O preço da Felicidade // DEGU...

By MihBrandao

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Capa por: Stephanie Santos ( @AutoraSSantos ) #-# Aos 18 anos, Alexia não pensa em se comprometer com nada ma... More

Aviso
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Bienal 2022

Capítulo 4

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By MihBrandao

Alexia

Megan saiu do banheiro secando os cachos escuros com uma toalha e estreitou os olhos quando me viu engolir um comprimido, quase duas horas depois de chegarmos da faculdade.

- É sério? - Perguntou. - Vai virar a noite outra vez?

- Eu vou dormir mais tarde.

Ela cruzou os braços, ciente do meu péssimo histórico de sono.

- Você vai ficar doente, Lexy.

- Pare de me jogar praga - Abri os livros e apostilas conferindo o relógio. Era quase uma da manhã.

- Não é praga, não. - Ela bocejou. - É um aviso.

- Vá dormir você, já está parecendo um zumbi.

- Vou mesmo. Você devia ir também.

- Eu vou.

- Quando?

- Daqui a pouco.

Fui dormir três horas da manhã e acordei às 05h37min com Alice em cima de mim. Como não escutei o despertador?

- Acóda, mamãe, acóda! - Ela me sacudia.

- Humm... eu estou acordada!

Minha irmã pulou da cama e começou a me puxar para que eu me levantasse.

- Vem ver. Vem, ápido!

- Ver o que, Alice? - Levantei-me esfregando os olhos, grogue de sono.

- Eu pintei a sala. Ficou nindo, vem! Vem logo, mamãe!

Ah, não...

Eu já saí do quarto tentando reforçar meu psicológico enquanto esfregava os olhos e trocava as pernas, mas nada que eu fizesse poderia me preparar para o que encontraria. Havia trigo espalhado por toda a sala. Todos os móveis. Os dois sofás, a estante, a televisão, a mesinha de centro, a coleção de antiguidades de Megan, chão, tapete... tudo. Tudo branco.

- Alice, o que... - Eu não sabia o que dizer.

Seu sorriso sapeca estava destacando sua expressão orgulhosa de si mesma enquanto ela se balançava para frente e para trás com as mãozinhas atrás das costas.

- Você gostou, mamãe? Eu que fiz!

Fiquei a olhando por um tempo, tentando decidir o que fazer. Bater nela? Eu nunca fiz isso.

Passei as mãos na cabeça como se esperando alguma intervenção divina.

- Alice, por favor... fala para mim que eu estou sonhando.

- Não, não. Eu fiz de vedade! - Ela correu e começou a pular em cima de um dos sofás, fazendo a poeira branca levantar. - Tia Megui! Tia Megui, vem ver!

Megan saiu do quarto esfregando os olhos, mas parou com um solavanco ao chegar na sala.

- Puta que...

- Não! - Eu gritei interrompendo seu xingamento.

Uma das únicas regras que existia em nosso apartamento era a de não xingar. Eu não quero que minha irmã cresça com esse tipo de palavreado.

Megan fechou a boca, abriu de novo, fechou, e dessa vez fechou os olhos também.

- Tudo bem. Calma. Respira - Ela falou consigo mesma e respirou fundo. - Certo - Então abriu os olhos e me olhou. - Que porra aconteceu aqui?

Alice pulou do sofá antes que eu pudesse dizer qualquer coisa e correu para ela.

- Eu que fiz a pôa.

- Você não pode falar isso - Megan pronunciou com um leve grau de irritação.

Minha irmã amuou.

- Vem aqui, Alice - Eu a chamei me abaixando e ela obedeceu, dessa vez calmamente. - O que você fez não foi bonito. Isso era para comer, não brincar. Eu já não disse que não queria você mexendo nos armários?

Ela olhou para o chão.

- Responda, Alice! - falei firme.

Um breve tremor atravessou seu corpo antes que ela balançassa a cabeça num gesto afirmativo.

- Não quero mais você metendo o dedo em armário nenhum, será que eu fui clara?

Ela assentiu outra vez.

- Olhe para mim quando eu falo com você! - exclamei, erguendo seu queixo com a mão. Foi então que uma lágrima solitária se desprendeu de um de seus grandes olhos azuis. Tentei não me incomodar. - Me diga se você entendeu.

- Eu tendi, mamãe. Posso ir agola?

Ainda permaneci a encarando por bons segundos antes de me levantar.

- Espero que isso não se repita.

Alice foi para o quarto, e enquanto eu preparava o café e Megan limpava o chão, pudemos ouvir seu choro abafado.

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Stefan

Em meu celular, havia 16 ligações perdidas da minha mãe e 7 do meu pai quando acordei. Me lembrei de que não tinha ligado para avisar que dormiria fora de casa, mas ignorei.

Julia não estava deitada ao meu lado como eu esperava.

Depois de uma discussão nada agradável após a faculdade no dia anterior, eu fiz as pazes com ela do jeito que eu sabia: na cama. Isso aparentemente foi o suficiente para ela se esquecer, nem que fosse parcialmente, do motivo da nossa discussão.

Levantei-me e coloquei minha roupa antes de sair do quarto. Escutei a voz dela antes de chegar à sala:

- Nós precisamos de três, no mínimo... quatro?! Isso é ótimo!

Parei na porta e cruzei os braços, observando-a falar ao telefone.

- Eu acho que não. Apenas tome cuidado para que ninguém saiba que estou envolvida. Não quero ter que dar satisfações a ele depois. - Quando ela se virou e nossos olhos se encontraram, seu susto e palidez foram perceptíveis. - Eu... preciso desligar - finalizou. - Eu sei, te ligo mais tarde. Tchau.

Ela desligou a chamada e sorriu para mim, mas ainda parecia tensa.

- Eu te acordei?

- Não. Mas devo admitir que estou bem curioso para saber com quem você estava falando.

- É... hum... minha mãe. Ela mandou um beijo.

Boa tentativa.

- Vocês precisam de três o que?

- Nada importante. - Ela gesticulou com a mão e se virou, se dirigindo até a cozinha. - E eu ainda não te perdoei totalmente, caso queira saber.

Considerei entre insistir em saber com quem e do que ela estava falando, ou entrar no seu joguinho. No fim, acabei escolhendo a segunda opção. Seja lá o que estivesse aprontando, certamente não valia meu tempo tentando descobrir.

- Eu já pedi para você esquecer isso.

- Como se fosse fácil, não é? Você praticamente me pede em casamento em um minuto e, no minuto seguinte, me chama de vaca.

Revirei os olhos ao me sentar na bancada de mármore branco em sua cozinha, ao passo em que ela abria a geladeira para pegar uma garrafa de água.

- Julia, nós já conversamos sobre tudo isso ontem. Você sabe que eu tenho problema em lidar com essa desigualdade social, ouvir você a chamando de pobre me descontrolou.

- E por que isso devia ser problema meu?! Fala sério, Stefan! Você pode comprar o mundo, e ela não tem onde cair morta! O que queria que eu fizesse, agisse como se ela fosse do mesmo nível que a gente?!

Engoli em seco e fechei os olhos, contando até dez mentalmente para controlar minha raiva repentina. Julia ficou um momento em silêncio, depois respirou fundo como se tivesse medido o peso de suas palavras.

- Desculpa. Não foi isso o que eu quis dizer, eu só...

- Foi exatamente isso o que você quis dizer - Olhei para ela com minha frustração quase transbordando. - E quer saber? Você tem razão, talvez ela realmente não seja do mesmo nível que a gente. Ela deve ser superior.

Virei às costas e saí mais uma vez sem dar espaço para ela me responder.

Por que eu ainda durmo com essa garota? Eu não sei quem é o mais idiota, se sou eu ou ela.

Eu havia acabado de entrar no carro quando meu celular começou a vibrar no bolso.

- O que é? - Quase gritei ao atender sem conferir o número.

- Onde você está? - Reconheci a voz irada do meu pai.

Bufei. Meu dia tem tudo para ser maravilhoso.

- Estou ocupado, o que você quer?

- Eu e sua mãe precisamos conversar com você, Stefan. Você acha que o mundo funciona de acordo com a sua agenda ridícula?! Eu quero você aqui na próxima meia hora, e não dou a mínima para o maldito lugar em que você esteja!

- Não vai dar. Já tenho planos.

- Stefan - Agora era minha mãe. Ela devia ter tomado o celular do meu pai. - Escute, querido, o assunto que temos para tratar com você é muito delicado... não dá para ser por telefone, mas é urgente. Se a gente não puder conversar hoje... bem, não reclame depois.

Franzi a testa.

- O que houve, mãe?

- Nada, ainda... mas venha logo para casa, por favor. Nós precisamos conversar.

Suspirei.

Não que eu estivesse preocupado - eu tinha certeza de que, qualquer que fosse o problema, nós tínhamos dinheiro suficiente para resolver -, mas, por algum motivo, algo me dizia que eu iria querer saber o que estava acontecendo.

Liguei o carro.

- Chego em quinze minutos.

- Bom dia, Stefan. - Nanda me cumprimentou quando entrei pela porta, ao desviar momentaneamente sua atenção do aparador que estava limpando.

- Bom dia, amor. Sabe onde estão meus pais?

- Devem estar em um dos escritórios. Está com colete a prova de balas? Porque seu pai está prestes a te matar.

Eu ri.

- Ele sabe que você me vingaria caso fizesse isso.

- É, provavelmente. - Ela sorriu de volta.

- Você sabe o que eles querem? - indaguei.

- É claro, mas eles deram ordem aos empregados para não te dizerem nada.

Franzi a testa confuso, mas não tive tempo de retrucar antes de uma terceira voz se fazer ouvir no recinto:

- Stefan, seu pai está te esperando no escritório dele com sua mãe.

Revirei os olhos para Ester. Eu odeio essa mulher.

Mandei um beijo para Nanda e subi as escadas de dois em dois degraus, ignorando completamente a governanta.

- Com licença... - depois de bater à porta e abri-la.

- Entre, querido - Minha mãe disse se virando para mim.

- Feche a porta - Meu pai pediu.

Obedeci sem entender o porquê - já que todos os empregados pareciam saber o que seria tratado ali dentro -, então caminhei até sua mesa e sentei-me na cadeira ao lado da minha mãe.

- E então... qual é o problema?

- Onde você estava?

Encarei meu pai por um momento e ergui uma sobrancelha.

- Me chamaram aqui para saber onde passo minhas noites?

Eles se entreolharam antes que minha mãe tocasse meu ombro, chamando minha atenção para ela.

- Querido... você sabe que eu não posso mais ter filhos, não é?

- Sei.

- Bem... você já tem vinte e um anos, e eu tenho trinta e oito, Stefan. Eu quero ser mãe mais uma vez.

Franzi minha testa sem ter nenhuma ideia de onde ela estava querendo chegar com isso, portanto, ela continuou:

- Seu pai e eu conversamos. Nós ainda somos jovens e temos condições de criar mais uma criança, então... decidimos ter outro filho.

Permaneci a encarando sem demonstrar nada. Eu não sabia se havia entendido totalmente o que ela dissera, mas acabei chegando à conclusão de que o melhor que eu poderia fazer naquele momento era fingir demência.

- Nós adotamos - Meu pai finalmente se pronunciou.

Olhei para ele com a testa franzida.

- Desculpe... o que disse?

- Meu bem, já faz um tempo que a gente queria conversar com você, mas você sempre fugia.

- Vocês... adotaram? Espera aí, eu não estou entendendo. O que querem dizer com isso?

Mais uma troca de olhares silenciosa e dessa vez foi meu pai quem quebrou o silêncio:

- Queremos dizer que, a partir de amanhã, teremos um novo integrante na família - Ele falou tão rápido que eu podia jurar que uma bomba havia acabado de explodir em meu cérebro.

- O quê...?

- Stefan, não fique chateado. Tentamos te contar, mas você sempre estava ocupado.

- Visitamos o orfanato há alguns meses e providenciamos todos os documentos. Decidimos adotar um menino e queremos que você seja um bom irmão.

Eu ainda não estava conseguindo localizar o cérebro dentro da minha cabeça enquanto meus olhos viajavam entre minha mãe e meu pai tantas vezes que eu não poderia contar.

- Isso é algum tipo de brincadeira? - perguntei por fim.

- Querido, por favor... - Minha mãe tentou segurar minha mão, mas eu me afastei.

- Não - Olhei em seus olhos. - Então é isso... pensaram na possibilidade, resolveram adotar, adotaram... e só agora me contam?

Ela ficou em silêncio.

- E se eu não quiser um irmão?

- Você não tem o direito de dizer o que quer ou não - Meu pai respondeu firme.

Olhei para ele sentindo minha raiva entrar em ebulição.

Eu quis um irmão. Quando eu era criança, quando não tinha com quem brincar, eu realmente quis um irmão. Perdi as contas de quantas vezes pedi isso aos meus pais, mas eles nunca adotaram. Por que isso agora? Só para eu ter alguém com quem dividir a herança? Para começar a me seguir por todos os lugares? Para mexer em minhas coisas e sujar meu carro? Para tomar meu lugar na casa?

Respirei algumas vezes antes de dizer qualquer coisa.

- Era só isso?

- Stefan... - Minha mãe começou a dizer, mas eu a cortei.

- Recado dado, eu já entendi. Estarei aqui amanhã para receber o pirralho.

Saí sem esperar permissão, batendo a porta o mais forte que consegui.

Passei pela sala em passos firmes ignorando qualquer funcionário que eu encontrasse pelo caminho e resgatei meu celular no bolso da calça, procurando na lista de contatos um número em particular enquanto percorria o caminho até o carro que, tal como eu esperava, o motorista da casa havia acabado de guardar.

- Fala, irmão. - André atendeu após o terceiro toque.

- Estou tendo um dia de merda, preciso me distrair. Tem planos para hoje?

- Achei que você estivesse com a Julia.

- Ela é um dos motivos.

- Ah, saquei. Podemos chamar os meninos para um rock aqui na piscina, trazer umas garotas e beber um pouco.

- Faça isso. - Instruí ao entrar no carro depois de encontrá-lo no estacionamento subterrâneo. - Estou a caminho.

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Alexia

O caminho para a creche aquele dia foi silencioso. Alice estava cabisbaixa, segurando minha mão, mas fingindo que eu não existia. Eu não estava mais brava com ela, mas há muito tempo minha mãe me ensinara que não devemos demonstrar fraqueza depois de corrigir uma criança. Tudo bem. Eu seria forte.

Parei no portão da creche e a observei se afastar ainda olhando para o chão. Ela não queria falar comigo. Sequer me disse tchau ou me deu um beijo como sempre fazia, simplesmente soltou minha mão e continuou seu caminho até desaparecer lá dentro, sem olhar para trás.

Fui para a lanchonete com o coração despedaçado. Eu não devia ter sido tão rude, mas como ela entenderia se eu não fosse? Ia passar. Claro que sim. Toda criança tem esses momentos na vida, mas logo tudo volta ao normal.

Não sorri muito na lanchonete. Meus clientes amigos perguntavam qual era o problema, mas eu sempre inventava uma desculpa qualquer. Nem Rafael ou Mari falaram muito comigo aquele dia - provavelmente meu humor estava visível para todo mundo. No final do expediente, peguei o ônibus na porta da lanchonete e fui para o campus tentando não pensar muito em Alice; quando eu chegasse em casa, cuidaria dela.

- Boa tarde, dona Teresa - Cumprimentei a senhora na área de monitoria enquanto conferia o relógio atrás dela que, para minha surpresa, informava que eu havia chegado mais de cinco minutos adiantada.

- Oh, boa tarde Lexy. Que bom que chegou cedo hoje, preciso falar com você.

Bem, ela devia ser a única pessoa no mundo incapaz de perceber que eu não estava muito a fim de conversar.

- O que foi? - perguntei tentando esconder meu humor desagradável.

- Bem... hum... como eu posso dizer...

Franzi a testa diante de sua hesitação.

- Aconteceu alguma coisa?

Ela soltou um suspiro cansado e murchou em sua cadeira, me olhando com pesar.

- Chegou uma denúncia ao conselho estudantil. Disseram que você negou monitoria para Stefan Strorck.

Ah, bom... era só o que me faltava.

- Você disse que não teria problema se eu não fosse capaz.

- Sim, e não teria. Acontece que quatro alunos ouviram vocês dois discutindo e... bem, eu não sei. Devem ter entendido errado. Eles disseram que você não o ajudou simplesmente porque não quis.

- Como é que é?!

- Não teve muita coisa que eu pudesse fazer, foi a palavra deles contra a minha.

- Quem são esses alunos? - Eu quis saber, embora já tivesse uma ideia.

- Não quiseram se identificar. Eles sempre têm a opção do anonimato.

Expirei o ar de uma vez sentindo o pânico se alastrar sobre mim enquanto passava os dedos entre os cabelos. Eu não posso perder essa bolsa. Merda, merda, merda!

- Mas algo deve ter acontecido. - Teresa prosseguiu diante da minha reação. - Não me deram muitas informações, mas parece que não querem tomar sua bolsa. Eles decidiram te deixar escolher.

- Me deixar escolher? - Repeti confusa, embora fosse óbvio que se eu precisasse decidir entre perder minha bolsa ou pagar de qualquer outra forma por algo que - vale destacar - eu não fiz, com certeza escolheria a segunda opção.

- Você pode continuar aqui... se estiver disposta a dar monitoria para alunos do quinto período até o fim desse semestre.

Eu recebi as palavras, mas ao chegarem ao meu cérebro elas não fizeram qualquer sentido. Pisquei sem reação, olhando para a senhora que me encarava de volta, piedosamente, atrás de seus óculos meia-lua. Eu devo ter entendido errado.

- Foi o castigo imposto pelo conselho. - Teresa completou diante do meu silêncio.

- Você só pode estar brincando.

- Não. - Ela suspirou. - Não estou.

- Mas eles não podem fazer isso. Eu estou no terceiro período, não sei as matérias do quinto!

- Você também não podia ter sido tão arrogante com Stefan. - Essas palavras foram emitidas com tanta piedade, que apenas me deixaram mais frustrada.

Respirei fundo, usando toda a habilidade que consegui adquirir nos últimos anos de deixar minhas emoções escondidas sob uma expessa camada de indiferença, e mordi meu lábio com força.

- Certo. Tudo bem - emiti por fim. - Quantos eu tenho para hoje?

- Só dois, e os dois são do primeiro. Sua grade só será alterada a partir de segunda-feira.

Ótimo. Pelo menos, por enquanto, eu estava livre do babaca fofoqueiro do Stefan.

Faltavam treze minutos para as sete quando terminei as monitorias, então fui para a quadra de esportes. Estava vazia e silenciosa, como todos os dias naquele horário. Devia ser por isso que eu gostava tanto de ficar ali. Com dias tão exaustivos, alguns minutos de silêncio onde eu pudesse ouvir meus pensamentos eram sempre bem-vindos.

Sentei-me e pensei em Alice. O que ela estaria fazendo? Assistindo à TV? Jantando? Brincando de desenhar com Lili? Ou seria de cobra-cega? Será que ela me odiava?

Meus pensamentos foram interrompidos quando Megan tocou meu ombro.

- Hey...

- Oi.

- E aí... vocês duas conversaram quando você a levou para escola? - Ela perguntou se sentando na arquibancada ao meu lado.

- Não. E você conversou com ela quando ela chegou?

- Também não... mas eu pedi à Lili para mantê-la acordada até a gente chegar, assim você vai poder falar com ela.

Sorri, mas não fui muito convincente.

- Lexy, você fez a coisa certa. Às vezes, as crianças precisam ser corrigidas. Alice não é diferente de nenhuma delas.

- Eu sei, mas quando eu a levei para a creche ela parecia tão distante... era como se existisse uma parede entre a gente.

- Ela ficou magoada, é normal, mas vai passar. Você vai ver.

Balancei a cabeça. Talvez Megan tivesse razão. Era só uma questão de tempo.

- Deu nossa hora - Ela disse olhando seu relógio de pulso. - Acho melhor a gente entrar.

Eu concordei.

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Stefan

- Você devia ter tomado pelo menos uma cerveja. - Fabrício resmungou sentado ao meu lado enquanto eu lhe dava uma carona até sua casa. - Ainda parece tão acabado quanto hoje de manhã.

- Não confiaria em você para dirigir meu carro.

- Ah, qual é! Você sabe que eu sou um bom motorista.

- Claro. Por isso seu carro está mofando numa oficina.

- Eu já teria pegado ele se meu pai tivesse descolado a grana para eu pagar.

Eu ri, sem realmente achar graça.

- Para começar, ele não estaria numa oficina se você aprendesse a parar de dirigir bêbado.

- O que eu posso fazer? Nem sempre tenho vocês para bancarem meus motoristas particulares. Às vezes preciso me virar.

- Taxis existem para esse tipo de coisa.

- Você sabe que eu detesto táxis.

- Claro. É sempre melhor colocar a sua vida e a de outras pessoas em risco.

- Porra, você está insuportável hoje. - Ele inclinou a cabeça sobre o encosto da poltrona e fechou os olhos. - Devia mesmo ter tomado uma cerveja.

Fiquei em silêncio torcendo para que o moreno de cabelos compridos ao meu lado dormisse pelo resto da viagem e parasse de me encher, embora fosse inegável o fato de que, em parte, ele tinha razão. Eu ainda me sentia na merda, tanto quanto no começo do dia.

Evidentemente as várias horas na casa de André e as várias garotas com quem eu me diverti não foram suficientes para melhorar meu humor. Droga, preciso de algo novo.

Depois de deixar Fabrício em casa, dirigi até a minha e parei na frente do portão de aço ornamentado que permitia a entrada ao interior da propriedade. Olhei a imensa construção erguida esplendorosamente através dele em estilo contemporâneo e bufei. Não era a primeira vez que eu desejava estar em qualquer outro maldito lugar do planeta ao invés daquela casa.

Uma rápida conferida no Rolex em meu pulso me fez saber que eu ainda teria tempo de tomar banho antes de ir para a faculdade, mas aparentemente o banho teria que esperar. Aliás, a faculdade também teria que esperar. Eu não estava nem um pouco a fim de lidar com as explicações tediosas dos meus professores e com Julia ao mesmo tempo. Para ser honesto, eu não estava a fim de lidar com nada que fizesse parte da minha vida de merda.

Sem nenhum plano concreto na mente eu acelerei o carro de volta para o trânsito da cidade. A única certeza que tinha no momento era que eu precisava de uma boa dose de álcool em meu organismo, então após comprar um fardo de cerveja em um bar de esquina, estacionei o carro em uma área isolada da praia. Eu já a conhecia há algum tempo, mas, apesar de ser um local agradável, ainda não havia sido completamente descoberta pelos banhistas.

Me sentei na areia e comecei a beber.

Quando o sol começou a se por, eu estava tonto. Quando começou a escurecer, eu estava com sono. Quando as estrelas surgiram, eu apaguei.

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Alexia

Ao chegarmos em casa naquela noite eu estranhei o silêncio.

- Alice dormiu - Lívia explicou. - Eu fiz de tudo para ela ficar acordada, mas ela preferiu dormir. E não comeu a comida toda na janta.

Meu coração quebrou.

- Tudo bem, obrigada Lívia. Você já pode ir - Eu sorri para ela como agradecimento depois de jogar minha bolsa no sofá, em seguida me dirigi ao meu quarto.

Como o esperado, Alice dormia tranquilamente, abraçada ao seu ursinho inseparável de pelo marrom. Fechei a porta silenciosamente e me aproximei devagar, depositando um beijo suave em sua bochecha rechonchuda. Ela apertou os olhos fechados antes de abri-los sonolentos.

- Oi, meu amor - Eu sorri.

- Oi, mamãe.

- Se divertiu muito hoje?

Ela fez que sim com a cabeça.

- O que vocês fizeram?

- Bincamos com meu úsinhos.

Sorri e acariciei seu cabelo.

- O que você acha de a gente ir ao parquinho amanhã?

- Eu cansada.

- Tudo bem, então que tal... sorvete de chocolate?

Ela negou com a cabeça. Droga.

- Meu amor, as mamães, às vezes, precisam brigar com as criancinhas para elas aprenderem o que é certo e o que é errado. Você sabe que o que fez não foi certo.

- Eu sei, mamãe. Eu não vou mais pintá a sala de tigo.

Passamos vários minutos conversando e, por fim, ela aceitou passar a tarde de sábado no parque comigo. A tarde inteira, só nós duas. Era fácil negociar com ela.

Depois de tomar um banho, ao voltar para o quarto, encontrei minha irmã sentada na cama.

- Vamos ver a estelas, mamãe?

- Agora?

- É. A zente não viu amanhã.

Eu ri enquanto jogava a toalha estendida sobre a porta do quarto.

- Você quer dizer 'ontem'.

- É. Vamos?

- Tudo bem. Mas você vai andando.

Alice não discutiu. Pulou da cama, enfiou os pezinhos nos pequenos chinelos e correu até a porta, me apressando a acompanhá-la. Enquanto subia os degraus o mais rápido que podia - embora um de cada vez devido ao tamanho diminuto de suas pernas -, foi difícil não me contagiar pela sua animação. Incrível como uma simples conversa podia alterar drasticamente o humor da minha irmã.

- Cadê sua mamãe? - Ela perguntou antes mesmo de se deitar no chão do terraço.

- Hum... - Levei um tempo para escolher uma das estrelas depois de me deitar ao seu lado. Dessa vez, o céu estava quase limpo, e as poucas que existiam estavam tão distantes que quase desapareciam. - Aquela. - Apontei. - Está vendo?

- Pô quê ela tá sozinha, mamãe?

- Ela se afastou das amigas dela para que a gente pudesse vê-la melhor. Assim é mais fácil olhar para ela, não é?

Alice se mexeu.

- Mas ela não está bilhante... pô quê ela não tá soindo?

- Ela está sorrindo. Mas só quem é muito, muito especial consegue ver - Observei a estrela por um momento antes de me virar para minha irmã. - Você consegue ver, Alice?

Ela levou um tempo para responder, então sorriu e me abraçou.

- Cusigo.

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