Mentirinhas e Armadilhas

FelipeGonalves874

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2º LUGAR NO CONCURSO FANTASIABR - Quem já jogou RPG, certamente, possui uma relação de ódio com kobold's. Peq... Еще

I

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FelipeGonalves874



Zeian tinha vontade de rir, mas não podia. Não diante daquele rosto tão doce e, ainda assim, tão sério que o observava de volta. Sob a mesa de mogno, suas mãos encontradas estrangulavam os dedos uma da outra para impedir a ânsia do riso que tentava escalar sua garganta.

Os olhos da moça que estava a sua frente perscrutavam, com seu brilho amendoado, o corpo do jovem buscando qualquer sinal de que ele pudesse dar uma resposta enganosa a sua proposta. As habilidades dela eram famosas, a ponto de acreditarem que ela lia mentes. Zeian tinha ciência disso.

- É sério isso, Lirana? Dividir por cinco? – Disse Ele – Está mesmo insinuando que este seu mascote ficará com a quinta parte do tesouro? Veja, eu poderia tolerar que ele ficasse com algum brinde, sem problema, mas receber como qualquer outro do grupo? Só pode ser uma pilhéria.

- Eu não mascote! – Berrava a criaturinha que, de pé a beira da mesa, só via o que se depositava sobre ela quando saltava.

A bela jovem puxou suas madeixas negras por sobre o ombro e recostou-se no espaldar da cadeira numa atitude relaxada e petulante. Cerrou os olhos e Zeian sentiu uma pontada no estomago quando ela abriu a boca para falar.

- Ah, Zeian, meu guerreirinho burro! Desculpe eu ter superestimado minha capacidade dialética. Cheguei mesmo a pensar que minha clareação era à prova de imbecis. Entretanto, se não entendeu, aí vai outra explicação mais simples: Não encare nossa situação como uma sociedade, mas sim, sinta-se meu empregado. Ofereço-lhe um preço pelos seus serviços e dos seus amigos. A quantia é três quintos dos espólios que encontrarmos em Aitua e vocês dividem como quiserem. Já eu, vou ficar com dois quintos e vou dividir meio a meio com Pilpo. A única opção que foi dada a você é: Aceitar ou não. Caso não queira, adeus! Está desperdiçando meu tempo.

- Isso é o mesmo que dividir por cinco. – Balbuciou Zeian.

Entrementes, finalmente a criatura conseguiu subir no colo de Lirana e debruçou-se sobre um encardido mapa. Vestia andrajos que pareciam ter sido costurados para um boneco. Como elmo, usava uma caneca prateada. Seus olhos vermelhos e ligeiros prontamente perceberam o franzir dos narizes dos outros três que estavam à mesa quando o viram.

- Meu mapa, queixo-de-bundinha! Meu mapa! – Berrava o pequeno e escamoso ser, olhando diretamente para o furinho que Zeian tinha no queixo. – Se não gostar, você, cara-de-carranca e orelha-de-burro pode ir embora.

O rapaz não pareceu irritar-se com as grosserias de Pilpo. Contudo, cara-de-carranca, que na verdade se chamava Ordro e orelha-de-burro, que se tratava de uma elfa denominada Haira, franziram o cenho.

- Afinal, o que é essa coisa? Um cachorro? Um lagarto? – Indagou a elfa visivelmente enojada.

Pilpo subiu sobre o mapa, chutando canecas e garrafas, aos berros. - Eu kobold, Elfa boboca!

O baixinho chamou a atenção de todos na tasca com sua fala alta e gestos exagerados. Logo os integrantes da mesa estavam debaixo de vaias e gritos de "Não pode ter animais aqui dentro", "Nós queremos comer em paz" e "Vê se dá um jeito nesse seu bicho".

Lirana agarrou Pilpo e o segurou sentado sobre seu colo enquanto murmurava alguma coisa em seu ouvido que pareceu acalma-lo. Depois, voltou-se a seus convidados.

- Então, vocês topam o serviço ou devo procurar outros mercenários?

Zeian tomou um gole da última caneca que sobrara em pé, enquanto olhava por sobre ela para seus companheiros. Depois fitou longamente os olhos de Lirana, que permaneceram imóveis, sem transparecer qualquer tipo de ansiedade em saber de sua resposta.

- Claro que sim!



Sob a luminosidade alaranjada do crepúsculo, Pilpo corria feito um corisco. Contudo, embora ágeis, suas perninhas eram curtas demais para livrar-lhe da intenção violenta de seu perseguidor. Bem, isso seria verdade, se o pequeno kobold não fosse tão experiente em fugir de algozes muito maiores que ele.

O fujão, ligeiro, entrou em uma moita e a grande e musculosa fera jogou-se contra o tronco na intensão de agarra-lo. Contudo, ele já havia alcançado a copa do arvoredo, saltou sobre as costas do outro e correu em direção contrária a que seguia.

- Volte aqui, vou lhe mostrar quem é cara-de-carranca! - Berrava o robusto homem, enquanto arrancava folhas e galhos que haviam ficado presos em seu gibão de peles.

Entretanto, o kolbold decidiu não ouvir os apelos do brutamonte, seguindo em sua aparente infindável carreira. Ordro disparou novamente atrás de sua pretensa vítima. Talvez até o tivesse pegado, caso o pequeno Pilpo não garantisse sua segurança e conforto, atirando-se aos braços de Lirana, com a cabeça entre seus fartos seios.

- Vamos Lirana, me entregue este bostinha. – Ofegava o gigantesco Bárbaro – Juro que só vou lhe arrancar um ou dois dedinhos, nada mais.

Pilpo apertou com mais força a cintura de Lirana.

- Ora Ordro! Tenha modos, acha mesmo que assim está se comportando melhor do que ele. – Apelou Lirana – Proponho que o ignore.

Ordro sentou-se relutante num tronco, enquanto acariciava o próprio rosto com ar dissaboroso. Pegou um galho e começou a cutucar algumas brasas que estavam longe demais das chamas, empurrando-as para o centro da fogueira.

- Ah, sim. Aceito sua proposta com a condição de também poder chama-la com o apelido que ele lhe deu. Pode ser? Tetudinha?

O Bárbaro jurou ter visto, nesta hora, os olhos de Lirana faiscarem. Poderia ser apenas efeito do reflexo das chamas, mas ele tinha certeza que a feiticeira lhe lançaria uma maldição. Contudo, em verdade, quem o atacou foi Pilpo.

O Pequeno se aproveitou de sua distração e atirou-lhe um punhado de areia nos olhos. Quando ergueu as mãos para tentar livrar-se dos minúsculos grãos, sentiu uma pontada forte no tornozelo. Com o susto, ergueu as pernas abruptamente, caindo de costas do outro lado do tronco em que se sentava. Ainda sem enxergar, ouviu as gargalhadas de Zeian e resmungos de Haira. Esta última se aproximou e ajudou Ordro a se recompor sobre o assento.

- Só pilpo chama Tetudinha de Tetudinha! – Esbravejava o irascível kobold.

- Lirana, temos mesmo de nos submeter a isso? – Comentou a elfa indignada. – Tenho certeza de que podemos nos virar sem esse...

- Fora de questão. – Respondeu a jovem, sem nem mesmo deixar que Haira terminasse o que dizia. – Já determinei os termos.

A centenária mulher, com ar perpétuo de moça, cerrou os olhos e praguejou alguma coisa em seu dialeto natural, mesmo sabendo que a outra entendia cada palavra. Entregou a Ordro um lenço e uma cuia com água para que ele lavasse os olhos. Depois, pôs-se de pé.

- Afinal, pra que este pedacinho de couro fedido quer tanto dinheiro assim. – Indagou a elfa com as mãos nas cadeiras. – Penso que deveria se satisfazer com uma caverna imunda onde pudesse por seus ovos. A maioria deles se satisfaria.

- Kobold vive feliz. Então vem homem e espanta kobold. – Respondeu Pilpo colocando as patinhas na cintura tal qual a elfa. - Kobold vai embora e mora em outro lugar. Então vem elfo e espanta kobold. Kobold vai embora de novo. Arranja outro lugar. Aí vem anão e escorraça kobold. E homem de novo, e elfo de novo, e anão de novo, e orc de novo, e de novo, e de novo... Mundo novo só entende dinheiro. Pilpo arranja dinheiro. Pilpo compra terra pra kobold.

Finalmente o bárbaro conseguiu livrar os olhos da areia e Pilpo sacou novamente a meia tesoura que usava como espada postando-se entre Lirana e o grandalhão. Isso arrancou novamente rizadas de Zeian e até do próprio Ordro.

- Nunca vi uma lagartixa costureira! – Escarnecia o brutamonte.

O baixinho partiu em direção ao tornozelo de Ordro novamente, mas foi agarrado pelo colarinho no meio do caminho pela feiticeira que o pegou no colo.

- Se esperaremos o amanhecer, bem que você poderia dormir um pouco. Heim, danadinho? – Disse Lirana enquanto se dirigia às esteiras estendidas logo adiante.

Sob protesto, Pilpo abraçou ternamente o pescoço da jovem, enquanto por sobre o ombro dela, mostrava para os outros três sua língua bifurcada e fazia sinais indecentes com o dedo médio.



Uma infinidade de constelações adornava o céu e em sua luz eterna banhava-se Lirana. Pelo menos foi à impressão de Zeian quando a encontrou a beira de um singelo lago, que parecendo ter inveja do firmamento, o imitava.

A jovem, percebendo a aproximação do guerreiro, puxou por cima dos ombros a volumosa cabeleira, revelando uma nuca alva. Aquele pequeno pedaço de pele transmitia ao rapaz uma sensação de pureza indescritível. Então, uma sensação incomodou Zeian. Possivelmente fosse a natureza destrutiva do homem que, tendo encontrado algo tão imaculado em sua essência, o impelia a conspurcar aquela virtude.

Ele se aproximou, agarrou Lirana pela cintura e beijou-lhe o pescoço sentindo a moça estremecer. Ela por sua vez virou-se, juntou seus lábios aos dele e trançou os braços em torno da cabeça do rapaz.

- Enfim vai me contar qual é o ardil da vez? – Ele indagou mergulhando nos olhos amendoados da moça. – Por que têm fingido que não me conhece?

Lirana empurrou o peito de Zeian fingindo indignação, mas, propositalmente, não com força suficiente para se livrar dos braços do guerreiro. Por sua vez, ele apertou a cintura da jovem e a trouxe de volta para junto de seu corpo.

- Do jeito que fala parece que sou uma vigarista qualquer.

- Longe de eu dizer tal heresia. – Sorriu o guerreiro. – Sei que é a maior vigarista deste lado do continente!

Com um soco no peito do rapaz, ela se afastou de vez. Contudo, com um sorriso nos lábios do qual Zeian se deleitou. E era tão raro e caro aquele sorriso. Tal como todas as coisas insólitas. Era quase como uma pérola, talvez fosse de extrema dificuldade encontra-la, mas no fim valia a pena só pela sua beleza. Assim era o sorriso de Lirana.

- Ora, seu cachorro imundo. – Ela cruzou os braços estufando os seios. - Como pode duvidar das intensões altruístas de uma dama?

Por um tempo, Zeian perdeu o sentido das palavras que saíam da boca da feiticeira, contemplando o decote dela.

- Lirana, Lirana, Lirana. Conheço-te bem e nunca tiveste esta veia materna que apresenta para com o kobold. Vamos me diga. Por que ainda não chutamos aquela cauda escamosa e pegamos o mapa?

- Ah, Zeian! Como sempre, você só pega as coisas pela metade. – Lirana deu dois tapinhas no rosto do rapaz. – Acha mesmo que aquele mapa serve para alguma coisa? Foi o próprio kobold que o fez. Duvido que ele saiba diferenciar, o X que marca um tesouro, de uma caveira com ossos cruzados que indicasse morte certa. Entretanto, creio que ele esteve mesmo em Aitua. Talvez, ele seja a única criatura viva que já saiu de lá. E você sabe que aquele lugar é conhecido pela inospitalidade. Dizem que tem insetos tão grandes que arrancariam sua cabeça. Mas estou certa de que Pilpo pode nos levar ao templo por trilha segura. Por isso tudo, preciso que ele confie em mim, já que se pode perceber que ele não confia em mais ninguém.

- Sei, e depois?

A mulher sorriu sinistramente.

- Depois ele não é mais problema meu. Venha, vamos voltar ao acampamento, não pode haver quaisquer desconfianças.

- Você é mesmo uma víbora! – Sussurrou Zeian.

- E, ainda assim, você me ama.

- Ah! Não tenha dúvidas disso.



O templo de Aitua espalhava seus jardins por uma enorme área dentro da floresta que levava o mesmo nome. Embora aparentemente abandonado, e com as trepadeiras tomando as cândidas colunas de mármore, cada uma das flores ainda crescia em seu devido espaço. Lirana e seus companheiros estavam estacados a beira da porta da maior construção que encontraram.

- Vamos Zeian, diga logo o que está escrito aí! – Esbravejava impaciente a feiticeira.

- Sei que você vai me xingar! - Resmungava o guerreiro inconsolável. – Olha só, este é um dialeto muito antigo e bruto; e acho que falta um pedaço. Mas o que deu para depreender é: "Se quiser submeter Aitua, tome posse com a bunda..."

Zeian preparou-se para receber as duras críticas de Lirana. Ela lambeu os lábios tal como fazia antes de disparar suas mais ácidas palavras. Contudo, antes que ela abrisse a boca, um rugido horrível ecoou pelas básculas do templo. Pilpo, mais que rápido, escondeu-se atrás das pernas da feiticeira.

- Eis aí o guardião. É por causa dele que ainda temos esperança de encontrar o tesouro. – Haira preparou seu arco. – Mas como vamos entrar se não há fechadura nesta porta?

- Ela parece estar trancada por dentro. – Começou a devanear Lirana. – Talvez alguém pequeno pudesse entrar por uma das básculas e abrir a porta para os outros. – A mulher viu o kolbold dar um passo atrás e agarrou uma de suas patinhas. – Por favor, Pilpo, você faria isso pela sua tetudinha?

O pequenino observou a expectativa no olhar dos outros e as feições suplicantes, quase chorosas, no rosto de Lirana.

- Pela Tetudinha, eu vai!

Ordro ergueu o kolbold até uma das básculas e ele sumiu pela abertura. Logo se ouviu um estardalhaço. Rugidos, berros de terror e som de rochas se chocando. Por fim, o barulho de madeira sendo atirada ao chão e a porta afrouxou-se.

O bárbaro chutou a porta esperando que o que estivesse lá dentro o atacasse de pronto. No entanto, a criatura parecia estar distraída com alguma coisa presa entre suas patas. A luz invadiu o ambiente chamando a atenção da besta e ela finalmente virou-se para a porta aberta. Entre seus dentes, algo reluziu, revelando ser uma caneca prateada.

- Puta merda! – Berrou Ordro. – Ele comeu o baixinho!

A criatura disparou em direção ao bárbaro, que só teve tempo de se jogar de lado. Sob a luz do sol, a coisa mostrou-se um lagarto maior do que um cavalo.

Haira disparou três flechas seguidas atraindo a fera para si. Zeian por sua vez, atingiu o lagartão no flanco direito. O golpe não surtiu efeito e o inimigo revidou girando o corpo e acertando o guerreiro com a longa cauda, tirando-o de combate.

Vindo da porta do templo, Ordro desenvolveu uma investida que resultou num encontrão de corpo bem nas costelas do bicho. O movimento o colocou onde os invasores o queriam, bem de baixo a uma grande coluna de mármore que já estava por cair. Usando uma rajada telecinética, Lirana derrubou a coluna sobre a besta, pondo fim a seus dias de vigília.

O grupo adentrou o templo, pé ante pé, maravilhando-se com a gama de pedras preciosas, ouro e joias que jaziam espalhadas por toda parte. Contudo, assim que entraram, a porta se fechou sozinha. As tochas se acenderam de súbito. Vislumbraram um grande trono de ouro e, sobre ele, estava sentado Pilpo.

- Obrigado pelos seus préstimos, mas seu trabalho ainda não acabou. – Disse majestoso, o kobold. – Vão e tragam as cinco tribos de kobolds que restam na região leste. Digam-lhes que de hoje até o declinar dos tempos, Aitua será sua nova casa. Assim, lhes darei, digamos... a quinta parte deste tesouro. Vocês terão livre passagem em meus recém-adquiridos domínios, até que concluam a empreitada.

Lirana tentou conjurar um feitiço, mas notou que, nos domínios de Aitua, seus poderes agora, estavam anulados. Ela pôs a cabeça no lugar, fez uma mesura em concordância e saiu sem dizer mais nada. Os outros a seguiram, igualmente em silêncio.

- "Autoridade sobre"... "bunda"... o que faltava na mensagem era "trono". – Resmungava Zeian. – O teor correto era: "Se quiser submeter Aitua, sente no trono". Faltando um símbolo não teria sentido mesmo...

- Meio tardia esta sua constatação, Zeian. – Retorquiu amargamente Lirana. – Aquele diabinho foi o primeiro indivíduo que me enganou. – Então, ela parou e sorriu. – Ele tem o meu respeito. E pensar que estivemos este tempo todo dançando feito bonecos, enquanto ele puxava as cordas.

O guerreiro abraçou gentilmente a feiticeira pelas costas e sussurrou em seu ouvido – Então, o que faremos agora?

- Ora, Queixo-de-bundinha! Meu guerreirinho burro. Não percebe o quanto pode valer um quinto de todo aquele tesouro? – Ela suspirou – Creio que seremos babás de kobold por mais algum tempo.


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