O Guardião

By JaqueBastos

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Quarenta dias após a morte de seu marido, Julie Barenson recebe uma encomenda deixada por ele. Dentro da caix... More

Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 12
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37

Capítulo 6

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By JaqueBastos

O Sailing Clipper era um bar típico das cidades pequenas litorâneas: pouco iluminado e com cheiro de mofo, cigarro e bebidas alcoólicas envelhecidas, popular entre os trabalhadores, que se amontoavam ao redor do balcão. Encostado à parede oposta, o palco destacava-se mais alto do que a pista de dança um pouco torta, que quase nunca ficava vazia quando as bandas tocavam. Dezenas de mesas que tinham gravadas as iniciais de quase todos que já haviam entrado pela porta estavam dispostas ao acaso, com cadeiras que não combinavam ao redor.

O grupo no palco, Ocraoke Inlet, se apresentava no Clipper com frequência. O dono do estabelecimento, um homem com uma perna só chamado Joe Torto, gostava da banda porque tocava canções que deixavam as pessoas bem-humoradas e com vontade de ficar mais tempo, o que era bom para os negócios, pois elas bebiam mais. Eles não tocavam nada de original, ousado ou que não pudesse ser encontrado em jukeboxes em bares de todo o país, e era exatamente por isso que Mike achava que todos gostavam tanto deles. Gostavam de verdade. Quando se apresentavam, a casa ficava cheia, o que não acontecia com as bandas em que ele tocava. Contudo, Mike nunca fora convidado a tocar com eles, embora conhecesse bem a maioria de seus integrantes. Mesmo sendo uma banda de segunda categoria, esse pensamento o deprimia.

A noite toda fora deprimente. Droga, toda semana, na verdade. Mike estava arrasado desde segunda-feira, quando Julie tinha ido buscar suas chaves e mencionara casualmente, que sairia com Richard no sábado, em vez de ir jantar com eles. Passava o tempo todo resmungando para si mesmo sobre a injustiça daquela situação e alguns clientes até comentaram sobre isso com Henry. O pior é que Mike não teve coragem para falar com Julie durante o resto da semana, pois, se falasse, ela insistiria em saber o que o estava incomodando. Não estava pronto para lhe dizer a verdade, mas vê-la passar na frente da oficina todos os dias fazia com que se lembrasse de que não tinha a menor ideia do que fazer.

É claro que Henry e Emma eram ótimos e ele gostava de passar o tempo com eles. Mas Mike sabia que era uma peça sobressalente nesse trio. Eles tinham a companhia um do outra para ir para casa.Mike, por sua vez, não tinha companhia nenhuma, exceto o rato que corria por sua cozinha de vez em quando. Eles tinham um ao outro para dançar; Mike era obrigado a ficar metade do tempo sozinho à mesa, lendo rótulos de cerveja que arrancava das garrafas. E quando Emma o convidava para  dançar, o que fizera esta noite, ele abaixava a cabeça e pedia a Deus que ninguém o visse dançando com sua irmã.

Irmã. Cunhada. Os detalhes não faziam diferença num momento como este. Quando ela o convidava para dançar, ele se sentia como se sua mãe tivesse se oferecido para ir com ele ao baile de formatura porque ele não conseguira arranjar uma acompanhante.

Não eram assim que as coisas deviam ter sido esta noite. Era para Julie estar lá. Devia dançar com ele, sorrir enquanto tomava uma bebida, rir e flertar. E teria sido assim, não fosse Richard.

Richard.

Mike o odiava.

Não  conhecia. Nem queria conhecê-lo. Não lhe interessava. Franzia a testa só de pensar no nome dele - e fizera isso a noite toda. 

Observando o irmão atentamente, Henry terminou sua cerveja Coors e pôs a garrafa de lado.

- Acho que você devia parar de beber essa cerveja barata - comentou. - Parece que ela está lhe dando gases.

Mike ergueu os olhos. Henry estava sorrindo e esticava o braço para pegar a garrafa de Emma. Ela tinha ido ao banheiro e, considerando as filas sempre longas com uma multidão como aquela, Henry sabia que poderia demorar um pouco, até já pedira outra garrafa para substituir a dela.

- Estou bebendo o mesmo que você.

- É verdade - disse Henry -, mas você deve saber que alguns homens lidam com isso melhor do que outros.

- Sim, sim... Pode falar à vontade.

- Nossa, você está de mau humor hoje - disse Henry.

- Você ficou me azucrinando a noite toda.

- Considerando o modo como tem agido ultimamente, foi bem merecido. O jantar foi ótimo, eu passei a noite fazendo brincadeiras para ver se você participava da conversa  e Emma fez o que pôde para você não ficar sentado sozinho o tempo todo, como se tivesse tomado um bolo de uma mulher.

- Isso não tem a menor graça.

- Não é para ter. Só estou falando a verdade. Pense em mim como a sua consciência. Quando precisar de respostas, me procure. Você precisa relaxar. Está deixando isso estragar a noite.

- Olhe, estou fazendo o melhor que posso, está bem?

- Ah - disse Henry, erguendo uma das sobrancelhas. - Eu sei. Sinto muito. Acho que todos os suspiros profundos foram imaginação minha.

Mike arrancou o resto do rótulo de sua garrafa e o amassou, fazendo uma bolinha.

- Você é uma piada, Henry. Deveria ganhar a vida nos palcos de Las Vegas. Eu mesmo faria suas malas, pode acreditar.

Henry se recostou na cadeira.

- Ora, vamos. Eu só estou me divertindo um pouco.

- Sim, à minha custa.

Henry ergueu as mãos, parecendo inocente.

- Só tem você aqui. Quem mais posso azucrinar?

Mike o encarou e depois desviou os olhos.

- Está bem... me desculpe - disse Henry. - Mas preste atenção: o fato de ela ter saído com Richard não significa que você perdeu sua chance para sempre. Em vez de se lastimar, encare isso como um desafio que talvez possa inspirá-lo a convidá-la para sair.

- Era o que eu estava planejando.

- Era?

- Sim. Depois que conversamos na segunda-feira, decidi fazer exatamente o que você disse. E faria esta noite.

Henry o estudou.

- Bom - disse por fim. - Estou orgulhoso de você.

Mike esperou que ele dissesse mais alguma coisa, mas Henry permaneceu em silêncio.

- O que foi? Acabaram as piadas?

- Não há nenhum motivo para fazer piadas.

- Não acredita em mim?

- Acredito, sim. Acho que tenho que acreditar.

- Por quê?

- Por que vou ver você fazer isso.

- Como?

- A sorte está do seu lado, maninho.

- Do que você está falando?

Henry ergueu o queixo na direção da porta.

- Adivinhe quem acabou de entrar?


                                                                      ***

Richard estava ao lado de Julie, perto da porta, enquanto ela esticava o pescoço procurando um lugar para se sentarem.

- Não achei que estaria tão cheio - gritou Richard, para se fazer ouvir apesar do barulho. - Tem certeza de que quer ficar?

- Ah, vamos! Vai ser divertido. Você vai ver.

Embora tivesse concordado com um sorriso rápido, Richard duvidava. O lugar lhe parecia um refúgio para os que bebiam a fim de esquecer os problemas, pessoas desesperadas pela companhia de um estranho. Era o tipo de ambiente que passava a ideia de que todos ali, acompanhados ou não, estavam disponíveis. Nem ele nem Julie se encaixavam num lugar como este.

No palco, a banda voltara a tocar e  as pessoas trocavam de lugar na pista, umas entrando e outras saindo para descansar. Richard se inclinou para Julie e ela sentiu a respiração dele em seu ouvido.

- Vamos beber alguma coisa antes de encontrarmos um lugar - sugeriu ele.

 Julie assentiu.

- Certo. Vá na frente. o bar é logo ali.

Espremendo-se entre as pessoas, Richard estendeu a mão para Julie. Ela a pegou sem hesitação. Quando chegaram ao bar, Richard não a soltou e ergueu a outra mão para chamar o atendente.


                                                                        ***

- Então é ele, hum? - perguntou Emma.

Com 38 anos, Emma era uma loura de olhos verdes cujo temperamento alegre mais do que compensava o fato de não ter uma beleza clássica. Baixa e com o rosto redondo, vivia fazendo dietas sem sucesso, embora Mike e Henry não soubessem por que ela se dava esse trabalho. As pessoas gostavam de Emma não por motivos superficiais, mas por quem ela era e pelas suas ações. Fazia trabalho voluntário regularmente na escola dos filhos e todas as tardes, às três horas, abria as portas de sua casa para que as crianças do bairro tivessem um lugar para se reunir. E elas se reuniam. Durante horas a casa de Emma ficava parecendo uma colmeia, com crianças entrando e saindo atraídas pelas pizzas caseiras que ela fazia quase todos os dias.

Henry a adorava e se considerava feliz por tê-la ao seu lado. Eles eram bons um para o outro. Como costumava dizer, ficavam ocupados demais rindo juntos e não sobrava tempo para brigar. Como Henry, Emma adorava provocar e, quando começavam, parecia que um incitava mais que o outro. Depois de algumas bebidas, então, eles eram terríveis, pensava Mike. Como tubarões adultos que se alimentavam dos mais novos.

Infelizmente Mike sabia que neste momento era apenas um filhote de tubarão nadando na frente da boca aberta da mãe. Bastou um olhar para o brilho faminto nos olhos deles para que Mike tivesse vontade de se esconder.

Henry assentiu.

- Sim, é.

Emma continuou olhando.

- Ele é mesmo impressionante, não é?

- Acho que Mabel usou a palavra... sexy - disse Henry.

Emma ergueu um dos dedos, como se Henry fosse um advogado e tivesse acabado de dizer algo importante num tribunal.

- Sim... sexy. Muito sexy. Quero dizer, de um modo estranho e cativante.

Mike cruzou os braços e afundou na cadeira, perguntando a si mesmo se a noite poderia ficar pior.

- Concordo plenamente - disse Henry, avaliando Richard e Julie, que ainda esperavam as bebidas no bar. - eles formam um lindo casal - acrescentou.

- Sem dúvida se destacam na multidão - concordou Emma.

- Parece um daqueles artigos de revista sobre os casais mais glamourosos do mundo.

- Eles deveriam estrelar um filme juntos.

- Parem com isso - disse Mike, por fim. - Já entendi. Ele é maravilhoso, o Sr perfeito.

Henry e Emma encararam Mike com um brilho divertido nos olhos.

- Não estamos dizendo isso, Mike - observou Henry. - Só que ele parece ser.

Emma estendeu a mão por sobre a mesa e acariciou o ombro de Mike.

- Além disso, não há nenhum motivo para perder a esperança. A aparência não é a única coisa que importa.

Mike olhou para eles.

Henry se inclinou na direção de Emma.

- Acho que você deveria saber que meu maninho está tendo dificuldade em lidar com tudo isso. E, pela expressão dele, acredito que não estamos ajudando.

- Não? - perguntou Emma com um ar inocente.

- Seria bom se vocês dois parassem de me perturbar. Fizeram isso a noite toda.

- Mas você é um alvo fácil quando está assim. - Emma deu uma risadinha. - Ficar de cara amarrada dá nisso, sabia?

- Henry e eu já discutimos esse assunto.

- E você não fica nem um pouco bonito com essa cara - continuou Emma, ignorando o comentário dele. - Entenda isso como o conselho de uma mulher que sabe o que diz. A menos que você queira perder para um homem esse, é melhor mudar seu jeito antes que seja tarde demais. Se continuar agindo como agiu a noite toda, pode desistir agora mesmo.

Mike pestanejou diante da fraqueza dela.

- Então devo agir como se não me importasse?

- Não, Mike. Aja como se você se importasse e quisesse o melhor para ela.

- Como farei isso?

- Seja amigo dela.

- Mas eu sou amigo dela.

- Não, neste momento não é. Se fosse, ficaria feliz por Julie.

- Por que eu deveria ficar feliz por Julie estar com ele?

- Porque - disse Emma como se a resposta fosse óbvia - isso significa que ela está pronta para começar a procurar o homem certo e todos sabemos quem é esse cara. E duvido muito que seja aquele ali. - Ela sorriu e tocou de novo no ombro de Mike. - Acha mesmo que o estaríamos azucrinando se não acreditássemos que as coisas entre vocês dois irão dar certo?

Por mais que ela o provocasse, naquele momento Mike soube por que Henry a amava tanto. E por que ele também a amava.

Como irmão, é claro.


                                                                             ***

As bebidas de Julie e Richard finalmente chegaram - uísque para ele e uma Coca Light para ela. Depois de pagá-las, Richard guardou sua carteira e olhou para o lado, na direção do homem sentado no final do bar.

O homem estava mexendo sua bebida e parecia absorto em si mesmo. Mas Richard esperou e, um instante depois, olhou para Julie. Durante todo o tempo em que Richard e Julie esperaram as bebidas, o homem apenas ficara mexendo no copo, como se tentasse não ser notado. Contudo, dessa vez Richard o viu olhando e o encarou sem piscar, até que o homem desviou os olhos.

- Para quem você está olhando? - perguntou Julie.

Richard balançou a cabeça.

- Ninguém- respondeu. - Só estava pensando em outra coisa por um segundo. - Ele sorriu.

- Pronto para ir para a pista de dança? - perguntou Julie?

- Ainda não. Acho que preciso terminar minha bebida primeiro.


                                                                          ***

Andrea, usando uma minissaia preta justa, sapatos de salto alto e blusa curta, havia puxado uma ponta do chiclete e agora o enrolava no dedo, entediada, enquanto Cobra bebia de um só gole sua sexta dose de tequila com suco de limão. Limpando a boca com as costas da mão, ele sorriu, o dente de ouro brilhando à luz do letreiro de néon atrás deles.

Cobra havia aparecido na frente do salão em sua Harley Davidson na quinta-feira de manhã. Embora Andrea não soubesse disso, o nome dela era mencionado diversas vezes em bares frequentados por motociclistas de Swansboro até a Louisiana. E, quando Cobra fora embora, ela já tinha lhe dado seu número de telefone e depois passara o resto do dia desfilando pelo salão, sentindo-se muito feliz consigo mesma. Em seu entusiasmo, não havia notado os olhares de pena de Mabel nem que Cobra era, como todos os homens com quem saía, um perdedor.

Cobra lhe telefonara no início daquela tarde, após tomar algumas cervejas, e a convidara para ir com ele e alguns amigos para o Clipper. Embora aquilo não fosse tecnicamente um encontro - ele não tinha se oferecido para buscá-la em casa e nenhum dos dois sugerira que comessem alguma coisa antes -, Andrea estava empolgada quando desligou o telefone, achando que o convite estava perto o suficiente de parecer um encontro. Passara uma hora escolhendo o que vestir - as primeiras impressões eram importantes - antes de se dirigir ao Clipper.

A primeira coisa que ele fez foi abraçá-la e pôr as mãos em sua bunda enquanto beijava seu pescoço. Isso não a havia incomodado. Afinal de contas, Cobra não era feio, ainda mais se comparado a algum dos homens com quem tinha saído. Usando uma camiseta preta com a estampa de uma caveira ensaguentada e apliques de couro sobre calças jeans surradas, não era gordo nem peludo. E ela tinha de admitir que a tatuagem de sereia em seu braço até que era bonita perto de outras que já vira. Não gostava muito do dente de ouro, mas Cobra parecia limpo o bastante e cheirava bem, coisas que ela julgava imprescindíveis.

Contudo, Andrea acabou percebendo que a noite havia sido uma total perda de tempo e que ela cometera um erro ao dar seu número de telefone a Cobra. Isso porque, depois das primeiras doses, quando as coisas estavam começando a ficar interessantes, alguns amigos haviam aparecido e um deles lhe dissera que o nome verdadeiro de Cobra era Ed DeBoner.

Foi aí que o interesse de Andrea começou a diminuir, embora ela jamais fosse admitir isso para ninguém. Ao contrário de Cobra (ou Serpente, Rato e até mesmo Dean), Ed não era o nome de alguém que dirigisse uma Harley, alguém um passo à frente da lei e com um estilo de vida livre. Ed não era nem mesmo nome de um homem de verdade. Pelo amor de Deus! Era nome de cavalo. Um cavalo falante. E isso para não mencionar o sobrenome.

DeBoner.

Ao ouvir isso, Andrea quase derramou sua bebida.

- Você quer voltar para casa, princesa? - perguntou Cobra com a fala arrastada.

Andrea pôs o chiclete de volta na boca.

- Não.

- Então vamos tomar outra bebida.

- Você não tem dinheiro.

- Então me pague uma e eu a compensarei depois, princesa.

Andra tinha gostado de ser chamada de "princesa" mais cedo, isso a fazia parecer sexy. Mas tinha sido quando ele ainda era Cobra, e não Ed DeBoner. Ela fez uma bola de chiclete e estourou.

Cobra pareceu ignorar com desdém. Por baixo da mesa, passou a mão na coxa de Andrea, que se levantou e saiu, precisando de outra bebida. Quando se aproximou do bar, reconheceu Richard.


                                                                           ***

O rosto de Julie se iluminou quando ela viu Mike, Henry e Emma em uma mesa perto da pista de dança. Ela pegou a mão de Richard.

- Venha - disse. - Acho que encontrei um lugar onde podemos nos sentar.

Eles abriram caminho pela multidão, passando pela beira da pista de dança até chegarem à mesa.

- Oi, pessoal. Não esperava ver vocês aqui - disse Julie. - Tudo bem?

- Tudo - respondeu Henry. - Resolvemos vir depois do jantar para ver o que estava rolando.

Richard estava em pé atrás de Julie e ela o puxou pela mão.

- Quero lhes apresentar uma pessoa. Richard, estes são Henry e Emma. E este é meu melhor amigo, Mike.

Henry estendeu a mão.

- Olá.

Richard hesitou antes de pegá-la.

- Oi - disse simplesmente.

Mike e Emma foram os próximos. Quando Julie olhou para Mike, ele deu um sorriso amigável, embora isso quase o matasse. No ar quente do bar, o rosto de Julie estava um pouco corado. Mike a achou particularmente bonita esta noite.

- Vocês querem se sentar? - convidou Henry. - Temos algumas cadeiras sobrando.

- Não, não queremos incomodar - disse Richard.

- Não é incômodo algum. Venham. Junte-se a nós - insistiu Emma.

- Têm certeza de que não se importam? - perguntou Julie.

- Não seja boba - disse Emma. - Somos seus amigos.

Julie sorriu e deu a volta na mesa para se sentar; Richard a seguiu. Quando estavam acomodados, Emma se inclinou sobre a mesa.

- Então, Richard - disse ela. -  Fale-nos sobre você.


                                                              ***

No início a conversa foi forçada, quase desconfortável, porque Richard não disse muito mais do que lhe foi perguntado. Em alguns momentos Julie forneceu informações adicionais sobre ele e em outros lhe deu uma cotovelada amigável, como se o incitasse a falar.

Mike fez o possível para parecer interessado.

E estava mesmo, pelo menos em benefício próprio, para conhecer seu adversário. Mas, com o passar dos minutos, começou a sentir que nadava contra a corrente. Até ele podia ver por que Julie estava interessada em Richard. O cara era inteligente (e sim, tinha que admitir, bonito, mas só para quem gostava de tipos rudes e atléticos), e ao contrário de Mike, tinha formação universitária e era viajado. Embora não risse muito ou fizesse piadas - nem apreciasse quando Emma ou Henry as faziam -, seu desconforto parecia mais timidez que arrogância. E seus sentimentos em relação a Julie eram óbvios. Sempre que ela falava, Richard não tirava os olhos dela. Parecia um marido que acordara na primeira manhã de sua lua de mel.

Durante todo o tempo Mike ficou sorrindo, concordando com a cabeça e odiando Richard.

Pouco depois, enquanto Emma e Julie falavam sobre as novidades na cidade, Richard terminou sua bebida. Depois de perguntar se Julie queria mais alguma coisa, pediu licença para voltar ao bar. Quando Henry lhe perguntou se ele se importaria de pegar mais algumas cervejas, Mike se levantou e se ofereceu para acompanhá-lo.

- Eu ajudo.

Foram para o bar e o atendente fez um sinal indicando que os atenderia assim que pudesse. Richard pegou sua carteira e, embora Mike estivesse bem ao seu lado, permaneceu em silêncio.

- Ela é uma grande mulher - observou Mike.

Richard se virou e pareceu estudá-lo antes de voltar a olhar para o outro lado.

- É, sim - respondeu simplesmente.

Nenhum deles disse mais nada um ao outro.

Quando retornaram à mesa, Richard convidou Julie para dançar e, logo depois, se despediram e saíram.


                                                                     ***

- Não foi tão difícil assim, foi? - perguntou Emma.

Mike deu de ombros, sem querer responder.

- E ele pareceu bastante simpático - acrescentou  Henry. - Um pouco quieto, mas educado.

Mike pegou sua cerveja.

- Não gostei dele - declarou.

- Ah, isso não é de admirar - disse Henry sorrindo.

- Não sei se confio nele.

Henry continuou sorrindo.

- Bem, já que você perdeu sua oportunidade, acho que teremos que ficar aqui por mais um tempo.

- Que oportunidade?

- Você disse que a convidaria para sair hoje à noite.

- Cale a boca, Henry.


                                                                 ***

Um pouco depois, Mike estava sentado tamborilando na mesa. Henry e Emma tinham ido cumprimentar um casal de conhecidos. Agora que estava sozinho, ele tentava descobrir do que exatamente não gostara em Richard Franklin.

Além do óbvio.

Havia mais do que isso. Apesar do que Henry dissera ou do que Julie parecia pensar, Mike não o achara particularmente simpático. Isso tinha ficado claro no bar. Quando lhe dissera o que pensava de Julie, Richard o olhara como se já soubesse dos sentimentos de Mike por ela e seu rosto expressou o que pensava a respeito disso: você perdeu, fique longe dela.

O que não era exatamente coisa de um cara legal. 

Então por que Julie parecia não ver o lado de Richard que ele via? E Henry e Emma? Será que era tudo fruto da sua imaginação?

Mike reviu a cena. Não, concluiu, não era fruto da sua imaginação. Sei o que vi e não gosto dele.

Ele se inclinou na cadeira, respirou fundo e estudou o ambiente. Avistou Richard e Julie e os observou por um momento antes de se forçar a olhar para o outro lado.

Durante o intervalo da banda, Richard e Julie haviam saído da pista e encontrado uma mesa menor do outro lado do bar. Desde então Mike os observava. Não conseguia evitar. Embora tentasse fingir que ainda estava avaliando Richard, sabia que sua compulsão para observar tinha mais a ver com o que as pessoas sentem quando deparam com um terrível acidente. Para ser mais preciso, observá-los juntos era como ver um carro caindo de um enorme precipício, só que de um ponto privilegiado, através do  para-brisa.

Com o passar da noite, não pôde deixar de pensar que suas chances com Julie estavam indo por água abaixo. Enquanto Mike estava sentado sozinho, Julie e Richard se olhavam com sorrisos estúpidos no rosto. Inclinavam-se para sussurrar e riam, obviamente apreciando a companhia um do outro.

Nojento.

Pelo menos era assim da última vez que olhara, alguns segundos atrás.

Mas o que estavam fazendo agora?

De um jeito sutil o olhar de Mike voltou para eles. Julie estava de costas, por isso, felizmente, não podia ver que ele a observava. Se o pegasse olhando, talvez até acenasse, fizesse um sinal com a cabeça ou sorrisse. Ou, pior ainda, poderia ignorá-lo. As duas primeiras opções o fariam se sentir um idiota, e a última partiria seu coração.

Ao se virar, viu Julie procurando alguma coisa na bolsa.

Contudo, o olhar de Richard encontrou o dele e tinha uma expressão fria, quase confiante. Sim, Mike, eu sei que você está olhando.

Mike ficou paralisado como uma criança pega no flagra ao furtar dinheiro na carteira da mãe.

Quis se virar, mas não pareceu ter energia suficiente até ouvir uma voz atrás dele. Olhou por cima do ombro e viu Drew, o vocalista da banda, em pé perto da mesa.

- Oi, Mike - disse Drew. - Tem um minuto? Gostaria de conversar com você.


                                                                       ***

Uma hora depois, quando Cobra já estava completamente bêbado, Andrea se dirigiu ao banheiro. Como vinha fazendo desde que vira Richard, examinou o ambiente à procura dele enquanto estava na fila. Richard e Julie estavam saindo da pista de dança. Ele se inclinou para sussurrar algo em seu ouvido e depois seguiu até o banheiro masculino.

Sabendo que Richard passaria por ela, Andrea deslizou rapidamente a mão pelos cabelos, ajeitou a saia e a blusa e saiu da fila, para ficar no caminho dele.

- Oi, Richard - disse, alegre. - Como vai?

- Bem, obrigado - respondeu ele. Demorou um pouco, mas ela enfim viu o reconhecimento no rosto dele. - Andrea, não é?

Ela sorriu pensando: eu sabia que ele ia se lembrar.

- Nunca o vi aqui - disse.

- É a primeira vez que venho.

- Não acha o lugar ótimo?

- Não muito.

- Bem, na verdade, eu também não, mas não há muitos outros lugares por aqui. Essa é a vida nas cidades pequenas, sabe?

- Sei.

- Mas geralmente as noites de sexta-feira são melhores.

- São?

- Sim. É quando costumo vir. Ou melhor, venho quase sempre.

Richard encarou Andrea antes de finalmente fazer um sinal com a cabeça na direção de Julie.

- Olha, eu adoraria ficar e conversar, mas eu não posso.

- Por causa de Julie?

Ele deu de ombros.

- Estou com ela.

- Sim, eu sei - disse Andrea.

- Bem, foi bom ver você de novo - disse Richard.

- Obrigada. também gostei de ver você.

Um momento depois Richard empurrou a porta e deixou fechar atrás de si. Enquanto Andrea ficava olhando naquela direção, Cobra veio cambaleando por trás dela, murmurando algo grosseiro sobre necessidades fisiológicas.

Assim que ele entrou no banheiro, ela decidiu que estava na hora de ir embora.

Ver Cobra mais uma vez arruinaria a sensação que tivera quando seus olhos encontraram os de Richard.


                                                                  ***

Logo depois da meia-noite, Julie e Richard estavam na varanda da casa dela. Rãs e grilos cantavam, uma leve brisa agitava as folhas e Singer até parecia aceitar Richard melhor. Embora estivesse com a cara enfiada por entre as cortinas observando-os cuidadosamente, não emitira nenhum som.

- Obrigada por esta noite - disse ela.

- Não há de quê. Eu me diverti muito.

- Mesmo no Clipper?

- Se você se divertiu, fico feliz por termos ido.

- Não é o tipo de lugar de que você gosta, é?

Richard deu de ombros.

- Para ser sincero, acho que eu preferiria algo um pouco mais íntimo. Para  ficarmos a sós.

- Nós ficamos a sós.

- Não o tempo todo.

Julie o olhou com uma expressão intrigada.

- Está falando de quando nos sentamos um pouco com meus amigos? - perguntou. - Acha que fiz isso por que não estava me divertindo?

- Eu não sabia bem o que pensar. Às vezes as mulheres usam isso como uma espécie de fuga, quando o encontro não está indo bem. Como se dissessem: "Socorro! Me salvem!

Julie sorriu.

- Ah, não foi nada disso. Era com eles que eu devia jantar esta noite e, quando os vi, quis cumprimentá-los.

Richard olhou para a luz da varanda e depois para Julie.

- Sei que fiquei um pouco calado com seus amigos. Sinto muito. Parece que nunca sei o que dizer.

- Você se saiu bem. Tenho certeza de que gostaram de você.

- Acho que Mike não gostou muito.

- Mike?

- Ele estava nos observando.

Embora Julie não tivesse notado, deu-se conta de que devia ter esperado por isso.

- Mike e eu nos conhecemos há anos. - explicou. - Ele se preocupa comigo.

Richard pareceu refletir sobre isso. Finalmente um pequeno sorriso iluminou seu rosto.

- Certo.

Por um longo momento, nenhum dos dois disse nada. Então Richard foi na direção dela.

Dessa vez, apesar de esperar o beijo e até o desejar - ou pelo menos achar que o desejava -, Julie não pôde negar o alívio que sentiu quando, um minuto depois, Richard se virou para ir embora.

Não é preciso ter pressa, pensou. Se isso for certo, eu saberei.



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