[Liam]
Aquela voz dos infernos não para de ecoar nos meus pensamentos "A culpa é tua!", vezes sem conta. Jamais lhe deveria ter escondido o que aconteceu e jamais deveria tê-la deixado sair de casa.
Victoria parecia tão pálida e vulnerável, deitada inconsciente, rodeada de algumas máquinas e monitores. O meu coração está como se tivesse parado. Não sinto nada além de uma imensa dor e culpa. Eu sei que ela vai ficar bem, ainda assim o meu coração dói ao vê-la imóvel e frágil.
Acariciei a sua mão e paralisei quando ouvi um gemido vindo dela.
- Victoria? - Aproximei-me mais dela. – Estás a ouvir-me?
Ela pestaneja e os seus cílios abrem-se, então olha-me por um segundo e volta a fechar os olhos no instante seguinte.
Não se mexe, no entanto, volta a gemer.
- Onde estou? – pergunta-me ela. Um arrepio de alívio percorre o meu corpo por ela estar a falar novamente.
- No hospital.
Os seus olhos estavam arregalados e sem foco, então ela volta a fechá-los. Preciso de ver as suas piscinas azuis mais do que meramente segundos.
- Querida? Abre os olhos. – imploro, acariciando a sua mão, tendo cuidado com o cateter.
- Vai demorar algum tempo até ela recuperar totalmente os sentidos. – uma enfermeira diz mal entra no quarto.
- Ela abriu os olhos ainda há minutos. – comento, observando as ações da enfermeira.
A senhora de estatura baixa troca uma pequena embalagem no suporte do soro e afofa as almofadas do meu anjo de cabelos loiros, antes de me dar um afável sorriso.
- Ela vai acordar. Podia ter sido muito pior.
- Eu sei... - murmuro.
- Devia ir para casa descansar e voltar amanhã de manhã. – a enfermeira aconselha-me.
- Eu prefiro ficar.
- O senhor é que sabe. – ela afasta-se. – Boa noite, senhor Hunter.
- Boa noite. – respondo e então ficamos com metade da iluminação.
***
Os pais da Victoria seguiram o meu conselho e foram para casa durante a noite, mas voltaram de manhã. Estou encostado à máquina de café a ingerir o meu café, com um ligeiro sabor a queimado quando os pais dela aparecem.
Gilian abraça-me assim que se aproxima de mim sem eu estar à espera. Fico atrapalhado, mas rapidamente retribuo o abraço, afagando levemente as suas com uma das mãos, enquanto a outra segura o copo descartável com a bebida quente.
- Como é que a nossa menina passou a noite? – ela pergunta após depositar um beijo na minha bochecha e se afastar para se juntar ao marido, que me cumprimenta com um aperto de mão.
Termino de beber o café e atiro o copo para o caixote do lixo mesmo ao lado da máquina.
- A Victoria abriu os olhos mas a enfermeira disse que ela ia levar tempo a recuperar todos os sentidos.
- O importante é que está fora de perigo. – Morrison diz.
- Eu sinto muito por aquilo que aconteceu. – lamento mais uma vez. Já o fiz milhentas vezes, ainda assim sinto necessidade de o fazer novamente.
O médico que está a acompanhar a Victoria passa pela sala de espera do piso e acena-nos. É desagradável quando penso noutro homem a tocar-lhe, mesmo que seja apenas para examiná-la. Afasto esse pensamento da minha mente (ou não totalmente) e abandono a sala de espera, pedindo licença aos meus sogros, para voltar para o quarto do meu anjo.
Quando entro no quarto, o doutor Hussain está lá com um outro enfermeiro. Fico imediatamente alarmado por não ver a enfermeira simpática, mas logo depois os meus olhos encontram os de Victoria e solto um enorme e profundo suspiro de alívio. Ela está acordada. Ela está a responder ao médico sem dificuldade. Ela está bem. Ela está de volta.
Limito-me a ficar no canto do quarto, enquanto observo os cuidados dos profissionais.
- Quando é que posso ir para casa? – o meu coração aquece com a voz dela.
- Hoje ainda é cedo. – ouço o doutor Hussain dizer.
Um "ohhh" de desânimo sai dos seus lábios em resposta ao médico.
O silêncio instala-se mal o médico e o enfermeiro saem do quarto. Ela fica a olhar para a rua pela janela. Permaneço no mesmo sítio com as mãos nos bolsos. Tenho medo de dizer alguma coisa.
- Liam? – ela chama, desviando o olhar da janela.
Aproximo-me e sinto o coração como se estivesse dentro da minha boca.
Victoria segura na minha mão e finalmente sinto o seu toque que tanto ansiei.
- Desculpa por ter preocupar. - ela pede. Sento-me em cima da cama e afago cuidadosamente o seu rosto com alguns ferimentos. Instintivamente, ela fecha os olhos absorvendo o meu toque.
- Meu amor... - respiro fundo. - Não peças desculpa.
De repente, ela começa a chorar e eu fico sem saber o que fazer. O que foi que desencadeou o seu ataque de choro?
Ela limpa os seus olhos e senta-se, fazendo ruídos de dor.
- Vic...
- Eu estou bem. - ela afirma, porém não muito convicta.
Levanto-me e aconchego as almofadas atrás de si. Ela segura-me pelo pulso e então puxa-me para si e beija-me. Esta é a minha Victoria!
- Tive saudades tuas. - o meu coração derrete. Uma parte do meu coração parou quando soube do acidente, mas não apenas. O meu coração dilacerou, assim que me apercebi do erro estúpido que cometi ao desiludi-la e magoa-la. A culpa foi minha de não me ter preocupado mais com a sua segurança. A culpa foi minha de ela ter tido um maldito acidente. A culpa é minha de ela estar nesta cama de hospital. A culpa foi minha por não lhe ter contado.
- Senti tanto a tua falta, anjo. - limpo com o polegar as suas lágrimas que teimam em cair. - Por favor, não chores. - suplico.
Ela assente e eu sento-me à sua frente em cima da cama.
- Preciso de te pedir desculpa por não... - ela corta-me.
- Shhh... - Victoria coloca o seu indicador sobre os meus lábios para me silenciar, mas eu não posso calar-me simplesmente.
- Ouve babe, - peço, segurando a sua mão. - eu preciso de pedir desculpa por não te ter contado sobre o que aconteceu com o Barry.
- Eu entendo agora.
- E preciso que saibas o quanto estou arrependido por isso e que me sinto imensamente culpado por tudo o que aconteceu. Partiu-me o coração ver- te aqui, inconsciente, e sem poder fazer nada para mudar isso. - exprimo o que verdadeiramente sinto.
- Liam... - ela chama para a olhar nos olhos. Faço o que me pede e olho-a nos olhos.
- A minha reação foi absolutamente desnecessária. - ela começa.
- Não. Foi necessária para eu ver que não podemos esconder coisas um do outro.
- Eu estava de cabeça quente. Eu sei que aquilo que fizeste foi para me proteger, e eu compreendo isso, porque eu faria exatamente a mesma coisa para te proteger. Lamento pelo acidente, mas o que importa é que estou bem.
- Podias não estar... - resmungo.
- Sim, mas estou. E espero que o Barry seja punido por tudo o que já fez.
- Amo-te.
- Sei disso. - é impossível não sorrir. - Amo-te mais.
- Como te sentes? - pergunto preocupado.
- Bem. - ela responde.
- Mentirosa. - digo num tom brincalhão.
- Ficaste com cara feia quando o médico esteve aqui. - o meu sorriso desaparece no momento. Por que é que ela tinha que falar no assunto?
- Não fiquei nada.
- Ficaste sim. - ela ri mas depois para. - Dói rir. - ela esclarece.
- Não gosto que outros homens te toquem, só isso. - resmungo.
- Não tens razão para ficar assim. - ela tenta acalmar o eu lado possessivo.
- Eu sei.
Dou oportunidade aos pais da Victoria para que tenham tempo com ela. Aproveito e vou apanhar um pouco de ar e ligar à minha mãe e dar a boa notícia a Dan que ficou preocupado com a Vicky.
Nos corações das pessoas certas, as nossas decisões são compreendidas. Não escolhemos magoar as pessoas de quem gostamos e sim fazer o melhor que podemos e conseguimos. Não podemos julgar as escolhas que fazemos quando o que está em jogo é a felicidade e a segurança do outro. Só é possível compreender quando nos colocamos no lugar e na posição do outro.