O garotinho apertou as mãos contra as orelhas desejando que aquele barulho todo terminasse. Seu corpo tremia de medo, junto com o chão onde estava sentado. Sua mãe, que estava do outro lado da sala, segurava nos braços, em um abraço apertado, a filha mais nova, que chorava assustada. Assim como a irmãzinha, o menino também estava apavorado e queria correr para junto da mãe, mas ela fazia sinal para que ele não saísse de debaixo da mesa onde estava. A casa inteira chacoalhava, o teto começava a desabar e as paredes balançavam prontas para ruir. O garoto fechou os olhos bem apertados e encolheu-se. Repentinamente, uma grande mão agarrou seu braço magro e puxou-o para trás. O menino abriu os olhos no momento em que seu rosto se encontrou com o peito forte do homem barbudo, que o apertou contra seu corpo e cobriu sua cabeça pequena com as mãos. Imediatamente o coraçãozinho do garoto se acalmou. Mesmo que o mundo estivesse caindo ao redor deles, o garoto sabia que estava seguro nos braços do seu papai.
O pai assistia a destruição da casa que ele mesmo havia construído, enquanto ouvia o estrondo das bombas que explodiam muito próximo dali. E mesmo sentindo-se tão impotente, ele afagava as costas do filho e balançava seu corpo para frente e para trás na tentativa de tranquiliza-lo. A guerra podia destruir todos seus bens materiais, mas ele jamais permitiria que ela assustasse seu menino.
Horas se passaram até que finalmente o bombardeio teve fim. O homem soltou a criança lentamente e sentiu o estômago revirar olhando para os escombros onde antes ficava a sala da sua moradia. Levantou-se, com as pernas vacilando, e apoiou-se no pilar ao seu lado que havia sobrevivido.
- Fique aqui, Rafi. - o pai sussurrou com a voz rouca.
Obediente, o garoto soltou a perna do pai.
Caminhando sobre os destroços e a poeira alta, o corpo do homem estremeceu sabendo o que encontraria atrás de todo entulho.
Rafi observou o pai seguir para trás do monte de concreto, sem entender o que acontecia. Ele esticou a cabeça, mas não conseguiu enxergar nada. Franziu as sobrancelhas ao perceber que não ouvia a voz da mãe, nem da irmã. Porém, de repente, ouviu o choro estridente do pai que o fez se arrepiar. O menino deu um salto ficando em pé.
- Papai! - gritou. - Papai!
- Não venha, Rafi! - o pai gritou de volta, fungando. - Fique onde está!
O garoto encarou as ruínas do seu antigo lar com os olhos arregalados esperando o pai aparecer, mas não o via, apenas ouvia seu choro doloroso. Sua cabeça inocente não compreendia porque alguém, que para ele era como uma fortaleza, acabava-se em lágrimas naquele momento.
Agoniado, Rafi deu um giro com o olhar e fitou uma das paredes que não havia caído. Nela havia uma janela por onde o menino observou o lado de fora, aproximando-se mais da abertura, viu a rua onde sempre brincava. Não parecia o mesmo lugar, não havia mais casas, nem árvores, apenas uma mistura de pedras, concreto e tijolos despedaçados e muita poeira. O menino abriu a boca, espantado, sem compreender o que era aquilo.
- Filho... - o pai chamou e o rapazinho virou-se para trás.
O homem tinha o rosto inchado e vermelho e suas roupas estavam cobertas de sangue, mas para Rafi, tão ingênuo, elas estavam apenas sujas de tinta vermelha. O pai ajoelhou-se e abriu os braços. O garotinho correu e aconchegou-se a ele. O pai voltou a chorar, agora, porém, em silêncio.
- O que é isso, papai? - perguntou a criança, com o rosto enterrado no ombro do mais velho. - Porque está tudo quebrado e caído no chão?
O pai não soube como responder, engoliu em seco e afastou o filho para olhar seu rostinho puro. Então enxugou as próprias lágrimas e, surpreendentemente, sorriu.
- Não importa, meu filho. - disse, acariciando a bochecha do menino. - Mas não precisa mais temer, nós vamos embora.
- Vamos para onde? - Rafi perguntou copiando o sorriso do pai.
- Para um lugar seguro, onde o chão não treme, as casas não caem, e nunca mais ouviremos aqueles som altos que te deixam tão apavorado.
- Não gosto daquele barulhão.
- Eu sei. - o pai abraçou o filho ainda mais apertado. - Papai vai te tirar daqui. Vamos viajar de barco.
- De barco?! - Rafi deu um pulo, contente.
O pai assentiu com a cabeça.
- Então vamos chamar a mamãe e a Sâmi para irmos logo! - o menino ia correr, mas o homem segurou seu braço.
- A mamãe e a Sâmi já foram antes de nós... - ele respondeu, sem olhar para o filho. - Vamos apenas nós dois.
Rafi pensou e assentiu. O pai o olhou e, depois de abrir um sorriso triste, beijou sua mãozinha pequena.
****
Fazia muito frio naquela noite escura, com a lua coberta pelas nuvens, enquanto pai e filho andavam pela cidade devastada. O homem segurava firme a mão do garoto com uma de suas mãos, enquanto carregava na outra a trouxa de pano pequena com o pouco alimento que havia conseguido recuperar em meio à casa demolida. Toda vez que ele olhava para a criança ao seu lado, lançava um sorriso como se dissesse que tudo estava bem, que tudo iria melhorar. Rafi sentia-se seguro com o pai, sabia que ele o protegeria e cuidaria dele, por isso seguia calmamente, pulando na rua como se estivesse brincando.
Chegaram ao porto onde já encontravam-se muitas outras famílias. Homens, mulheres e crianças se aglomeravam em frente ao mar desesperados para partir daquele país arrasado pelos conflitos.
O pequeno Rafi arregalou os olhos ouvindo dois homens que falavam alto, parecendo discutir, e apertou a mão do pai, que ao perceber o terror estampado no rosto do filho, o pegou no colo e passou a mão sobre seus cabelos.
O pai caminhou em direção aos homens que brigavam e franziu as sobrancelhas grossas ao ver o minúsculo bote inflável boiando sobre as águas.
- Você disse que era um barco! - um dos homens gritou para o outro. - Como vou colocar toda a minha família dentro dessa porcaria?!
- Esse é o único jeito de sair daqui! Se não quer, saia da minha frente! - o que estava mais próximo do mar respondeu em fúria e o empurrou.
Rafi estava atordoado ouvindo os berros, sem entender sobre o que falavam, e o coração bateu acelerado vendo outras crianças chorando.
- Papai! - ele chamou, agarrando o pescoço do homem que o carregava.
- Está tudo bem. - o pai sussurrou no ouvido dele.
O homem próximo à água puxou o cordão preso ao bote e anunciou que aqueles que haviam pagado já podiam entrar. O pai de Rafi suspirou, sabendo que não havia outra alternativa, e embarcou com o filho.
Sentou-se espremido entre muitas pessoas e deitou Rafi em seu colo, cobrindo o pequeno com sua própria e única blusa de frio. Acariciando o rosto do garotinho, ele cantou, em voz baixa, uma canção de ninar, enquanto via sua terra ficando para trás.
****
Em desespero, Rafi chorava alto por causa da tempestade. Era aterrador ver o clarão dos relâmpagos iluminando o céu escuro e ouvir os trovões explodindo enquanto as águas se agitavam fazendo o bote balançar muito.
O pai sustentava o menino com toda a sua força, segurando-se as cordas para que não caíssem no mar. Ele assistia, horrorizado, algumas mulheres sendo lançadas no meio das ondas com seus filhos nos braços. Apertou seu garoto contra seu peito.
- Papai não vai te soltar! - gritou para que o filho o ouvisse em meio a toda confusão. - O papai protege você, Rafi!
O menino se prendeu ainda mais forte ao corpo do pai, acreditando nas palavras dele.
****
Depois de dias, Rafi - a única criança que havia restado no bote -, já não aguentava mais ficar naquele mar, mas acreditava quando o pai dizia que estavam quase chegando. Ele ficava animado ouvindo o homem mais velho falar sobre a nova vida que teriam e sorria, crente que aquilo era verdade. Ele sabia que podia confiar no herói que o protegia das chuvas fortes, que não deixava as ondas o levar e que estaria pronto a defendê-lo do que fosse. Seu papai era o seu porto seguro.
O estômago do pai roncou alto ao olhar o último pedaço de pão dentro da trouxa de pano, virando-se para o filho, abriu um sorriso cansado e entregou o alimento ao menino.
****
O pai de Rafi não acreditou ao avistar a praia ao amanhecer. Gritou em alegria, acordando aos outros e ao seu filho.
Quando o bote parou na areia, todos se jogaram para fora. Enquanto uns beijavam o chão e outros admiravam aquelas novas terras desconhecidas, sem acreditar que tinham conseguido, o pai abraçou e beijou o rosto de Rafi.
- Estamos seguros agora, meu garoto. - ele disse, sentindo as lágrimas de felicidade rolarem por seu rosto.
O garotinho sorriu, sabendo que sempre esteve seguro nos braços do papai.