Durante os dias de trabalho na horta, decidiram deixar as desavenças de lado para maximizarem os resultados como agricultores. Tinham um objetivo em comum e ela jamais permitiria que conflitos pessoais impedissem o êxito em qualquer tarefa. Ewaric não era tão odioso ali e Midnight não tentou matá-lo ainda, apesar de sentir vontade vez ou outra.
Os dois sabiam agir estrategicamente, a guerra os ensinou isso e Taranís os ensinava a superar as diferenças; e esses conhecimentos se refletiam na atividade com os canteiros, que estava sendo bem-sucedida.
Além de ajudar no plantio, Midnight revezava a responsabilidade de limpar os dormitórios das mulheres, e estava acabando de dobrar as cobertas em um deles quando alguém entrou. Era Mallika, aquele deveria ser o quarto dela, o mais luxuoso por sinal.
— Como vai, alteza?
— Não é divertido? Antes você era minha criada e hoje sou a sua, trocamos os papéis — ironizou.
— Sabe, vossa alteza não é o que eu pensava. — Aproximou-se.
— Suas impressões pouco me despertam interesse. — Continuou dobrando.
— Digo isso como um elogio. Quando fomos selecionados para raptá-los, tivemos que estudar o perfil de cada um.
— Apenas desejo terminar de arrumar o quarto em silêncio.
— Eu quase desisti de captura-la quando a conheci — prosseguiu ignorando o pedido. — Vi como a presença da milady é importante para vosso reino, exército e família, mas percebo que está feliz aqui, ou então já teria fugido há muito tempo.
Ela tinha razão, Midnight nem tentou fugir de verdade; a manipulação de energia negra ainda não havia retornado, pois deveriam estar colocando algo na comida, mas nem com isso importou-se de fato. Fazia muito tempo que não se ausentava dos deveres militares, e não ter o peso das responsabilidades sobre os ombros era libertador. Era o refúgio dos sonhos que encontrou para esconder-se de uma realidade caótica.
— Terá que ir embora um dia, mas poderá voltar aqui sempre que desejar. Sei que quebrei vossa confiança, mas farei o possível para recuperá-la.
Isso seria possível?
***
Após concluir os afazeres diários, Midnight seguiu para a horta, pois mesmo que o trabalho já estivesse feito, ela tinha que conferir se os canteiros estavam bem. Ao atravessar a entrada, deparou-se com Ewaric próximo à estrutura de madeira onde eram guardados os materiais usados na agricultura. Estava pensativo, sentado em um banco, contemplando o céu estrelado pela abertura do teto.
— O que está fazendo aqui? — questionou Midnight.
— Terminei de semear nossos canteiros.
Isso era ótimo, pois já estavam atrasados. Ela tinha um cronograma rígido para lidarem com o plantio, afinal, essa era sua especialidade: planejamento metódico.
— Todos já foram jantar — avisou.
— Não estou com fome.
O rosto de Ewaric transbordava melancolia, ela não soube bem o motivo, mas sentiu-se impelida a sentar ao lado dele; e o fez. Ali eram apenas um diurno e uma noturna com as guardas baixas, sendo somente duas pessoas observando o céu. Uma situação tão comum era estranha para eles.
— Não quero ir embora — revelou Ewaric.
— Eu também não — admitiu.
— Não deveria ser assim.
Ela o entendia, pois momentos antes estava pensando o mesmo.
— Sempre gostei de lutar, mas este lugar faz-me questionar se gosto tanto assim das batalhas.
Midnight gostava delas? Era o que fazia, era nisso que era boa, mas também era boa em cuidar da horta, e ao contrário de como se sentia em guerrear, sentia-se bem em cultivar os canteiros.
— Aqui há tanta paz. Eu apenas queria compreender essa guerra, luto por motivos pessoais, mas sempre a considerei vaga — Midnight acabou dizendo.
— De fato, é vaga.
— O seu pai a iniciou. Como você pôde destruir vilarejos inteiros, sem ter um motivo concreto para isso?
Ewaric não se abalou com a demonstração de cólera repentina e apenas continuou falando; como se fosse para si mesmo, absorto dentro da própria mente.
— Uma vez, quando eu possuía por volta de doze anos, eu perguntei a ele: por que existe a guerra? Não obtive resposta e fui severamente punido. — Deu um sorriso triste. — Apenas quando fiquei mais velho, descobri que o confronto estava relacionado ao sumiço de minha mãe, dizem que ele mudou muito, desde então.
Uma guerra por causa do sumiço da rainha do Dia? Alkaid não poderia ter morrido em vão, Midnight teria que desvendar o verdadeiro motivo da morte do pai.
— Nós não temos culpa disso e as crianças que moravam nas vilas que você saqueou, também não — repreendeu.
— Eu não via as coisas dessa maneira, apenas obedecia às ordens do rei.
— Sem questionar? — Como não questionar ordens tão cruéis?
— Não mais, se há algo que aprendi com o rei, é obedecer sem questionar.
Os olhos de Ewaric permaneceram perdidos, vagavam através de dores. Isso a fez refletir sobre como seria conviver com Ciro Auringon e, por poucos segundos, sentiu pena do príncipe.
Pena de um inimigo!
Era difícil crescer sem uma mãe, a de Midnight chamava-se Nashira e morreu no parto, então não pôde sentir falta dela de fato, mas perder o pai foi demais para si. A morte dele estava relacionada com o sumiço da rainha diurna e ali estava ela, sentindo pena de Ewaric Auringon.
Levantou do banco e marchou para o quarto.
***
Quando todos adormeceram, Midnight saiu para perambular pelo Reino Subterrâneo. Ele tinha a estrutura de uma raiz de árvore, com uma construção principal e diversas ramificações de túneis saindo desta. Era uma composição complexa, parecia que uma província inteira estava debaixo da terra.
Ser a única noturna de um local era solitário. Não havia ninguém para lhe fazer companhia, porém, mesmo se tivesse alguém acordado, não resultaria em diferença alguma, as pessoas que tinha vontade de conversar estavam muito distantes dali.
***
— Olá, linda princesa!
— Olá, mestre Taranís.
— Lição de hoje, trabalhar juntos.
— Já aprendemos — queixou-se Ewaric.
— Ainda estão em processo de aprendizado, jovem sol, então escute Taranís com atenção. O Dia e a Noite precisam trabalhar juntos...
Ele começou cedo com as metáforas — pensou Midnight.
— Você, jovem sol, é parte importante para desenvolvimento das plantas. O dia traz energia e alimento a elas. — O príncipe sorriu, envaidecido. — Mas noite traz descanso e frescor. Além disso, é de noite que as mais belas flores se abrem para espalhar perfume. — Acariciou o rosto de Midnight.
O senhor os observou para ter certeza de que estavam acompanhando o raciocínio e continuou a falar:
— Os dois são importantes, mas são melhores trabalhando juntos — declarou, bem feliz consigo mesmo. — Vocês continuam trabalhando e Taranís vai procurar algo para comer, não é tarefa fácil para mim. — Sorriu, mostrando os dentes faltantes.
Midnight reprimiu uma risada enquanto ele saía, pegou um regador e começou a molhar os canteiros.
— Ele pode ter razão. Talvez devêssemos trabalhar juntos — afirmou, como se tivesse concebido uma ideia brilhante.
— Isto é impossível.
— Já estamos fazendo isso.
— Uma horta não pode ser comparada a uma aliança política.
— Seríamos mais fortes assim, poderíamos até mesmo acabar com a guerra.
Sempre pensou que os diurnos quisessem tomar as terras noturnas, numa disputa de poderes motivada pela ganância de Ciro, mas aparentemente, esse não era o verdadeiro objetivo.
— Por quê?
Ele respirou fundo, antes de responder:
— A conversa que tivemos ontem foi muito esclarecedora para mim. Não desejo mais lutar em uma guerra sem sentido. Você quer? — Ergueu uma sobrancelha.
— Isso não depende de nós e, sim, de seu pai e meu tio.
— Mas pode começar conosco.
Aproximou-se e estendeu a mão.
— Amigos?
Estava louco? Era loucura, mas talvez Ewaric tivesse razão. Possuir um aliado como ele poderia ser vantajoso, além disso, Midnight teria a chance de descobrir mais sobre a morte do pai.
Segurou a mão e respondeu:
— Amigos.
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Será essa uma amizade de sucesso?
Vamos torcer HAHAHA
Não se esqueçam das estrelinhas 🌟