Devaneios

By MariaEduardaMoraes4

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No Hospital Psiquiátrico São Gabriel são internados os loucos que já cometeram assassinatos. Em 1984,um... More

Olá!
Prólogo
Capítulo 1- Castle
Capítulo 2 - Raio de Felicidade
Capítulo 3- Recaída
Capítulo 4-Castigo
Capítulo 5 - Visitas
Capítulo 6 - Lâminas E Lágrimas
Capítulo Bônus
Capítulo 7 - Consulta
Capítulo 8 - Pintando Rosas De Vermelho
Capítulo 9 - Trancada
Capítulo 12 - A Um Passo Da Liberdade
Capítulo 13 - Culpado
Epílogo

Capítulo 10 - Jovens Solidários

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By MariaEduardaMoraes4

A semana se seguiu, trazendo um domingo que, para mim, soava totalmente entristecido e cinzento. Seu céu nublado me dizia claramente para perder qualquer esperança, levando todas as minhas memórias de sorrisos e felicidade.

Eu não conseguia pensar em mais nada a não ser Rafa, que continuava sozinha em seu quarto. O semblante amedrontado da minha amiga não me saía da cabeça e, cada vez que ia visita-la, a encontrava pior.

-Então, eles conseguiram tirar a nota máxima na prova mesmo assim! Esses garotos...Como os amo! - Bernadette me tirou de meus devaneios abruptamente.

-Eu...É...

Começava a pensar em alguma resposta que não deixasse óbvio o meu desinteresse quando vi Seu Zé cruzando a sala com caixas aparentemente muito pesadas. O acompanhei com o olhar, até que tropeçou e deixou cair todo o conteúdo: Copos descartáveis, pacotes de chá, biscoitos prontos, papel higiênico e pesados pacotes de arroz e feijão.

Me levantei num pulo e fui até ele, recolhendo tudo que estava no chão e colocando de volta nas caixas. Tomei duas delas em meus braços, recebendo um sorriso de agradecimento.

-Obrigado garoto, essas coisas são mais pesadas do que parecem.

- Para que tudo isso? - Meus braços fraquejavam debaixo do peso.

- Parece que um grupo de jovens vai vir doar suprimentos e fazer uma visita, então estamos juntando tudo que já temos para ficar mais fácil de fazer a contagem depois.

-Ah, claro - falei, com amargura.

Aqueles eram os piores dias, aconteciam frequentemente e não eram agradáveis.

Os grupos possuíam sempre jovens da minha idade que deviam, além de trazer alimentos não perecíveis e produtos de higiene, conversar conosco. O objetivo era deixar-nos melhor e nos trazer sorrisos, mas na prática não dava tão certo. As malditas pessoas "normais" nos lançavam os mais nojentos olhares de pena e repulsa, ainda mais para gente como eu e Rafaela, que temos idade próxima a deles.

Em suas cabeças perfeitas e equilibradas, eles nos acham uns pobres coitados. Pensam que deveríamos ser livres para andar pelas ruas e viver com nossos pais, como julgam adequado. Os loucos, na verdade, são eles, que estão presos nas suas realidades chatas e repetitivas.

Seguimos andando até chegarmos à cozinha, onde Seu Zé me instruiu a deixar as caixas num canto, perto da despensa.

Na pia, Ana encontrava-se ocupada, sendo auxiliada por outras enfermeiras enquanto preparava quantidades exurbitantes de chá.

- Para os visitantes? - indaguei, apontando.

- Sim, esse grupo me passou uma ótima impressão por telefone. Parece que são de um colégio católico local e estão fazendo essa visita como parte da aula de religião. - Olhou para mim enquanto organizava a bandeja com a chaleira, copos e uma toalha bordada. - Senhora Keitlyn mandou que os tratássemos muito bem, porque é a primeira vez que nos doam qualquer coisa e queremos deixar uma boa impressão.

- Bom, parece que vocês tem muito trabalho - disse.

- Você nem imagina, esse pessoal do Santa Fátima parece bem exigente, ainda mais o último ano do colegial -suspirou. - Chegam na hora do almoço.

Assim que a ouvi proferir o nome do colégio, meu olhos se arregalaram e eu precisei me apoiar na borda da pia. Aquilo não podia estar acontecendo.

-*-*-


- O que com há você hoje? - perguntou Rafaela quando fui lhe levar o almoço, um pouco mais cedo do que de costume, já que teríamos visitas.

- É que parece que vai vir um pessoal fazer doação de suprimentos hoje. Não é nada incomum por aqui, mas não é uma ocasião muito divertida.

- Eu imagino. - Ela me encarou com seus olhos cansados que ultimamente transpareciam completa insanidade. - Aposto que são uns idiotas inconvenientes.

- Você nem imagina o quanto.

- Bom, parece que hoje seremos um show de horrores. - Riu.

Era exatamente o que éramos. Sorrindo para os visitantes como se nada estivesse acontecendo e recebendo pura repulsa em troca. Afrontas também não eram incomuns, levando em conta que todos ali haviam cometido crimes. Aquilo tudo era muita hipocrisia, pois todas aquelas pessoas achavam que merecíamos estar apodrecendo na cadeia.

Esfreguei as mãos pelo rosto, atordoado com tantos pensamentos.

A loira cruzou as pernas, me olhando com um ar curioso:

- O que foi?

- É que...Eu conheço as pessoas que virão hoje. São o terceiro ano do colégio onde eu estudava, são a minha turma. Cara, como alguém pode ser tão azarado?

- Oh, céus...O que vai fazer?

- Não descobri ainda.

-*-*-

Depois de comer senti que não tinha outra escolha senão encarar a situação. Não haveria como fugir, poderia apenas ficar ali e evitar encarar aquelas pessoas.

Mas nem tudo estava perdido, porque eu não estava sozinho. Ao meu lado, com um olhar perdido e expressão dura, encontrava-se uma Rafaela que claramente lutava para ficar fora de seu quarto.

Eu recebera elogios e agradecimentos de Ana por a ter trazido para fora, mas quem deveria ser elogiada mesmo era Rafa, que havia guardado sua dor para me ajudar a lidar com a minha.

Então, a hora do almoço chegou. Cada segundo parecia se transformar numa eternidade e eu me sentia parado no tempo. Minhas mãos suavam e eu não conseguia parar no meu lugar, não sabia o que fazer.

Logo vi duas Panoramas e duas Brasílias adentrando os portões e esmagando as flores do jardim. Delas, desceram quinze adolescentes magros e altos, que logo começaram a descarregar os porta-malas.

Suspirei audivelmente e olhei para Rafaela, que retribuiu com um olhar preocupado e um sorriso forçado.

Os alunos do colégio Santa Fátima começaram a entrar carregando sacolas e sendo auxiliados por Seu Zé e algumas enfermeiras.

Ana estava na porta, dando boa tarde, informando-os sobre onde deveriam deixar os suprimentos e dizendo que logo depois veriam Keitlyn.

-Pobres visitantes - brincou Rafa. -Aquela mulher é barra.

Eu mantinha a cabeça baixa enquanto toda aquela gente cruzava os corredores, talvez assim não me reconhecessem, mesmo com esse maldito farol vermelho que chamo de cabelo.

É claro que aquilo não daria certo, eu sabia que não conseguiria lidar com tudo aquilo. Minha cabeça rodou quando um cheiro doce e familiar encheu minhas narinas. Poderia ser...?

Olhei para cima e vi a menina que me encarava. Seus olhos castanhos e pele morena eram familiares e eu me assustei. Era o que eu mais temia, ela estava ali.

-Milena - sussurrei.

-*-*-

- E agora a senhorita Ana lhes levará para um breve passeio pela ala B, obrigada pela companhia maravilhosa hoje. - Pude ouvir a voz de Keitlyn.

Fiquei impressionado com sua gentileza. Parecia que a minha antiga escola estava mesmo fazendo uma doação grande, afinal.

Os rapazes e garotas foram aos poucos aparecendo na sala comunal, em fila. Ana os guiava contando um pouco do histórico da ala B: O número de pacientes, de mortes, de quartos e de funcionários. Grandes quantidades vazias que não representavam nada.

- Mas, mesmo com essa estrutura incrível que temos aqui, a minha parte favorita desse andar é o jardim. Por ser o térreo, temos um espaço verde muito amplo que é muito elogiado, se me permitem dizer. - Seguiram-se comentários e admirações dos voluntários.

-Bom, acho que agora vocês podem dar uma andada por aí, dizer um olá para os nossos pacientes e comer algo. - Ela disse e se retirou, indo em direção à despensa.

Engoli em seco. Conversar com nossos pacientes. Eu não poderia me sentir tranquilo ouvindo aquilo, a maioria dos jovens ali me conhecia, eles sabiam de tudo que eu havia feito.

Eles se dispersaram, a maioria foi para a cozinha ajudar Ana e pegar algo para comer. Mas um grupo de cinco garotas permaneceu ali, olhando ao redor. Elas cochicharam entre si e se separaram.

Uma foi até Bernadette, duas cercaram Eduardo e outra seguiu reto até os pacientes que estavam sentados na mesa. A última permaneceu ali, encarando a mim e Rafaela, que nem percebia nada, olhando para um ponto fixo no chão, apoiando a cabeça entre as mãos.

A morena alta deu passos lentos em minha direção. O ar ao meu redor congelou e eu a observei se aproximar.

-Oi. - Ela disse, agachando à minha frente.

-O-Oi. - Praguejei por minha voz falhar quando mais precisava dela.

Os olhos de Milena repentinamente encheram-se de lágrimas e ela pulou em mim, me abraçando forte.

-EU SENTI TANTO A SUA FALTA! - soluçou. - Eles me disseram que você era perigoso, mas eu sei que não é. Eu não vou ficar longe de você hoje.

A culpa anestesiou todos os meus sentidos. Eu não via ou ouvia mais nada a não ser Milena. Esse tempo todo eu estava preocupado com o que aquelas pessoas estariam pensando de mim, com o que ela estaria pensando de mim. Mas ali estava ela, dizendo que sentia minha falta.

-E-Eu sei que não nos despedimos direito naquele dia, mas eu juro que eu não estava com medo de você. Eu sei que não foi você que matou aquele monitor, eu sinto muito! - As lágrimas escorriam freneticamente de seus olhos.

-Calma, está tudo bem. - Passei o polegar por seus olhos, secando suas lágrimas. - Eu não estou bravo com você.

E a menina que um dia eu amei sorriu para mim mais uma vez. Quando saí da escola carregado por policiais não achei que a veria novamente.

Olhei involuntariamente para as paredes brancas da sala comunal e depois novamente para Milena. Ela foi mais uma das coisas que esse lugar me roubou. Ele sugou toda a minha antiga vida, e ela fazia parte dela. Um velho amor, uma ex-namorada, algo que eu nunca teria novamente.

-*-*-

Faltando pouco para o Sol começar a se pôr, todos nós - pacientes, empregados e voluntários - fomos até a frente do imenso São Gabriel, segurando uma faixa que dizia "terceiro ano, 1984". Seu Zé nos esperava, apontando uma Mavica para nós.

-Digam "x"! - disse, rindo.

-"X"!! - exclamamos todos.

Quando a máquina bateu nossa foto, eu olhei para o lado. Ali estava Rafaela, esforçando-se para ficar ao meu lado e sorrir para o retrato. Apertei sua mão e ela se virou para mim, sorrindo.

Por isso eu pedi uma cópia daquela foto e a tenho até hoje no bolso do meu jeans rasgado, porque nela está o meu amor. Talvez o São Gabriel me tenha roubado um namoro de colegial, mas ele me deu Rafaela, que estava naquele momento deixando de lado seu medo das vozes para me apoiar enquanto via os adolescentes apontando para mim. E, enquanto ela estivesse comigo, eu não me sentiria triste.

-*-*-

Eu sei que eu atrasei esse capítulo...Mas valeu a pena, né? EU SEI QUE VOCÊS CHORARAM. Não tentem esconder. e.e

Gostaram da Milena? Eu gostei dela, heuheu. <3

Ah, e o que vocês acham que vai acontecer com a nossa Rafa? Ela não parece melhor, né? Veremos.

Amo vocês, volto domingo. :3

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