Ficamos um bom tempo conversando, estava adorando conhecer Ricardo, ele era uma pessoa muito divertida, aquele era o Ricardo que as pessoas deviam estar com saudade, não que ele tivesse se tornado uma pessoa ruim, mas os problemas que ele enfrentou, o tornou uma pessoa mais fria.
Dona Cleide estava muito feliz em ver seu filho ali novamente, ela passava de meia em meia hora por nós com um sorriso no rosto, eu estava feliz em poder proporcionar essa alegria a Dona Cleide, mesmo que de maneira passiva, porque eu não conhecia toda a história de Ricardo.
- Olha só a hora, já estamos aqui a mais de 4 horas. – Disse espantado ao olhar meu celular e ver que já havia passado das 18h00.
- Nossa, como o tempo passou rápido, vou só ir no escritório falar com minha irmã e já voltou. – Disse Ricardo se levantando. Assim que Ricardo saiu, Dona Cleide apareceu do nada e se sentou no lugar dele.
- Gab, muito obrigado por trazer meu filho de volta. – Disse Dona Cleide pegando minha mão e olhando em meus olhos, eu podia sentir a emoção que aquela mãe estava sentindo.
- Mas eu não fiz nada Dona Cleide, ele que me trousse aqui, senão eu nem saberia o que aconteceu. - Disse fazendo carinho em sua mão.
- Na verdade fez e muito, não sei como você conseguiu em um dia fazer o que estou tentando há 3 anos. Depois que meu marido morreu Ricardo ficou muito triste, mas as coisas só pioraram quando ele perdeu seu amigo em um acidente de carro, estavam no carro ele, Pedro e Thiago, que foi o menino que faleceu. Depois disso ele se fechou, esse mês faz 3 anos que Thiago morreu, e essa é uma data muito difícil para ele. – Disse Dona Cleide com lagrimas nos olhos, eu podia imaginar o que essa mãe estava sofrendo por ter que ver seu filho sofrendo. – Depois desse acidente muita coisa mudou na vida de Ricardo, depois dessa fatalidade ele nunca mais falou com Pedro.
Agora eu sabia o motivo de Ricardo não falar com Pedro, quer dizer, eu sabia por alto, ainda não era o momento deu perguntar para Ricardo sobre essa história, e eu já havia tentado perguntar para Pedro, mas ele não fala sobre o assunto, eu teria que esperar o momento certo para saber sobre essa história.
- Eu só sei dizer que você faz muito bem para o meu filho, e eu sou muito grata por isso, por você ter entrado em nossas vidas. – Disse Dona Cleide, e a essa altura, eu já tinha deixado algumas lagrimas escaparem dos meus olhos, e Dona Cleide toda carinhosa se levantou e limpou minhas lágrimas e me deu um beijo doce em minha bochecha.
- Mas que amor todo é esse? – Surgiu Ricardo atrás de nós perguntando.
- Só estávamos conversando. – Disse Dona Cleide se virando para Ricardo e dando-lhe um beijo em seu rosto.
- Hum, sei. – Disse Ricardo todo desconfiado. – Então, já podemos ir? – Perguntou Ricardo.
- Claro, Dona Cleide, muito obrigado, seu Restaurante é muito lindo. – Disse lhe dando um abraço. – Fala para Larissa que eu adorei conhece-la e deixei um abraço.
- Pode deixar, vão com Deus meus filhos. – Disse Dona Cleide se despedindo de nós.
Saímos do Restaurante e fomos para o carro, mais uma vez Ricardo abriu a porta do carro para que eu pudesse entrar. Estávamos conversando sobre coisas aleatórias, até Ricardo ser picado pela curiosidade.
- Agora eu posso saber sobre o que você e minha mãe conversavam? – Perguntou ele enquanto dirigia.
- Curioso você né? – Disse o provocando, e ele fez uma cara de bravo.
- Só quero saber, porque tenho certeza que o assunto era eu. – Falou Ricardo. Fomos interrompidos por meu celular tocando, olhei no visor de chamada e vi o nome de Pedro, tenho certeza que Ricardo também viu, porque ele se endireitou no banco do motorista e pigarreou.
"Alô" – Eu.
"Oi Biel, onde você está? " – Pedro.
"Indo para casa. " – Eu.
"É que eu passei na sua casa e sua mãe disse que você estava com o Ricardo, kkk, ai achei estranho.kkkk" – Pedro. A risada de Pedro era irônica, mas ao mesmo tempo com um pouco de nervosismo.
"Sim, eu estou com ele. Fomos almoçar. " – Eu. Assim que falei olhei para Ricardo que me observava de canto de olho.
"Como assim, você não me falou nada, e já são quase 19h00, que almoço mais demorado foi esse? " – Pedro. Sua voz estava um tanto quanto alterada.
"Pedro, depois conversamos Ta, vai esfriar a cabeça. " – Eu. Desliguei o telefone e pude ver o sorriso reprimido de Ricardo.
- Se vai falar alguma coisa fala logo. – Disse olhando para ele.
- Eu? – Perguntou ele como se estivesse indignado. – Mas eu não disse nada.
- Sei... – Disse o encarando, e ele rio.
- Só ia dizer que seu namoradinho é bem possessivo. – Disse Ricardo já deixando sua ironia registrada.
- Ele não é meu namorado. – Disse revirando os olhos.
- Então eu acho melhor você avisar isso para ele. – Disse Ricardo mais sério dessa vez. – Ele tem mania de sempre querer controlar as pessoas.
- Ricardo, posso te fazer uma pergunta? – Perguntei para ele, e ele fez um sinal de cabeça concordo que sim. Chegou o momento, eu teria todas as respostas agora. – O que aconteceu entre você e Pedro.
- É uma longa história, tem certeza que quer saber? – Perguntou Ricardo, e eu senti a tensão em seu olhar, eu estava tocando em uma ferida que ainda estava aberta,
- Eu preciso entender. – Disse.
Ricardo me olhou, respirou fundo e mudou a direção para qual estávamos indo, ele fez um retorno e começamos a ir para outro local. Entendi que se fossemos conversar sobre aquilo teria que ser em um lugar reservado e onde não tivéssemos interrupções.
Ricardo estacionou o carro em frente a um parque ecológico, estava uma noite gostosa para uma boa conversa e uma boa caminhada, estava uma brisa gostosa, tinha pessoas caminhando, outras sentadas nos bancos e nas gramas, algumas pessoas jogando bola na quadra e as crianças brincando no parquinho. Saímos do carro e fomos dar uma volta no parque.
Ficamos por algum tempo caminhando dentro do parque, eu não disse nada, e Ricardo seguiu na mesma linha, eu sabia que ele estava se preparando emocionalmente para começar a falar, já havia sido um grande passo ele querer falar, então eu esperaria o momento dele para que ele começasse.
Caminhamos em silencio, até chegar em uma "casinha" que ficava no meio do parque e tínhamos uma visão privilegiada de todo o parque, Ricardo me indicou a escada para que eu subisse, e lá em cima tinha um banco, a visão daquele lugar era lindo. Nos sentamos e ficamos de frente para o lago que refletia as luzes dos postes que haviam em volta.
Quando nos sentamos eu pensei que Ricardo ia começar a falar logo, mas só o que se ouvia era o som dos grilos, e nada da voz de Ricardo, eu estava ficando preocupado, achava que tinha sido muito intrometido em lhe perguntar sobre o assunto.
- Ricardo, se você não quiser falar, eu vou entender perfeitamente. – Disse quebrando silencio.
- Não é isso. – Disse Ricardo de virando para minha direção, eu não consegui ver o seu rosto por completo porque estava escuro, mas eu conseguia ver seus olhos, e isso já bastava. – Essa história mexe muito comigo, mas eu preciso falar.
- Tem certeza, se quiser podemos falar disso um outro dia. – Lhe disse.
- Tenho sim, uma hora você tem que saber. – Disse Ricardo, ele respirou fundo e continuou. – Eu só não quero que seu julgamento em relação a mim ou Pedro mude, tudo bem?
- Tudo sim, eu prometo. – Disse por fim.
- Pois bem, tudo aconteceu a três anos, eu tinha 19 anos, Thiago 18 anos e Pedro 22 anos, nós sempre andávamos juntos, sempre fomos muito unidos, mas aí tudo começou a mudar quando Pedro começou a andar com um pessoal bem barra pesada, ele começou a beber muito, a usar algumas drogas e a entrar em brigas. – Disse Ricardo, ele esfregava a mão enquanto contava a história, e eu pude perceber o quanto aquela história o deixava inquieto. – Eu e Thiago tentamos conversar com ele, pedíamos para ele parar com isso, ele fingiu por um tempo que não fazia mais isso, mas depois descobrimos que ele não havia parado. Brigamos feio com ele, ameaçamos contar para sua mãe e até internar ele em uma clínica de reabilitação, ele novamente fez uma promessa, disse que não faria aquilo novamente, passaram alguns meses e nos saímos para ir em uma balada, fomos nos três. – Ricardo parou por um momento de falar e eu vi que seus olhos estavam cheios de lagrimas. Foi então que procurei sua mão e apertei, fiquei segurando ela, queria que ele soubesse que eu estaria ali para lhe dar apoio. – Dançamos, rimos e por incrível que pareça nós não bebemos, nós tínhamos feito uma promessa que ninguém nunca mais beberia, isso foi mais para dar apoio para o Pedro, já que eu e Thiago nunca fomos fã de bebida, Pedro estava firme na promessa junto com a gente, pelo menos nos achávamos isso, de meia em meia hora Pedro falava que precisava ir no banheiro, achamos estranho, mas não falamos nada. Decidimos ir embora por volta de umas 3 da manhã, entramos no carro, sendo que Pedro era o motorista, eu estava no banco de passageiro ao seu lado, e Thiago no banco de trás. Quando estávamos para ir embora, Pedro falou para esperarmos ele no carro que ele já voltava. Ficamos sem entender, mas mesmo assim ficamos dentro do carro esperando ele voltar. Quando ele voltou ele começou a gritar, precisamos sair daqui agora, e uns cara estavam vindo armados em nossa direção, Pedro pegou o carro e saiu cantando pneu, e nos sem entender, e ele começou a revelar que ele estava com dividas de drogas, e os caras queriam pegar ele, ele estava andando em uma velocidade muito alta, e os caras estavam seguindo a gente, foi quando, Pedro perdeu a direção do carro, o volante escorregou da sua mão e o carro capotou por 7 vezes, como Thiago estava sem cinto, ele morreu na hora. – A essa altura Ricardo já chorava muito, e eu chorava junto com ele, eu nem me consegui colocar no lugar dele, de como é você perder um amigo tão cedo e tão jovem, e o pior, Ricardo tinha passado por duas perdas no mesmo ano, primeiro a do amigo e depois a do seu Pai.
Eu abracei Ricardo e ele continuava a chorar muito, eu não sabia o que fazer, só sabia que aquilo ainda doía muito nele. Ricardo encharcou minha camiseta de tanto que chorou, mas eu nem liguei, o que eu estava me importando no momento era de como estava o emocional de Ricardo. Quando ele se acalmou mais ele continuou.
- Eu fiquei três dias em coma, e 20 dias no hospital, eu quebrei meus dois braços e minha perna direita, e Pedro apenas quebrou um braço e teve alguns arranhões, mas a pior coisa nem foi eu ter me quebrado todo e sim ter perdido meu melhor amigo, isso doeu demais, e ainda dói muito, por esse motivo eu não falo mais com Pedro, porque a irresponsabilidade dele custou a vida do meu amigo.
- Eu não sei o que dizer! – Disse limpando uma lagrima que insistia em querer fugir.
- Não precisa, agora você entende porque eu sou grosso e seco com as pessoas? – Me perguntou Ricardo. – Eu não tenho mais emocional para ter outra perda, então eu afasto as pessoas, depois que Thiago e meu pai morreram, eu perdi a vontade de viver, tentei tirar minha vida duas vezes, mas no máximo eu ia parar no hospital e depois voltava a ter a mesma vida sem sentido.
- Eu sei que você passou por muita coisa, mas você esqueceu da sua mãe, da sua irmã, de como seria a vida delas, elas teriam duas perdas igual você teve. – Disse e só notei que ainda segurava sua mão, porque ele deu uma leve apertada. – Nunca mais tente tirar a sua vida, pense sempre que tem pessoas que te amam.
- Não faria mais isso, agora eu encontrei um motivo para viver!