Horas depois, Nox estava no Empire State. A cidade se desdobrava abaixo,
mas ele não conseguia enxergar. Estava concentrado apenas no momento
bem à frente. Esse era o grande jogo, a última cartada, e Nox não tinha
nada. Só restava uma saída agora.
O que sempre fez.
Blefe.
Nox não tinha certeza de nada disso. Era ideia de Ridley. O híbrido
concordou, mas concordaria com qualquer coisa — por mais arriscada ou
ridícula — se achasse que poderia manter Ridley longe das garras de
Abraham.
Nox conhecia a sensação, razão pela qual estava ali agora.
Ele ouviu a porta da plataforma de observação se abrir e os passos logo
atrás.
— Soube que estava me procurando — falou Nox.
É agora. Faça-o crer que você tem um full house.
Silas Ravenwood o circulou, deixando um rastro de fumaça do charuto
de Barbados. Com a camisa engomada, a calça cinza e os sapatos italianos,
Silas poderia ter se passado por um CEO em vez de chefe do crime.
Um CEO Incubus de Sangue.
Apenas os charutos contrabandeados, a forma como enrolava as mangas
da camisa de mil e quinhentos dólares e o chapéu o denunciavam como
criminoso.
E os nós dos dedos.
Homens de negócios não têm articulações tortas de tanto espancar as
pessoas até a morte.
— Por onde andou, rapaz? Deixei um recado.
Nox deu de ombros.
— Em nenhum lugar especial.
Silas foi até ele, a ponta do charuto perigosamente próxima da bochecha
de Nox.
— Acha que estou brincando? Quando mando um carneiro feito você
entrar, espero vê-lo no meu escritório com o rabo entre as pernas.
— Andei ocupado.
— Não ficará mais tão ocupado se estiver morto — retrucou Silas. —
Você tem um dia para entregar a Sirena e o Incubus híbrido.
— Por que se importa tanto com eles, se me permite perguntar? — Nox
sabia que estava andando em gelo fino. Silas Ravenwood não gostava de
perguntas.
— Por que está tão interessado subitamente? Está sentimental? Sei
como se sente em relação a mestiços e pessoas que concedem desejos. —
Silas sorriu. — São quase como sua família.
Nox deu de ombros, contendo a raiva.
— Desculpe-me por ter pisado em um calo. Só fiquei curioso.
— Meu avô quer ter o nome vingado. — Silas deu uma longa tragada. —
Tenho minhas próprias razões para querer a Sirena.
— É amor? — Nox ergueu uma sobrancelha.
Silas sorriu.
— Para mim, é.
O rapaz estremeceu.
Ridley acorrentada. Em cativeiro. Implorando pela vida. Nox passou mal
ao contemplar isso, principalmente por saber o quanto Silas iria gostar.
— Faça o que quiser. Não ligo para Sirenas.
— Muitas lembranças? — Silas provocou. — Porque, se me recordo, sua
mãe não tinha nenhum problema em me conceder todos os meus desejos
enquanto trabalhava para meu avô. Pelo menos quando não estava
ocupada sendo a vadiazinha de Abraham.
Nox lutou contra a onda de raiva ardente.
Firme.
Em vez disso, se imaginou pegando a lâmina Enfeitiçada do bolso e
colocando-a na garganta de Silas Ravenwood. Como a pele partiria, como o
sangue fluiria para a superfície. Como o corpo cairia.
Nox respirou fundo, deixando os olhos fixos em Silas.
— Ótimo. Tire-os de minhas mãos amanhã à noite. Vai ser mais fácil se
eu trancá-los na boate até você ir buscá-los.
— Amanhã? — Silas foi pego de surpresa, ao que parecia.
Nox deu de ombros.
— O híbrido é imprevisível, um saco. Mas ele vai tocar na boate, o que
significa que a Sirena também estará presente. Vou trancá-los na despensa
do porão. — Sorriu. — À la carte e prontos para serem levados.
Silas pensou por um instante. Finalmente, fez que sim com a cabeça.
— Certifique-se de derrubar o Incubus primeiro. Somos muito mais
espertos que vocês Conjuradores, então precisam se cuidar. Se ele tiver
aprendido qualquer coisa sobre Viajar, saberá que pode levar a Sirena com
ele.
— Naturalmente.
Silas apagou o charuto na grade, perto da mão de Nox.
— Amanhã à noite. Se não estiverem lá, você pagará por isso.
Nox tentou manter a expressão ilegível.
— Como se eu esperasse outra coisa.
— Já viu minha tatuagem? — Silas puxou a manga mais alguns
centímetros para cima. Duas palavras se curvavam no bíceps do Incubus.
Sem piedade.
— Foi meu avô que tatuou meu braço. — Silas deixou a manga cair.
Estalou os dedos, e a porta da plataforma de observação se abriu atrás dele.
Depois que Silas se retirou, Nox ficou no terraço. Havia mais uma coisa que
ele precisava saber, e queria fazer isso antes de mudar de ideia.
Tirou uma caixa de fósforos do bolso e passou os dedos sobre as seis
letras na tampa.
Nox não conseguia enxergar o próprio futuro, mas não sabia mais se isso
importava. Não era seu futuro que precisava ver.
Ele tinha de ver o dela.
Nox havia visto fogo e correntes, e iniciara o maior golpe de sua vida.
Precisava saber se ia dar certo; se podia protegê-la.
Não importava como Ridley se sentia em relação a ele, ainda assim
precisava saber.
Acendeu o fósforo. O cheiro de enxofre entrou em suas narinas.
Ele levantou os olhos e, ali, na escuridão, viu os últimos dias da vida de
Ridley Duchannes.
Pela terceira e última vez.
E, em seguida, quando as nuvens apareceram, fez mais uma coisa. Fez
um plano para mudá-lo.
Os quatro ficaram sentados comendo cachorro-quente em uma pilha de
pedras no Central Park, cercados por árvores. O céu estava escuro, e a
chuva se aproximava.
Só chuva se tivermos sorte.
Mas quando temos sorte?
Rid ainda conseguia ouvir o trânsito do Central Park Sul. O ruído do caos
era reconfortante. Depois do que Nox lhe contara, ela não se sentia segura
em lugar algum, mas havia um limite de tempo que os outros se dispunham
a ficar entre velas protetoras.
Se esconder em espaços públicos lotados — espaços Mortais — foi a
única ideia que teve.
E ficarmos juntos.
— Esse era o grande plano? Foi o melhor que conseguiu bolar? — Floyd
soou cética. Enfiou o resto do cachorro-quente na boca.
— Isso. — Link a encarou. — Considerando que a Marinha já estava
ocupada.
— Acha que pode funcionar? — Necro jogou o sanduíche de volta na
embalagem. — Silas vai acreditar? — Ela estava se recuperando mais
depressa que qualquer um havia imaginado, principalmente considerando
que só tinha se passado um dia desde que ela estava desmaiada
inconsciente no leito de morte.
Mesmo assim, o cachorro-quente foi ambicioso.
— Pode ser. — Link suspirou. — Talvez.
Ridley também não conseguia comer.
— É uma tentativa difícil. Se não quiserem fazer, eu entendo — falou,
enfiando as mãos nos bolsos da jaqueta de couro, e estremeceu.
— O que isso significa? — Necro tocou a atadura no pescoço.
— Significa que não fui honesta com Link e que não fui honesta com
você. E sinto muito por isso. — Ridley soou arrasada. — Por muitas coisas.
Necro olhou para ela. Floyd não.
Link permaneceu em silêncio.
Ao longe, dois motoristas de táxi se xingaram. Buzinas dispararam e
carros passaram.
— Quer saber o que acho? — perguntou Necro.
Rid não tinha certeza.
— Você, Ridley Duchannes, é uma vaca e tanto. Uma verdadeira Yoko
Ono. — Necro falou as palavras lentamente. Em seguida, olhou para Floyd,
que deu de ombros.
Ridley enrijeceu.
— E?
— E eu acho que John Ono Lennon foi um dos maiores músicos da
história do universo. — Necro sorriu.
Ridley foi pega de surpresa.
— O que isso quer dizer?
— Toda banda precisa de uma Yoko. E Silas Ravenwood que se ferre.
Ninguém mexe com minha banda. Certo, Floyd?
Floyd amassou o embrulho do cachorro-quente.
— Ela tem razão.
Necro levantou o punho.
— Toque aqui, amiga. Silas Ravenwood vai desabar.
Floyd levantou o dela.
Em seguida, Link:
— Não deixem um cara no vácuo.
Ridley não deixou.
— Agora — disse Necro, esfregando o moicano azul. — Acha que
consegue fazer alguma coisa com esse cabelo? Estou achando que a noite
de hoje pede um Brooklyn Blowout.
— Não dá tempo. Precisamos encontrar Nox no apartamento. — Ridley
deslizou da pedra, o kilt curto agarrando no processo.
— Diga que ele vai levar pizza — falou Necro, deslizando depois dela. —
Qualquer coisa, menos cachorro-quente.
— Melhor ainda — falou Ridley enquanto Link e Floyd desciam da
pedra. — Ele vai levar as plantas da Sirene.