O Diário (nada) Secreto - vol...

Bởi LarissaSiriani

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Antes, leia: O Diário [nada] Secreto: Vol. 1 - A Gente Pode Tudo (http://www.wattpad.com/31779167-o-di%C3%A1r... Xem Thêm

O Diário (nada) Secreto - vol. 3
Prólogo
Capítulo 1 - Mudança de Planos
Capítulo 2 - Sentindo. Muito.
Capítulo 3 - Uma Noite pra (não) Lembrar
Capítulo 4 - Verdade ou consequência?
Capítulo 5 - Entre Nós
Capítulo 6 - Não Vejo, Não Ouço, Não Falo
Capítulo 7 - No Limite
Capítulo 8 - Disse Me Disse
Capítulo 9 - O Gran Finale
Capítulo 11 - Recado pra Você
Capítulo 12 - Como Nos Velhos Tempos
Capítulo 13 - Pingos nos Is
Capítulo 14 - Nosso Segredinho
Capítulo 15 - Inesperado
Capítulo 16 - Agora é sério...
Capítulo 17 - Confissões
Capítulo 18 - No Flagra
Capítulo 19 - 6 Dias, 5 Noites
Capítulo 20 - Reviravoltas que a vida dá
Capítulo 21 - O que não tem remédio...
Capítulo 22 - .... Remediado está
Capítulo 23 - O inesperado
Capítulo 24 - Entendimentos
Capítulo 25 - Crescer
Epílogo

Capítulo 10 - Tudo em Paz (?)

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Bởi LarissaSiriani

Achei que não fosse ter coragem de levantar da cama para ir ao colégio naquela semana.

Faltavam apenas três dias pro sábado chegar, e eu já sentia o universo inteiro caindo sobre as minhas costas. Era um peso invisível e impossível de medir, e que, por pelo menos um dia, só eu sabia que estava lá; mas bastou a quarta-feira passar com suas horas silenciosas de martírio pra que tudo voltasse a piorar.

- Ei, o que que tá pegando entre a sua irmã e o Diego? – a Giovanna me perguntou, na quinta-feira, logo que me viu – E que diabos você tá fazendo aqui sozinha, no meio do corredor?

- Estudando. – menti, erguendo a apostila com um sorriso falso. Ela rolou os olhos, desinteressada.

- Que seja. Enfim, e a fofoca?

- Que fofoca?

- O que aconteceu? Num dia eles são o casal 20, e no outro tá cada um pra um lado. Juro que eles nem se cumprimentaram hoje! Eles brigaram, será?

- Não sei.

- Como não sabe? A Marina é sua irmã!

- A gente nem mora na mesma casa, Giovanna! Como eu vou saber de cada espirro que ela dá?

Ela bufou e fez uma careta.

- Que bicho te mordeu, hein, Lolita? Tá chata pra caramba hoje! – exclamou, meio enfezada. Aquilo só adicionou mais alguns quilos ao enorme saco de peso na consciência que eu já estava carregando.

- Foi mal. Não tem nada a ver com você. – falei, com um suspiro. Minha prima estreitou os olhos.

- O que foi então?

- Não é nada. Vai passar.

A fofoca de que o Diego e a Marina não estavam se falando se espalhou como fogo em palha dali pra frente. Talvez todo mundo já estivesse comentando, e eu não tivesse percebido, mas agora era fato: todo mundo sabia que tinha alguma coisa errada. A confirmação se eles estavam ou não juntos era o que faltava, contudo. Eu continuava sendo a única pessoa além dos dois que sabia de todos os fatos.

Ou pelo menos era o que eu pensava.

No meio da aula de história, me vem o bilhetinho com a letra miúda da Lana.

Vou matar você! Como você não me contou da sua briga com a Marina?

Bacana. Mais uma querendo me matar. Entre pra fila!

Não pensei em contar pra ninguém, Lana. To me sentindo horrível!

Devolvi o bilhete sem nem olhar pra ela. Instantes depois, ele estava de volta.

Ela me pegou de calça curta ontem à tarde! Me ligou chorando, queria saber se eu sabia que você gostava dele, por que eu não contei nada... Fiquei sem nem saber o que falar pra ela!

Ótimo. Por tabela, eu tinha ferrado a Lana também. Eu tinha algum tipo de dom pra fazer cagadas, não é possível!

Desculpa! Não queria ter te metido nisso!

Não tem que pedir desculpa por nada. Eu sou amiga das duas, o que eu podia fazer? Enfim, ela me contou tudo e eu fiquei preocupada. Como você tá?

Respirei fundo, com o lápis pousando sobre o papel, sem saber o que escrever. Sem saber como escrever. Eu estava me sentindo horrível, de todas as formas, mas parecia errado colocar isso no papel – como se, ao compartilhar aquele sentimento, eu estivesse me vitimizando mais do que deveria, quando, no fundo, sabia que eu tinha feito por merecer o que estava passando agora.

Acabei desistindo de escrever coisa alguma, e só dobrei o papel dezenas de vezes até não conseguir mais. Às vezes, era melhor não falar nada.

Eu achava, sinceramente, que não dava pras coisas ficarem piores do que já estavam. A gente às vezes atinge aquele nível de estresse em que parece que chegamos ao fundo do poço, sabe?

Pois é. Eu estava errada.

Quando saí pelo portão, cansada e cabisbaixa, doida pra ir pra casa... Encontrei o Luís me esperando.

- Oie! – ele disse, abrindo os braços pra me dar um abraço.

Correspondi de maneira quase mecânica, tentando me lembrar se ele havia dito que vinha. Ele geralmente avisava que viria. Mas nós não havíamos nos falado pelo menos nos últimos três ou quatro dias, e eu tinha certeza absoluta de que nada havia sido dito antes disso. E, se tivesse, eu provavelmente teria dado qualquer desculpa pra ele não aparecer; então, o que diabos ele estava fazendo ali?

- Tudo bem com você? Não tá com uma carinha boa. – ele disse, erguendo meu rosto delicadamente. A preocupação nos seus olhos só fez eu me sentir pior.

- Eu to... – a voz morreu. Não conseguia nem mentir mais. Então só suspirei e disse – Me leva pra casa?

- Claro. Foi pra isso que eu vim. – e sorriu. Nem tentei sorrir de volta. Só o soltei e fui andando.

Ele mal precisou dar dois passos largos pra me alcançar. Pegou na minha mão, mas eu não devolvi o aperto. O Luís respeitou meu silêncio e a minha cara emburrada no caminho até o carro, e continuamos calados pelo menos até pararmos no primeiro semáforo após o colégio. Foi só então que ele se virou pra mim e perguntou:

- Lolita, o que aconteceu? Você tá me deixando preocupado.

As lágrimas vieram, mas eu segurei o choro. Não precisava criar uma cena. Estava sendo dramática demais, criança demais.

Não respondi de imediato, pensando exatamente no que deveria falar. Ele vinha sendo tão bom pra mim, e eu não havia respeitado nada – nem os seus sentimentos, nem os seus desejos, e nem a mim mesma. Depois de tudo o que tinha acontecido nos últimos dias, parecia mais errado do que nunca levar aquilo adiante. Então respirei fundo e falei, calma e cuidadosamente:

- Acho que a gente não devia mais se ver.

Eu o observei ficar ligeiramente boquiaberto, e sua expressão mudar várias vezes em questão de segundos. Quando falou, sua voz estava gaga, confusa.

- Foi alguma coisa que eu fiz? – ele quis saber, seu olhar desviando rapidamente do trânsito para mim – É aquele pedido de namoro? Lolita, você sabe que eu nunca quis te pressionar, eu...

- Não é nada com você! – eu o interrompi, odiando cada segundo daquela conversa – Você é o cara mais... incrível que eu já conheci. É sério.

- Então?

Hesitei novamente, na dúvida sobre qual explicação dar. Temia que meus motivos reais me fizessem parecer ainda mais imatura e idiota, mas não queria mentir pra ele. Então respondi:

- Minha irmã e o Diego terminaram.

O Luís assentiu lentamente, um misto de compreensão e decepção dominando cada centímetro do seu rosto. Ficou calado por tanto tempo que eu achei que não fosse me dizer mais nada até a hora em que eu saísse do carro, mas, após vários minutos, ele voltou a falar.

- E agora você quer tentar com ele. – disse, não num tom acusativo, como eu esperava, mas sim de compreensão. Eu neguei veementemente.

- Não! Não, nada disso! Eu não quero mais nada com ele! Não posso fazer isso com a Marina!

- Então qual é o problema, exatamente? – ele indagou, franzindo a testa. Aquilo ia ser ainda pior do que eu previa.

- O problema é que eu ainda gosto dele, Luís. E você gosta de mim. E não tá certo eu te enganar desse jeito! – fiz uma pausa, apertando as mãos em punho, lutando pra não me descontrolar – Você merece uma garota que te queira também! E eu não quero fazer com você a mesma coisa que eu fiz com a minha irmã!

- Que foi...?

- Fingir que tá tudo bem, quando na verdade não tá!

Não aguentei e comecei a chorar, em soluços contidos. Desgrudando os olhos rapidamente do volante, ele pegou uma caixa de lenços no porta-luvas e me deu. Quando o carro parou no semáforo seguinte, ele me olhou e pegou minha mão.

- Você nunca me enganou, Lolita! – ele disse, com um sorriso gentil – Eu sempre soube o que tava rolando, lembra? Eu sempre soube que você gostava de outro cara. E eu decidi ficar com você de qualquer jeito porque eu acreditava que poderia te conquistar. E ainda acredito.

- Mas nada mudou, Luís! Eu não me sinto diferente em relação a ele, nem a você! E eu sabia disso, e continuei te dando esperanças, te fazendo acreditar que eu queria algo sério...

- Deu mesmo? Ou será que eu vi aquilo que queria ver?

Não respondi. Eu continuava me culpando por isso, independente do que ele me dissesse.

Viramos na rua do meu prédio, e ele soltou minha mão pra estacionar e puxar o freio de mão. Soltou o cinto e se ajeitou no banco até ficar de frente pra mim. Já tínhamos feito isso tantas vezes antes, pra nos beijarmos no carro antes de eu ir pra casa; pensar nisso me dava um misto de saudade e desgosto. Dessa vez, ele não fez menção de me beijar, mas passou a mão carinhosamente pelo meu rosto.

- Lolita, por favor, não se culpe por minha causa, tá legal? – ele pediu, com um meio sorriso – Você vai dizer que eu to errado, mas eu sei que, lá no fundo, você gosta de mim também. Talvez não tanto quanto dele, mas gosta. E só isso já desclassifica qualquer possibilidade de você ter me enganado algum dia.

Aquilo me aliviou em partes. Era bom saber que não havia nenhum traço de rancor nas suas palavras, mas me doía perceber que não estava sendo nada fácil dizê-las pra mim.

- Eeu tenho certeza de que posso fazer você esquecer esse cara com o tempo. – ele continuou, fazendo meu estômago revirar – Mas eu não vou insistir nisso se você não quiser. Eu me importo com você, Lolita, e antes de mais nada, quero ser seu amigo também. Então se você não quiser mais me ver, tudo bem. Você ainda tem o meu telefone, e pode me ligar sempre que precisar. Ok?

Eu funguei, sem saber se estava chorando pelo peso na consciência ou de emoção por tudo o que ele estava me falando. Acabei sorrindo, mesmo sem querer, e me inclinei para abraçá-lo.

- Você é irreal! – murmurei, e ele deu um beijo estalado na minha bochecha – E merece uma garota muito mais legal que eu!

- Talvez, mas por enquanto é você que eu quero! – fiz um muxoxo, e ele riu – Ok, não tá mais aqui quem falou!

Dei um beijo demorado no seu rosto, e sequei as lágrimas com a palma da mão. Já com meia porta aberta, falei:

- Até mais, Luís. Obrigada por tudo.

- Até mais, Lolita. Me liga uma hora dessas.

Assenti, mesmo sabendo que não ligaria. Saí, bati a porta, e caminhei em direção ao prédio sem olhar pra trás.

Fundo do poço atingido, nada de pior aconteceu na sexta-feira. Fui e voltei da escola como um robô, e depois passei a tarde inteira deitada, remoendo meu próprio azar. Não vi minha mãe chegar e recusei o jantar; só queria definhar e morrer.

Passava das nove quando o telefone de casa tocou. Não dei bola – estava ainda deitada, sem fazer nada além de olhar pro teto, sem conseguir dormir. Minha mãe atendeu, e só depois de quase dez minutos ela chamou:

- Lolita, telefone pra você!

Estranhei. Mesmo assim, me forcei a levantar (sentindo toda a tonteira de ficar deitada por horas a fio) e fui até a sala, onde ela estava com o telefone.

- Quem é? – perguntei.

- É a Suellen. – ela respondeu, sorrindo daquele jeito meio “mãe”. Sorri também, e peguei o telefone.

- Alô?

- É MENINO!

O berro dela foi tão estridente que precisei afastar o aparelho do ouvido.

- O quê? – perguntei, embora tivesse ouvido muito bem.

- É menino, Lolita! Nós vamos ter um menino!

Um segundo. Foi o tempo que levou pra eu ir da calma pra histeria e começar a pular e gritar pela sala.

- Ai, que lindo! – berrei – Quando você ficou sabendo?

- Hoje! – ela gritou de volta – Ai. Desculpa. O médico disse que eu não devo gritar, nem me exaltar. Mas eu to tão feliz!

- Eu também! – exclamei, e nós desatamos a rir. Caí sentada no sofá, ao lado da minha mãe, e suspirei com gosto – Como que foi a consulta?

- Foi tranquila. Tudo bem com a gente. O Dani não pôde ir, mas ele quase teve um ataque quando eu mostrei as imagens do ultrassom!

- Que lindo!

- Então, amanhã eu vou sair pra comprar umas coisinhas, agora que a gente sabe que é menino e tal! Queria muito que você viesse junto!

- Ah, é? Amanhã? – e olhei pra minha mãe, que, milagrosamente, sorriu e concordou – Claro que sim!

- Ah, maravilha! – ela deu um gritinho animado – Então eu passo pra te pegar umas onze horas, tá bom?

- Tudo bem!

- Beijinhos amiga!

- Beijo, até!

Desliguei e olhei pra minha mãe de novo, que estava trocando de canal freneticamente.

- Obrigada por me deixar ir com ela. – falei, com toda a sinceridade.

- Eu gosto da Suellen. – ela disse, sorrindo de novo – E eu sei que ela precisa de você.

- Mesmo assim, obrigada.

Coloquei o telefone de volta no lugar e me sentei ao lado da minha mãe de novo. Após muito zapear, ela decidiu simplesmente voltar a assistir a novela.

Depois de muito tempo de silêncio, ela disse:

- Você tem se comportado bem e tirado boas notas, então vou te tirar do castigo. – fez uma pausa, e me olhou de soslaio – Mas não abusa, senão eu te tranco até você terminar a faculdade!

- Sim senhora! – concordei, pensando que, agora, estar ou não de castigo não fazia a menor diferença.

Por volta das onze e meia na manhã seguinte, o interfone de casa tocou. Eu já estava pronta, esperando, a quase meia hora, então não precisei de muito incentivo pra gritar um “estou descendo” pro porteiro e sair.

Quem me esperava no carro junto com a Suellen, curiosamente, não era a mãe dela, e sim uma senhora muito bem arrumada e sorridente que, eu presumi, devia ser a mãe do Daniel. Embora eu o conhecesse já há uns bons anos, e ele fosse parente da minha ex-melhor amiga, eu nunca tinha sido apresentada aos seus pais. Logo, minha presunção não passava de um palpite.

- Oi, oi! – falei, assim que entrei no caso. A Suellen se virou (ou tentou, pelo menos, do seu jeitinho grávido) para mim com um sorriso que ameaçava rasgar os cantos do rosto.

- Oi, Lolita! – exclamou, superanimada a ponto de me contagiar também. Então, como se subitamente se lembrasse de sua boa educação, emendou: - Essa é a minha tia-barra-sogra, Edite. Tia, essa é a Lolita, minha amiga lá do colégio.

- Tudo bem, querida? – ela disse, com uma voz afetada. Me limitei a um aceno de cabeça.

- Bom, não sei vocês, mas eu tô com uma superfome, então eu voto em pararmos pra almoçar antes de qualquer coisa! – a Suellen disse, levantando a mão, como se qualquer uma de nós estivéssemos livres pra manifestarmos uma opinião oposta. Até parece que alguém ia contrariar uma grávida faminta!

- Eu acho ótimo! – concordei, rindo, e ela bateu palminhas.

- Por mim, perfeito. – Edite declarou, enfim saindo com o carro – Onde vocês querem comer?

- Qualquer lugar onde a sobremesa seja boa! – a Suellen opinou, lambendo os lábios. Sua tia fez cara feia.

- Nada de açúcar pra senhorita. Já abusou demais até agora! Precisa controlar essa boca, senão vai acabar com um monte de problemas!

- Mas tia! Eu to com desejo de pudim de leite! Você quer que o seu netinho nasça com cara de pudim de leite?

Eu ri, a despeito do quão surreal e confusa aquela conversa era. Elas continuaram debatendo, com muito bom humor, os prós e os contras da sobremesa até pararmos no shopping e a Suellen agradecer muito efusivamente por podermos usar a vaga preferencial para estacionar o carro.

O clima foi ameno durante todo o almoço. Cedendo à pressão da tia-barra-sogra, comemos comida ao invés de lanche – como recompensa, ganhamos sorvetes de sobremesa. Enquanto comíamos, a Suellen ia me contando cada novidade perdida nas últimas semanas, e relembrava cada consulta com o obstetra, cada ultrassom e cada nova descoberta da gravidez.

Não a interrompi nem quando não fazia ideia do que ela estava falando. Havia uma alegria e uma paixão nos olhos da minha amiga que eu não enxergava já tinha muito tempo. Me perguntei em que buraco eu havia me enfiado que não havia visto sua barriga crescer e arredondar nos últimos meses, que não tinha escutado todas essas histórias tão logo elas eram vividas. Eu havia me enterrado no problema Diego-Marina e tudo o mais havia sido deixado de lado. E enquanto isso, uma das minhas melhores amigas estava se tornando mãe bem diante dos meus olhos.

Uma vez almoçadas, fomos bater perna em todas as lojas de enxoval existentes. Sabe aquelas lojas bonitinhas de roupas intantis que você admira secretamente quando passa no shopping, mas jura que não vai entrar antes de ter, sei lá, uns 30 anos? Lá estava eu, aos dezesseis, escolhendo entre o verde e o azul e descobrindo que aquilo que eu chamaria de “macacão” é, na verdade, um body. Ou algo do gênero.

Babadores, mamadeiras, cobertores, travesseiros. Cada loja era sinônimo de uma vida encostadas no balcão, escolhendo, vendo peças. Mas, pra minha surpresa, muito pouco além de roupinhas foi comprado. Eu já estava preparada pra encher os braços de sacolas quando a Suellen me explicou, soando uns vinte anos mais velha:

- Tem o chá de bebê ainda! Não vou comprar tudo de uma vez!

- Chá de quê? – repeti, e ela e a tia deram risada da minha cara de desentendida.

- Você não sabe o que é um chá de bebê? – a Edite me perguntou, fazendo com que eu me sentisse realmente estúpida. Torci o nariz.

- Eu sou a caçula da minha família. Não tem ninguém grávida desde... bom, desde a minha mãe! – expliquei, me sentindo ainda mais burra. Edite balançou a cabeça em concordância.

- É tipo uma reunião com todas as amigas da futura mamãe, e aí todo mundo que vai leva um presente pra ajudar a completar o enxoval. – a Suellen explicou – Não é obrigatório fazer um, mas é legal.

- Ah.

O celular da Suellen tocou, e ela me entregou as roupinhas que estava segurando para procurar o aparelho na bolsa.

- Oi. – ela atendeu, depois de vários toques insistentes – Eu to no shopping ainda. – uma breve pausa – Não, tá tudo bem. A tia Edite nem me deixou pegar a carteira. – outra pausa – Tá legal. Avisa a mamãe que eu ligo quando sairmos daqui. Beijo.

Desligou, e encontrou meu olhar ainda fixo nela, dando na cara que eu estava escutando a conversa toda. Ela sorriu discretamente.

- Era a Bela.

Arqueei as sobrancelhas, meio em choque demais pra falar alguma coisa. A Bela vinha me surpreendendo nos últimos meses, mas ainda assim era capaz de me pegar de calas curtas. Em todos os anos em que eu conhecia as duas, não conseguia me lembrar da última vez em que tinha visto elas se falando por telefone. Ainda mais de um jeito tão... educado.

- Então tá... tudo ok? – perguntei, ainda meio incerta. A Suellen, de um jeito muito plácido e muito mãe, suspirou com um meio sorriso e começou a pegar as roupinhas que tinha me dado pra segurar.

- Tá tudo em paz. – confirmou.

Assenti, franzindo o cenho. 

- A Bela tá diferente, Lolita. – continuou, examinando calmamente cada peça – Acho que isso tudo mexeu mais comigo do que com ela, se você quer saber. Tipo... não é que a gente tenha virado amiga, não isso. Mas a gente tá mais próxima agora. Ela tá mais preocupada, e mais calma. Acho que ela percebeu que a gente não tem que ser inimiga.

- Que legal. – ela me olhou de soslaio, intrigada, e eu balancei a cabeça com veemência – Sério, Su, acho isso incrível! Só não esperava isso dela.

- Numa boa? Nem eu. – nós duas rimos – Mas a Bela mudou muito de uns tempos pra cá. Ela é outra pessoa.

- Então, quanto a isso...

- O quê?

A pergunta estava formada, na ponta da língua, prontinha pra sair. Mas travei. Não conseguia, por mais que quisesse muito saber, deixar que as palavras escapassem da minha boca. Na hora, me apavorei com a possibilidade de choque da Suellen, com a ideia de estar espalhando uma fofoca maldosa, e até mesmo com a minha enorme neura sobre um assunto que sequer me dizia respeito. Então só fechei a boca, respirei fundo e murmurei:

- Deixa pra lá.

E deixamos.

Na segunda-feira, no meio da aula do professor Ulisses, a coordenadora entrou, acompanhada de uma moça desconhecida, carregada com uma pilha de finas pastinhas azuis. Como de praxe, todo e qualquer resquício de conversa desapareceu.

- Bom dia, classe. – ela disse, e sorriu perante o nosso coro de “bom dia” – Bem, vocês enfim chegaram ao último ano do Ensino Médio. E tenho certeza de que o recado que tenho para dar hoje é um que vocês vem esperando desde o primeiro dia de aula, portanto... esta é a Delmara, e viemos aqui para tratar da viagem de formatura de vocês.

A ordem se foi, e todo mundo começou a aplaudir e a gritar. Alguns garotos mais bagunceiros – olá Ricardo e companhia! – até levantaram e fizeram menção de irem abraçá-las, sendo rapidamente repreendidos. Não era para menos; já era Maio e nada havia sido mencionado até então.

O motivo, todos nós já sabíamos: a bebedeira descontrolada dos formandos do ano passado havia resultado em brigas, e até num princípio de coma alcoólico. Alunos de uma instituição religiosa não poderiam se prestar a esse papel. E nós, é claro, deveríamos estar sendo punidos.

Mas não mais.

- Acalmem-se, acalmem-se! – a coordenadora pediu, e fomos lentamente nos silenciando – Como vocês sabem, a viagem de formatura do ano passado nos trouxe alguns problemas, e é natural que a direção do colégio tema que isso se repita. – mais burburinho de desaprovação – Mas nós sabemos que uma turma não precisa pagar pelos erros da outra. – ela adicionou, em tom mais alto, num claro ato de calem a boca e escutem – E por isso, depois de muita conversa, decidimos tentar novamente.

- Aqui nessas pastas vocês vão encontrar as opções que preparamos pra viagem da turma. – a tal Delmara assumiu a palavra, e começou a distribuir as pastas que carregava – São três opções de destino: Rio de Janeiro, Florianópolis ou Poços de Caldas.

- Cadê Porto? – alguém perguntou lá do fundo.

- Porto Seguro costuma ser a opção mais desejada, mas a diretoria preferiu optar por destinos mais... calmos. – a pobre Delmara disse, com um sorriso amarelo – Mas mantenham em mente que o que faz a viagem é a turma, não o lugar!

Nisso todo mundo concordou. Enfim, recebi minha pasta, e a abri. Folhetos com fotos coloridas, recheados de possibilidades de passeios e roteiros incríveis preenchiam cada espacinho da pasta. E, junto com eles, também vinham os preços.

Altos. Bem altos. Altos do tipo que faria a minha mãe dizer “pede pro seu pai”, o que é um equivalente a “você nunca vai poder ir, sinto muito”.

Fechei a pastinha depois de uma rápida olhada no conteúdo, e me concentrei em parecer indiferente à animação de todo mundo, enquanto a Delmara explicava todas as possibilidades de passeio, as formas de pagamento e vantagens de cada lugar. Então ouvi a Marina dizer:

- Poços de Caldas? Tem coisa mais parada?

Ninguém respondeu. Demorei pelo menos um minuto pra entender que ela estava falando comigo.

Me virei. Ela realmente estava olhando de mim para a pasta, e chegando mais perto, me apontando alguma coisa.

- O do Rio tem duas baladas inclusas. E tem o Cristo. Eu sempre quis conhecer o Cristo! – ela parou ao ver que eu continuava sem reação – Alô, Lolita, tá me ouvindo?

- To. – respondi, meu gaga. Ela riu.

- O que você acha? – a Marina insistiu. Várias respostas completamente não-relacionadas ao tópico me passaram pela cabeça, mas acabei dizendo:

- Acho que qualquer opção tá meio fora do meu alcance.

- Por quê?

- Porque a minha mãe nunca vai querer pagar tudo isso numa viagem.

- Ai, Lolita, achei que fosse alguma coisa séria! – ela rolou os olhos – Não seja idiota, o papai vai pagar.

Dei uma risada tão alta que todo mundo parou pra olhar. Me contive a tempo, e foi só quando as pessoas voltaram a cuidar das próprias vidas que ela perguntou:

- Qual é a graça?

Tive medo de afugentá-la de novo, então me controlei e disse:

- Marina, desculpa, mas o nosso pai não paga nem a minha pensão já tem alguns meses.

Ela me encarou, boquiaberta, obviamente surpresa. Achei que a falta de responsabilidade dele pra com a sua “outra família” fosse de conhecimento geral, mas era claro que eu estava enganada.

- Por que você não me contou? – ela perguntou, num tom acusatório que me lembrou da nossa briga. Tentei sorrir pra amenizar o seu humor, por mais irônica que a situação toda fosse.

- Isso não tem nada a ver com você. – falei, mas sabia que estava mentindo. Tinha tudo a ver com ela, e com a mãe dela. Com a preferência do meu pai. Mas então, fui sincera: - Eu não quero que você ache que eu fico jogando essas coisas na sua cara.

- Mas devia ter falado. Eu vou falar com ele.

- Marina...

- Nem começa. Você vai ver como não vamos as duas pra essa viagem. Ah, se vamos.

Eu ri com a determinação dela, e aquilo me deu uma súbita injeção de ânimo. Continuamos debatendo as opções de roteiro de viagem, e logo era como se nada tivesse acontecido pra nos afastar. Eu não sabia quanto tempo aquilo ia durar, mas esperava que não acabasse nunca. Por ora, estava tudo em paz.

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