2 HÉTEROS NUMA BALADA GLS (20...

By FabioLinderoff

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Uma das histórias mais famosas do Orkut está de volta em uma edição totalmente revisada. Fábio Linderoff é... More

Fábio Linderoff apresenta
Agradecimentos
Nota do autor
Prefácio
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Epílogo
VERDADE ENTRE CUECAS
FÓRUM

Capítulo 17

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By FabioLinderoff




A escuridão. Ela me cerca e me consome. Quando abri os olhos me vi deitado. Olhei para cima e não vi nada além de escuridão. Olhei para um lado e para o outro, nada além de nada. Um vácuo. Sentei. Nesse momento um semi-círculo incandescente se formou ao meu redor. Levantei assustado. Um fogaréu se ergueu do chão e subiu acima de minha cabeça. Virei meu corpo para o lado oposto na esperança de fugir, mas para a minha surpresa um outro semi-círculo se fez e ergueu- se a minha frente na forma de um paredão de água. Eu estava preso no centro daquele enorme círculo de água e fogo. Os opostos juntos. Se fundindo. Exatamente do mesmo jeito que eu estava por dentro.

Planeta Terra. Brasil. Amazônia. Manaus. Floresta. Árvore. Uma serra corta o tronco da árvore. Depois de sua queda, com ajuda de uma máquina o tronco é colocando em um caminhão. O caminhão segue seu rumo por uma estrada de terra.

Eu estava preso na escuridão sem ter o que fazer e nem para onde correr. Estava sozinho, assustado. Fiquei dando voltas em torno de mim mesmo. Sentia no rosto os respingos da água e atrás de mim o calor das labaredas que se erguiam a mais de três metros de altura. Eu estava preso.

O caminhão que colheu o tronco da árvore segue para uma fábrica. O tronco passa por máquinas que cortam a madeira, a lixam e a transformam em compensados. Os compensados são colocados em outro caminhão e são levados para um outro estado do país.

Me ajoelhei no chão negro e olhei para cima. A água e o fogo no ponto que se encostavam,  transformavam-se em uma densa neblina que aos poucos começou a tomar o centro do círculo onde eu me encontrava. O barulho de cachoeira de um lado e o barulho de um incêndio de outro. E eu ali, estático. Sem saber o que fazer. Foi quando eu vi algo que me chamou atenção na água. Me levantei e cheguei mais perto daquela parede líquida que se erguia a minha frente. Tão alta quanto a parede de fogo. Através da água eu vi meus pais. Me vi criança. Me vi na escola. Me vi em um domingo qualquer na casa da minha avó. Me vi com meninas. Senti um aperto no peito.

Depois que o caminhão com os compensados de madeira chega na outra fábrica, eles são cortados em pedaços pré-determinados e lixados. Sobre a peça de madeira são coladas folhas de cerejeira. Depois dessa etapa a peça passa novamente por uma lixa e as rebarbas são limadas. Furos são feitos em pontos estratégicos.

Me virei e algo me chamou atenção na parede de fogo do lado oposto. Como se fosse uma enorme tela de cinema,vi refletido ali os meus momentos com Paulo na praia. Minha primeira experiência sexual gay. Me vi na chácara com Daniel e Marquinhos, me vi com meu professor, me vi. De um lado minha família dentro daquele mar de águas tranqüilas. Do outro lado no meio do fogo estava o desejo que me consumia mais e mais a cada dia.

Depois das peças furadas, começa a etapa de montagem. São utilizados pregos, porcas, parafusos, dobradiças e puxadores. Aos poucos aquele pedaço de madeira que um dia foi árvore vai se transformando em um mobiliário. Primeiro a base e as laterais são erguidas e fixadas, depois o fundo, o topo e por fim as portas.

Subitamente aquele mar de fogo e água se juntaram no alto e começaram a descer em espiral para dentro do círculo, em minha direção. Assustado, me afastei. Senti o chão tremer e ouvi o som ensurdecedor daquelas duas coisas se juntando e entrando dentro de um objeto que apareceu no chão sem eu notar.

A madeira dentre várias serventias, pode ser transformada em móveis. Um deles é o armário.

Quando a água e fogo desapareceram dentro daquele pequeno peça, eu fui ver o que era em passos lentos. E para a minha surpresa, eu estava diante de um pequeno armário em miniatura. As portas estavam fechadas. Era um armariozinho comum, feito de cerejeira. Abaixei e mesmo com medo, peguei o armário na mão. Senti o chão sob meus pés balançarem. Era como se fosse um terremoto. Lentamente levei minha mão até o puxador pequenino e mesmo com receio, abri a portinha. Meus olhos se arregalaram, meu queixo caiu. Dentro do armário eu vi uma miniatura minha, viva, segurando um armariozinho, dentro do armariozinho dele havia outro de mim e assim por diante. Era como se fosse um clone meu em miniatura que estava ali dentro. Fazendo o mesmo que eu estava fazendo. Foi quando o Fábiozinho de dentro do armário virou pra mim e me olhou com os olhos arregalados, boquiaberto.

Eu não conseguia pensar. Estava confuso. Instintivamente fui virando minha cabeça para trás e maior foi minha surpresa e desespero ao me deparar com um clone gigante meu me olhando através de uma abertura, um rasgo no vácuo. E atrás dele um Fábio maior ainda e assim sucessivamente.

Quantos milhões de Fábios estariam presos dentro de um armário? Um armário metafórico, porém escuro, agonizante e claustrofóbico. Sem pensar duas vezes fechei a porta do armário e me tranquei juntos com os infinitos Fábios na escuridão de dúvidas e temores.

Na escuridão surgiram estrelas. E era para elas que eu estava olhando puto da vida depois de ter tido uma séria discussão com Daniel. Discussão que me fez jogar no chão toda a comida que ele havia preparado com tanto esmero. Como se isso fosse pouco, além de minha cabeça estar latejando de dor, teria que encarar o Paulo que tinha me mandado um torpedo dizendo que estava a caminho de casa. E como se isso tudo não bastasse, minha mãe apareceu em casa de surpresa e disse:

—  Oi fióti. A mamãe sentiu você tão triste no telefone hoje de manhã. Eu vim fazer uma surpresa. Vou ficar aqui com você já que está sozinho. Minhas pernas estão me matando...

Me deu um beijo no rosto e entrou em casa. Eu fiquei olhando o céu e pensando que brincadeira de mau gosto alguém lá em cima estava aplicando em mim. Da minha boca saíram apenas três palavras:

—  Puta que pariu!

Minha cabeça doeu ainda mais. Achei que ia ter um treco, ia rolar as escadas e parar no portão com o pescoço quebrado. Qual seria a reação do Paulo se chegasse e me encontrasse daquela maneira? Certamente nenhuma. Iria provavelmente para a casa da namorada e pediria uma pizza. Parei de pensar merda, entrei em casa e fechei a porta.

—  Mas o que aconteceu aqui, meu filho?! — Minha mãe disse entrando na cozinha.

—  Oi Dna. Neusa. — Ouvi Daniel dizer — Esbarrei na mesa.

—  Esbarrou como, meu Deus? — Minha mãe disse, colocando a bolsa e as sacolas sobre o sofá e entrando na cozinha.

Quando cheguei perto do batente da porta, ela já estava ajudando o Daniel a pegar os cacos.

—  E você, vai ficar aí parado? — Ela disse — Vem ajudar, meu filho.

Olhei para o Daniel e ele olhou para mim. Olhei para minha mãe e disse:

—  Por que ce não avisou que vinha, mãe? — Perguntei.

Ela estava de quatro com o rabo pra cima segurando a bolsa e ajudando o Daniel. Parou, arrumou os cabelos e disse:

—  Estava preocupada, né Fábio. Você fica dias sem dar notícias.

—  Notícia ruim chega rápido, mãe. — Eu disse.

—  Olha do jeito que ele fala, Daniel. — Ela disse olhando para o Daniel — Ele é estúpido com você assim também?

Ele não respondeu, ela continuou:

—  Não foi essa a educação que eu dei não viu.

Daniel colocou todas as coisas quebradas sobre a toalha e levou a toalha pra fora, pra jogar no lixo. O chão estava uma sujeira da porra.

Ela sentiu um clima estranho na casa.

—  Vocês brigaram, meu filho?

—  Se liga, mãe. — Eu disse — Quer que eu ponha as suas coisas no meu quarto?

Levei a bolsa, as sacolas e uma blusa que ela tinha trazido e coloquei dentro do meu guarda-roupas, junto com minha mochila.

Daniel passou a vassoura pela cozinha e em seguida um pano úmido. Depois de limpar a sujeira toda, passou por mim sem olhar na minha cara e foi para o banheiro, tirou a roupa suja, vestiu uma berma e uma camiseta velha e foi para a varanda.

— Vou ver o que dá pra aproveitar aqui pra gente jantar. — Minha mãe disse indo pra pia. Daniel tinha deixado o pouco que restou da comida que dava para aproveitar sobre ela.

Olhei para a minha mãe encostada na pia e senti vontade de chorar. Ela não sabia que o filho que ela conhecia cada vez mais desaparecia. Porque aquilo tinha que acontecer comigo? Pensei em abraça-la e contar tudo o que estava se passando comigo. Mas com certeza aquilo geraria mais problemas para a minha cabeça e de problemas eu já estava farto. Olhei para a porta da sala fechada. Queria sair por ela e ir andando sem olhar para trás. Ir caminhando sem rumo. Queria ir para outro estado onde ninguém me conhecia para começar uma nova vida. Mas o que ia adiantar fugir do problema?

Tudo o que acontece na vida da gente tem um propósito. Comecei a acreditar nisso. Tinha que haver um motivo para estar acontecendo tantas coisas na minha vida. Talvez eu não estivesse sabendo olhar para o problema e ver qual a finalidade de tudo aquilo. Qual seria a moral daquele filme de terror em que me botaram sem eu querer? Sem eu querer? Eu tinha opção. Eu não era tapado. Se eu era "macho", um cueca porque era tão difícil dizer não para os meus instintos e fechar a porta para aquele tipo de sentimento para sempre?

Paulo logo chegaria e eu não saberia o que fazer com ele, com o Daniel e com minha mãe dentro de casa. Eu podia ligar pra ele e pedir para que ele não viesse, mas se eu fizesse isso com certeza mais merda passaria pela cabeça dele. Talvez fosse melhor que ele viesse para que tivéssemos uma conversa definitiva. Seria muito mais fácil se ele colocasse uma pedra em cima de tudo aquilo porque eu iria sofrer, mas ia passar e jamais sentiria remorso porque teria sido uma vontade dele e não minha.

Eu podia inventar alguma coisa para que minha mãe fosse embora. Quer merda de hora que ela escolheu pra ir lá pra goma, caralho! Mas com instinto de mãe não se brinca. Assim como ela disse quando chegou, ela sabia que algo estava acontecendo. Ela conseguiu sentir a tristeza que me consumia por dentro. Mãe é mãe. Daniel foi um erro de percurso. O cara cantou pra mim, dançou pra mim, ligou pra mãe dele pra aprender a fazer uma porra de purê de batatas e o que eu lhe dei em troca? Um murro na boca e joguei e joguei o esforço dele no chão. Tudo isso porque sexualmente ele me atraía, mas eu não queria ter um vínculo de marido e mulher como ele passou a ter do dia para a noite. Ele tinha virado um chiclete e não soube enxergar que estava exagerando. Fora isso, ele me irritava. Na cama ele era ótimo, mas fora dela tudo o que ele fazia para me agradar me irritava. Será que era eu o errado ou ele?

Eu não podia pedir para o Paulo não vir, não podia por a coroa pra fora, mas com o Daniel eu podia conversar. Podia tentar pelo menos. Eu devia isso a ele. Deixei minha mãe na cozinha e fui para a varanda.

Saí, fechei a porta. Vi que Daniel estava sentado no banco, olhando pra rua, calado, sério. Estava fumando um cigarro. E eu nem sabia que ele fumava. Nunca tinha visto pelo menos. Não fez questão de me olhar. Sentei ao lado dele no banco e fiquei olhando pra ele e ele nada.

—  Daniel. — Eu chamei.

—  Vai tomá no cu! — Ele disse sem me olhar — Vai lá com a tua mãe.

—  Quero conversar, meu! — Eu disse.

Ele tragou.

—  Você nem sabe o que é conversa, Mané. — Ele falou, soltando fumaça pelas narinas.

—  Eu to tentando, você está vendo...

Ele levantou e ficou a minha frente.  Um braço apoiado no outro, segurando o cigarro que já estava na metade. Ele ficou quieto. Me adiantei e parei ao lado dele, quieto também.

—  Você não precisava fazer aquilo, véi. Gastei dinheiro pra fazer os bagulho pra você. — Ele disse virando-se para mim.

Tomei o cigarro da mão dele, olhei para dentro de casa para ver se minha mãe não estava vindo e traguei o que restava dele.

—  Eu não pedi pra você fazer nada, véi. Ce fez porque quis. — Eu falei soltando fumaça pela boca — E outra, se você não tivesse me irritado, nada disso teria acontecido.

Eu joguei a bituca no chão e apaguei a brasa com o pé.

Só então ele sentou novamente, curvou o corpo para frente, apoiou os braços sobre os joelhos e entrelaçou os dedos. Me olhou e disse:

—  Te irritado, Mané? Você é um troxa, mano. Só queria te agradar e você chega com essa ladainha de que não é viado.

Fiquei puto de ouvir aquilo. E ele ainda tinha falado alto, sem se tocar que a minha mãe estava na cozinha.

—  Dá pra você falar mais baixo? — Perguntei apontando pra dentro de casa com a cabeça.

Ele sentou olhando para a rua novamente e disse:

—  Vai se foder, viu! — Estava indignado — Na hora do bem bom você não lembra que é cueca. Depois bate o arrependimento e vem falar bosta.

—  É que na hora lá eu não consigo me conter, véi. — Eu disse.

—  Você parece um imbecil falando isso, cara. Se você dissesse "eu não me aceito, mas admito que sinto tesão por outro cara" seria diferente. Agora ce parece duas pessoas diferentes. Numa hora agrada e na outra bate. Você é mó falso, véi.

—  Cala a boca, cuzão. — Eu disse emputecido — Se nem sabe do jeito que a minha cabeça está.

—  Não sei mesmo, Mané. E quer saber, to pouco me fudendo pro que está passando na sua cabeça. Não é porque ce tem problema que precisa descontar isso nos outros.

Silêncio. Se ele não tivesse calado a boca eu teria arrebentado ele.

Respirei fundo e olhei para o chão. Sentei ao lado dele. Eu estava puto porque eu não queria admitir que tudo o que ele estava dizendo era a verdade. E a verdade sempre dói.

—  Descobri que sou viado, mano. — Ele disse apoiando um dos pés no assento do banco — Sou gay, véi. Te falei, foda-se. To falando pra você porque rolou os barato lá e porque eu to afim de você. Eu não quero sair falando isso pra Deus e o mundo. Porque você não pode fazer a mesma coisa?

—  Porque eu não sou você. — Eu disse — Até ontem você estava com a Tábata. De uma hora pra outra você decide que é gay? Que porra é essa?

—  Não foi de uma hora pra outra, Mané. Eu sempre desconfiei. Eu pagava pau pra cara, ficava olhando o pinto dos caras no vestiário do clube, no banheiro da facul. Batia punheta pensando em cara. Mas nunca senti que isso ia me dominar, está ligado? Achei que ia ficar só em pensamento. Mas depois que a gente se conheceu e você me contou tudo o que tinha acontecido entre você e o Paulo...mexeu comigo. Namorava mina porque era conveniente, sabe? A hora que o pau está duro, o buraco que ele vai entrar é o de menos. Na minha infância eu brincava com meus vizinhos, véi. A gente brincava de lutinha e essa brincadeira virava um pega-pega e quando ia ver já estava chupando os caras. Pronto, falei. Mas era coisa de quem está com fogo no cu. Adolescente idiota, ce sabe né?

—  Mas ce tem certeza de que é isso que você quer? — Perguntei.

—  Ce sabe o dia que ce vai morrer? Não. Então. É a mesma coisa. Eu vou viver minha vida, Mané. A única coisa é que eu não vou mentir pra mim. Não vou mais ficar com mina. Enganar as coitadas. Eu ficava mal comigo, mas achava que o desejo por cueca ia passar. Como não passou...

—  Mas e o teus pais, cara? — Perguntei.

—  Meus pais tem a vida deles e eu tenho a minha. Se um dia eles me perguntarem, eu falo. Se eles nunca perguntarem...

—  Mas uma hora ou outra isso vem a tona, véi.

—  Ce é muito covarde, Fábio. — Ele disse olhando pra mim — Se um dia vier a tona o que eu vou fazer? É a minha vida, cara. É a minha felicidade. Eu que não vou casar, viver comendo buceta pra agradar os coroa...sai fora.

Me senti um merda perto do Daniel.

Foi a conversa mais séria que eu tive com o Daniel desde que nos conhecemos. E ele se mostrou ser mais do que um cueca apaixonado. Ali eu enxerguei o Daniel como um Homem. Com um "H" maiúsculo que talvez eu jamais teria.

—  Eu admiro teu jeito, véi. — Eu disse — Sério mesmo.

—  E você, Mané. — Ele perguntou virando o corpo pra mim — Quando você vai admitir que é gay?

Essa maldita pergunta de novo. Eu detestava ouví-la. Fazia tanta diferença assim? Eu não sei o que me dava, mas toda vez que surgia essa dúvida a meu respeito a raiva vinha.

—  Véi, entenda um negócio. Eu não sou gay. A gente fez aquilo e tal, mas passou, véi. Aquilo não significou nada.

Ele me olhou com um olhar de decepção. Uma decepção que nunca ninguém jamais havia sentido por mim.

—  Não significou nada. — Ele repetiu — Nunca ninguém me magoou tanto quanto você, cara. Você não tem sentimento, véi? Olhando nos meus olhos você admite não sentir nada?

—  Eu sinto. Eu sinto que a gente é amigo. — Eu disse — E isso é o máximo que a gente vai ser. Desculpa por não ser do jeito que você queria que eu fosse, véi.

Ele balançou a cabeça negativamente. Eu via que ele além de triste, estava puto.

Ele se levantou, apoiou-se na mureta que cercava a varanda. E começou a dizer:

—  Como eu sou idiota. Como eu sou troxa, meu Deus!

Fiquei com dó de ver ele daquele jeito. Aquilo que eu não queria que acontecesse, estava acontecendo. Me levantei e fui até ele. Coloquei uma mão sobre o ombro dele e estupidamente ele tirou minha mão e falou:

—  Sai fora, Fábio. Me deixa, cara.

—  Eu não queria que a nossa amizade mudasse, véi. — Eu disse pra ele.

—  Ce quer só continuar me comendo e falando que é macho, é isso?

—  Ce tá falando merda, véi. — Eu falei começando a ficar irritado novamente. Eu estava querendo dialogar, mas estava difícil — Aquilo não vai mais acontecer.

—  Mas eu quero que aconteça, caralho! — Ele disse alto, vermelho de raiva. Meu punho fechou, tremi de ódio. Se minha mãe escutasse, eu matava ele na porrada.

—  Você é gay, mas eu não sou. Ce entende isso? A gente tem que ser só amigo.

—  Mas eu não te vejo mais como amigo, porra! — Ele falou alto.

—  Tá tudo bem por aqui? — Ouvi alguém dizer atrás de mim.

Quando me virei era minha mãe parada na varanda, ainda segurando a maçaneta da porta aberta.

Me virei assustado. Fiquei branco. Naquela hora eu queria que me desse um treco pra bater o pescoço no banquinho e morrer.

—  Por que ele disse que não te vê como amigo, meu filho? — Minha mãe perguntou — Vocês estão brigando?

Eu e o Daniel trocamos olhares. Eu engoli um litro de saliva.

— É que o Daniel está pegando uma mina que eu estava afim. — Olhei pro Daniel. Se ele desmentisse eu estaria fodido.

Daniel permaneceu quieto.

—  Mas vão terminar a amizade por conta de garotas? — Minha mãe perguntou — E quem é essa menina que está sendo tão disputada?

—  Opa! — Ouvi atrás de mim.

Era Paulo fechando o portão e subindo as escadas.

—  E aí, tudo certo? — Ele perguntou pra todos nós.

Eu queria morrer só para não estar passando por aquela situação.

—  Beleza. — Eu respondi sem graça.

—  Oi Dna. Neusa — Paulo cumprimentou minha mãe com um beijo e acenou pra mim e mediu o Daniel de cima em baixo.

Daniel olhava para Paulo e para mim com um olhar acusador.

—  E ainda bate o pé falando que não é. — Daniel disse olhando para mim.

Todos ficaram com cara de paisagem. Sem entenderem do que ele estava falando. Mas eu sabia. E aquilo me deixou perturbado.

—  O que você disse, Daniel? — Minha mãe perguntou.

Daniel olhou para mim, olhou para o Paulo e por fim respondeu para minha mãe:

—  Nada não, Dna. Neusa. Licença.

Abriu a porta e entrou dentro de casa. Minha mãe e Paulo ficaram sem entender nada. Pra quebrar o gelo minha mãe perguntou com um sorriso amarelo:

—  Quem está com fome?

Eu sentei a mesa de frente para a minha mãe. Do meu lado direito sentou Daniel e do lado esquerdo Paulo um de frente para o outro. Comemos salada, umas salsichas que minha mãe lavou para aproveitar e um pouco do purê que deu para salvar. A maior parte do tempo, comemos calados. Só minha mãe falava uma coisa ou outra e eu e os dois concordávamos e discordávamos com acenos de cabeça e com "aham" e "hum hum". O clima estava muito pesado. Daniel só estava comendo por educação e consideração a minha mãe. Fiquei surpreso dele não ter puxado a toalha e enfiado as salsichas que sobraram no meu rabo.

Depois que jantamos, lavamos os pratos e sentamos nós 4 nos sofás. Eu sentei com minha mãe em um, Paulo e Daniel sentaram no outro. Não se encostavam, não se olhavam, não falavam. Minha mãe se divertia com a novela. Eu queria ficar de quatro no centro da sala e puxar as duas bandas da minha bunda e me rasgar ao meio só para não estar vivendo aquela situação constrangedoramente surreal. Eu, minha mãe e os dois cuecas que eu já tinha chupado, um deles eu já tinha, inclusive, comido.

Paulo me olhava, me dava sinal de que era para nós irmos para fora. Mas eu não queria ficar de tre le le com ele, com a minha mãe por perto. Pensava que numa crise de ciúmes o Daniel pudesse falar merda e acabar com a minha vida. Fora que seria muito estranho eu deixar o Daniel dentro de casa e ficar de segredinho com Paulo, o que minha mãe pensaria? Depois de um certo tempo vivendo aquela situação horrível, Paulo levantou-se.

—  Acho que vou sair fora, está tarde já. — Ele disse erguendo a mão para o Daniel — Falou, cara.

Os dois trocaram um aperto de mão tão forte que se pudesse um esmagaria a mão do outro. Os olhares faiscaram. Em seguida Paulo se despediu da minha mãe. Eu me levantei e disse:

—  Eu abro a porta pra você.

Eu mal fechei a porta e o Paulo me puxou pela cintura, grudando seu pau na minha bunda. Ele deu risada, eu fiquei puto.

—  Ce tá louco? — Perguntei indignado.

—  Eu não sabia que a sua mãe estaria aqui. É por causa disso que você estava puto no telefone?

—  Era. — Afirmei. Achei até bom ele duvidar que fosse isso, assim eu não teria o trabalho de ter que inventar nada.

—  Eu acho ótimo a sua mãe ficar aí. — Ele falou abrindo um sorriso malicioso.

—  O que ce veio fazer aqui, véi? — Perguntei.

—  Vim fazer isso. — Ele disse me agarrando na varanda e me dando um beijo na boca.

Empurrei ele com força e limpei a boca olhando para porta e depois para a rua. Meu coração estava disparado. Paulo ria tapando a boca.

—  O que foi que te deu hein?

—  Saudade. — Ele disse — Ainda bem que a casa da Tati é mão pra vir pra cá. Deixei ela lá e vim voando.

—  Só isso? — Perguntei.

—  E eu gostei de te ver com raiva assim... — Ele disse com aquele olhar malicioso.

Eu já estava ficando preocupado com a presença dele ali.

—  Vamos dá um rolê sábado? — Perguntei.

—  Sábado? É...que...sábado não vai dar. Eu vou visitar uma tia da Tati que está doente, Cabeção. Quando der eu te aviso.

Fiquei sem ter o que falar.

—  Abre o portão lá pra mim, Cabeção. — Ele disse, mesmo sabendo que o portão sempre estava aberto.

Abri o portão e ele passou para a calçada.

—  Fica assim não. — Ele disse. O puto sabia que eu tinha ficado chateado por ele ter que sair com a Tati-cara-de-cu e eu ter que fazer outra coisa — Quando der pra gente fazer alguma coisa a gente faz.

—  Sei...sei... — Falei desolado.

—  Ce acha que eu to mentindo? — Ele disse segurando a rola dura por cima da calça jeans — Olha como ce me deixa, Cabeção.

Olhei pro pau dele e me deu até calafrio. Ele deu risada e disse:

—  Falou Cabeção. Se cuida! Ah! Nem preciso falar isso...tem alguém pra cuidar de você aí hoje. Ainda bem!

Ele foi falando até entrar no carro. Acenei. Ele partiu com o Corsinha.

Quando entrei em casa, encontrei minha mãe sozinha na sala. Ela disse que Daniel já tinha se despedido e ido para o quarto dele dormir. Achei melhor. Mas não nego que no fundo eu sentia uma dor por fazer o Daniel sofrer. Ele era uma pessoa muito legal, mas que infelizmente eu não conseguia ver como nada, exceto amigo. Até porque eu era cueca. Pelo menos até onde eu sabia...ou não sabia.

Fui para a cozinha. Fui esquentar um leite com Nescau pra poder ir dormir também. Minha mãe entrou na cozinha enquanto eu esperava o microondas apitar. Ela segurou meu rosto com as duas mãos me deu um beijo em cada bochecha e disse:

—  Ai filho, eu senti o clima aqui tão pesado. — Ela disse — O que está acontecendo?

—  Ah mãe, um monte de cuecas morando junto...sempre dá umas merdas.

—  Cueca...até quando você vai falar desse jeito, meu filho, você vai se formar e vai continuar com essas gírias?

—  Afe mãe, eu vou me formar daqui três anos! — Eu disse.

—  Mas já é bom você ir se policiando desde já né, Fábio.

—  Tá. — Respondi e perdi meu olhar no nada. Estava lembrando do beijo roubado que Paulo me dera na varanda. Como ele mexia comigo. Só de saber que estive perto dele, meu estômago dava um nó. E a pica dura escondida sob a calça? Nossa, só de pensar me dava tesão.

Fiquei com o olhar perdido e ao longe ouvi minha mãe perguntar:

—  Eu to te achando tão estranho, meu filho.

Olhei para minha mãe e ela repetiu:

—  Eu to te achando tão estranho, meu filho.

—  É que eu to passando por uma barra, mãe. To me sentindo tão sozinho.

—  Eu tenho certeza que é por causa daqueles dois rapazes que estavam ali na sala, não é?

—  Como assim, mãe? — Eu perguntei.

—  Está na cara né, meu filho. Eu vim aqui justamente porque eu tinha uma leve suspeita do que estava acontecendo.  — Ela fez um gesto obsceno como se estivesse metendo algo na boca — Mas agora eu tenho certeza.

—  Certeza de que, mãe?

—  Que você é um viadinho né, meu filho. — Ela falou sorrindo.

—  Como... você...descobriu? — Eu perguntei.

—  Mãe sabe né, fióti. — Ela disse — Mas me fala, você já chupou a rola de qual dos dois?

Abaixei a cabeça, timidamente respondi:

—  Dos dois.

—  Foi bom, safadinho da mamãe? — Ela perguntou sorrindo e apertando a minha bochecha.

—  Pior que foi.

—  Você engoliu a porra deles? — Ela perguntou cruzando os braços.

—  Só a do Paulo. — Eu respondi.

—  Ai, sinceramente eu odeio quando seu pai me faz engolir a porra dele. — Ela disse — Mas com qual dos dois você vai ficar?

—  Não sei. — Respondi — Com nenhum dos dois, eu acho.

—  Deixa de ser bobo, meu filho. Os dois querem você. Só tem um jeito de descobrir. Você vai ter que dar o seu cuzinho pra eles.

—  Sai fora, mãe! Nunca dei e nunca vou dar. — Falei bravo.

—  Não responde a mamãe! — Ela disse brava — Você vai dar o lolózinho sim! Aliás, vamos fazer melhor, né fióti. Essa sua atitude de não querer dar o cu pode ser medo, receio, sei lá. Vamos fazer o seguinte. Eu vou mostrar pra você como faz. Da próxima vez eu dou o cu pro Paulo e chupo o pau do Daniel pra você aprender. Quando se sentir preparado, a mamãe põe você sentadinho na rola de um deles e põe a pica do outro na sua boca. Pode ser assim?

Fiquei com o olhar perdido pensando naquilo e ao longe ouvi minha mãe perguntar:

—  Eu to te achando tão estranho, meu filho.

Acordei do transe e ela estava na minha frente. Repetiu:

—  Eu to te achando tão estranho, Fábio.

—  Não é nada, mãe.

Naquela hora eu queria me abrir. Talvez aquele pensamento nojento que tive me impediu disso, mas no fundo eu precisava de um apoio de mãe.

—  Amanhã de manhã seu pai virá buscar a gente. — Ela disse.

—  Mas eu já disse que se eu for pra casa é mó rolê depois pra eu trampar, mãe.

—  Consegui convencer seu pai a deixar você vir trabalhar de carro. — Ela disse sorrindo — Mas só enquanto as aulas não começarem. Eu não agüento de saudade de você, meu filho.

Vir trabalhar de carro. Até que não era um mal negócio. Fiquei feliz! Abri um sorriso e disse:

—  Se for assim, tudo bem! Eu vou pra casa.

Ela abriu um sorriso. Peguei meu leite do microondas e continuamos a conversar. Conversamos sobre tudo, menos sobre o assunto principal: o meu "problema".

Minha mãe dormiu na minha cama e eu dormi na cama do Japa. No outro dia pela manhã, depois de tomar café meu pai passou e pegou a gente. Antes de fechar a porta eu vi o Daniel indo para o banheiro. Tinha acabado de levantar. Nem dei satisfação a ele. Fechei a porta e parti. Aquela foi a última vez que vi o Daniel naquele ano. Só voltei pra goma depois do ano novo. Depositei a minha parte referente ao aluguel e contas na conta bancária do Alemão.

Depois de tanto tempo de convivência era bom a gente respirar novos ares. Comecei a ir trampar de carro. Eu amo dirigir. Quer dizer, amo correr dirigindo, com o som bem alto. Com meu óculos escuros na cara (pagando de playboy) eu ia e voltava do trampo com mais prazer, era bom sair da rotina. Parecia que minhas baterias estavam recarregando.

A distância do Daniel e do Paulo me faziam sentir incompleto, mas "normal". Era como se tudo tivesse voltado a ser como era antes.

Apenas não sabia mais dizer se isso era bom ou ruim.

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Depois que Bruno foi embora, Beatriz tenta seguir com sua vida. Feliz e noiva do homem que enfim ela acha ser o certo. Dois anos depois, Bruno retor...