De madrugada, um barulho enorme me acordou de repente, Olavo e Willian haviam montado uma cama de ferro para mim no dia anterior, e percebi que a cama havia se soltado e eu estava estatelada no chão, com ferros em cima de mim. Respirei confusa, enquanto tentava me lembrar do sonho com uma moto e uma tatuagem tribal num braço escandalosamente forte.
Esperei alguns minutos e, quando finalmente comecei a me mexer para tentar sair de baixo dos ferros, alguém abriu a porta do meu quarto com força, me dando um susto enorme.
Imediatamente comecei a gritar. O intruso cobriu minha boca com a mão e falou baixinho:
— Shhhh! Calma, eu vim ajudar você.
Ele me soltou e acendeu a luz, e quando olhei para ele, parei de me mexer de novo. Eu estava diante do homem mais lindo que já tinha visto! Tinha os olhos castanhos claros quase verdes, o cabelo castanho caía sobre seu olho, um corpo escandalosamente musculoso e, curiosamente, por baixo da blusa cinza colada ao corpo, avistei a tatuagem tribal que tinha visto no meu sonho, cobrindo todo seu braço esquerdo.
Ainda confusa, perguntei:
— Quem é você?
— Achei que nunca fosse perguntar. Sou Wallace, seu vizinho. Acho que sua cama não aguentou seu peso — sugeriu rindo.
Fiz uma careta, isso era muito engraçadinho da parte dele, levando-se em conta que sou baixinha e, embora tenha algumas curvas, magra.
— Obra do Pitt e do Willian — expliquei dando de ombros.
— Claro. Como você pôde deixar aqueles dois montarem alguma coisa?
— Eu tinha esperança que boa vontade contasse.
Ele deu uma risada alta e se aproximou de mim, tirou o ferro de cima do meu braço e me estendeu a mão. Só depois que me levantei, foi que percebi no espelho que estava apenas de calcinha e sutiã, como eu tinha mania de dormir.
Corei e ele deu uma risada, olhando meu corpo de uma maneira que os meninos da frente nunca tinham feito. Soltei-me dele e peguei um blusão, jogando-o por cima da roupa, mas que na verdade não escondia muita coisa.
— Seu rosto está da cor do seu cabelo — falou, passando o dedo pelo meu rosto.
Por onde seu dedo passou, pareceu pegar fogo, com esse simples toque.
Ele se aproximou do que restou da cama e começou a tirar o colchão.
— O que vai fazer?
— Montar essa cama direito.
Olhei no despertador, em cima da minha cômoda, eram quase quatro horas da manhã.
— Agora?
— Não terei tempo durante o dia e nenhum dos meninos vai fazer isso para você. A não ser que queira pagar para alguém montar.
— Você não está cansado, chegando a essa hora?
Ele me olhou novamente de cima embaixo, se concentrando em minhas pernas expostas. Eu pigarreei e ele desviou o olhar de volta para a cama.
— Você é bem mais bonitinha do que eles me falaram, e olha que falaram muito de você. Jules, não é?
Bonitinha? Por que homens usam essa palavra para definir uma mulher?
— Bonitinha? — falei com uma careta e ele deu outra risada. — Vai precisar de alguma coisa?
— Algo para comer. Estou faminto.
Saí do quarto em pânico, de tudo que ele podia me pedir, por que logo comida? A única coisa que eu não tinha em casa. Meu estoque do supermercado já estava acabando e eu não tinha nada decente para oferecer. Resolvi, então, estrear minhas panelas.
Vou deixar claro uma coisa, eu odeio cozinhar, e além de odiar, não sei nem fritar um ovo. Eu faço um macarrão de panela legalzinho, mas tirando isso, neca.
Coloquei água na panela e joguei uma xícara de arroz dentro. Então peguei umas coxas de frango e coloquei para fritar, lembrei-me de que deveria temperar e taquei sal enquanto fritava.
Depois que a gororoba ficou pronta, fiquei com vergonha de servir aquilo, mas ele veio descendo ruidosamente a escada.
— Pronto, você já tem uma cama decente para dormir. — Ele se aproximou e sentou-se num dos banquinhos da bancada.
— Obrigada, mas como sabia que eu estava em apuros?
— Ouvi o barulho quando estava chegando. Aliás, você não devia deixar a porta destrancada.
— Me esqueci de trancar — respondi, pegando a gororoba que estava o arroz e arremessando num prato. Sério, dava para unir tijolos com aquele troço — Hum, com quanta fome você está? — perguntei com uma careta.
Ele se levantou e deu a volta na bancada, parando atrás de mim e olhando por cima do meu ombro. Então deu uma risada.
— Você não sabe cozinhar, não é?
— Eu já disse, sempre tenho a esperança que boa vontade conte.
Ele riu enquanto pegava a colher de pau da minha mão e provou o arroz, mastigou com uma cara de paisagem, mas depois fez uma careta.
— Isto está horrível.
— Sabe, você não é muito gentil. Os meninos teriam mentido.
Ele deu de ombros, enfiando a mão numa coxa de frango e saindo da minha casa mastigando.
Logo, voltou para trás e jogou a coxa mordida de volta no prato.
— Ei! — protestei enquanto ele saía rindo.
Pouco depois ele retornou com uma vasilha, tirou um cachorro quente e me entregou, então andou até minha geladeira e pegou o refrigerante. Peguei dois copos e nos sentamos para comer cachorro quente. Só então percebi como estava faminta. A essa hora, o dia já estava clareando. Nada romântico ver o nascer do sol comendo cachorro quente com um estranho delicioso, mas gay.
— Você podia comer lá em casa.
Olhei para ele surpresa.
— Você sabe, todo dia, podia pagar um valor aos meninos e comer com a gente. Uma pessoa a mais não vai fazer diferença.
— Sei, e comer cachorro quente todo dia? Não obrigada, vou virar uma bola.
Ele me olhou de novo de cima a baixo.
— Você não precisa se preocupar com isso.
Continuamos comendo em silêncio, coisa que nunca aconteceria com qualquer um dos meninos.
— Então, Wallace, o que você faz?
— Eu sou garçom, numa barraca na beira do mar, e você?
— Desempregada.
Ele me olhou profundamente por um tempo, não consegui desviar meus olhos dos dele. Aquele castanho claro e o olhar misterioso me prendiam.
— Você tem namorado? — perguntei me lembrando de que Willian havia comentado que ele era comprometido.
Ele riu da pergunta.
— Não, não tenho namorado. — Então se levantou e pegou a vasilha. — Você vai dormir agora?
— Não, vou tomar um banho e ir para a faculdade, tenho uma entrevista de emprego hoje.
— Boa sorte! — respondeu saindo.
Eu fiquei ainda mais uns dez minutos olhando para a porta por onde ele tinha saído. Por que um cara tão lindo meu Deus? Por quê?
Saí da faculdade atrasada e corri até minha casa, tomei um banho correndo e nem tive tempo de prender meus cabelos, que caíam revoltados em ondas sobre meu rosto. Vesti a roupa mais bem passada que achei e saí apresada quase esquecendo minha bolsa. Ia chegar atrasada na entrevista em uma grande loja de móveis no centro. Saindo de casa, topei com Olavo, que derrubou minha bolsa.
— Ei, por que tanta pressa?
— Oi Olavinho, não posso falar agora, estou atrasadíssima. Sabe onde fica o ponto de ônibus mais próximo?
— Ai Gata, não é exatamente próximo.
Xinguei um palavrão mental.
— Eu te levaria de carro, mas ele está com os meninos na facul, eu não fui hoje.
Nessa hora, Wallace estava saindo com a moto e Olavo deu um pulo.
— Wallace, será que dá para você dar uma carona para a Jules?
— O quê? — ele perguntou parecendo tenso.
— Carona. Pra Jules. Sua vizinha da frente. Baixinha, olhos azuis, cabelo vermelho... Lembra?
Wallace me olhou por um momento e em seguida balançou a cabeça.
— Não posso.
— Qual é Wallace, ela vai chegar atrasada na entrevista dela.
— Você sabe que eu não dou carona — falou ele rispidamente para Olavo, então deu partida na moto e sumiu.
Olavo me olhou sem graça.
— Me desculpe, gatinha.
— Tudo bem, valeu a tentativa — falei já correndo até o ponto mais próximo que ele me indicou.
Claro que cheguei atrasada na entrevista, ainda implorei que eles me deixassem fazer, mas me mandaram chegar no horário da próxima vez.
Sentindo-me desolada, desempregada e rejeitada por um vizinho que parecia ser de lua, fiz o que qualquer garota no meu lugar faria, me entupi de sorvete.
----------
Amoras, na quarta posto mais capítulo...
Um lindo final de semana pra vocês!
♥