Quando O Inverno Chegar

By paulalampiasi

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Ele fizera uma promessa à uma pequena garota amaldiçoada no fundo do lago anos atrás: Ele voltaria para vê-la... More

Capítulo Único

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By paulalampiasi


 Ela se lembra de cair, e da água gelada, paralisante, queimando-a enquanto ela flutuava naquela imensidão escura, fria. Olhava para cima, embora seus olhos ardessem, e sentia a superfície dura acima de sua cabeça. Não importa o quanto suas pequenas mãos tentassem quebrá-la, ela era fraca demais – pequena demais – para vencer aquilo. E então ela deixara a água a levar, afundando, suas mãos flutuando à sua volta enquanto seu corpo era puxado para baixo e as luzes acima se transformam em nada além de um borrão.

 Muitas coisas passavam por sua cabeça enquanto ela sentia seus pulmões explodirem dentro de seu peito, caindo levemente em direção ao meio do nada. Em primeiro lugar, não queria morrer. Não queria ficar no fundo do lago até que alguém a encontrasse, morta e perdida. Não queria perder o Natal. Queria não ter saído de casa. Queria não ter escutado seus pais gritando novamente, e corrido para fora – no meio do inverno. Em direção ao lago.

 O gelo não é firme o bastante, eles disseram. Eles a avisaram, ela sabia, sabia que o gelo não era firme o bastante – porque tinha que ter corrido diretamente para lá? No meio dos pinheiros, onde as pessoas simplesmente não a encontrariam. Não tão cedo, pelo menos – não até que o inverno acabasse.

 E então, quando tudo fica escuro finalmente, ela sente-se leve, como se estivesse voando. Sim, estava voando, dormindo. Ou estava sonhando? Não importava. Flutuava livremente – para baixo, só para baixo.

 Até que ela é puxada de volta para a superfície e consegue sentir o ar entrando em seus pulmões novamente, deitada em algo macio e frio. Tudo é branco e claro demais para que seus olhos abertos aguentem. Ela levanta seus braços, leva suas mãos ao ar até que alcança alguma coisa, e então está tocando em alguém.

 Há um garoto em sua frente, embora sua visão esteja borrada e sua cabeça esteja completamente confusa. Suas mãos são frias, mas ela não se importa muito – não depois de afundar no lago congelado. Seu cabelo é branco, como neve. Seu rosto é jovem, embora os olhos cinzentos pareçam antigos, encarando-a – o céu atrás de sua cabeça é de um escuro sem fim.

– Quem é você?

 Não há resposta. Ela ainda não escuta nada ao redor. Talvez esteja sonhando. Talvez tenha realmente caído dentro do lago e agora esteja no céu. Mas o céu não podia ser tão frio, podia? Talvez – pensou. Se o inferno é quente, faria total sentido o céu ser tão frio.

– Eu não sou ninguém – O garoto finalmente respondeu, levantando-se. – Volte para casa, Jude.

– Espere! – Ela não tinha tempo de perguntar como ele sabia seu nome.

 O garoto saiu voando, deixando-a com uma pergunta e uma promessa de que um dia ele voltaria para vê-la. Desaparecera no céu entre flocos de neve e os altos pinheiros.

 E então ela acorda. Está bem, como sempre. Suas mãos estão agarradas fortemente nos lençóis, seu quarto escuro – a casa é silenciosa a noite, quando seus pais estão cansados demais para brigar e dormem calmamente – um na sala, outro no quarto. A única luz vem da janela, azulada e brilhante por trás da cortina branca.

 Ela observa a rua com cautela – mora em um lugar tão afastado, no meio de pinheiros altos e lagos. As poucas casas em volta têm as janelas fechadas e tão escuras quanto sua própria – bonecos de neve tortos descansam em quintais brancos, monótonos.

 Então é natal.

– Já fazem 10 anos – Ela sussurra para si mesma, tentando convencê-la. – Como pode ser tão estúpida?

 Ela senta-se na cama, respirando profundamente por um momento. Coloca seus pés, descalços, no chão – frio – e isso a traz um pouco mais para a realidade. No andar de baixo, seu pai dorme no sofá. No quarto ao lado, sua mãe descansa na sua cama de casal. Logo na frente, seu irmão dorme, sonhando com a manhã seguinte, provavelmente.

 Na sala, a árvore de Natal brilha sem vida com as luzes artificiais penduradas. Um prato com biscoitos e um copo de leite estão apoiados na mesa ao lado, esperando pacientemente pelo bom velhinho. Seu irmão era realmente adorável. Ela havia parado de acreditar no tal Noel há muito tempo, isso não significava que ela deveria matar a magia para seu irmão, também.

 A televisão exibe filmes ruins de fim de ano dos anos 90, e ela tira o som – ela não quer acordar ninguém e sempre gostara de observar as cenas mudas. Senta-se no chão, comendo os biscoitos que seu irmão havia deixado para o senhor Noel. O que o olhos não veem o coração não sente.

 Ela esperara por anos. Sempre sentada em seu quarto, olhando pelos vidros congelados de sua janela – seu guardião, o garoto que a salvara quando estava morrendo dentro do lago. Queria que ele aparecesse em sua janela quando ela estava escondida de seus pais em baixo de sua cama, trouxesse a neve para dentro de seu quarto e a levasse embora, voando pelo céu invernal.

 E eles ririam – seriam melhores amigos. Ele prometera que viria, afinal. Mas sua mãe ficava irritada com suas histórias.

– Amigos Imaginários são para crianças pequenas que não tem o que fazer, Jude.

 E então ela desistira – algum dia talvez, parasse de acreditar que o garoto voltaria. Ou talvez, algum dia ele cumpriria sua promessa e ela poderia mostrar à sua mãe que sempre estivera certa. Agora, sentia-se estúpida por acreditar em algo assim.

 Talvez os adultos estivessem certos. Talvez ela tivesse nadado sozinha até a superfície naquele noite, no lago – e havia alucinado tudo.

 E ela está na sala de estar, 8 anos depois. Sentada no tapete, assistindo filmes mudos de natal. Pensa em acender um cigarro, mas desiste – sua mãe ficaria louca se acordasse sentindo o cheiro da fumaça na sala de estar. Continuou comendo os biscoitos, ah, aquilo deixaria seu irmão louco na manhã seguinte. "Ele veio, mamãe. Olhe, Jude! Papai Noel veio e comeu meus biscoitos!". Ela riu, e mordeu outro.

 E então ela volta a realidade. Seu irmão não havia feito aqueles biscoitos – e ele não estava dormindo em seu quarto, à sua frente. Seu irmão estava no lago, bem no fundo – já fazia cinco anos. Ela lembrava de como sua mãe ficara louca naquele dia, quando perderam Jamie. Porque ela sabia. Sabia que o gelo não iria aguentar. Não era firme o suficiente. Tinha estado naquela situação antes, mas agora, ela estava perdida. Jamie se fora, e a culpa era toda sua.

 Ela bebeu o leite que ela mesma havia colocado mais cedo. Os olhos mortos fitando a televisão. Só mais uma noite de natal inútil, uma madrugada passada em pesadelos e lembranças de quando tudo ao seu redor tinha mais vida do que agora.

 Terminado os biscoitos, pensou em voltar ao quarto. Não havia motivo algum para continuar dormindo, ou continuar acordada, qualquer um dos dois. Agarrou o casaco de seu pai jogado no sofá e saiu pela porta da frente, andando enquanto seus pés descalços afundam na neve. E ela corre.

 Corre até o lago e lembra como as lágrimas, descendo quentes pelo rosto queimado de frio, são confortáveis quando se está morrendo. É uma criança amaldiçoada. Tem certeza disso. O lago continua congelado, e embora vozes a chamem do fundo, ela sabe a verdade.

 O gelo é fino demais. Não vai aguentar.

 E ela dá dois passos para frente, os pés tocando a superfície lisa e escorregadia do lago – o gelo permanece embaixo, inquebrável. E ela pode ver Jamie, flutuando abaixo dela – sorrindo e acenando. Ela sorri, os olhos aguados.

 Do outro lado, entre os pinheiros, um garoto de cabelos brancos está fitando-a, parado em sua frente. Ele olha para seus pés descalços e ela para os dele, e então a neve começa a cair novamente.

 É claro que ele voltaria. Ela sabia que voltaria. Ele prometera.

 E quando o gelo se quebra abaixo de seus pés, ela cai, flutuando para o fundo do lago – para Jamie. Voando, enquanto as vozes cantam em seu ouvido – está em casa. E na manhã seguinte, seus pais acordariam com a televisão ligada, os biscoitos de natal comidos e o leite um pouco derramado. Talvez pensassem que fora o Papai Noel. Ou talvez eles saibam que foi Jude. Foi sempre Jude.

 E algum tempo depois, quando o inverno acabar – eles irão encontrá-la no fundo do lago, como fizeram com seu irmão Jamie. E enquanto os vizinhos fingem tristeza e lhes oferece seus pêsames, talvez eles saibam a verdade. Ele a levou. Seu amigo imaginário a levou, finalmente.

 E no próximo inverno eles a verão de novo, como um fantasma – uma lembrança do outro lado do lago. Jack, Jude e Jamie. As três crianças amaldiçoadas, perdidas no fundo de um lago congelado.



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