Escola, 09h30...
Yu
Depois da cerimónia da Shinoa, fomos para a sala ter a nossa primeira aula do dia e ela esteve a chatear-me o tempo todo, tal como era de prever.
Felizmente, por causa da cerimónia a aula não começou às 08h00, como era previsto, e por isso tinha estado a aturar a Shinoa durante menos tempo.
Eu, ela e o Yoichi fomos para o bar e pensei que iria ver o Mika, mas pelos vistos os nobres não quiseram ir ao bar durante o primeiro intervalo e por isso ele também não apareceu por lá. Espero que o tenham tratado bem, ou irão ter problemas.
– Então, Yu? Gostaste de me ver no palco? – A Shinoa meteu-se comigo, para variar...
– Vê se me deixas em paz. – Reclamei e juntei-me a ela e ao Yoichi numa das mesas do bar depois de comprar um sumo de laranja.
– Estiveste muito bem, Shinoa. – O Yoichi comentou e ela agarrou o seu rosto, como fazia sempre que alguém a elogiava.
– Awww... Obrigada, Yoichi! – Ela disse enquanto se abanava na cadeira, mas eu estava mais atento a uma rapariga que tinha entrado no bar.
Ela tinha cabelos roxos, de um tom escuro, e usava uma bandelete com uns chifres. Também usava um vestido, e andava descalça. Quem é que andava descalça na escola?
– É uma nobre? – Perguntei à Shinoa enquanto apontava discretamente para aquela rapariga estranha.
– Oh, não. Eles são chamados de demónios. – A Shinoa disse e arqueei a sobrancelha. Que alcunha tão insensível.
– Porquê? – Perguntei e ela apoiou a cabeça nas suas mãos.
– Não há muitos como aquela ali nesta escola, mas eles nunca usam o uniforme e fazem de tudo para saber o segredo mais íntimo de toda a gente. Se quiseres saber o segredo de alguém, podes ir ter com eles e pagar-lhes para que te contem. Alguns dos alunos têm contratos com eles: contam-lhes o seu maior segredo, e como pagamento eles fazem tudo o que eles quiserem durante o ano letivo. Por isso é que muita gente lhes chama demónios. – A Shinoa explicou enquanto eu via a rapariga olhar para toda a gente à sua volta.
– Os contratos com eles até podem ser bastante úteis, mas eles não prometem que irão guardar o teu segredo. Se eles ficarem convencidos de que lhes contaste o teu verdadeiro segredo mais íntimo e que não lhes mentiste, eles acabam por não o contar a ninguém. – O Yoichi acrescentou e vi a rapariga olhar para mim.
A mesma começou a correr até à nossa mesa e assim que nos alcançou bateu com as mãos nela, ficando a olhar para mim com os olhos arregalados.
– És um dos alunos novos? – Ela perguntou enquanto tinha o seu rosto quase colado ao meu.
– S-Sou. – Respondi, surpreendido com a ação dela.
– Por favor, faz um contrato comigo! – Ela pediu com uma respiração ofegante.
– Estou desesperada! Já não descubro um segredo há mais de três dias! – Ela suplicou e abri a boca.
– Não tentes compreender a necessidade de saber segredos dos demónios. Simplesmente não consegues. – A Shinoa disse-me. Parecia que tinha lido os meus pensamentos.
– Queres que faça um contrato contigo? – Perguntei à rapariga sem uniforme.
– Sim! Por favor! – Ela pediu e ajoelhou-se à minha beira.
– Só um idiota é que faria um contrato com ela. – A Shinoa acrescentou enquanto falava de olhos fechados.
– Tudo bem. Eu faço um contrato contigo. – Informei e a Shinoa levantou-se da mesa com a boca aberta.
– Como?! Confias nela para lhe contares o teu maior segredo e em mim não?! – Ela explodiu. Parecia extremamente zangada, o que era engraçado.
– A sério?! – A rapariga demónio exclamou com um grande sorriso e aproximei-me do ouvido dela, segredando-lhe o meu maior segredo.
– Eu sou orfão. Os meus pais foram assassinados num assalto há três meses. – Contei-lhe e ela abriu a boca após ouvir as minhas palavras.
– Muito bem. Temos o contrato celebrado. – Ela disse e levantou-se do chão.
– Espero bem que ela conte o teu segredo a toda a gente! – A Shinoa reclamou bem alto.
– Ela não vai contar. – Informei a Shinoa de forma confiante.
– É verdade, eu não vou contar. Ele contou-me o seu verdadeiro segredo. – A rapariga concordou e a Shinoa abriu a boca outra vez.
– Bem, qual é o teu nome? – Perguntei à rapariga demónio com quem tinha feito o contrato.
– Ashuramaru. – Ela disse e sorri-lhe.
– Yuichiro. Mas todos me tratam por Yu. – Disse-lhe e estendi-lhe a mão, trocando assim um aperto de mão com ela.
– Muito bem, eu vou-me embora. – A Shinoa anunciou e saiu do bar a correr.
– Coitadinha da Shinoa. – O Yoichi disse e também me levantei do meu lugar.
– Aquilo já lhe passa. – Disse ao Yoichi, que acabou por sair do bar. Provavelmente para ir atrás da Shinoa.
– Como te chamo quando precisar de um favor? – Perguntei à Ashuramaru.
– Telemóvel! – Ela disse e tirou um cartão do seu vestido, que tinha um número de telemóvel lá escrito.
– Lembra-te: o nosso contrato só dura este ano. Após terminar, eu esqueço que sei o teu segredo e tu deixas de me poder pedir favores. É claro que no ano letivo seguinte podes celebrar um novo contrato comigo. – Ela explicou as condições do nosso contrato.
– Tudo bem, eu aceito isso. Se quiseres, até podemos celebrar um novo contrato durante as férias de Verão, mas só se eu gostar dos teus serviços. – Informei-a e ela sorriu-me de forma confiante.
– Podes deixar comigo. – Ela disse e comecei a gostar dela. Ela parecia ser tão rufia e confiante quanto eu.
O toque da campainha soou e tivemos que voltar para as aulas, por isso resolvi despedir-me dela.
– Bem, então vêmo-nos por aí. – Disse-lhe e ela assentiu, saindo do bar e seguindo para sua sala de aula.
Também fui para a minha, e assim que entrei vi que era com a Sayuri que íamos ter a aula seguinte.
– Bom dia. – Desejei-lhe e ela sorriu-me.
– Bom dia, Yu. Como estão as coisas? – Ela perguntou de forma carinhosa.
– Eu e o Mika gostamos da escola, mas ele quis mudar de turma e foi para uma de nobres. Ele diz que quer tentar melhorar os laços entre ele e os alunos Japoneses. – Contei e ela surpreendeu-se, mas voltou a sorrir.
– A sério? Isso é muito bom. Espero que ele consiga. – Ela apoiou e acabei por assentir.
Fui para o meu lugar e vi que a Shinoa olhava para mim com uma cara zangada, mas assim que viu que eu estava a olhar para ela, ela virou a cara para a janela e não disse nada.
Sentei-me no meu lugar e virei-me para trás, apoiando o meu braço na sua mesa.
– Então, ficaste chateada? – Perguntei com uma cara gozona.
– Cala-te, Yuichiro. – Ela reclamou e abri a boca.
– Yuichiro? Por que é que não me chamas Yu? – Perguntei confuso.
– Porque não quero. Preferes ter mais confiança em estranhos do que em mim. Parece que não somos amigos, por isso não há razão para eu te chamar Yu. – Ela reclamou e fiquei a olhar para ela de forma perplexa. Pelos vistos estava mesmo chateada comigo.
– Vá lá, Shinoa... – Tentei tocar na mão dela, mas ela simplesmente bateu na minha.
– Só fazes asneiras, Yu. – O Kimizuki resolveu meter-se. Ele era atrás do Yoichi, que por sua vez era ao lado da Shinoa, e a Mitsuba era atrás dela.
– O que queres dizer com isso? – Reclamei alto e a Sayuri ouviu-nos.
– Meninos, por favor portem-se bem. – Ela pediu e suspirei, decidindo ignorar o Kimizuki.
Pensei que a Shinoa me fosse chatear, mas tinham-se passado cinco minutos e ela ainda estava calada, o que era mau sinal. Virei-me um pouco para trás e ela estava a olhar pela janela.
– Podemos falar? – Voltei a virar-me para trás, para a mesa da Shinoa.
– Não. – Ela disse sem olhar para mim, apenas a olhar pela janela.
– Shinoa... – Resmunguei baixo e tentei tocar nela mais uma vez, mas ela bateu na minha mão como tinha feito antes.
– Eu estou mesmo chateada, Yuichiro. – Ela disse e pela primeira vez olhou para mim.
Aquele olhar assutava-me.