Limiar

By mrgmartins

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Por toda sua vida, Emile foi apenas uma pessoa como qualquer outra. Até o dia em que se encontrou com uma ser... More

Prólogo
Vênus em Áries
O mundo é cheio de mistérios
Humanos não podem voar
Você é como nós
Por que eu?
Um truque é só um truque
É só questão de costume
Você já está morta
Eu realmente não entendo...
Eu te amo
Uma única batida
Combina com você
Eu estou... chorando?
Acho que eu estou mudando
Eu só quero acordar
Eu não vou fugir
A palavra que eu fingi esquecer
Minha vontade
E, assim, amanheceu

Você salvou minha pele

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By mrgmartins

Desci do metrô e corri para fora da estação. Àquela altura, pouco me importava o que qualquer pessoa poderia pensar ao ver uma garota saindo correndo no meio de uma estação lotada. Se quisessem chamar os guardas que chamassem, eu não ligava. Se eu pudesse chegar em casa logo, tudo bem. Valia o risco.

Chegar em casa. Era um objetivo simples, mas que naquele momento parecia algo praticamente impossível. O caminho parecia grande demais. O mundo parecia grande demais, cheio demais, barulhento demais. Não importava para onde eu olhasse, havia alguém ali, e uma sombra perto dessa pessoa. Havia sombras em todos os lugares. O mundo era todo sombras.

Eu continuei a correr até que meu corpo não aguentou mais, meus músculos pararam de responder e eu caí. Meus pulmões ardiam junto com a minha garganta como se eu tivesse engolido algo quente demais para mim, algo que agora meu corpo lutava para expelir.

Expandindo, explodindo.

Até o sangue no meu corpo fervia.

É como estar viva…

Se eu tivesse de dizer que estava bem, se eu tivesse de falar que não tinha acontecido nada, iria falhar. Falhar miseravelmente como uma criança que tenta esconder que roubou doce. Mesmo que eu tentasse com todas as minhas forças, qualquer pessoa iria saber que eu estava mentindo e eu não conseguiria não falar a verdade.

Então, por favor, todas as pessoas que estavam me vendo, nenhuma delas podia se aproximar da garota caída no chão. Que importa se ela está resfolegando e parece assustada? Deixassem-na em paz!

Se intrometer na vida alheia, olhar para os outros como se tivessem algum direito de julgar. Era sempre assim. Aquele tipo de olhar que jogava todas as culpas em cima de alguém, expurgava os maus do próprio corpo e os transferia irresponsavelmente para o alvo da vista. Era odioso. Era revoltante. Mas se isso significava que ninguém iria se aproximar, que fosse assim. Eu aguentaria todos os olhares de ódio do mundo só para ser deixada em paz.

Devo ter ficado caída ali por um bom tempo. Uma vez que minhas pernas melhoraram, me levantei e coloquei-as para trabalhar. Decidida a não parar até chegar em casa, disparei a correr. Cem, duzentos, trezentos metros. Eu poderia ter morrido com todo aquele esforço. Não seria exagero dizer que muitas pessoas morreriam por muito menos. Não eu, porém. Mesmo que eu corresse muito mais que aquilo que forçasse cada pedaço de mim a trabalhar a toda a sua potência, eu não iria morrer. Era assim que meu corpo operava. Eram as regras que ele seguia. E graças a essas regras, chegar em casa foi uma tarefa executada sem chamar mais atenção do que o estritamente necessário.

Depois de um dia problemático e cheio de coisas, depois de quase ser morta por uma serpente e descobrir que magia existe, eu estava outra vez pisando no limiar entre a minha casa e o resto do mundo. Procurei a minha chave na minha bolsa. E continuei procurando. E não parei de procurar, comecei a revirar minha bolsa, tirei tudo que tinha dentro dela para fora tentando encontrar aquela maldita chave, mas nada dela.

A chave não estava lá.

Mas um buraco estava. Um buraco bem no fundo da minha bolsa. Redondo e furado, vazado, tão grande que dava para ver o outro lado. Um buraco no fundo da minha bolsa. Provavelmente minha chave tinha caído dali.

Em outras palavras, estava trancada do lado de fora de casa.

Obrigada, fadas.

Demorou um pouco até eu perceber que nem tudo estava perdido. Ainda havia alguma esperança. Peguei meu celular e disquei o celular do meu pai. Esperei a ligação completar e…

“O número chamado está desligado ou fora da área de serviço”.

Ainda não era momento para desespero, porém. Restava uma alternativa. Dessa vez, disquei o número da minha mãe.

“O número chamado está desligado ou fora da área de serviço”.

Foi esse o momento em que percebi que tudo estava perdido. Não havia mais nenhuma esperança.

Definitivamente, aquele era um dia absurdamente azarado.

Certa história diz que uma vez por ano a sorte de alguém se inverte transformando-se em azar. Se essa história fosse verdade, aquele era provavelmente um dia desses.

Cansada, estressada, irritada e trancada do lado de fora da própria casa. Até meus pais chegarem, esse era meu destino. Ao menos, considerando que minha sorte normal não era exatamente algo de que alguém pudesse se orgulhar, eu tinha confiança de que mais nenhuma ocorrência estranha tomaria lugar naquela noite.

Era no que eu gostaria de acreditar, pelo menos.

Sem ter para onde ir ou qualquer coisa que fazer me rendi e fiquei sentada no limiar da porta esperando e olhando para o céu inestrelado.

Ei, Emile, que tal sair daí e dar um jeito de entrar em casa?

Não, Emile, não tem como. Não tem por onde escalar e nem por onde pular.

Ei, Emile, você podia pelo menos tentar.

Não, Emile, porque levando em conta tudo que aconteceu hoje em provavelmente cairia e quebraria alguma coisa que não ia ficar direito depois.

Nossa, Emile, como você está hoje.

Olha quem fala, Emile.

Olhei para o meu relógio. Eram quase oito da noite. Não sabia que horas meus pais iam chegar. Era até possível que eles não chegassem naquele dia. E se isso acontecesse, eu teria que dormir ao relento. E essa era a última coisa que eu queria naquele momento.

Levantei-me e me decidi. Era hora de encontrar um lugar para ficar. Procurei na minha lista de contatos o número da minha caloura loura favorita e disquei o número. Dessa vez pelo menos a ligação atendeu.

— Oi! – Paula gritou do outro lado.

Afastei o celular da minha orelha para evitar que meus tímpanos se suicidassem.

— Você fala alto demais… – eu disse.

— Desculpe – Paula disse, agora menos gritantemente.

— Apenas não faça novamente. Não sei a mais quantos desses meus tímpanos aguentam antes de serem destroçados.

— Vou lembrar disso.

Não. Você não vai.

— Deixando isso de lado, eu te liguei porque preciso te pedir um favor – eu disse.

— Um favor? Que tipo de favor?

— Eu meio que fiquei presa fora de casa. Na verdade eu fiquei presa fora de casa. E meus pais não vão voltar hoje. Estou sem um lugar para dormir.

— Ah! Sério? Caramba! Tudo bem, pode vir para cá! Você pode dormir no meu quarto.

— Não precisa de tudo isso. Posso ficar no sofá.

— Não, tudo bem. Minha cama é grande. Cabemos nós duas.

— Se você prefere assim…

— Eu faço questão.

— OK. Obrigada. Eu chego daqui a pouco.

— Tudo bem. Toma cuidado, tá bom? Tchau.

E dizendo isso ela desligou o telefone. Oficialmente, não iria dormir ao relento naquela noite.

Parabéns, Emile!

Da minha casa até a casa da Paula eram quatro estações de metrô, uma baldeação, duas estações de metrô e um ônibus. Se nada desse errado, estaria lá em mais ou menos quarenta minutos.

Agora, imagino que vocês esperam que eu diga que aconteceu alguma coisa no caminho, não é? Algo como o aparecimento de alguma criatura estranha ou qualquer congênere. Bem, sinto informa-los de que, não, minha viagem até a casa de minha cara bixete foi até que bastante tranquila. Isso é, se você desconsiderar as cotoveladas e os apertos, porém para quem quase foi devorada por uma serpente gigante, aquilo era um alívio tremendo.

Da estação em que desci até a casa dela não era lá uma caminhada muito grande. Só alguns minutos andando. Nada demais. Já perto da casa, vi Paula vigiando a rua de sua janela. Ela provavelmente me viu, porque logo desapareceu da janela e antes que eu batesse, a porta abriu e ela apareceu.

Por favor, não pule em cima de mim.

Infelizmente ela não era capaz de ouvir meus pensamentos, portanto, ela pulou em cima de mim. Quase caí no chão. Se tivesse caído, provavelmente não levantaria mais, considerando quanto minha sorte estava contra mim naquele dia. Apesar de que eu tenho a impressão de que já disse isso ou algo bastante parecido. Sensação esquisita essa.

Ah, bem.

Onde eu estava?

Certo, certo. Paula tinha pulado em cima de mim e quase me derrubado no chão, o que teria sido ruim. Muito bem, prosseguindo.

— Cuidado… – falei para ela. – Você devia mesmo aprender a controlar essa força.

— Eu não sou tão forte assim.

É isso que você pensa.

— Mas, entra – ela disse. – Já jantou?

— Não. Aconteceram alguns… imprevistos essa noite.

— Melhor assim. Podemos jantar juntas!

O fato era que eu estava com fome e um jantar àquela hora cairia incrivelmente bem. Por isso e por algumas outras razões a possibilidade de recusar não apareceu na minha mente. Espero que me perdoe, senhora Modéstia. Deixei meus sapatos na entrada da porta e fui entrando. Logo na sala, os pais de Paula estavam assistindo TV no sofá. Aparentemente era a novela, considerando a quantidade de tapas e atores que por alguma razão não pareciam com pessoas dos estados que deveriam estar representando.

Se quiserem saber como é a sala da casa de Paula, só posso dizer que é uma sala normal de uma pessoa de classe-média alta. Se não sabe o que isso significa, por favor, ignore essa parte e imagine como a casa daquele seu amigo rico. Se você não tem um amigo rico, apenas imagine um monte de móveis e enfeites sobrando, uma televisão moderna e uma prateleira lotada de livros. Não é muito diferente disso. Mas como passei pouco tempo na sala, isso é uma informação completamente irrelevante. Por favor, ignore-a.

Indo direto para a cozinha, também cheia de móveis e enfeites sobrando, porém também com eletrodomésticos sobrando, Paula foi preparar o jantar enquanto eu colocava a mesa. E com preparar o jantar entenda-se colocar um prato no microondas. Dois minutos depois estávamos comendo.

— Então – Paula começou entre um copo de água e uma garfada de macarrão – o que aconteceu?

— O quê?

— Para você estar aqui. O que aconteceu. Você parece bastante cansada, sabe?

Provavelmente parecia mesmo. Cansada e suja de pó, ainda por cima. Me pergunto como ela não ficou assustada ao me ver assim. Educação? Talvez. Não importa.

— É aquilo que eu te expliquei – eu disse. – Meus pais não estão e eu perdi minha chave porque aparentemente minha bolsa tem um buraco e eu não tinha notado isso.

Provavelmente porque ele apareceu hoje enquanto eu estava tentando não ser morta por uma serpente gigante.

— Eu precisava de um lugar para ficar e você foi a primeira pessoa em que pensei.

— Jura? – ela disse quase como se estivesse cantando.

— Bem, sim. Era o mais natural, não era? É a casa mais fácil de chegar e você é uma das poucas amigas  que eu tenho. Eu até podia pedir para Lu, mas não acho que seja seguro para qualquer um dormir no quarto dela.

Numa nota avulsa, Lu, ou Luciana, é o nome da veterana de cabelos multicoloridos que esbarrou em mim dois capítulos atrás. Tenho certeza de que se lembram dela.

— Faz sentido mesmo – Paula falou. – E fico feliz que tenha pedido ajuda para mim. De verdade.

— Sério? Por quê?

— Porque isso significa que você confia em mim. Isso é bem legal.

Vou confessar que não entendi bem o que ela estava tentando dizer com aquilo, mas, de todo modo, dei meu melhor e mais encorajador sorriso em resposta a ela.

— Você vai querer tomar banho depois? – Paula me perguntou. – Eu posso te emprestar umas roupas também. Devo ter alguma coisa que caiba em você.

— Obrigada. Eu preciso mesmo me livrar dessas roupas. Elas estão imundas. Me sinto como se tivesse tomado um banho da última vez ano passado. Meu corpo todo dói.

— Ah, nossa. Nesse caso, pode ficar quanto tempo quiser no chuveiro, tá bom? Não se preocupe com terminar rápido.

— Obrigada. Você salvou minha pele.

— Sem problemas, sem problemas. Esse tipo de coisa é supernormal entre amigas, não é?

Isso é uma pergunta?

Terminamos o jantar e eu fui tomar banho. Toalhas, shampoo, calcinha, robe, calcinha, tive que usar tudo emprestado. Infelizmente não teve jeito quanto ao sutiã. Usar um dos da Paula ou nenhum não faria diferença nenhuma. Seria o mesmo que colocar uma maçã num saquinho feito para melões.

No que você está pensando, Emile?

No fim, teria que ficar sem. Era só por um dia mesmo. Não tinha trabalho no dia seguinte então poderia simplesmente voltar da faculdade e ir para casa. Ninguém nem ia notar. O importante mesmo era que aquela noite acabasse logo.

Por volta das onze e alguma coisa da noite, finalmente fui me deitar. Confesso que dividir a cama com alguém do tamanho da minha cara bixete era algo com que dificilmente conseguiria me acostumar, mas, tudo bem, não fazia mal. Era só daquela vez.

Deitei a cabeça e fiquei olhando para o teto. Era estranho, sabe? As coisas pareciam tão diferentes daquela vez. Mas era só o teto que tinha mudado. Ou ao menos era o que eu pensava.

Batidas. Essas são as próximas coisas de que me lembro. Batidas como se houvesse alguém andando em algum lugar. Mas não tinha ninguém além de mim ali. Não tinha barulho. Não tinha nada para ver. Era escuro, frio e silencioso. “É ela”. Eu conhecia essas palavras. Da onde mesmo? Não lembrava. Era estranho. Eu realmente não conseguia me lembrar.

Qual era a palavra mesmo?

Acordei com minha cabeça doendo. Estava escuro. Ainda era de madrugada. Todos estavam dormindo. Saí da cama tentando não acordar Paula. Desci até a cozinha para beber água antes de voltar a dormir. Enquanto descia, sentia algo subindo pela minha perna, como uma aranha. Não tinha nada lá. Preferi não acender as luzes até chegar à cozinha. Não sabia quão sensíveis os pais de Paula eram. Acordar meus anfitriões não seria nada gentil depois deles me acolherem. Se não fosse por isso, teria apertado o primeiro interruptor que vi só para me livrar daquela porcaria de sensação de insetos subindo pela minha pele. Quase tropecei. Naquele escuro, meio zonza, não enxergava nada.

Tateei o armário atrás de um copo. Na terceira tentativa consegui pegar um. A geladeira foi mais fácil de achar. Deixei a porta dela aberta, peguei a jarra de água e ia até a mesa.

Quase larguei a jarra. Um grito ficou engasgado na minha garganta.

Olhos marrons, cabelos dourados, um sorriso. Mãos. Olá.

Uma pessoa sentada na mesa. Uma pessoa estava sentada na mesa. Uma mulher. Uma mulher estava sentada na mesa. Mas não era ninguém da casa. Não podia ser. Eu sabia. Sabia isso só de ver.

Ela era como a Serpente.

A mulher sentada na mesa moveu os lábios e palavras que eu não entendia saíram da boca dela. Ela repetiu as palavras, mais devagar, com mais cuidado. Eu ainda não entendia. Ela continuou repetindo e devagar elas foram tomando forma na minha cabeça. Ela falava em inglês.

— Boa noite, Emile – era o que ela estava dizendo.

Meu nome. Ela sabia meu nome. Minhas costas bateram na geladeira fechando a porta.

Escuro.

Eu ainda via os olhos dela. Eu ainda ouvia a voz dela.

— Assustada? – ela dizia. – Está tudo bem. Não vou te machucar se você não quiser, tá bom? Eu não sabia onde você estava. Foi difícil te encontrar. Calminha, tá?

As aranhas subiam pelas minhas pernas, uma delas tentou saltar no meu braço. Sacudi para escapar das garras dela.

— Quem é você? – eu sussurrei.

— Desculpa. Não falo sua língua. Você me entende, né? Disseram que você é esperta. Você sabe o que eu estou dizendo, certo?

— Quem é você? – eu repeti, dessa vez em inglês.

— Ah, isso. Engraçado, sabe? Nunca entendi essa pergunta que as pessoas fazem. Se alguém quer te matar ou te pegar ou sei lá o quê, ela não vai responder isso. Pensando bem, isso mesmo já torna a pergunta válida. É, realmente, não é uma pergunta ruim. Que tipo você acha que eu sou?

— O quê?

— Acha que eu vou responder a pergunta ou não?

— O quê?

— Isso não é a resposta certa. Vamos. Qual? Que responde ou que não responde?

Minha voz não saía. A cozinha começou a girar e o chão quebrou em baixo de mim. Eu despenquei como um rato jogado no lixo. Alguma coisa me agarrou, apertou minha garganta com garras frias. Estava me perguntando alguma coisa.

Isso de novo?

Isso de novo?

“Vamos lá!”, a coisa insistia. As aranhas continuavam escalando minha pele, entrando pelas pernas da calça, por dentro da camisa, no meu cabelo, dentro de mim. Eu estava presa numa teia com uma aranha me fazendo perguntas.

— Não… – eu murmurei para a aranha. – Não.

A mulher que antes estava sentada na mesa sorriu para mim enquanto dava tapinhas na minha cabeça.

— Acertou.

Ela se afastou de mim e no mesmo momento mãos me agarraram, amordaçaram, levantaram. Tentei chutar, gritar, arranhar. Minhas mãos estavam amarradas. Minhas pernas também. Fui arrastada para fora da casa por dois homens. Na rua, tinha um carro parado e ao lado dele dois homens armados de rifles. Os homens armados levantaram o porta-malas, os que me carregavam me atiraram lá dentro. O porta-malas bateu em cima de mim. Tentei me atirar contra ele, romper as cordas, gritar, fazer qualquer maldita coisa e nada funcionava. Nada!

Bati a cabeça quando o carro arrancou. Ele corria, dava para sentir que ia rápido demais. Minha cabeça doía, meus pés giravam, meus braços doíam.

O que é está acontecendo?

Gritos não saíam. Mordi a mordaça como pude, mas ela também não saía. Tateei meus bolsos caçando alguma coisa. Meu celular. Meu celular estava no meu bolso. Não ia servir de nada. Sair dali. Sair dali era o que eu tinha que fazer. Depois, pedir ajuda. Como? Sair dali como? Carro em movimento, pessoas armadas, presa.

Droga! Droga! Droga! Droga! Merda! Por quê? Por que isso está acontecendo comigo? Merda! Merda! Merda! Primeiro a cobra e agora isso? Droga! Por quê? Por quê?

Por que eu não consigo lembrar? Por que eu não consigo lembrar qual é a palavra?

Que palavra? Não importa agora! Importa! Importa! Qual é a droga da palavra? Qual a porcaria, qual a merda, qual o cassete da palavra!

Dor. A mordaça engoliu o grito quando minhas costas bateram na parede do porta-malas. E outra vez. E mais duas vezes e mais três vezes. 

Batida. A tampa do porta-malas voou quando o carro estourou no chão. Um rugido, um bramido, sei lá que som era aquele, arrebentou os tímpanos da noite. Depois disso, tiros. Gritaria. Sangue. Eu sentia sangue na minha testa. Rolei para fora do carro. Tinham ferragens perto. Rasguei as cordas das minhas mãos. Arranquei a mordaça. Gritei. Desamarrei as pernas. Daí eu olhei para trás.

Carne, arame, sangue, gritos, dentes, garras. Era como um gorila sem pelos. Não. Um monstro de Frankenstein, um gorila feito de partes de animais costurado com arame farpado, gritando, sangrando enquanto as balas o furavam, estraçalhando carros, pessoas, sem diferenciar. Não tinha olhos. Agarrou um dos homens pelas pernas, rasgou-o em dois. A mulher, a mesma de antes, foi na direção dele. Andando que nem fosse fazer compras. O gorila, a coisa, o que diabos fosse aquilo, espancou ela.

Uma mão. Ela parou o braço dele com uma mão.

Chega!

Para o inferno com tudo isso. Quero ir embora. Sair daqui, esperar, respirar, dane-se tudo! Dane-se! Para o inferno! Que se exploda essa noite! Eu não quero saber!

Corre, Emile, pelo amor de Deus, corre!

Pulmão, coração, pernas. Não aguentava mais. Desabei no chão. O Sol estava nascendo. Que horas eram? Meu celular. Peguei-o no bolso. Cinco e tantas. Horas. Tinha corrido por horas. Estava longe. Devia estar. Tinha que estar.

A noite tinha acabado. A noite tinha acabado. A maldita noite tinha acabado.

Abri a agenda do celular e fiz a chamada. Não sabia o que dizer. Não sabia nem se ia atender. Não sabia de nada. Só liguei. Chamou. Chamou. Atendeu.

— Emile? – Daniel falou do outro lado da linha.

— Me ajuda.

Depois disso, mais nada.

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