Porto Seguro

By Priscila2107

207 34 18

"O garotinho apertou as mãos contra as orelhas desejando que aquele barulho todo terminasse. Seu corpo t... More

Notas
Agradecimentos!

Porto Seguro

122 18 17
By Priscila2107

O garotinho apertou as mãos contra as orelhas desejando que aquele barulho todo terminasse. Seu corpo tremia de medo, junto com o chão onde estava sentado. Sua mãe, que estava do outro lado da sala, segurava nos braços, em um abraço apertado, a filha mais nova, que chorava assustada. Assim como a irmãzinha, o menino também estava apavorado e queria correr para junto da mãe, mas ela fazia sinal para que ele não saísse de debaixo da mesa onde estava. A casa inteira chacoalhava, o teto começava a desabar e as paredes balançavam prontas para ruir. O garoto fechou os olhos bem apertados e encolheu-se. Repentinamente, uma grande mão agarrou seu braço magro e puxou-o para trás. O menino abriu os olhos no momento em que seu rosto se encontrou com o peito forte do homem barbudo, que o apertou contra seu corpo e cobriu sua cabeça pequena com as mãos. Imediatamente o coraçãozinho do garoto se acalmou. Mesmo que o mundo estivesse caindo ao redor deles, o garoto sabia que estava seguro nos braços do seu papai.

O pai assistia a destruição da casa que ele mesmo havia construído, enquanto ouvia o estrondo das bombas que explodiam muito próximo dali. E mesmo sentindo-se tão impotente, ele afagava as costas do filho e balançava seu corpo para frente e para trás na tentativa de tranquiliza-lo. A guerra podia destruir todos seus bens materiais, mas ele jamais permitiria que ela assustasse seu menino.

Horas se passaram até que finalmente o bombardeio teve fim. O homem soltou a criança lentamente e sentiu o estômago revirar olhando para os escombros onde antes ficava a sala da sua moradia. Levantou-se, com as pernas vacilando, e apoiou-se no pilar ao seu lado que havia sobrevivido.

- Fique aqui, Rafi. - o pai sussurrou com a voz rouca.

Obediente, o garoto soltou a perna do pai.

Caminhando sobre os destroços e a poeira alta, o corpo do homem estremeceu sabendo o que encontraria atrás de todo entulho.

Rafi observou o pai seguir para trás do monte de concreto, sem entender o que acontecia. Ele esticou a cabeça, mas não conseguiu enxergar nada. Franziu as sobrancelhas ao perceber que não ouvia a voz da mãe, nem da irmã. Porém, de repente, ouviu o choro estridente do pai que o fez se arrepiar. O menino deu um salto ficando em pé.

- Papai! - gritou. - Papai!

- Não venha, Rafi! - o pai gritou de volta, fungando. - Fique onde está!

O garoto encarou as ruínas do seu antigo lar com os olhos arregalados esperando o pai aparecer, mas não o via, apenas ouvia seu choro doloroso. Sua cabeça inocente não compreendia porque alguém, que para ele era como uma fortaleza, acabava-se em lágrimas naquele momento.

Agoniado, Rafi deu um giro com o olhar e fitou uma das paredes que não havia caído. Nela havia uma janela por onde o menino observou o lado de fora, aproximando-se mais da abertura, viu a rua onde sempre brincava. Não parecia o mesmo lugar, não havia mais casas, nem árvores, apenas uma mistura de pedras, concreto e tijolos despedaçados e muita poeira. O menino abriu a boca, espantado, sem compreender o que era aquilo.

- Filho... - o pai chamou e o rapazinho virou-se para trás.

O homem tinha o rosto inchado e vermelho e suas roupas estavam cobertas de sangue, mas para Rafi, tão ingênuo, elas estavam apenas sujas de tinta vermelha. O pai ajoelhou-se e abriu os braços. O garotinho correu e aconchegou-se a ele. O pai voltou a chorar, agora, porém, em silêncio.

- O que é isso, papai? - perguntou a criança, com o rosto enterrado no ombro do mais velho. - Porque está tudo quebrado e caído no chão?

O pai não soube como responder, engoliu em seco e afastou o filho para olhar seu rostinho puro. Então enxugou as próprias lágrimas e, surpreendentemente, sorriu.

- Não importa, meu filho. - disse, acariciando a bochecha do menino. - Mas não precisa mais temer, nós vamos embora.

- Vamos para onde? - Rafi perguntou copiando o sorriso do pai.

- Para um lugar seguro, onde o chão não treme, as casas não caem, e nunca mais ouviremos aqueles som altos que te deixam tão apavorado.

- Não gosto daquele barulhão.

- Eu sei. - o pai abraçou o filho ainda mais apertado. - Papai vai te tirar daqui. Vamos viajar de barco.

- De barco?! - Rafi deu um pulo, contente.

O pai assentiu com a cabeça.

- Então vamos chamar a mamãe e a Sâmi para irmos logo! - o menino ia correr, mas o homem segurou seu braço.

- A mamãe e a Sâmi já foram antes de nós... - ele respondeu, sem olhar para o filho. - Vamos apenas nós dois.

Rafi pensou e assentiu. O pai o olhou e, depois de abrir um sorriso triste, beijou sua mãozinha pequena.

****

Fazia muito frio naquela noite escura, com a lua coberta pelas nuvens, enquanto pai e filho andavam pela cidade devastada. O homem segurava firme a mão do garoto com uma de suas mãos, enquanto carregava na outra a trouxa de pano pequena com o pouco alimento que havia conseguido recuperar em meio à casa demolida. Toda vez que ele olhava para a criança ao seu lado, lançava um sorriso como se dissesse que tudo estava bem, que tudo iria melhorar. Rafi sentia-se seguro com o pai, sabia que ele o protegeria e cuidaria dele, por isso seguia calmamente, pulando na rua como se estivesse brincando.

Chegaram ao porto onde já encontravam-se muitas outras famílias. Homens, mulheres e crianças se aglomeravam em frente ao mar desesperados para partir daquele país arrasado pelos conflitos.

O pequeno Rafi arregalou os olhos ouvindo dois homens que falavam alto, parecendo discutir, e apertou a mão do pai, que ao perceber o terror estampado no rosto do filho, o pegou no colo e passou a mão sobre seus cabelos.

O pai caminhou em direção aos homens que brigavam e franziu as sobrancelhas grossas ao ver o minúsculo bote inflável boiando sobre as águas.

- Você disse que era um barco! - um dos homens gritou para o outro. - Como vou colocar toda a minha família dentro dessa porcaria?!

- Esse é o único jeito de sair daqui! Se não quer, saia da minha frente! - o que estava mais próximo do mar respondeu em fúria e o empurrou.

Rafi estava atordoado ouvindo os berros, sem entender sobre o que falavam, e o coração bateu acelerado vendo outras crianças chorando.

- Papai! - ele chamou, agarrando o pescoço do homem que o carregava.

- Está tudo bem. - o pai sussurrou no ouvido dele.

O homem próximo à água puxou o cordão preso ao bote e anunciou que aqueles que haviam pagado já podiam entrar. O pai de Rafi suspirou, sabendo que não havia outra alternativa, e embarcou com o filho.

Sentou-se espremido entre muitas pessoas e deitou Rafi em seu colo, cobrindo o pequeno com sua própria e única blusa de frio. Acariciando o rosto do garotinho, ele cantou, em voz baixa, uma canção de ninar, enquanto via sua terra ficando para trás.

****

Em desespero, Rafi chorava alto por causa da tempestade. Era aterrador ver o clarão dos relâmpagos iluminando o céu escuro e ouvir os trovões explodindo enquanto as águas se agitavam fazendo o bote balançar muito.

O pai sustentava o menino com toda a sua força, segurando-se as cordas para que não caíssem no mar. Ele assistia, horrorizado, algumas mulheres sendo lançadas no meio das ondas com seus filhos nos braços. Apertou seu garoto contra seu peito.

- Papai não vai te soltar! - gritou para que o filho o ouvisse em meio a toda confusão. - O papai protege você, Rafi!

O menino se prendeu ainda mais forte ao corpo do pai, acreditando nas palavras dele.

****

Depois de dias, Rafi - a única criança que havia restado no bote -, já não aguentava mais ficar naquele mar, mas acreditava quando o pai dizia que estavam quase chegando. Ele ficava animado ouvindo o homem mais velho falar sobre a nova vida que teriam e sorria, crente que aquilo era verdade. Ele sabia que podia confiar no herói que o protegia das chuvas fortes, que não deixava as ondas o levar e que estaria pronto a defendê-lo do que fosse. Seu papai era o seu porto seguro.

O estômago do pai roncou alto ao olhar o último pedaço de pão dentro da trouxa de pano, virando-se para o filho, abriu um sorriso cansado e entregou o alimento ao menino.

****

O pai de Rafi não acreditou ao avistar a praia ao amanhecer. Gritou em alegria, acordando aos outros e ao seu filho.

Quando o bote parou na areia, todos se jogaram para fora. Enquanto uns beijavam o chão e outros admiravam aquelas novas terras desconhecidas, sem acreditar que tinham conseguido, o pai abraçou e beijou o rosto de Rafi.

- Estamos seguros agora, meu garoto. - ele disse, sentindo as lágrimas de felicidade rolarem por seu rosto.

O garotinho sorriu, sabendo que sempre esteve seguro nos braços do papai.

Continue Reading

You'll Also Like

1M 30.9K 119
O que há de ser mais dolorido nesta vida do que um amor impossível? Há quem duvide, há quem não acredite que isso possa acontecer, mas sim, acontece...
672K 6.8K 5
Cinco contos eróticos lésbicos diferentes, todos de minha autoria. PLÁGIO É CRIME
4.5K 406 25
( FINALIZADA ) Jungkook sempre teve tudo que um adolescente poderia querer: dinheiro, garotas, poder. Infelizmente, seu coração sempre teve vazios de...
446K 42 1
Séries de contos com a temática Dark Romance. ATENÇÃO: Há cenas de violência, abuso sexual e abuso psicológico durantes os textos. Se você é sensíve...