Uma doce melodia (completo)

By ChrisMattei

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Em 1940 após terem perdido uma batalha, o norte da França se vê invadido pelo exército alemão, que era arrasa... More

Nota da autora

Capítulo Único

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By ChrisMattei

- Celina! – berrou ele logo atrás de mim.

Meus pés não eram tão ágeis como eu imaginei que seriam. Tropeçavam sem parar um sobre o outro, minhas panturrilhas doíam com todo o esforço que eu fazia para me afastar, mas sem muita sorte.

Eu mantinha firme a visão do bosque à minha frente. Se eu pelo menos conseguisse chegar lá, poderia enganá-lo já que conhecia melhor que ele, podendo me esconder em qualquer buraco que encontrasse.

Mas eu não conseguiria, eu tinha certeza. Ele me alcançaria e me levaria de volta sem esforço algum. Era o que sempre fazia. Já fazia um mês que estávamos naquela condição e eu não aguentava mais.

A guerra finalmente tinha chegado até nós e trazido consigo um alto preço. Pelo menos para mim.

Com a morte de minha mãe aos cinco anos, eu já sabia que para não viver o resto da minha vida sozinha precisaria arranjar um bom casamento. Não poderia viver o resto de minha vida ao lado de meu pai e meu irmão. E a vida mostrou-se muito engraçada com respeito a isso.

Logo no início da guerra meu irmão recebeu uma carta de convocação. Com sua partida as coisas ficaram bem difíceis, pois eu tive que tomar seu lugar e cuidar de nossa fazenda com ajuda de meu pai. Mas, as coisas só tenderam a piorar. Assim que houve indícios da invasão alemã em nosso país, outra carta de convocação chegou e lá se foi meu pai. E meu medo se tornou realidade, eu estava sozinha.

Com a situação que nos encontrávamos, já não havia rapazes em nossa cidade com a qual eu poderia sequer sonhar em um dia me casar. Todos eles tinham partido para a guerra, eles querendo ou não.

Se o meu infortúnio parasse aí já estaria de bom grado. Mas não. Quando o exército alemão tomou conta de todo o norte do país, carros e mais carros trazendo soldados apareceram um dia em nossa pequena cidade, outra notícia devastadora foi dada. Algumas famílias seriam escolhidas para abrigar alguns desses soldados.

Eu nunca imaginaria que seria uma dessas escolhidas. Além da minha casa ser bem afastada da cidade, não achei que permitiriam que eu abrigasse um homem desconhecido sem nenhum tipo de proteção.

Só que naquela mesma noite ele chegou. Veio sozinho em seu veículo, trazendo uma única mala. Não disse muito mais que o necessário, deixando claro que precisava de um quarto e apenas isso.

Contra minha vontade o levei até o primeiro andar da casa e lhe mostrei o quarto de meu irmão que acomodava um banheiro, dando-lhe toda a privacidade do mundo. Sem minha permissão, claro, ele retirou a escrivaninha do escritório de meu pai e a organizou sob a janela do quarto de meu irmão.

Até a hora no relógio ele teve a coragem de alterar!

Foram todos esses pensamentos, lembranças que me fizeram tomar aquela decisão. Estava cansada de todas essas mudanças que vinham acontecendo.

Meus pés não eram rápidos o bastante. Não. De tal modo que em pouco tempo senti algo me tocar me fazendo tropeçar e cair no chão. Não tive tempo nem se quer para me levantar. Ele mesmo me colocou de pé, ouvindo meus protestos constantes, passou a mão em minha cintura me levantando e me jogou em seu ombro como se eu fosse um animal que ele acabara de caçar.

Não importava quanto eu gritasse, esperneasse ou chorasse, muito menos a força que fazia para bater em suas costas, ele continuou seu caminho de volta a casa e só me colocou no chão novamente após subir os degraus da entrada.

- Porque você faz isso Celina? – ele indagou me olhando fixamente nos olhos - pelo amor de Deus, não sabe como é perigoso tentar entrar naquele bosque sem companhia? E se te acontecesse alguma coisa? Como explico isso para meu superior?

Suas perguntas só me fizeram chorar mais, tornando tão difícil respirar que achei que cairia dura ali no chão diante dele. Meus soluços eram tão altos que tive vergonha de toda aquela situação.

- Não fique assim. – pediu ele me abraçando.

Como é que eu poderia ter raiva dele no fim das contas? Ele se mostrava ser a cada dia que passava o soldado mais gentil que eu já havia conhecido. Não importava quanto eu tentasse odiá-lo pelo que vinha me acontecendo, o efeito sempre era o contrário.

Klaus me aninhou em seu peito de forma tão perfeita que nem cheguei a reclamar. Apenas fiquei ali encolhida derramando todas aquelas lágrimas que molharam seu uniforme.

- Está tudo bem. – sussurrou em meu ouvido

- Não está tudo bem! – bradei me afastando ao empurrá-lo para longe de mim - Olhe a sua volta Klaus! Estamos no meio da guerra, minha família se foi, eu não tenho mais ninguém, nem ao menos consigo manter esse lugar.

- Você tem a mim Celina.

- Não, não tenho. – rebati me sentindo cada vez mais nervosa – Hoje você está aqui, mas e amanhã quando as coisas piorarem e precisarem te enviar para o campo de batalha? Você é mais um soldado alemão que está aqui não para nos proteger, mas para se certificar que não faremos nenhuma rebelião e não traremos problemas a vocês.

- Que droga Celina! – ele berrou jogando sei quepe no chão – E que culpa eu tenho nisso tudo? Que culpa eu tenho se recebi uma carta de convocação e fui obrigado a vir até aqui? Que culpa eu tenho se a minha vida está com os dias contados? A única coisa que faz tudo parecer tão mais simples é você! Quando é que você vai entender isso?

​Klaus passou por mim em direção a porta e parou antes de poder abri-la, virando o rosto em minha direção.

- Me desculpa se o fato de eu estar aqui é um fardo para você. Mas, a culpa não é minha.

Uma completa idiota, era isso que eu era. Uma idiota por vários motivos. Por quer culpa-lo por toda a situação catastrófica em que nosso país se encontrava, por me sentir incapaz de manter aquele lugar, por meu país estar na guerra lutando pelo nosso país enquanto eu estava ali até que confortável vivendo debaixo de um teto junto com um soldado inimigo. Me sentia culpada pelo que estava prestes a fazer.

Era preciso reunir todas as minhas forças para apenas girar meu corpo em direção a porta e mirar sua sombra através da tela de proteção. Foi necessário mais força ainda para dar o passo seguinte e correr para dentro de casa, escancarando a porta e soltando-a sem a preocupação de ter de ouvir alguém gritar para que eu fosse mais educada, para me lançar sobre ele envolvendo seu pescoço com meus braços.

O susto que ele levou transformou-se rapidamente em um sorriso lindo quando baixou a cabeça para me fitar.

Aqueles olhos eram tão lindos, tão meigos, tão gentis e amorosos que todo o temor que eu sentia anteriormente desapareceu em questão de segundos.

Estava claro como a água, límpido como o cristal o que eu deveria fazer a seguir. Não era difícil ver em seus olhos que ele desejava a mesma coisa. Se meu pai me visse a seguir não havia dúvidas que eu seria deserdada, mas há certas coisa na vida que importam mais do que dinheiro. E esse era um desses momentos, e tinha medo de que se não o aproveitasse nunca conseguiria outro. Arrependimento é algo que eu não queria ter.

Eles me perdoariam eu tinha certeza disso. Que culpa eu tinha se amava o nosso inimigo?

Quando aproximei meus lábios dos dele, minha respiração se prendeu por instinto, esperando que ele não me rejeitasse. Um medo estranho fez meu estômago embrulhar, com um frio tremulizando por dentro para me lembrar que eu estava viva e deveria agradecer por isso.

Meu corpo todo pegou fogo de dentro para fora no instante em que ele me correspondeu e se aproximou de mim, tomando meus lábios, passando suas mãos em meus ombros, subindo delicadamente por meu pescoço até pararem em minha nuca. Seu beijo era tão denso, exasperado de um modo bom, que me fazia sentir inteira, desejada, querida. Algo que eu não sabia o que era até poder sentir.

Como eu poderia ter medo de algo assim? Como podiam falar mal dele apenas por ser de outro país? Que culpa havíamos se esse foi o jeito para ficarmos juntos? Minha mãe teria um ataque do coração se nos visse assim, se soubesse que eu nutria um sentimento forte e devastador por alguém que deveria odiar, que todos a nossa volta odiavam.

Foram os pios constantes, as bicadas na janela que o fiz se afastar de mim de um modo receoso, mantendo seus olhos nos meus, sorrindo. Os pios não pararam até que ele se afastou de mim em direção da janela do outro lado da sala e abriu um vão da janela. Era Bella como de costume.

Ao colocar o braço pelo vão da janela a águia pulou sobre o braço dele e ficou imóvel, com o olhar compenetrado em Klaus. Ela tinha trazido outro informativo como sempre fazia durante as manhãs. Klaus retirou um pequeno rolinho de papel preso em sua perninha e o guardou no bolso de sua farda. No momento em que voltou a colocar o braço para o lado de fora da janela, Bella alçou voo e desapareceu de vista.

- Eu tenho de ir. – declarou ele ainda olhando pela janela – Ninguém pode saber disso. Eu seria transferido de batalhão e nunca mais nos veríamos.

- E eu contaria para quem? – questionei sorrindo feito uma boba.

- Devo voltar para o jantar. – ele informou se virando para mim – Tudo bem?

Concordei com um aceno de cabeça e fui pega por um abraço acalentador pelo qual não esperava. Klaus cheirou meu cabelo tão profundamente, enquanto acariciava meu rosto que fiquei arrepiada.

Com um beijo terno ele se despediu, desceu os degraus da varanda saltitando enquanto o observava pela tela na porta, ele entrou no veículo do exército alemão e saiu pela velha estrada de terra levantando poeira.

Havia muita coisa a ser feita em questão de tão poucas horas. Precisava me arrumar, decidir qual vestido usar, colher algumas flores no quintal e preparar o jantar. Talvez eu nem desse conta disso tudo.

Com pressa subi as escadas, quase tropeçando nos últimos degraus. Ao entrar no quarto retirei toda a minha roupa, jogando-a por todo o lado, liguei a torneira e esperei que enchesse a banheira. Eu estava inquieta, ansiosa para que as horas passassem o mais rápido possível, já tinha tudo planejado, mas parecia que faltava alguma coisa. Algo muito importante.

Ao primeiro toque da agua morna em minha pele, um choque percorreu meu corpo, me dando um estalo, me fazendo perceber o quão boba eu tinha sido por esquecer algo tão simples. Algo tão importante quanto aquilo. Ri comigo mesma enquanto me afundava na banheira, imaginando se faria algo original ou se procuraria uma que não fosse muito famosa para poder chamar de nossa.

Nem precisei de todo o trabalho de entrar na sala de música para procurar entre os discos de meu pai algo que me chamasse a atenção. Foi ali mesmo dentro da banheira, me ensaboando que as melodias foram surgindo em minha mente, cada nota surgiu de forma despercebida até que estava cantarolando o que deveria ser a nossa melodia. Ela grudou tanto em minha mente que ao sair do banheiro enrolada em uma toalha, em vez de me vestir fui atrás de folhas de partitura e caneta para transcrevê-la.

Em menos de cinco minutos com garranchos e borrões a música estava pronta, agora só faltava tocá-la para ter certeza de que nada estava errado. Agora mais calma, abri meu guarda roupa em busca do vestido perfeito. Eu não tinha tantos ali pendurados a minha frente e já havia conseguido usar todos eles durante o tempo que Klaus estava hospedado aqui. Eu precisava de algo mais impressionante do que os que estavam ali.

Foi com um pensamento curioso e atrevido que me levou a sair do quarto e caminhar como se estivesse me escondendo de alguém até o sótão. Meu pai tinha proibido claramente que as coisas de minha mãe ficassem expostas pela casa para não lhe trazer lembranças dolorosas. Por isso tudo que era dela estava ali. Haviam caixas e mais caixas empilhadas por todos os cantos, eu nem sabia que ela tinha tanta coisa assim. Vasculhei cada uma delas atrás de suas roupas, eu me lembrava perfeitamente que elas eram lindas, de dar inveja. Com a bagunça que eu tinha feito ali começava a acreditar que era muito mais fácil ter identificado cada uma delas quando as guardamos anos atrás.

Descobri que era aquele vestido, o vestido quando o peguei em minhas mãos e o levantei para vê-lo por completo. De um tom amarelo que eu nunca conseguiria usar, mas era lindo, de um tecido leve e esvoaçante. Era ele. Eu não era mais a mesma pessoa de antes, e precisava demostrar isso, precisava que ele se lembrasse para sempre de mim. E desejava que essa memória fosse comigo usando esse vestido.

Tive medo quando o deixei pendurado em meu quarto. Medo bobo de voltar ali e não o encontra-lo mais. Só que eu não poderia preparar o jantar o usando. Esse seria o maior erro da minha vida.

A verdade era que eu não sabia cozinhar muito bem, então o que quer que eu fizesse poderia correr o risco de explodir. Quanto mais longe eu mantivesse aquele vestido da cozinha, melhor seria. Eu poderia ir muito bem à casa de minha melhor amiga e pedir por ajuda, mas o que eu diria a ela? Que estava preparando um jantar romântico para o soldado que estava hospedado em casa? Que estava perdidamente apaixonada por um soldado do exército inimigo? Eu ainda não estava pronta para ser apedrejada em praça pública.

Eu não precisava realmente fazer algo muito mirabolante. Se ele vinha se contentando com as coisas que eu vinha fazendo, o que quer que saísse ali estaria de bom tamanho.

A mesa foi posta assim como minha mãe fazia quando éramos crianças. Ela era exigente quanto a isso e vivia dizendo que merecíamos pelo menos que as nossas refeições fossem servidas numa mesa bem arrumada, não importava o quão simples fosse nossa casa.

O meu violino foi colocado de uma forma quase desapercebida ao lado da mesa para quando chegasse a hora certa, pudesse mostrar a ele o que tinha criado. O som que sairia dali demostraria tudo o que sentia por ele.

Assim que fiquei pronta, me olhando no espelho e me arrisquei a passar um batom vermelho. Era exagerado, mas não me importava. Então desci para o jardim para colher as flores.

Um pôr do sol lindo já se formava no horizonte, me lembrando que logo Klaus estaria de volta. Fazia tempo que eu não ficava feliz ao ver um. Todos os dias quando eu via descer do céu, a única coisa que se passava em minha mente era que fazia mais um dia que estava sozinha naquela casa. E isso tinha mudado. Era um segredo que eu gostava de guarda apenas para mim.

Dois barulhos distintos chamaram minha atenção assim que colhi a primeira flor. O barulho dos pneus eram inconfundíveis, e o pó que vinha logo atrás indicavam que Klaus estava chegando. O outro barulho me levou a olhar para o céu curiosa. Precisei levar a mãos à cima de meus olhos tampando a claridade para ver o que era.

Um avião. E ele voava baixo, o que não era nada normal. Ele voou tão baixo que achei que bateria na casa. Deu meia volta, me assustando um pouco quando ouvi um grito áspero. Klaus precisou me chamar uma segunda vez para chamar minha atenção. O veículo ainda estava longe quando o olhei e então um estrondo se seguir fazendo a terra tremer.

Eu sabia o que aquilo significava, era impossível não saber com tudo o que vinha acontecendo. Meus pés se atrapalharam um pouco quando comecei a correr em direção ao carro, mas parecia que quanto mais tentava mais devagar eu ia. Um outro estrondo se seguiu de um assovio e mais um tremor.

Aquilo não poderia ser real. Tinha de ser mentira. Porque estariam nos atacando? Atacando minha casa?

Já sentia as lágrimas correrem pelo meu rosto quando deixei as flores caírem no chão. Eu não era rápida o bastante, e o carro parecia que ficava cada vez mais longe. Eu precisava de Klaus, tinha de chegar até ele, era a minha única esperança.

Eram cinco da tarde quando a última bomba foi lançada, fazendo tudo a nossa volta desaparecer.

2754 palavras

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