Coral encarava os olhos de botões assustadores da Outra Mãe. O sorriso congelado ainda estava em seus lábios vermelhos.
— Você não é minha Mãe. – Coral falou, um pouco confusa.
— Claro que não minha bonequinha. Eu sou sua Outra Mãe. – a outra mãe falou e o sorriso ainda estava congelado em seus lábios, os grandes olhos pretos de botões a encaravam de uma forma que fez todos os pelos de Coral se arrepiarem. — Eu senti tanto a sua falta.
— Minha falta? Mas eu nunca estive aqui. Eu nem conheço você. – as palavras de Coral foram lentas em direção a Outra Mãe.
— Me dá um abraço meu amorzinho. - as mãos da Outra Mãe se moveram em direção a Coral que recuou rapidamente.
— Eu sei quem você é. Não precisa fingir. – Coral falou com uma certa frieza na voz que fez o sorriso da Outra Mãe murchar por um segundo. — Sei que você é um mostro.
— Então Coraline lhe contou. – de repente o sorriso nos lábios da Outra Mãe se tornaram diabólico.
— Sim, ela contou tudo.
— Tenho certeza que não.
— O que você quer dizer com isso?
— O que eu quero dizer? – a Outra Mãe mexeu os dedos rapidamente parecendo uma aranha.
— Você não passa de um monstro comedor de crianças.
— Coraline não lhe contou a história toda. – a Outra Mãe se aproximou da pequena Coral e sussurrou: — Você foi enganada.
— Não fui não.
— Ela só lhe contou o que queria lhe contar. Tenho certeza que ela não falou que as crianças que eu supostamente comi, eram monstrinhos que mataram o meu filho.
— Filho? – aquilo era novo, Coral estava confusa. — Você quer dizer uma das crianças que você sequestrou?
— Um filho meu, do meu próprio sangue. – A Outra Mãe parecia frustrada. — Você quer ouvir a história?
Coral sabia que não devia, mas mesmo assim concordou com a cabeça e sentou-se para ouvir o que a Outra Mãe tinha pra lhe dizer.
— Era uma vez... – A Outra Mãe começou e de repente estendeu a mãe na frente do rosto do Coral e sobrou um por brilhoso e roxo. Coral não teve tempo de reagir, apenas desmaiou.
Coral abriu os olhos, estava quente, era um dia de sol. Ela não sabia onde estava, só lembrava que a Outra Mãe lhe contaria uma história. Algo lhe chamou a atenção.
Uma mulher e um garotinho corria alegremente pela grama.
— Oi? – Coral chamou, mas os dois pareceram não escuta-la. Coral se aproximou e notou que os dois estavam vestidos com roupas bastante antigas, bem antigas mesmo.
"— Vamos lá meu amorzinho, está na hora do almoço." – a mulher falou com a voz mais doce e gentil que Coral já escutou em toda sua vida.
"— Não mamãe, vamos brincar só mais um pouco." – o pequeno garotinho falava enquanto abraçava aquela mulher tão linda e meiga.
— Vocês estão me vendo aqui? – Coral perguntou percebendo imediatamente o que estava acontecendo. Era a História. A história da Outra Mãe.
Coral ficou muito confusa, provavelmente estava enganada. Aquela mulher não parecia nem de longe ser um monstro devorador de crianças. Talvez a história ainda não havia começado, ou talvez aquela era a mãe da Outra Mãe.
"— Não, bonequinho, você está sujo e tem que comer logo." – a mulher pegou na mão do garoto e o levantou gentilmente do chão.
Os dois saíram e todo o cenário mudou. Era dia e agora era noite. Coral agora estava dentro de uma pequena cabaninha, com uma fraca luz de vela. Ela pode ver a mesma mulher sentada em uma cadeira de balanço e o garotinho deitado em uma cama. Ela estava lhe contando uma história.
Coral ficou admirada com aquela mulher e aquele garoto. Era tanto amor. E os dois eram tão lindos.
"— O que foi isso mamãe?" – o garotinho de repente pareceu assustado.
"— Deve ser seu pai." – a mulher se levantou e foi para o outro cômodo. Coral a seguiu. A mulher estava olhando pela janela e de repente seu rosto se transformou. Estava tão assustada. Correu para o quarto e pegou o garotinho no braço.
"— O que está acontecendo?" – o garotinho choramingou.
"— Não se preocupe meu amor, não se preocupe." – ela falava tentando mantar a voz calma.
Um barulho do lado de fora da casa começou a crescer. Coral correu para ver o que era. Uma multidão com tocha nas mãos se formava em frente a cabana. Eles gritavam furiosos.
"Peguem a Bruxa." Essas eram as palavras que eles gritavam. Coral ficou tão assustada quando eles arrombaram a porta e pegaram a mulher e o garotinho que não tiveram tempo de fugir.
Eles o levaram para fora da casa, Coral os segui. A mãe só pensava em proteger o filho.
"— Por favor, por favor, não o machuquem." – ela imploravam enquanto eles não davam ouvidos e simplesmente arrancaram o pequenino de seus braços. Coral percebeu que no meio da multidão haviam muitas crianças também, gritando furiosas contra aqueles dois inocentes.
"— Você é uma bruxa e seu filho provavelmente é um pequeno feiticeiro." – um homem falou.
"— Não, não! ELE NÃO É" – a mulher chorava tanto, implorava, mas ninguém dava ouvidos.
"— Vocês dois estão condenados." – essas foram as palavras do homem que parecia ser o chefe da multidão. "— Vocês serão cegados e jogados no vácuo."
A mulher arregalou tanto os olhos que Coral pensou por um momento que eles saltariam para fora. Ela estava com tanto medo agora, mas coral não entendia. O que era esse lugar?
"— O vácuo não! Por favor, por favor, não, não."
"— Mirella!" – um homem gritou no meio da multidão, os olhos da mulher de repente estavam esperançosos.
"— Papai!" – o garotinho começou a gritar. Coral olhou na direção e viu um homem lutando contra todos para chegar perto, mas eles estava sendo segurado por dois homens fortes.
"— Calma ai Lucio, sua vez vai chegar." – o chefe falou e voltou-se para a mulher. "— Você não deveria ter esses olhos. Tão verdinhos. Parecem a floresta. Você é uma bruxa e deve ter olhos de bruxa." – ele olhou para todos e gritou. "— Tragam os botões."
Eles trouxeram pares grandes de botões negros e aquela cena foi tão assustadora que Coral fechou os olhos e os ouvidos, mas ainda assim ela ouvia os gritos da mulher ao ter seus olhos arrancados e substituídos por botões.
"— Costurem os botões nos olhos do pequeno feiticeiro também."
— Não! Não façam isso seus cretinos! – Coral gritou mesmo sabendo que eles não podiam ouvi-la.
"— Não façam isso com meu filho. Ele é inocente." – o homem choramingou, mas era tarde demais. Mais gritos de dor.
"— E você, Lucio, será condenado ao vácuo e sua aparência será de um animal."
Todo o cenário mudou. Agora Coral estava em um lugar totalmente branco com uma pequena porta marrom no meio. Ela também viu a mulher e o filho andando de maõs dadas, ambos com olhos de botões.
"— Mãe, você viu quantas portas tem?" – o garotinho perguntou.
"— Só vi essa e a outra ali mais distante, e um poço que não sei onde vai dar."
"— As portas estão fechadas?"
"— Sim."
"— Não vamos sair daqui nunca mais?"
"— Não."
O cenário mudou novamente. O lugar não estava mais totalmente branco. Agora tinha uma casa. Coral entrou na casa e lá estava A Outra Mãe, o filho dela e quatro outras crianças, dois meninos e duas meninas. A Outra Mãe parecia tão feliz.
"— Como vocês entraram aqui?" – ela perguntou aos garotinhos.
"— Nós roubamos as chaves dos nosso pais. Eles disseram que você é uma bruxa."
"— Eu não sou não."
Coral observou que a Outra Mãe não havia mudado de forma, ela continuava a ser a mesma mulher que fora amarrada pela multidão.
"— Podemos brincar com o seu filho lá fora?" – os garotinhos perguntaram, pareciam tão inocentes.
"— Claro que sim." – a Outra Mãe falou gentilmente. "— Vou preparar um lanche para vocês."
Tudo ficou escuro e de repente Coral estava de volta a Outra casa, com a Outra Mãe parada a sua frente.
— O que aconteceu? O que aconteceu? – Coral estava desesperada.
A Outra Mãe suspirou, parecia estar sem paciência.
— O que aconteceu foi que aquelas quatro crianças espancaram meu filho até a morte e depois jogaram os corpos dele dentro do poço. Eles gritavam "feiticeiro" enquanto meu filho sangrava. Eu não consegui salva-lo.
— E o que você fez com as crianças?
— Eu não fiz nada! – a Outra Mãe sorriu friamente. — Apenas os tranquei dentro do meu armário para morrerem de fome. Mas uma garotinha muito esperta conseguiu fugir e trancou a porta novamente.
Coral sentiu um arrepio em todo o seu corpo.
— Que... que garota?
A Outra Mãe se aproximou de Coral e se abaixou de forma que seu rosto ficasse reto ao de Coral. Então ela falou.
— Sua tatara tatara avó. Coralyn Jones.
— Então.. você... você... realmente matou aquelas crianças. – Coral gaguejava de tanto medo.
— O que você queria? Elas mataram me pequeno Rudy. – A Outra Mãe de repente estava triste e frustrada ao mesmo tempo.
— Você vai me matar?
— Claro que não!! – a Outra Mãe parecia ofendida. — E quer saber? Sua mãe, Coraline, conhece toda essa história. Ela sabe a verdade, sabe o que seus antepassados me fizeram. Eu também não a matei.
— Ela fugiu de você.
— Claro que não garotinha, eu deixei ela ir. Ela podia ficar se quisesse, mas também podia ir. Eu não sou mau pequena Coral. Eu só sinto falta do meu filho.
— Você está mentindo.
— Ora, ora. Você realmente é uma Jones, não? E você viu com os próprios olhos.
Coral estava confusa. Realmente não sabia em que acreditar. A Outra Mãe parecia tão convincente e o que ela viu parecia tão real. Mas, e se a Outra Mãe realmente era diabólica, então porque se daria ao trabalho de tenta-la convencer do contrário?
— Não sei no que acreditar.
— Você pode ir embora se quiser. – A Outra Mãe deu as costa para Coral e voltou a mexer em umas panelas que estavam na pia.
Coral começou a observar aquela mulher, ela era idêntica a Coraline, se não fosse pelos olhos de botões. Mas ela era diferente, era como um desenho animado cheio de cores vivas, aquele mundo todo era cheio de cores e vida. E agora Coral tinha uma visão diferente sobre aquilo tudo. Como tanta maldade se transformou em algo bom? Como o vácuo agora parecia ser tão vivo? E como a Outra Mãe se transformava nas mães de outras crianças? Coral pensou em fazer todas essas perguntas, mas decidiu apenas dar as costas e sair daquela casa. Daquele mundo. Já tinha visto e ouvido muito, mas do que desejava.
Coral atravessou aquela porta no meio da floresta, já era noite. Suspirou tranquila. A Outra Mãe realmente deixou ela ir, e não pretendia voltar nunca mais, mas se a Outra Mãe estava falando a verdade, qual perigo tinha em voltar? E seus parentes eram pessoas do mau, então era perigoso ficar em casa? Coral não sabia e não queria saber, pelo menos, não naquele momento. A única coisa que conseguia pensar direito era em chegar em casa e sentir o conforto de sua cama. Antes, claro, de ouvir a bronca de sua verdadeira mãe.