Memórias Póstumas de Brás Cub...

vickalstos által

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Narrado em primeira pessoa e em tom cáustico, este romance conta a história de Brás Cubas, homem que morre de... Több

prólogo do autor
Ao leitor
CAPÍTULO PRIMEIRO / ÓBITO DO AUTOR
CAPÍTULO II / O EMPLASTO
CAPÍTULO III / GENEALOGIA
CAPÍTULO IV / A IDÉIA FIXA
CAPÍTULO V / EM QUE APARECE A ORELHA DE UMA SENHORA
CAPÍTULO VI / CHIMÈNE, QUI L'EÛT DIT? RODRIGUE, QUI L'EÛT CRU?
CAPÍTULO VII / O DELÍRIO
CAPÍTULO VIII / RAZÃO CONTRA SANDICE
CAPÍTULO IX / TRANSIÇÃO
CAPÍTULO X / NAQUELE DIA
CAPÍTULO XI / O MENINO É PAI DO HOMEM
CAPÍTULO XII / UM EPISÓDIO DE 1814
CAPÍTULO XIII / UM SALTO
CAPÍTULO XIV / O PRIMEIRO BEIJO
CAPÍTULO XVI / UMA REFLEXÃO IMORAL

CAPÍTULO XV / MARCELA

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vickalstos által

Gastei trinta dias para ir do Rocio Grande ao coração de Marcela, não


já cavalgando o corcel do cego desejo, mas o asno da paciência, a


um tempo manhoso e teimoso. Que, em verdade, há dois meios de


granjear a vontade das mulheres: o violento, como o touro de


Europa, e o insinuativo, como o cisne de Leda e a chuva de ouro de


Danae, três inventos do Padre Zeus, que, por estarem fora da moda,


aí ficam trocados no cavalo e no asno. Não direi as traças que urdi,


nem as peitas, nem as alternativas de confiança e temor, nem as


esperas baldadas, nem nenhuma outra dessas coisas preliminares.


Afirmo-lhes que o asno foi digno do corcel, - um asno de Sancho,


deveras filósofo, que me levou à casa dela, no fim do citado período;


apeei-me, bati-lhe na anca e mandei-o pastar.



Primeira comoção da minha juventude, que doce que me foste! Tal


devia ser, na criação bíblica, o efeito do primeiro sol. Imagina tu esse


efeito do primeiro sol, a bater de chapa na face de um mundo em


flor. Pois foi a mesma coisa, leitor amigo, e se alguma vez contaste


dezoito anos, deves lembrar-te que foi assim mesmo.



Teve duas fases a nossa paixão, ou ligação, ou qualquer outro nome,


que eu de nomes não curo, teve a fase consular e a fase imperial. Na


primeira, que foi curta, regemos o Xavier e eu, sem que ele jamais


acreditasse dividir comigo o governo de Roma; mas, quando a


credulidade não pôde resistir à evidência, o Xavier depôs as insígnias,


e eu concentrei todos os poderes na minha mão; foi a fase cesariana.


Era meu o universo; mas, ai triste! não o era de graça. Foi-me


preciso coligir dinheiro, multiplicá-lo, inventá-lo. Primeiro explorei as


larguezas de meu pai; ele dava-me tudo o que eu lhe pedia, sem


repreensão, sem demora, sem frieza; dizia a todos que eu era rapaz


e que ele o fora também. Mas a tal extremo chegou o abuso, que ele


restringiu um pouco as franquezas, depois mais, depois mais. Então


recorri a minha mãe, e induzi-a a desviar alguma coisa, que me dava


às escondidas. Era pouco; lancei mão de um recurso último: entrei a


sacar sobre a herança de meu pai, a assinar obrigações, que devia


resgatar um dia com usura.



- Em verdade, dizia-me Marcela, quando eu lhe levava alguma seda,


alguma jóia: em verdade, você quer brigar comigo... Pois isto é coisa


que se faça... um presente tão caro...



E, se era jóia, dizia isto a contemplá-la entre os dedos, a procurar


melhor luz, a ensaiá-la em si, e a rir, e a beijar-me com uma


reincidência impetuosa e sincera; mas, protestando, derramava-se-


lhe a felicidade dos olhos, e eu sentia-me feliz com vê-la assim.


Gostava muito das nossas antigas dobras de ouro, e eu levava-lhe


quantas podia obter; Marcela juntava-as todas dentro de uma


caixinha de ferro, cuja chave ninguém nunca jamais soube onde


ficava; escondia-a por medo dos escravos. A casa em que morava,


nos Cajueiros, era própria. Eram sólidos e bons os móveis, de


jacarandá lavrado, e todas as demais alfaias, espelhos, jarras,


baixela, - uma linda baixela da Índia, que lhe doara um


desembargador. Baixela do diabo, deste-me grandes repelões aos


nervos. Disse-o muita vez à própria dona; não lhe dissimulava o tédio


que me faziam esses e outros despojos dos seus amores de antanho. Ela ouvia-me e ria, com uma expressão cândida, - cândida e outra


coisa, que eu nesse tempo não entendia bem; mas agora,


relembrando o caso, penso que era um riso misto, como devia ter a


criatura que nascesse, por exemplo, de uma bruxa de Shakespeare


com um serafim de Klopstock. Não sei se me explico. E porque tinha


notícia dos meus zelos tardios, parece que gostava de os açular mais.


Assim foi que um dia, como eu lhe não pudesse dar certo colar, que


ela vira num joalheiro, retorquiu-me que era um simples gracejo, que


o nosso amor não precisava de tão vulgar estímulo.



- Não lhe perdôo, se você fizer de mim essa triste idéia, concluiu


ameaçando-me com o dedo.



E logo, súbita como um passarinho, espalmou as mãos, cingiu-me


com elas o rosto, puxou-me a si e fez um trejeito gracioso, um momo


de criança. Depois, reclinada na marquesa, continuou a falar daquilo,


com simplicidade e franqueza. Jamais consentiria que lhe


comprassem os afetos. Vendera muita vez as aparências, mas a


realidade, guardava-a para poucos. Duarte, por exemplo, o alferes


Duarte, que ela amara deveras, dois anos antes, só a custo


conseguia dar-lhe alguma coisa de valor, como me acontecia a mim;


ela só lhe aceitava sem relutância os mimos de escasso preço, como


a cruz de ouro, que lhe deu, uma vez, de festas.



- Esta cruz...



Dizia isto, metendo a mão no seio e tirando uma cruz fina, de ouro,


presa a uma fita azul e pendurada ao colo.



- Mas essa cruz, observei eu, não me disseste que era teu pai que...



Marcela abanou a cabeça com um ar de lástima:



- Não percebeste que era mentira, que eu dizia isso para te não


molestar? Vem cá, chiquito, não sejas assim desconfiado comigo...


Amei a outro; que importa, se acabou? Um dia, quando nos


separarmos...



- Não digas isso! bradei eu.



- Tudo cessa! Um dia...



Não pôde acabar; um soluço estrangulou-lhe a voz; estendeu as


mãos, tomou das minhas, conchegou-me ao seio, e sussurrou-me


baixo ao ouvido: - Nunca, nunca, meu amor! Eu agradeci-lho com os


olhos úmidos. No dia seguinte levei-lhe o colar que havia recusado.



- Para te lembrares de mim, quando nos separarmos, disse eu.



Marcela teve primeiro um silêncio indignado; depois fez um gesto


magnífico: tentou atirar o colar à rua. Eu retive-lhe o braço; pedi-lhe


muito que não me fizesse tal desfeita, que ficasse com a jóia. Sorriu


e ficou. Entretanto, pagava-me à farta os sacrifícios; espreitava os meus mais


recônditos pensamentos; não havia desejo a que não acudisse com


alma, sem esforço, por uma espécie de lei da consciência e


necessidade do coração. Nunca o desejo era razoável, mas um


capricho puro, uma criancice, vê-la trajar de certo modo, com tais e


tais enfeites, este vestido e não aquele, ir a passeio ou outra coisa


assim, e ela cedia a tudo, risonha e palreira.



- Você é das Arábias, dizia-me.



E ia a pôr o vestido, a renda, os brincos, com uma obediência de


encantar.





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