- Falta muito para o fim, querida? – a senhora Meyer questiona, obviamente curiosa.
Levo as chávenas de chá para a cozinha passando-as por água e coloco-as no escorredor.
- Não, talvez consigamos terminar o livro na próxima semana.
A senhora Meyer é uma senhora com 83 anos, que infelizmente perdeu o seu marido há muitos anos devido a um acidente trágico de carro. A idosa mora numas casas abaixo da casa dos meus pais. A minha mãe costuma fazer-lhe as refeições e ajudá-la na sua higiene, leva-a às consultas e também gosta de a levar a passear. Tristemente, esta senhora não pôde ter filhos, mas considera a minha mãe como filha e a mim e Christopher (o meu irmão) como netos.
Ela tem uma gata com o pelo nos tons de cinza chamada Emy e um cão com pelo totalmente preto e brilhante chamado Joli. São os animais mais adoráveis do mundo, só dá vontade de os apertar como se fossem peluches.
83 anos para esta senhora não são nada. É vaidosa e ainda se movimenta bem com a ajuda da sua bengala com brilhantes. Tem olhos azuis e o seu cabelo está completamente grisalho mas encaracolado. Ela sabe o que dizer em qualquer situação, tem sempre uma palavra amiga a dizer, não julga. É tão bom puder conversar com ela. Transmite-nos uma calma e uma paz incrível.
- Já escolheu o próximo livro que quer que lhe leia, senhora Meyer? – eu interrogo aconchegando-a melhor no sofá com as almofadas feitas pelas suas próprias mãos.
- Não, querida. Acho que vou deixar ao teu critério. – ela responde com um sorriso radiante.
- Fica bem? A minha mãe virá mais tarde, e eu prometo que tenterei vir mais vezes. – dou-lhe um beijo na bochecha e ela puxa-me contra o seu peito, abraçando-me carinhosamente.
- Vai com Deus, meu amor. Não te esqueças que gosto muito de ti. – ela solta-me dos seus braços.
Pego na minha mala onde coloco o meu telemóvel e de onde tiro as chaves do carro.
- Eu também gosto muito de si, senhora Meyer. – despeço-me dela e caminho até ao carro.
Ligo a ignição e conduzo até casa. Odeio o facto de ter que conduzir ao final do dia. O tráfego é horrível. É a hora que toda a gente sai do trabalho, é a hora que os centros comerciais fecham, e é a hora que a confusão se instala. Acabo por perder mais tempo no trânsito do que num centro comercial. Isto é surreal.
Estaciono o carro e caminho até casa. Abro a porta, pouso a minha pasta e a mala no cadeirão à entrada e descalço os meus sapatos.
Chego à sala e vejo alguém a folhear o meu bloco de desenhos. Mas que merda!
Pouso os sapatos perto da porta fazendo exatamente o barulho que pretendia.
- Chris...
O meu irmão vira-se para mim encontrando os meus olhos.
- Vicky! – ele atravessa a sala para me abraçar.
Permito que ele me abrace. Odeio o facto de ele ser mais alto e eu ter que me colocar na ponta dos pés para consegui abraça-lo adequadamente. É o meu irmão, caramba. Eu tinha saudades dele.
- Por que não me disseste que vinhas? Quando chegaste? – bato-lhe no peito fazendo cara feia.
Eu não estou chateada mas ele podia-me ter dito que vinha a Inglaterra.
- Cheguei esta manhã. – ele confessa.
- Tu és um filho da mãe! Espero que o saibas.
Ele ri.
- Espera, como é que entraste na minha casa? – estou confusa.
- A mãe. Ela emprestou-me as chaves.
Claro. A minha mãe. Como é que não me lembrei disso?
- Vais-me dizer que não tinhas saudades minhas? – ele aperta-me nos seus braços de novo.
A sua barba de dias faz cócegas nas minhas bochechas.
- Eu tinha, mas tu não me contaste que vinhas. – eu amuo.
- Era uma surpresa, maninha. - ele coloca-me no chão de novo.
Ajeito a minha roupa recentemente amarrotada e atravesso a sala até à minha secretária. O bloco de desenho foi remexido e alguns desenhos estão espalhados pela minha secretária. Detesto que mexam assim nos meus desenhos principalmente aqueles que são pessoais.
Christopher caminha atrás de mim e agarra naquele desenho que tenho nas mãos.
- Eu gosto deste. – ele comenta o desenho que fiz de Liam.
É verdade. Desenhei Liam. Ele é tão sexy. Achei que o devia ter desenhado no meu bloco. Desenhei o seu perfil enquanto conduzia. Ele nunca vai saber que o desenhei. Na verdade, nunca mais nos vamos ver. Foi uma noite agradável aquela, mas tudo o que é bom, acaba.
Eu já sei que vou ser daquelas mulheres quarentonas sem marido, sem namorado, sem filhos, que chega a casa depois de um dia de trabalho e se diverte apenas com um copo de vinho, ou quem sabe mais do que um. Nada de relacionamentos ou envolvimentos sérios.
- Quem é ele? – o meu querido irmão arranca-me dos meus pensamentos sem qualquer sentido.
- O quê?
- Quem é o tipo?
- Oh, ninguém, Chris.
- Tu és uma mentirosa de merda. – ele é sincero e eu odeio que ele o seja em determinadas vezes. – Vamos, quem é ele?
Ele é o Liam, um tipo que conheci em Tóquio e que é caralhamente sexy. Existe esta palavra sequer? Passa a existir. Para todos os efeitos eu nunca mais o vou ver para além que eu não estou interessada e nem ele teria qualquer tipo de interesse em mim.
- A Alexis? Ela veio contigo? – olho para o chão enquanto desconverso.
A Alexis é a namorada do meu irmão. Morena de olhos castanhos-claros e cabelo totalmente liso. Ela é tão querida. Faz o meu irmão tão feliz. Eles fazem um casal perfeito. Isto se a perfeição existir nalguma parte do universo.
- Sim, a Alexis veio comigo. Ficou em casa dos pais. Mas não era dela de quem estávamos a falar. Sempre foste tão aberta comigo sobre este assunto, por que não estás a sê-lo desta vez? – ele está coberto de razão.
- Conheci-o em Tóquio quando fui em trabalho com o Thomas, mas não te preocupes, não o vou voltar a ver. Não faço ideia onde raio ele vive.
- Oh, eu quero mesmo que tu arranjes alguém que te faça feliz, Vicky. Tu mereces.
- Bom e quem te disse que não o sou?
Ele coloca a sua mão no lugar do meu coração e olha-me nos olhos.
- O teu coração sabe que não és e os teus olhos dizem exatamente isso, maninha. Eu conheço-te tão bem. Tu tentas-te enganar a ti própria e aos outros. Não faças isso, sim? – ele abraça-me novamente massajando as minhas costas.
Dou um suspiro anuindo.
- Quero contar-te uma coisa.
Levo-o até ao sofá onde nos sentamos.
- Conta! – peço entusiasmada.
Ele faz uma pausa e respira fundo.
- Pedi a Alexis em casamento. – ele conta.
- Jura! – mal posso acreditar. Demorou mas foi.
- Juro!
Salto para cima do seu colo, abraço-o enchendo-o de beijos.
- Estou tão orgulhosa de ti. Estou feliz por ti. Muitos parabéns.
Ele solta uma gargalhada que me faz rir também. Ele acaba por agradecer assim que consegue recuperar o fôlego do ataque de riso que nos deu.
- Mal posso esperar pelos sobrinhos. – brinco.
Ele fita-me durante alguns momentos.
- Não posso... A Alexis... Ela está grávida? – uau só surpresas.
- Não temos certezas ainda. – ele responde.
- Espero que seja uma menina. Vai ser a menina da tia. – estou animada com a ideia de ser tia. As crianças são adoráveis, só dá vontade de apertar as suas bochechinhas.
- Eu disse à Lexis que ias ser uma tia babada e não me enganei. – os seus olhos brilham.
Ele está feliz. Finalmente ele está a construir a sua família.
- Eu vou ser certamente uma tia babadíssima. – sorrio.
Gosto de passar tempo de qualidade com o meu irmão e isto é passar tempo de qualidade com ele.