Instantes [CONCLUÍDA - Lolla...

By juliane_patricia_

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Essa história foi originalmente publicada em 2016/2017, com o nome Lolla&Rebeka (NÃO É UM ROMANCE LGBTQI+), t... More

Prólogo
2: Peter
3: Lidia
4: Luke
5: Lolla
6: Lolla
7: Lidia

1: Valentina

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By juliane_patricia_

Amsterdã, 1995

O restaurante é desses super chiques que tem se proliferado mais que os pub gourmet, absolutamente lindo e encantador, um luxo que nem tão cedo terei condições de bancar, ainda mais agora.

Estamos no segundo prato e Peter continua completamente silencioso, o que por si só já seria ruim, no entanto, muito pior é a forma como ele me olha e juro que não vou aguentar por muito mais tempo esse silêncio glacial.

Quando nos conhecemos cinco anos atrás, eu era uma menina recém-saída da faculdade de publicidade e exatamente como centenas de outros brasileiros vim tentar desbravar e ganhar o Velho Mundo. Muito esforço foi desprendido nessa empreitada e por uma questão de sorte e talento ganhei meu lugar ao sol, porém ainda não é a posição que desejo.

Hoje, sou alguém completamente diferente daquela menina e Peter não é apenas mais um empresário, é um dos representantes da Tweede Kamer* e tenho absoluta certeza que em breve será o Primeiro Ministro, junto com essa certeza está o prazo de validade do nosso relacionamento, que aparentemente acabamos de descobrir que já expirou.

Eu esperava um pouco de raiva, alguns gritos, algumas acusações, mas com certeza não esperava frieza, muito menos indiferença.

Ele termina sua taça de vinho tinto, sorri seu mais lindo e encantador sorriso para um casal que acena discretamente para ele, espera o garçom encher novamente sua taça para finalmente dizer alguma coisa.

- O que você pretende fazer, Valentina? - Espero um segundo para ter certeza que ele não tem mais nada a acrescentar e então digo tão calma quanto ele.

- Se você não quer ser pai do meu bebê, Peter, não tem problema, nós sabemos que sou perfeitamente capaz de ser pai e mãe, porém eu não aceito que você coma caviar enquanto estarei com o dinheiro contado da fralda, por tanto você tem duas opções, assume discretamente a paternidade e me ajuda a custear a criação do nosso filho ou podemos ir a justiça que te obrigará a fazer exatamente o que pedi com o bônus de um escândalo na sua vida perfeita. - Gostaria de saber se as pessoas ao nosso redor são capazes de sentir o frio que emana de nós.

- Então, você vai levar adiante...

- Sim, Peter, eu vou ter essa criança e se você me conhecesse como tantas vezes disse conhecer saberia disso. - Me levanto calmamente, mas borbulhando por dentro por toda a minha estupidez de ter acreditado que Peter Leonard Coetdyn fosse diferente. - Obrigada pelo jantar, Peter, eu espero que você não seja tão estúpido a ponto de tentar me intimidar, não se esqueça que tenho a mídia ao meu lado. - Sorrio para ele uma última vez. - Adeus, Peter. - Caminho a passos decididos para fora do restaurante mais badalado de Amsterdã, o maitre - que falha em não demonstrar sua surpresa por me ver saindo sozinha - se apressa em se oferecer para me pedir um táxi, agradeço, mas decido que preciso andar.

Peter simplesmente desaparece da minha vida, duas semanas depois ele envia Otto até meu apartamento para recolher tudo o que for dele e me dizer que se eu quiser falar com ele devo procurar Otto. Eu gostaria de dizer que fiquei surpresa, porém isso seria mentira; três anos de convivência com ele me mostrou que por trás dos olhos muito azuis e a pinta de galã de Hollywood Peter Coetdyn é um homem prático e Otto Fitzgerald, seu fiel cão de guarda, é responsável por limpar a bagunça que ele deixa.

Os meses passam, minha gravidez se torna aparente e as perguntas frequentes e, mesmo sendo uma mulher independente com uma carreira brilhante muitos me tratam com pena "pobre Valentina, tão talentosa, tão brilhante e tão burra, onde já se viu ser mãe solteira" ou "tinha uma carreira brilhante pela frente, mas apareceu grávida", faço questão de pegar as melhores contas da agência e mostrar para essas pessoas que não é só porque estou gravida que me tornei uma publicitária ruim, muito pelo contrário.

Quando descubro que serei mãe de uma menina em um ato impulsivo mando um cartão para Peter

Peter,

Seremos pais de uma menina.
Vou batizá-la Rebeka.

Atenciosamente,
Valentina Santana.

Alguns dias depois recebo uma cesta de frutas e um cartão datilografado com um simples parabéns, ele nem mesmo assinou e muito provavelmente por causa dos hormônios eu choro e passo um final de semana inteiro de pijama, comendo tudo que tenha açúcar que encontro pela frente, na segunda-feira decido que se Peter não quer ser pai da minha filha não vou insistir para que ele seja.

Rebeka nasce de parto normal em uma quarta-feira ensolarada em junho de 1996, o momento mais feliz da minha vida.

Peter não foi nos ver, mas a registrou e através de Otto me notificou sobre a abertura de uma conta no Rabobank* no nome dela, eu nunca mexi na tal conta, pois mensalmente ele deposita uma quantia bem gorda na minha própria conta.

No aniversário de um ano de Rebeka Peter finalmente decidiu que queria ser o pai dela, teria ficado extremamente feliz se ele não tivesse decidido que queria mais do que isso, queria se casar comigo.

- Valentina, não tem o menor sentido você recusar o meu pedido. - Ele passa as mãos pelo cabelo. - Nós temos um filha juntos...

- Ah, então, agora você lembra que tem uma filha? - Surpresa brilha em seus olhos claros. - Depositar uma pequena fortuna mensalmente e aparecer uma vez a cada dois meses não é ser pai, Peter.

- Vamos nos casar...

- Eu não vou me casar com você, Peter. - Vejo quando a raiva finalmente o consume.

- Você tem outro, Valentina? É isso, não é!? - Ele esbraveja em holandês, é o suficiente para mim. Me levanto e caminho na direção da porta.

- Não, Peter, eu não tenho outro e mesmo que tivesse isso não seria da sua conta, você é pai da minha filha, não meu dono. - Abro a porta. - Agora, vá embora. - E mais uma vez incredulidade brilha no seus lindos olhos azuis, ele ajeita a gravata enquanto resmunga algo incompreensível e então vê a foto de Arthur com Rebeka nos braços que coloquei ontem em um porta retrato perto do rádio e muito mais rápido do que posso acompanhar ele joga o porta retrato na parede.

O estrondo ressoa por alguns segundos na minha cabeça, o encaro .

- Quebrar as minhas coisas não mudará minha decisão, Peter. - Respiro fundo, gritar com ele só fará Rebeka acordar e Deus sabe o quanto preciso dormir um pouco. - Agora, acho bom você sair, caso contrário serei obrigada a chamar Edward e acredite, não vou me importar se ele te deixar com um olho roxo. - Ele me lança seu mais mortífero olhar, continuo sorrindo para ele. - Por favor, vá embora. - Seus passos são rápidos e decididos, sou capaz de sentir toda a raiva que ele descontará no primeiro pobre coitado em que trombar pelo caminho.

- Você vai se arrepender, Valentina.

- Você não pode fazer nada...

- Posso pedir a guarda de Rebeka.

- Você não faria isso. - Minha voz treme, pois a breve possibilidade de perde-la já me desespera.

- Talvez eu faça. - Sorri para mim e finalmente deixa meu apartamento.

Choro de raiva e desespero, era justamente por isso que demorei  mais de 1 ano para aceitar jantar com ele e quase outro ano para aceitar seu pedido de namoro, Peter é rico, bonito e totalmente imprevisível, digo a mim mesma que ele não brigaria pela guarda de Rebeka, porém sei em primeira mão que ele também é vingativo.

Peter não conseguiu a guarda de Rebeka, mas fez tanta pressão sobre Hans Knjtx que acabei demitida e nenhuma agência de Amsterdã parecia ter vagas disponíveis em noventa e sete, veio o ano novo de noventa e oito e o de noventa e nove estava prestes a se realizar e eu cada dia mais desesperada, o dinheiro não duraria para sempre.

- Valen, tenho uma possível solução para seu desemprego. - Diz Arthur assim que abro a porta dia vinte e seis de dezembro de 1998. Ele encara meu estado lamentável e me puxa para um caloroso abraço. - O que aconteceu, mon cher*? - Suspiro ainda em seus braços. - Okay, agora eu estou realmente preocupado, pode contar tudo.

- Além de estar com uma gripe muito forte, estou muito preocupada com a questão do dinheiro. - É a vez dele de suspirar, Arthur finalmente entra no meu novo apartamento, duas vezes menor que o anterior, deposita a sacola com compras sobre o balcão da cozinha, coloca uma água no fogo para fazer um de seus muitos chás e me manda sentar, tento protestar dizendo que tenho muito o que arrumar, mas ele não me deixa terminar.

- Valentina, vamos primeiro cuidar de você. - Ele finalmente nota que Rebeka não está em nenhum lugar. - Onde está Rebeka?

- Isabela a levou para passear...

- Eu não sei como...

- Arthur, por favor. - Peço interrompendo seu discurso de raiva contra Isabela, juro que jamais vou entender tanto ódio entre esses dois. Ele me encara e antes que possa dizer qualquer coisa a chaleira apita.

Arthur passa a tarde cuidando de mim, me sinto uma criança e me pergunto como seria se em vez de Peter Arthur fosse o pai de Rebeka, quando ele acha que estou bem o suficiente finalmente me conta a novidade, um amigo seu de Paris tem uma agência de publicidade e está precisando de uma publicitária, ele me indicou e me informa que se eu quiser o serviço é meu.

Demoro alguns dias para aceitar, no entanto, decido que novos ares nos farão bem.

Na última semana de janeiro de noventa e nove empacoto tudo e me mudo para Paris.

Poucos meses depois Rebeka e eu estamos completamente instaladas e o melhor, adaptadas a cidade luz, meu único problema é Peter que tenta de todas as formas fazer com que eu volte para Amsterdã, contudo Cloud Linoëtt, meu chefe e dono da maior agência francesa de publicidade está muito feliz com meu trabalho e é assim que me torno a segunda maior publicitária da França, perdendo apenas para o próprio monsieur* Linoëtt.

- Eu deveria ter ouvido Arthur antes e trazido você para cá mais cedo, Valentina, você é simplesmente brilhante! Brilhante!

Foi assim que em abril de 2001 me tornei a primeira mulher a fazer parte da Linoëtt et associés, publicité.

Pela primeira vez em muito tempo a vida parece perfeita, nada fora do lugar ou incomodando e é nessa maré de positividade que chega junho e finalmente me deixo convencer por Lidia a passar as férias no Brasil.

- Por que vamos levar roupa de frio se está quente mamãe? - Rebeka me pergunta pela centésima vez apenas hoje.

- Porque lá no Brasil está frio.

- Então, eu posso levar meu trenó que a tia Isabela me deu?

- Amor, no Brasil não neva. - Ela parece decepcionada e seu olhar triste me parte o coração. - Nas próximas férias podemos ir até os Alpes, o que acha? - Ela me presenteia com seu mais lindo sorriso e mais uma vez me pergunto como uma pessoa pode se parecer tanto com outra, Rebeka é praticamente um clone de Peter.

- Sério?

- Sério.

- Oooba! - Ela me abraça e me sinto a pessoa mais feliz do mundo.

E durante duas semanas eu realmente sou a pessoa mais feliz do mundo.

A cidade que Lidia e sua família moram é uma pequena cidade absolutamente charmosa e convidativa, Aliança borbulha de turistas atraídos pelo festival gastronômico de inverno, comida, musica e até mesmo uma falsa neve animam as noites aliancences, me questiono sobre o por que de ter demorado tanto para fazer essa visita tão mágica.

Muito mais mágico é a interação de Rebeka e os filhos de Lidia, me sinto maravilhada por ela finalmente se aproximar de outras crianças sem que eu precise incentivá-la.

Rebeka e Lolla, a filha mais nova de Lidia, se tornam basicamente uma única pessoa e por um segundo a possibilidade de voltar para o Brasil parece atraente, mas então me lembro do meu recém adquirido status quo na Linoëtt e associados publicidade e como batalhei para alcançá-lo e mesmo com o coração partido por ter que separa-las, decido que voltaremos para Paris no começo de julho, exatamente como planejado.

Mesmo sendo inverno, hoje amanheceu um lindo dia de sol e inspirada por esse dia decido ter um dia mãe e filha com Rebeka, recuso educadamente a companhia de Lidia.

- Lili, não vou me perder em Aliança, essa cidade é pequena demais para isso e caso me perca faço um sinal de fumaça e você pode ir ao meu socorro. - Digo enquanto esperamos o táxi que pedi, ela me encara tentando não rir, mas acaba vencida.

- Só porque realmente não tem como se perder vou deixar você sair sozinha e...

- Mamãe! - Uma das crianças dela grita, Lidia me abraça se despedindo, beija a bochecha de Rebeka e entra correndo em casa, já gritando com Luke, que no auge dos seus oito anos tem como brincadeira preferida atazanar as irmãs mais novas.

Rebeka e eu temos um dia maravilhoso, mesmo cansada ela parece tão feliz, ela come uma maçã do amor enquanto tento me decidir entre um dos vestidos coloridos a nossa frente, ter escolhido uma sexta-feira para esse passeio foi uma excelente escolha, pois descobri que a praça do Amor é tomada por barracas dos mais variados produtos as sextas e basicamente sou viciada em feiras, uma hora depois com os braços cheios de sacolas finalmente decido que está na hora de ir embora.

Rebeka está me apontando alguma coisa do outro lado da praça, me viro na direção indicada e ouço o som de pneus cantando e reclamações sobre a velocidade do motorista, mas só percebo o quão rápido ele está quando estamos prestes a atravessar a rua na direção do ponto de táxi quando ele vem na nossa direção.

E tudo acontece em câmera lenta.

Ouço alguém gritando, porém só consigo pensar em Rebeka, tento empurrá-la para fora do caminho do carro, mas sou muito lenta e tudo o que consigo é ser atingida primeiro que ela.

Rebeka cai alguns segundos antes de mim e seu choro é tudo que ouço ao cair batendo a cabeça e o mundo desaparecer.

####

* Tweede Kamer, tradução segunda câmara, é o equivalente ao nosso senado, o órgão de poder mais importante da Holanda.

* Rabobank, um dos mais importantes bancos holandeses.

* Mon cher, minha querida em francês.

* Monsieur, senhor em francês.

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