Infected

By groupinfected

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Vencedor The Wattys 2016, na categoria "Inovação". #4 em Aventura (21/01/2017) SAGA INFECTED - LIVRO I Nu... More

Recado do Group Infected para você
Prólogo
Capítulo I
Capítulo II
Capítulo III
Capítulo IV
Capítulo V
Capítulo VI
Capítulo VII
Capítulo VIII
Capítulo IX
Capítulo X
Capítulo XI
Capítulo XII
Um (novo!) convite do Group Infected para você
Capítulo XIII
Capítulo XIV
Capítulo XV
Capítulo XVI
Capítulo XVII
Capítulo XIX
Capítulo XX
Capítulo XXI
Capítulo XXII
Capítulo XXIII
Capítulo XXIV
Capítulo XXV
Capítulo XXVI
Epílogo
Agradecimentos
No próximo livro...
Aguenta Coração!
É amanhã! (e não é pegadinha de 1º de abril)
Wanted no ar!
Todo nosso amor
5 anos de Infected com novidades!
Antes tarde do que... bem, do que mais tarde
"Nosso" canal no YouTube

Capítulo XVIII

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By groupinfected

Anippe Mahlab

Já é noite. Olho no relógio: 18:30.

Meu coração se agita dentro do peito, como se estivesse na expectativa de algo grandioso.

Penteio os cabelos no enorme espelho do banheiro comunitário. O vai e vem de garotas não para: Sophia, Aisha e Malika também se aprontam para a reunião que o Sr. Miller convocou. Por um momento, me concentro nos uniformes de cada uma.

Aisha usa uma blusa simples com um casaco, e calça jeans com tênis. Sophia usa uma túnica acinturada, calça comprida e botas pretas de cano curto. Já a Malika veste uma camisa solta e uma calça de cintura alta, e calça botas de cano médio. Eu, com minha camisa de botões, saia de pregas, meia calça e botas. Tenho que parabenizar mentalmente a estilista da OCRV: os uniformes construídos em base azul e detalhes pretos são de primeira categoria.

Prendo meus cabelos em um rabo de cavalo alto, e passo um batom bordô nos lábios. Enquanto isso, observo Sophia se aproximar lentamente do espelho, um tanto receosa. Vejo em seu rosto pintado de sardas que ela está com vergonha de algo, então solto:

- Pode chegar perto, ruivinha. Eu não mordo não.

- Eu... eu sei. - ela murmura. Timidamente, ela põe alguns cosméticos na bancada.

- Que foi? Tá acuada só por que eu falei do seu rolo com o russo? - encaro-a, e sorrio quando seu rosto fica inteiramente vermelho. - Ei, não tenha vergonha. Não precisa. Não é nenhum crime.

Sophia sorri.

- Você está feliz. - continuo. - É o que importa.

Um instante de silêncio se segue. Volto a me maquiar, quando ela diz:

- Obrigada, Ani.

- Pelo quê?

- Pelas palavras.

Não respondo. Apenas pisco o olho para ela e dou um leve sorriso.

Alguém bate na porta.

- Aisha? Já acordei o Bernard. Posso entrar? Alguém indecente aí?

Meu sorriso se desfaz quando ouço a voz dele.

- Ah, não... - murmuro.

Sophia olha pelo espelho para o quarto, e me comunica:

- É o Akira.

- É, eu sei. - disparo, talvez rispidamente demais.

Seus olhos violetas em meio às mechas ruivas me encaram com curiosidade.

- O que está havendo entre vocês?

- Nada. Nem nunca haverá.

Ponho rapidamente minha maquiagem na necessarie, e vou para o quarto. Jogo a bolsinha em cima da cama, passo por Akira como se ele não estivesse ali e saio para o corredor.

Não, não quero ele perto de mim.

Não gosto de meio termo. Ou é, ou não é. E se nem ele sabe se sente algo por mim ou não, o jeito é matar o que quer que estivesse nascendo em meu coração, antes que criasse raízes.

Desço para o quarto andar sozinha, e entro no recinto identificado como sala de reuniões.

É uma sala pequena com um palco baixo, e apenas 12 cadeiras, arrumadas em fileiras de 3. Num canto da parede há um painel do tamanho de uma folha de papel, repleto de botões.

Apenas o Vladmir está aqui, então, me sento ao seu lado. Ele me olha esquisito desde que o beijei, como se tivesse medo que eu tivesse um ataque psicótico e o beijasse novamente. Então, permaneço calada e espero os outros chegarem.

Dez minutos depois, assim que o Bernard aparece e é censurado pelo atraso, o Sr. Miller inicia a reunião.

- Como sabem, a unidade sofrerá uma tentativa de invasão. - Percebendo as expressões céticas, ele continua: - Temos sistemas de fiscalização e escuta espalhados num raio de 10 quilômetros, que nos proporcionaram saber que seremos atacados em menos de 24h. Assim, visto que vocês são agora a equipe de elite da OCRV, por possuírem treinamento militar de altíssima qualidade, habilidades exclusivas e experiência de campo, estão aptos para proteger o bem comum.

Ele aperta um botão do painel, e um leitor ocular é revelado na parede lateral. Miller se aproxima dele, e destranca uma sala.

- Aqui está o motivo do ataque. Venham. - ele diz. - E muito cuidado com o que tocam.

Seguimos ele para dentro da sala, e fico boquiaberta com o que vejo.

Armas se espalham por todas as paredes do arsenal. Desde adagas, arcos, katanas, passando por armas de fogo moderníssimas, até lanças. Há armas aqui para um exército.

- Um arsenal deste porte é um atrativo para os animalescos e violentos rebeldes. - Miller diz, enquanto nos espalhamos pela sala, cada um perto das armas de seu interesse. - Imaginem a quantidade de destruição que pode ser causada se tal poder de fogo cair nas mãos erradas. Por isso, vocês precisam impedi-los.

Um mostruário repleto de arcos me chama a atenção, e fico ali admirando-os, quando o Coronel nos manda escolher a arma que preferirmos. Cada um escolhe a sua, não muito diferente das que usamos na missão anterior. Quando todos testamos, admiramos e alisamos nosso armamento, ele nos entrega pequenos rádios comunicadores, e nos dispensa. Antes de sairmos, o Coronel diz:

- Assim que virmos a tropa de rebeldes se aproximar, acionaremos vocês pelo rádio. Até lá, estão liberados para circularem pelas dependências da filial, ou descansarem. Quando forem chamados, vocês devem ir imediatamente para onde forem ordenados. Insubordinação não será tolerada. - Ele dá um sorrisinho sarcástico. - Agora, podem ir. O jantar será servido no terceiro andar em 45 minutos.

***

Desço até o térreo, e vou para o pátio onde há alguns bancos de jardim ao redor de um chafariz. Respiro profundamente o ar noturno, e me sento sozinha no frio banco de pedra. Olho para o céu, e desejo conseguir me situar pelas estrelas, para descobrir em que parte do planeta estamos. Sei que viajamos a favor do movimento terrestre, por que o dia hoje foi menor. Esse é o único dado que tenho, e nem isso vale de alguma coisa. Se eu nem sei onde estava, que diferença faz saber a direção em que vim? É como tentar ligar nada a lugar nenhum.

Olho para a frente. A fonte de água é iluminada por uma luz azul, e é a única iluminação que a área tem. O silêncio é mórbido, exceto pelo som da água corrente. Fico distraída pela queda de água, pensando na missão, quando percebo que alguém se senta ao meu lado.

Malika.

- Oi. - ela diz.

- Olá.

Ela olha para o chafariz também, e ficamos as duas quietas por longos e embaraçosos minutos.

A verdade é que me sinto mal pelo modo como começou nossa relação. Em questão de instantes, passei de libertadora para a covarde que a deixaria ser recapturada sozinha. Ela sempre me encara com um pouco de ressentimento no olhar, e eu não quero mais isso.

Assim, engulo em seco e digo:

- Você... Eu... Olha. Me perdoa. - Ela me encara com a testa franzida. Eu faço uma curta pausa e continuo. - Você é uma garota muito legal e eu fui covarde naquele dia. Te peço desculpas. Mas não quero mais que você me encare dessa forma. Eu posso ser desonesta, mas não sou um monstro.

Malika desvia os olhos de mim, e encara as próprias mãos.

- Ani, naquele dia eu me senti traída, e isso me deixou muito magoada. Achei que você era o tipo de pessoa egoísta. Mas na missão, eu vi que você não é assim. Você foi me procurar quando te pedi ajuda, convenceu o piloto a nos deixar ficar para não irmos sem o Bernard e defendeu o Akira sozinha. - Malika volta a me encarar, e fala em tom baixo: - Você está longe de ser um monstro pra mim.

Respiro fundo. O peso das suas palavras me atinge em cheio, e sinto meus olhos marejarem. Que ridículo. Assim, mantenho a pose e sorrio para ela.

- Sinto muito, moça do gelo.

Ela ri.

- Já passou. Estamos bem agora. - Ela me encara, e diz com as sobrancelhas erguidas: - Thief.

O apelido me remete a Mederi, e olho atravessado para Malika.

- Olha aqui, seu freezer de cabelo longo, eu estou tão feliz por tudo estar bem, que eu vou até deixar essa passar. E sem dar na sua cara.

Ela dá de ombros.

- Se você fizesse isso, eu seria obrigada a te dar um gelo ainda maior que esse último.

Fico de pé, e me camuflo. Malika olha ao redor, tentando me encontrar, rindo. Eu digo:

- Tenta!

- Ei! Assim não vale! - ela reclama.

Malika ergue as mãos, e eu sinto a temperatura do ambiente cair drasticamente. A água no chafariz começa a criar cristais de gelo, e quando eu não suporto mais a temperatura, apareço.

- Okay! - digo, erguendo as mãos em rendição. - Não quero virar picolé de Anippe, ok? O frio não faz bem para o meu cabelo.

Ela dá uma gargalhada alta, e eu me sinto feliz. É tão raro ver um sorriso no rosto dela.

Quando Malika cessa o frio, eu me aproximo dela. Digo, irreverentemente:

- Me abrace, gata.

Ela gargalha novamente, e me abraça. Sinto um contato humano fraterno que me leva de volta à minha infância, quando minha mãe me abraçava e beijava meus cabelos. Malika alisa um dos meus cachos, e eu me sobressalto quando sinto algo estranho.

- V-v-você! - esbravejo, largando-a. - Você congelou meu cabelo!

Um dos meus cachos balança, completamente congelado.

- Aaaah! - grito. - Eu mato você!

Malika corre de mim, rindo como nunca, e entra no prédio.

- Te vejo no jantar!

Grito de novo, quebrando o gelo que envolve uma mecha do meu cabelo. Murmuro sozinha:

- Você me paga... me paga! Nisso que dá fazer as pazes com uma menina metida a geladeira.

Me sento no banco novamente, praguejando contra a vida da Malika e falando mais um monte de coisas que eu nunca faria com ela. Estou tão preocupada em tirar a camada de gelo dos meus fios sem quebrá-los, que nem percebo quando outra pessoa se aproxima de mim.

- O que foi que houve? - uma voz masculina me desperta.

Por um instante penso que pode ser o Akira, mas fico aliviada ao ver que não é.

O recém chegado aperta um interruptor que eu não tinha visto no chafariz, e todo o pátio ganha iluminação por pequenas luzes espalhadas pelas laterais dos prédios. E aí consigo vê-lo. É um homem jovem, de corpo magro e cabelos incrivelmente enrolados, vestido com o uniforme preto dos agentes internos da OCRV. Seus olhos castanhos me fitam com uma expressão divertida.

- Isso no seu cabelo... é gelo?

Olho para ele com sarcasmo.

- Não, garotão. É açúcar.

- Parece gelo.

- Ah, vá embora. - bufo.

Ele se senta ao meu lado.

- Sou Daniel.

- E eu sou a mulher com gelo na cabeça.

Ele ri, e diz:

- Anippe Mahlab.

Ergo uma sobrancelha. Daniel continua:

- É, eu sei sobre você. A ladra com dons de invisibilidade.

- Camuflagem. - ressalvo.

- Ah, tanto faz. Na verdade, eu sei tudo sobre cada um dos membros da equipe de elite da Organização.

- Que bom pra você. - digo, indiferente.

- Também sei sobre suas peripécias com a sua superior. Mederi o nome dela, não é? Conseguiu desacordá-la no primeiro encontro com uma pancada na cabeça. Depois, tentou convencer a todos os seus colegas que a Organização não era de confiança.

- Vejam só! Daniel é um stalker!

- Sou uma pessoa informada, Anippe. - Ele diz, e se aproxima de mim. Falando baixo, ele continua: - Só preciso saber se posso confiar em você, na sua capacidade crítica e no seu senso de sigilo.

Franzo as sobrancelhas.

- Confiar... quanto ao quê?

Daniel olha ao redor discretamente, e senta mais próximo a mim. Apóia o braço direito no recosto do banco, e se inclina na minha direção.

- Com um segredo.

- Hm. Não estou interessada.

- Mesmo? E não estaria se eu te dissesse que você estava certa desde o início?

***

Eu não sei se eu simplesmente me levanto e saio, ou se eu escuto o que esse cara ta falando.

- Eu estava certa sobre o que, colega?

Daniel olha ao redor novamente. Sua expressão facial me faz ver que o assunto é realmente sério. E, não importa se é verdade ou não, mas ele acredita mesmo no que está me falando.

- Me fale uma coisa. Onde fica a base onde você estavam antes de virem para cá?

Aperto os lábios, fitando o chão. Não tenho como responder. Então, digo, relutantemente:

- Eu não sei. Nunca nos disseram.

- E por que não disseram?

Dou de ombros. Confesso que nunca entendi o que havia de mau em nos dizerem onde estávamos, mas em meio a tanta agitação, acabei me conformando com a ignorância.

- Você sabe, Daniel?

- Eu sei sim. Vocês estavam na Austrália.

- O quê? - pergunto, surpresa. - Mas como? Todo mundo sabe que a Austrália, assim como a Indonésia e a Malásia, foi engolida pelo mar. Não existe mais.

- Não. - Daniel diz, balançando a cabeça. - Isso foi o que contaram a você. A você e a todo mundo que não mora lá. Não, Anippe. A Austrália existe sim, e é lá que a base principal da OCRV fica.

Me lembro do nosso refém, Pzcherwodovsky, que nos disse que estávamos na Austrália. Não acreditamos na ocasião, mas pensando bem, por que não acreditei? A única fonte de informações que eu tinha era o que sempre foi disponibilizado pelo governo. Dar informações inverídicas seria muito fácil, já que não temos nenhuma outra fonte de busca.

- Ok, Daniel. Ganhou meu interesse. Estou ouvindo.

Daniel se ajeita no banco, visivelmente empolgado.

- Todos os humanos estão cientes dos efeitos que a radiação tem sobre eles. Mas, vocês sete são diferentes. Tem habilidades distintas das minhas e das de todos os outros. Por quê?

- Herd nos falou que é por um motivo desconhecido, a gênese de...

- Gênese de Alexandria! - ele sorri ironicamente. - E você engoliu.

Cerro os punhos.

- Tá legal. Fala logo tudo que você sabe. Ou o que você diz que sabe.

- Anippe, vou apresentar fatos a você, apenas tire suas conclusões. Vocês sete, cada um de um canto do planeta, tem dons diferentes e espetaculares.

- Sim.

- E o que mais tem em comum?

- Os olhos violetas.

Ele assente com a cabeça.

- Sim. E são órfãos, Anippe. Todos. Com os pais mortos ou desaparecidos, mas todos são órfãos até onde sabem.

Paro para pensar. Nas conversas durante as refeições, já ouvi histórias a respeito dos pais de todos. O Bernard foi doado a um casal enquanto ainda era bebê. A mãe da Aisha e o pai da Malika morreram em situações desconhecidas por elas. Os pais do Akira morreram num acidente de avião, e a Sophia vivia num orfanato. Vladmir nunca conheceu os pais, e os meus morreram de inanição quando eu era criança.

- Estou errado?

Daniel toca no meu braço, e me retira da minha retrospectiva. Olho para ele rapidamente, e volto a fitar o chão, enquanto murmuro:

- Não. É verdade. E todos que morreram, foi em circunstâncias desconhecidas ou facilmente providenciáveis.

- Exato. Talvez algum deles até esteja vivo, mas meu ponto é: será que isso é coincidência?

Fito a água da fonte novamente.

A verdade é que eu nunca confiei na OCRV. Porém, a partir do momento em que soubemos que a carga dos caminhões de suprimentos estava sendo roubada, e aquilo foi apontado por Herd como o fator responsável pela morte dos meus pais, eu passei a focar apenas naquilo. Embora na minha mente as coisas não se encaixassem muito bem, o inconformismo e a sede de justiça, de fazer alguém pagar pela morte deles, a ânsia de responsabilizar alguém pelo que aconteceu me cegou, e me fez ir com prazer á caça dos rebeldes.

Mas se tem algo escondido aí, eu tenho que saber.

- Sabe... - murmuro, voltando a olhar para Daniel. - O que você está apontando realmente é estranho. Mas qual é o ponto? Logo terei que subir para jantar.

Daniel se aproxima de mim.

- Não posso falar alto. - sussurra.

Olho ao redor, e constato que deve haver alguma câmera por aqui. Assim, faço uma cena. Finjo que estou chorando, daí, enxugo as lágrimas falsas do rosto. Sorrio para ele, e o abraço afetuosamente.

- Fale. - murmuro.

Ponho meu ouvido perto dos seus lábios, e ele começa a falar rapidamente, num tom quase inaudível.

- Existe um cartão SD. Está a 15 metros do fundo deste prédio que está atrás de você. A sala onde esse cartão está é subterrânea, e você encontrará sua entrada embaixo de uma enorme quantidade de palha. Vou desativar as câmeras e os sistemas de escuta desta parte da filial durante essa madrugada, para que você possa ir lá pegar.

- Por que você não pega?

- Porque não posso entrar lá. - ele continua a murmurar, numa velocidade que quase impossibilita a compreensão. Passa afetuosamente a mão nos meus cabelos, como se me consolasse. - Encontrei o cartão quando entrei lá escondido procurando provas, e tomei uma advertência quando me pegaram. Só me advertiram, por que não descobriram no que eu mexi. Me fiz de idiota, e Miller caiu. Mas eles estão me monitorando, se eu tentar entrar lá mais uma vez, sei que vão me matar. Mas você tem experiência em invasão e roubo, e ainda fica invisível. Se tem alguém que pode pegar o cartão, esse alguém é você.

- E o que tem de tão importante neste cartão?

Me afasto devagar, estalo um beijo no seu rosto, e o abraço novamente. Ele segura minha nuca, e me dá um beijo no rosto. Ainda com os lábios próximos da minha face ele me responde, e sinto meu coração gelar quando ele dispara:

- Informações sobre ex-agentes da OCRV. Sobre os pais de vocês.

***

Subo para a sala de jantar ainda atordoada. Mantenho minha cara de paisagem para todos os agentes que passam por mim, mas minha mente trabalha a mil por hora.

Daniel pode simplesmente ser um doido, que inventou tudo aquilo. Ou ele pode estar certo. Todos nós sermos filhos de ex-agentes mortos ou desaparecidos não é uma coincidência, é um padrão.

Preciso saber se isso é verdade. Preciso saber o que realmente houve, onde estão os pais de Bernard e Sophia, e se isto tem alguma relação com nossos genes mutantes.

E só tem um jeito de descobrir isso.

Entro na sala de jantar e me sento á mesa, ao lado de Malika. Ela me olha com uma expressão divertida, mas estou tão focada no que Daniel me disse que nem estou dando mais importância ao meu cacho congelado.

Sucos, sopas, caldos, pães e chás são oferecidos, e eu tomo minha refeição em silêncio. Quando recuso a salada de frutas, Sophia questiona:

- O que foi, Ani? Você passou o jantar inteiro mais quieta do que de costume.

Olho para os lados, e estamos cercados de agentes.

- Nada não, ruivinha. - digo, mas passo um olhar para ela que ela parece compreender. "Aqui não".

Subimos para os quartos, tomamos banho e vestimos os "uniformes de dormir": camiseta branca e shorts quadriculados. Ficamos falando de assuntos triviais até as 22h em ponto, quando todas as luzes são desligadas. Aisha, Malika, Sophia e eu estamos sentadas á beira das camas quando a escuridão toma conta de todo o andar. Aisha cria um pouco de fogo na palma da mão, apenas o suficiente para nos vermos.

- Agora diga. - ouço o sussurro de Malika.

- Digo. - sussurro de volta. - Mas todos tem de estar aqui para isso. Vou chamar os garotos.

Em dois minutos, estamos os sete reunidos dentro do quarto feminino. Nos sentamos em círculo no chão, e resumo tudo o que Daniel me disse: a sede ser na Austrália, a gênese de Alexandria ser uma farsa, nossos pais serem ex-agentes, a existência deste cartão SD com informações, e a sugestão dele que eu invadisse a sala e o pegasse. Enquanto narro tudo tão detalhadamente quanto consigo me lembrar, conto apenas com a luz que vem da mão da Aisha para ver as reações nos rostos deles. Confusão, ceticismo, decepção, excitação. Quando concluo, pergunto:

- E aí? O que vocês acham?

Todos ficam quietos por um instante, e se entreolham. O Akira quebra o silêncio, com a mesma arrogância de sempre.

- Não sei se devemos confiar nesse aleatório que chegou do nada com informações estranhas. Estamos aqui pra proteger, e não para vasculhar.

Olho de relance para ele, enquanto ele me encara intensamente. Tento manter meus olhos longe dele, mas não dá. Ele usa uma regata branca fina e calças de pijama, quadriculadas, assim como Bernard e Vlad. Mas nele parece mais bonito. Os músculos dos braços e do peito ficam em evidência, e isso me dá vontade de expulsá-lo daqui a chutes, só para eu não ter que ver toda a sua beleza inalcançável. Por mais que eu tenha decidido me afastar dele (e continue acreditando que é melhor assim), não dá pra negar: ele é um homem muito bonito.

Porém, finjo que não ouvi sua observação. Aisha diz, baixinho, olhando para Akira:

- Hm, não sei não. Mas o que custa irmos investigar?

Sophia toma a palavra.

- Eu acho que podemos tentar. Farei o que precisar para saber sobre meus pais, esse é o principal motivo de eu ter aceitado fazer parte disso. - ela diz, torcendo uma mecha do cabelo entre os dedos. Encara Akira, que está sentado ao seu lado, e diz: - E você sabe disso, Akira.

Assinto com a cabeça, e falo:

- Pois é, ruivinha. Acho que se há chances de descobrirmos por que todos nós ou somos órfãos ou não sabemos onde nossos pais estão, vale a pena arriscar. Eu não teria dificuldade nenhuma em entrar lá e pegar esse cartão SD.

Akira põe a mão no ombro de Sophia.

- Eu não esqueço minhas promessas, Sophia. Só não acho que manteriam uma mídia com dados verossímeis e importantes ao alcance de um agente qualquer.

Não respondo. Apenas suspiro e reviro os olhos. Bernard permanece em silêncio, e o Vlad também se mantém distraído com a bola de fogo na mão de Aisha.

- Eu não sei... - Malika quebra o silêncio. - Realmente é estranho esse cara simplesmente chegar e despejar tudo em cima de você. Mas não há como saber sem ir lá verificar. Eu acho que vale o risco.

Vladmir balança a cabeça devagar e diz, apontando para mim.

- Não confio na OCRV e você sabe disso. Acredito em tudo isso que Daniel falou. Também acredito que você deva ir.

- Mas ela vai sozinha? - Bernard finalmente se manifesta. - Somos uma equipe. Ela não pode ir sozinha. Vai ficar difícil de se defender, caso algo ocorra. Vá, mas leve mais alguém com você, Anippe. Mais uma ou duas pessoas. O restante fica para dar cobertura. Mas, Anippe... você tem certeza que quer fazer isso?

- Eu tenho, Bernard. E eu vou fazer, porque tudo que ele disse realmente tem fundamento, e eu preciso saber se é verdade. É muito fácil sentar aqui covardemente e aceitar como fato tudo que a OCRV nos empurrou, mas eu não vou fazer isso. Eu irei por que sei invadir e roubar itens, além de que minha camuflagem assegura que eu não seja vista.

- Mas não vai sozinha, Ani. - Malika diz, enquanto trança os cabelos. - Vou com você.

- Eu vou também, para ajudar caso a moça precise de uma força. - Akira faz uma pausa e dá um sorriso sacana. - E para poder olhar nos seus olhos, quando disser: "Eu avisei."

- Boa sorte com isso, doçura. - murmuro, com uma voz grave.

Akira me encara, franzindo as sobrancelhas. Se antes eu já era "difícil de ler", agora devo estar impossível.

- Ok. - dou um leve tapinha nas pernas. - Fim da festa do pijama. Saímos às... 3:15. Por favor, nos dêem cobertura. Aisha, ateie fogo a esse prédio se precisar, mas não deixem que nos descubram, certo?

Todos assentem. Aisha apaga a chama na sua mão, e os meninos se levantam. Abro a porta e Bernard e Vlad saem silenciosamente do quarto. Akira está saindo, mas para e segura minha mão. Ouço ele dizer:

- Você vai ficar me evitando para sempre?

Seu tom de voz é leve. Queria poder ver a expressão do seu rosto, mas toda a luminosidade que há aqui é uma tênue claridade que entra por uma janela de vidro no fim do corredor. Só consigo ver sua silhueta. Daí, simplesmente respondo:

- Vou.

- Nossa... - ele murmura, depois de uma breve pausa. - Você realmente não gosta de meias palavras.

- E é exatamente por isso que te evito. 3:15. Seja útil.

Puxo o braço do seu aperto e entro no quarto, trancando a porta atrás de mim. Deito na cama, e tento segurar a ansiedade. Ainda se passarão longas horas de insônia, até chegar o momento de ir e ver com meus próprios olhos se este cartão SD realmente existe, e o que contém nele.

Akira Yamaguchi

Tento me convencer mentalmente que será por Sophia: ir até essa sala e roubar as informações que supostamente existem.

Me permito ficar um minuto a mais parado na porta do quarto feminino em meio a uma torrente de arrependimento e raiva.

- Akira. - a voz de Vladmir. - Você vem?

Obrigo minhas pernas a se moverem até os dois garotos que estão mais a frente no corredor. Chego até eles e seguimos o caminho de volta para nosso quarto. Acabou a festa do pijama.

Chegamos no quarto e Bernard se joga na cama que escolheu pra si, a da direita.

- Uau. - ele suspira. - Quanta novidade para um dia.

Me deito na cama do meio e me apoio em um travesseiro.

- Akira, posso te fazer uma pergunta? - questiona Vladmir, que para em frente a um espelho.

- Claro. - minha voz sai dos lábios cansada e arrastada.

- Está tudo bem entre você e a Ani?

Aquela pergunta me irrita, mas não deixo que o sentimento transpareça. Foco no reflexo dos olhos dele, em meio aquela penumbra, e dou um meio sorrisso, o mais falso que consigo.

- Estranho você perguntar. - digo, provocando. - Eu ia perguntar a mesma coisa pra você. Como vocês estão depois do beijo?

Ele arregala os olhos em pânico.

- Como...

- Você não parou de pensar nisso, cara. - digo. - Deve ter sido realmente interessante, mas não acho que Sophia deva saber. - olho para Bernard, que está deitado na cama ao lado. - Ela não vai saber por mim, ao menos.

Bernard levanta os braços em rendição, indicando que manterá o segredo.

Vladmir se senta na cama a minha esquerda e fica meio inquieto. Bernard se apoia nos braços e olha pra mim de um modo questionador.

Dou de ombros. Se ele não se sente confortável para falar, é melhor mantermos o silêncio.

O tempo se arrasta enquanto vejo o marcador digital na parede. As horas passam de maneira bem lenta quanto precisamos que elas corram.

Vladmir dorme mais rápido que eu e Bernard e, alguns minutos depois, uma tristeza me invade. Vejo Sophia andando sempre de mãos dadas com Vlad e percebo que esses pensamentos e sentimentos não são meus. Me viro pra Bernard:

- Ei. - sussurro. - Não precisa ficar assim, é só uma garota. Terão outras.

- Eu sei. - recebo em resposta.

- Credo. Pareceu que eu tinha 50 anos agora. - dou risada, e ele também.

- Como se isso fosse possível. - ele diz entre risos enquanto se vira para dormir.

O relógio bate 3:13 e eu me levanto da cama e acordo Vladmir:

- Vladmir, estou indo. Fica de olho caso algo saia do esperado.

Ele esfrega os olhos para afastar o sono e faz um aceno de cabeça. Saio, me dirigindo ao quarto das meninas.

Paro na porta e espero, até que ouço a maçaneta e me deparo com Malika, que me lança um meio sorrisso. Anippe vem logo atrás, com uma camiseta branca que, por pouco, não é transparente o suficiente para ser indiscreta. O shorts que ela usa é do mesmo tom escuro que minhas calças. E o cabelo em um coque rebelde e assanhado. A única que diferia das garotas é Malika, que usava os cabelos soltos; e também a cor dos chinelos.
Ela para a minha frente e me olha nos olhos. Dá um passo para dentro do quarto e verifica a hora no relógio digital da parede.

3:15.

Perfeito.

Anippe toma a dianteira sem nenhuma palavra, como se conhecesse o caminho.

'Acho que você deveria ir na frente, moça do gelo.', digo na mente de Malika. Ela sorri de um jeito bobo.
'E quem vai dizer isso à ela? Você?'
'Nem se eu fosse louco. Mas você tem uma lanterna, caso precisemos.'

Malika se move no escuro, deixando em mim o rastro do perfume do seus cabelos. Ela se coloca ao lado de Anippe e passa o braço pelo da outra.

Seguimos por corredores com infinidades de portas até chegarmos às escadas de emergência. Ao menos tenho que admitir, Anippe é esperta. O elevador só chamaria atenção a cada andar que descesse. Ela abre a porta que leva a saída de emergência e segura para que Malika passe, mas, quando vou passar, ela solta a porta, que bate, fechando-se.

Descemos uma quantidade tão grande de degraus que me sinto como se estivéssemos nos locomovendo do céu até o inferno.

Saímos do prédio em um canto escuro e entramos na brisa noturna. Damos a volta no prédio, sendo guiados por Anippe, margeando o contorno das edificações para evitar as câmeras de segurança.

- Temos que cruzar o pátio. - ela diz, buscando uma solução, e desaparece. - Andem naturalmente. - ela diz de algum lugar à nossa frente.

Pego a mão de Mali e ando até o meio do pátio, quando ouço o pensamento de um guarda.

'Anippe, volte. Temos problemas.'

Ela reaparece sem nenhuma preocupação.

- Mali. - ela diz com calma. - Não se assuste e não fale nada.

No instante em que Anippe toca a mão de Malika ela desaparece e Anippe continua visível.

- Como... - tento perguntar, mas sou interrompido.

- Tire a camiseta. - ela diz, imperativa.

Tiro a camiseta e ela me empurra em um poste de iluminação. Quando o guarda entra em nosso campo de visão, ela pousa os lábios nos meus e envolve meu pescoço, me deixando atônito.

'Não estrague tudo.', ela pensa.

O guarda se aproxima de nós e pigarreia.

Ela se desprende dos meus labios e desce as mãos, passando as unhas bem devagar por cada elevação no meu abdômen, deixando as mãos descansarem na linha da cintura, quase no cós da minha calça. Passo a mão esquerda pelo braço dela e a junto à mim, entrando na dança.

- Algum problema, senhor? - ela pergunta.

- Vocês estão longe do quarto.

O homem é alto e forte, no mesmo uniforme preto da guarda da OCRV, mas não impõe medo em Anippe nem em mim.

- Nós não podíamos nos pegar no quarto, não acha? - ela levanta uma sobrancelha. - Nossos amigos não iriam aprovar.

De repente o ar fica mais frio e o homem cruza os braços.

- Não fiquem passeando por aí. - ele diz, indo embora. - Voltem para os quartos.

Ele vai, um pouco mais depressa e, assim que desaparece, empurro Anippe.

- Dá próxima seja mais criativa. - visto minha camiseta. - Eu não sou como Vladmir. Não vou me deixar manipular por você.

- Hum. - ela ajeita a blusa que subiu um pouco, deixando um pedaço da barriga á mostra. - Ele foi bem melhor que você, e olha que ele era iniciante.

- Mas algo me diz que ele não gosta de garotas assim. - digo, sorrindo. - Atiradas. Creio que você não vai poder repetir. Pena.

- Eu não disse que eu queria repetir. - ela pisca o olho e me dá as costas.

Depois de uns segundos ouvimos uma voz que eu havia esquecido estar presente:

- Ani, posso aparecer de novo? - Malika pergunta insegura, de algum lugar. Ela torna a aparecer com a mão pousada na de Anippe e se confere, para ver se tudo estava ali. - Obrigada.

Continuamos andando em direção ao prédio no fundo do pátio. Malika ainda parece chocada com a encenação teatral entre eu e Anippe.

Malika aponta quando vemos uma grande quantidade de palha seca na parte de trás do prédio. Corremos em direção a ele e afastamos tudo, até descobrir um alçapão.

- Está trancado. - constato.

- Não é problema. - Malika diz enquanto pega o cadeado com a mão até ele congelar e o puxa com a maior facilidade. - Resolvido.

Ela levanta o alçapão e uma porta de ferro aparece.

- Há um leitor de digitais. - diz Malika.

Olho para Anippe, feliz por termos encontrado um problema, e levanto uma sobrancelha.

- E agora, sabichona? - pergunto a ela.

- Agora, meu querido. - ela diz enquanto reforça o coque do cabelo. - Vou dar à você um workshop de roubo. - ela pisca para mim. - E não vou cobrar.

Malika se afasta para dar espaço para Anippe. A egípcia coloca a mão no cós da calça e retira uma pequena embalagem de sombra para olhos.
Olho para ela confuso, tentando imaginar para que ela trouxe aquilo consigo. Ela parece imaginar o que eu penso.

- Nunca se sabe, né? - ela diz com a maior calma do universo. - E, se tivermos sorte, a marca da última digital ainda deve estar aqui.

Ela pega o pó e joga sobre o leitor e algumas linhas finas surgem. Ela coloca um papel fino, que também não sei de onde surge, sobre o pó e pressiona o próprio dedo. A porta se abre. Fico impressionado.

- Aprendeu? - ela me pergunta. - Na próxima aula cobrarei meus honorários.

Olho no buraco aberto e vejo o início de degraus em espiral descendo até onde a luz noturna permite. Malika pede para ir primeiro, alegando poder congelar qualquer obstáculo que aparecer. Não me oponho.

Entro por último e fecho o alçapão atrás de mim, mas não ficamos totalmente no escuro graças a lanterna da Malika.

A abertura é profunda na terra. Descemos os degraus, girando no mesmo eixo diversas vezes. O ar vai rareanto e a pressão aumenta nos meus ouvidos, e mais uns níveis abaixo começo a sentir a mudança de pressão e sinto que a sala é pressurizada e oxigenada.

No momento seguinte, chegamos à sala e a luz se acende automaticamente, certamente porque possui sensor de movimento.

A sala é enorme e cercada de tecnologia. O carro chefe da sala é um computador com três monitores de cerca de 32 polegadas. Uma prateleira na parede esquerda tem vários arquivos de diferentes cores. Fico com vontade de folhear cada uma daquelas pastas e ler cada detalhe que está por trás da Organização de Controle dos Recursos Vitais. Um armário com portas de vidro encostado num canto está repleto de pen-drives e cartões SD.

Malika se dirige ao computador, enquanto Anippe vasculha a estante. Eu vou até as pastas na prateleira. Retiro uma de cor vermelha e começo a folhear. Os papéis estão completos com planilhas de controle de distribuição de medicamentos. As divisões na pasta eram por país. Tento procurar alguma informação sobre Austrália ou Oceania, mas não encontro. Também não consigo encontrar qualquer referência à localização dessa base.

- Encontrei. - diz Anippe, que está com uma caixa preta de plástico na mão.

A caixa tem uma inscrição que não consigo ler. Ela abre e pega o cartão que está dentro e entrega a Malika.

Mali coloca o cartão na porta do computador, porém, quando abre o arquivo, não aparece nada na tela além de milhares de caracteres aleatórios e bagunçados.

Em meio àquela bagunça de letras e números, ouvimos um barulho vindo de cima. Todos paramos e nos entreolhamos.

'Fiquem em silêncio.' Digo para as duas.

Na hora eu penso em matar Anippe antes que sejamos pegos. Imagino como seremos punidos por estarmos buscando coisas tão secretas da Organização. Se não nos matarem quando nos pegarem, eu matarei Anippe.

Malika respira rapidamente e começa a exalar flocos de neve dos dedos, lidando da melhor maneira com o pânico.

Após alguns minutos esperando que alguém aparecesse descendo os degraus e descobrissem que estávamos vasculhando, respiramos melhor e voltamos ao cartão.

- Droga. E agora? - questiona Malika.

- Agora a gente vai embora. - digo. - Conheço alguém que pode nos ajudar com isso.

Malika retira o cartão da entrada e entrega de volta a Anippe, e vamos em direção a escada. Olho para trás e penso duas vezes antes de pegar um dos arquivos que estão na prateleira. Imagino que vários segredos estão escondidos no meio daquelas planilhas e documentos. Dou as costas e começo a subir os degraus, já sentindo a exaustão da subida.

Chegamos ao alçapão e escuto a voz de Anippe. Estava demorando.

- Sabe gatão, ainda estou esperando. - ela diz enquanto solta o cabelo, que cai em ondas douradas, displiscentemente.

- O quê? Não te prometi nenhum prêmio. - digo me fazendo de desentendido.

- Não, é verdade. Mas há algumas horas você falou que iria... Como é mesmo? Ah! Lembrei! - ela sorri, e imita minha voz. - "Olhar nos seus olhos e dizer eu te avisei"!

Olho para ela com raiva. Vejo Malika meio constrangida de estar no meio de nós.

- Você quer um pedido de desculpas? Ou ouvir que eu estava errado? - falo de um modo cuspido. - Não terei problema em lhe dar nenhum dos dois.

Ela me lança um olhar duvidoso.

- Não, gatão. Só você saber que eu estava certa já me satisfaz. - e me dá as costas jogando o cabelo e faz o seu desfile lento ao caminhar de volta para o prédio dos quartos.

Voltamos ao quartos nos escondendo na penumbra da mesma forma que fomos. Na volta, decidimos dar a volta no pátio ao invés de cruza-lo, e subimos até os quartos da mesma forma que descemos, pela escada de emergência.

Vou direto ao quarto e me jogo na cama. Os meninos acordam com o barulho que faço na porta.

- Conseguiram? - pergunta Vladmir.

- Sim e não. Mas Bernard vai conseguir.

- Como assim? - Bernard se manifesta.

- O cartão existe, mas não pudemos ver o que ele contém. Está criptografado. E você vai conseguir dar um jeito de ler.

Ele me olha confuso.

- Você não sabe.

- Cara, eu vejo como você olha para tudo quanto é máquina. E eu já ouvi seus comentários: "Se eu tivesse tal coisa..." Você consegue sim.

- Veremos. - ele responde.

Olho pra ele e sinto que posso confiar, mesmo com a sensação de que ele não gosta de mim.

Já estamos envolvidos demais e convivendo a tempo demais para eu não confiar nele. Em meio a esses pensamentos sinto meus olhos fechando.

Mais uma noite sendo peão da OCRV.
Ou seria menos uma?





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