abordadas por um homem negro e alto.

- Ei garota, está ocupada?

- Não.

- Quer ir conosco a Clivintown, ver se encontramos algo ainda utilizável?

- Ir a Clivintown? Vocês estão ficando loucos? – Grace fala.

- Houve um bombardeio lá senhora, a cidade deve estar deserta, não há nada a se temer.

- E os soldados?

- Foram movidos ontem à noite, creio que não permaneceriam num lugar onde só há escombros.

- Se só há escombros, porque querem voltar lá?

- Já disse que vamos ver se encontramos algo, a cidade é grande, deve haver alguma área que não foi destruído. – ele responde, impaciente.

- Eu quero ir. – interrompo sua pequena discussão.

- Você não vai Annie, é muito perigoso.

- Eu quero ver Clivintown uma última vez mãe, por favor, me deixe ir.

Ela me encara, mas percebe que não mudarei de ideia.

- O.k., pode ir. – Grace permite, com certo pesar. – E você, cuide bem dela.

- Pode deixar senhora. – ele finge gentileza.

O homem assovia e um grupo de seis pessoas vem em nossa direção, carregando três carrinhos de mão e alguns sacos de estopa.

Entramos na cidade sem problemas, como o homem disse, está vazia. O visual nos choca, o que antes era nosso lar, agora se resumia em destroços e ruínas.

Continuamos caminhando, pilhas e mais pilhas de tijolos, madeira e outros materiais urbanos compõem a paisagem. Não demora até avistarmos o primeiro corpo, depois o segundo, o terceiro e por aí em diante. Andava olhando para frente, pois não aguentava mais vez membros e cabeças espalhadas por todo canto.

Reconheço a rua da minha casa ao passar por ela, pedindo permissão ao homem que nos lidera para ir até lá. Ele autoriza, pedindo que um garoto chamado Thomas me acompanhe.

Thomas decide procurar nas casas vizinhas por algo que ainda esteja inteiro. Em frente à minha casa me deparo com uma grande cratera, me aproximo. Há esgoto passando no subterrâneo. Entre os dejetos, avisto partes de seres humanos, o que me deixa enjoada, me afasto rapidamente, vomitando no asfalto.

Minha casa está parcialmente destruída, os danos maiores ocorreram na fachada. Passo pelo muro que está totalmente no chão e empurro a porta da frente, que despenca para o lado. Ao visitar o que restou do meu quarto, encontro um porta-retratos com uma foto onde eu, minha mãe e meu avô estamos abraçados em frente a uma decoração feita por balões azuis e brancos. Ela foi tirada no aniversário de oitenta e oito anos do meu avô, Alexander Watson.

Sinto muita saudade do seu senso de humor, que contagiava todos ao redor. Ele era ex-militar e eu o enxergava como um super-herói. Alexander sempre inventava ótimas histórias, me fazendo companhia antes de dormir.

Logo após completar a maioridade foi colocado para servir sua nação em uma guerra que durou mais ou menos três anos, felizmente ele conseguiu sobreviver ao conflito, aliás, ele foi um dos poucos que alcançou esse mérito. Os traumas causados pelo combate fizeram com que ele desenvolvesse problemas com o álcool, os quais se estenderam por toda sua vida e causaram sua morte aos noventa anos.

Vou em direção ao quarto da minha mãe, onde a porta não existe mais, a cama faz o papel da mesma bloqueando a entrada. Noto que há algo de estranho no piso do cômodo, exatamente em baixo da cama, a madeira que reveste o chão está elevada em relação ao resto. Me aproximo, avistando um tipo de compartimento com algo em seu interior, retiro o móvel, estico a mão pra dentro da fenda e percebo que há uma trouxa de pano. Depois de alguns minutos e com um pouco de dificuldade, consigo retira-la. Quando abro, tenho uma surpresa, me deparo com várias espadas, adagas, machados, clavas etc., o que isso está fazendo no quarto da minha mãe? Realmente não tinha conhecimento da existência daquelas armas, Grace fez um bom trabalho as escondendo.

Decidida a me livrar dos objetos, vou em direção a cratera no meio da rua. Em tempos como esses, o que mais quero é que as pessoas não tenham motivos para ser ainda mais violentas umas com as outras. Estendo o braço e ante que eu solte o embrulho esgoto abaixo, alguém grita:

- Garota, o que você tem aí? – ouço a voz de Thomas.

Escondo o embrulho.

- Nada de importante, só mais destroços que encontrei.

Ele se aproxima.

- Você não pode simplesmente descartar as coisas que você encontra só por julga-las inúteis, o Afonso pediu que tudo que for encontrado seja levado a ele.

- Mas isso são coisas realmente inutilizáveis.

Faço um movimento brusco para jogar a trouxa fora, mas uma das facas cai. O garoto segura meu braço imediatamente.

- Isso é uma espada? – ele diz, mirando o pacote.

A princípio hesito, mas acabo falando a verdade.

- Sim, encontrei essa trouxa com algumas armas atrás de uma das casas.

- E porque está jogando fora? – ele procura entender.

- Não acho legal levar armas pras pessoas, elas podem se encorajar a ir contra rebeldes, ou soldados...

- Você é mais burra do que pensei. – ele interrompe. – Essas armas podem ser nossa salvação.

- Não, essas armas podem ser a nossa morte.

Thomas me lança um olhar de decepção.

- Entenda que não existe vitória, sem que haja pequenos sacrifícios no processo. – ele diz, de forma fria. – Acorda garota, isso não é um daqueles contos de fada que você lia quando era criança, isso é uma guerra, quem está mais preparado conseguirá vencê-la.

- É por causa de pessoas como você que estamos passando por isso hoje. – disparo com raiva.

Desvencilho meu braço da sua mão e o deixo falando sozinho. Thomas logo se põe a minha frente novamente.

- Me dá o embrulho. – manda.

- Não, vou me livrar disso.

- Não vou pedir novamente garota, me entrega o embrulho.

Nego novamente. Ele perde a paciência e me chuta na barriga, vou ao chão. Thomas pega a trouxa, conferindo seu interior.

- Seu idiota! – reclamo irritada. – É assim que você trata uma mulher?

Ele dá de ombros e sai andando.

Minutos depois, já havia vasculhado as cinco casas da rua que ainda estavam em pé. Avisto um beco que dá acesso fácil ao outro lado do quarteirão, mas ao me aproximar vejo que várias partes de corpos estão no caminho. Desvio o olhar imediatamente, controlando a vontade de vomitar. Estou prestes a sair quando algo me chama a atenção. Caído no chão há uma corrente grossa com pingente de águia, muito parecida com a que meu tio possui. Quando agacho para pegá-la, vejo a minha frente o que seria a pior cena da minha vida, a cabeça de August.

Fico em estado de choque e começo a chorar. Pego o objeto e saio correndo. Ao virar a esquina, trombo com uma garota do nosso grupo.

- Você está se sentindo bem?

Tento falar, mas só consigo balbuciar palavras. De repente, o solo treme, muros e restos de telhado começam a desabar, a garota corre, me conduzindo para longe dali. O asfalto já danificado despenca a medida que avançamos, toda aquela situação me força a manter a calma e pensar em minha sobrevivência, e do mesmo que começou, o tremor simplesmente para.

Chegamos a uma praça, onde todas as árvores foram derrubadas. Enquanto recupero o fôlego, a imagem da cabeça decepada do meu tio retorna e sem perceber, estou chorando novamente.

- O que aconteceu? – a garota tenta me consolar.

Não consigo falar, só chorar. Lhe mostro a corrente.

- Você viu alguém que conhecia?

Aceno positivamente com a cabeça.

Ela me abraça, me acalmando. Quando minha cabeça entra em ordem, tomo um pouco d'água e retornamos ao grupo.

- Afonso, sentimos um tremor à alguns minutos atrás. – a garota relata.

- Também senti. – fala um pouco assustado. – Apesar de ser algo incomum não podemos arriscar, temos que retornar ao vilarejo, amanhã continuamos as buscas.

Todos concordam. Fico feliz com a sua fala, pois a única coisa que quero é sair dessa cidade e esquecer tudo que vi aqui.

Você pode imaginar o quão difícil foi decidir se contava ou não a Grace o que aconteceu a seu irmão. Apesar das nossas suposições, saber a verdade é muito mais doloroso. Durante o caminho aquela imagem não sai da minha mente, me controlo para não chorar na frente dos outros, nunca havia tido contato com a morte de forma tão bruta.

Quando chegamos ao vilarejo, entrego a corrente a Grace, decidindo não contá-la o que vi na cidade.

Dando continuidade aos eventos recentes, percorro a trilha que leva até a plantação do lado de fora do vilarejo. Sigo o grande muro construído pra proteger nosso lar de animais e outros invasores, até a cerca que dá início a horta.

No vilarejo tentamos ao máximo distribuir as coisas por igual, não temos um comandante, ou dinheiro, todos se ajudam no que podem ou sabem fazer.

Colho cenouras e batatas com o auxílio de um facão, colocando-os dentro de uma cesta. Ao deixar o local, tenho a sensação de ouvir alguns arbustos próximos se mexerem.

- Quem está aí?

Não obtenho resposta. Os arbustos se mexem novamente. Começo a ficar com medo.

- É sério, quem está aí?

Mais uma vez ninguém responde. Temendo que seja um animal selvagem, acelero em direção a vilarejo. Olho para trás algumas vezes, mas não vejo animal algum, o que é bom. Com a pressa deixo o facão cair, agacho para pegar e quando levanto, esbarro em um homem.

- Me desculpe, não vi o senhor.

Ele não responde e fica parado me observando, peço licença tentando passar, mas ele me bloqueia.

- Se o senhor não se importa, tenho que voltar para casa.

Passo por ele, mas o mesmo agarra meu braço, me puxando de volta.

- O que está...

Nesse momento miro seus olhos, que inexplicavelmente, são vermelhos. Ele me joga no chão. Bato a cabeça, ficando um pouco atordoada.

O homem se põe a cima de mim, pressionando minha garganta, ao mesmo tempo, uma mistura de medo e confusão me invade. Sinto que minha vida está indo embora, juntamente com minha respiração.

Não consigo levantar nem retirar sua mão do meu pescoço. Tento organizar os pensamentos, decidir o que devo fazer. Olho ao redor, procurando algo que possa me ajudar, e quando cerro o punho, percebo que ainda estou a segurar o facão, apesar de não saber onde está a cesta. Movo meu braço devagar, ganhando uma certa instabilidade, acho que meu agressor não percebeu ainda que estou em posse do objeto afiado.

De repente, algo faz o homem oscilar, ele me olha de forma estranha e sinto a pressão sob minha garganta afrouxar. Hesito por um instante em seguir com o plano, mas reúno toda a coragem e força que tenho e cravo o facão na lateral da sua barriga.

O homem grita, fazendo um barulho esquisito. No momento em que leva a mão ao ferimento, aproveito para empurrar seu corpo, derrubando-o. Tento levantar, mas ainda me sinto zonza. Começo a engatinhar, mas logo algo agarra minha perna esquerda.

Mesmo machucado, o homem ainda persiste. Percebo que há grandes machas pretas em sua mão e que ele também possui garras, as quais crava em minha perna. Grito de dor.

- Me solta! - chuto seu braço.

Quando ele cede, me levanto com dificuldade e corro o mais rápido que consigo.

- Socorro! socorro!

Então percebo que estou correndo pro lado oposto ao vilarejo, no calor do momento, acabei não percebendo isso. No instante que penso em retornar, vejo o homem correndo atrás de mim e continuo na mesma direção.

Ele não demora a me alcançar, pois é muito rápido. O homem me empurra contra uma árvore, e ao cair no chão, sinto minha perna direita latejar, miro-a e vislumbro o estrago, um grande corte foi aberto, não sei se é profundo, mas dói e sangra bastante.

Faço esforço para me erguer novamente, mas o machucado me impedi. Em um ato desesperado, começo a rastejar, usando a perna boa como impulso.

Sem muita dificuldade, o homem me ergue pela cintura. Mexo meu corpo freneticamente, tentando impedir a ação, ao mesmo que grito por ajuda.

Depois de alguns passos o homem me põe contra uma árvore, colocando uma de suas mãos esquisitas sobre minha boca e erguendo a outra, pronto pra atacar, mas de repente ele para e desaba no chão, desacordado.

Confusa e aterrorizada me apoio na árvore para não cair. Vejo um garoto ao longe, o qual vem minha direção. Ele é moreno, tem cabelos pretos e porte atlético, está vestindo uma camisa verde escura e calça de tecido marrom escuro, levemente rasgada na coxa. Por cima da camisa há um tipo de colete preto que me parece bem reforçado.

O garoto segura um arco de madeira e carrega uma mochila nas costas, acima da sua cabeça posso ver as penas das flechas. Tenho o impulso de correr, mas minhas atuais condições não me permitem. O garoto se aproxima.

- Você está bem?

Balanço a cabeça afirmadamente, me recuperando do choque. Ele olha ao redor e parece confuso.

- Ele fugiu? – fala, indignado.

A princípio não entendo sua perguntar, mas seguindo a direção do seu olhar, percebo que está falando do meu agressor. Miro o chão e me surpreendo, o homem não lá, simplesmente sumiu. O garoto olha ao redor, confuso.

- Esse ferimento está bem feio. – diz, olhando pra minha perna. – Me deixe esteriliza-lo antes que infeccione.

Ele estica a mão para tocar minha perna, recuo imediatamente.

- Calma, só estou tentando te ajudar.

Ele coloca a mochila no chão, retira de dentro um pedaço de pano, um cantil, uma garrafa com um líquido esverdeado e um pequeno pote de plástico.

- Você pode sentar? Assim meu trabalho se torna mais fácil. – ele pede.

Agacho devagar até a base da árvore, o garoto lava o pano com a água do cantil e depois abre o pote, despejando o líquido verde. Ele mergulha o pano na mistura. Me impressiono com a sua destreza e rapidez ao fazer tudo isso.

- Isso vai doer um pouco.

O garoto passa o pano delicadamente sobre o ferimento, limpando todo o sangue. Não consigo disfarçar a feição de dor enquanto faz isso.

Após alguns minutos, me sinto mais calma.

- O corte foi muito profundo? – pergunto, quebrando o silêncio entre nós.

- Não, você teve muita sorte.

- Onde aprendeu tanto sobre ferimentos?

- Meus pais eram médicos, desde criança sou acostumado a ver eles tratando coisas muito piores. De tanto observar, acabei aprendendo.

- E você, o que estava fazendo na floresta sozinha?

- Coletando algumas raízes.

- Porque aquele homem estava te atacando?

- Não sei.

Ele parece não acreditar em minha resposta. O garoto termina com meu ferimento, a dor diminuiu consideravelmente.

- Pronto.

- Obrigado pela ajuda.

- De nada, é pra isso que servem os estranhos que a gente encontra no meio da floresta. – sorri. – Aproposito, meu nome é Richard Bennet, mas pode me chamar de Rick, é como todos me chamam.

- Annie Watson.

Nos cumprimentamos.

De repente ouço a voz de Grace gritando meu nome, não demora até que me encontre, ela está acompanhada de Jack.

- Porque está aqui, tão longe do vilarejo? – ela questiona.

Penso o que dizer.

- Eu estava colhendo as raízes e...

- O que aconteceu com sua perna? – fala preocupada, me interrompendo.

- Eu... cai. – minto.

- Eu te avisei pra ter cuidado, sabia que não devia ter lhe mandado colher as raízes. – repreende. - Olha o estado da sua perna.

- Não precisa exagerar mãe, é só um corte.

Ela me olha com ar de reprovação, nesse momento, Grace percebe Rick.

- E quem é esse?

- Rick, ele me ajudou com o ferimento.

Ele estica o braço pra cumprimentá-la e sorri, Grace, relutante, aperta sua mão.

- E você, vai ficar parado só olhando? – fala em direção a Jack. – Ajude minha filha a retornar ao vilarejo.

Me apoio no ombro de Jack e começamos a seguir para o vilarejo.

- Venha conosco Rick. – digo.

- Agradeço o convite, mas tenho que continuar andando. – fala, com timidez.

- Vamos, você deve estar cansado e faminto.

Ele aceita, recolhendo suas coisas. Chegando ao nosso lar, minha mãe me leva pra casa, Rick permanece conversando com Jack, prometendo me visitar depois.

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