Frio... Era a primeira sensação que Arthur notou ao adentrar naquela memória. Olhou em volta, tratava-se de um pequeno quarto, sem janelas, acolchoado. Câmeras em todos os cantos. Não, ele iria reformular a observação, tratava-se de uma cela.
–Não...-Sussurrou uma voz feminina, havia uma mulher ali, encolhida em um dos cantos daquele cubículo, ela tinha cabelos prateados, a pele emitia uma luz fraca quase tênue.
"Ela é um dragão fêmea... Da raça dos dragões brancos? Então existem outros?!" Conclui em pensamentos o dragão negro.
–Não... –Murmurava enquanto embalava algo em seus braços –Não podem tira-lo de mim... Não...
Arthur se ajoelho a frente dela, sabia que ela não o veria, tratava-se de uma lembrança do subconsciente do jovem dragão branco, devia ser uma de suas primeiras...
–Por favor...-Ela olhou para as câmeras, seus olhos azuis estavam vermelhos talvez devido ao choro, o dragão negro podia ver olheiras profundas bem como sinal de envelhecimento precoce em sua aparência, ela não devia ter mais que 35 anos, mas a profundeza de suas marcas faciais bem como o seu aspecto cansado obscureciam sua juventude –Não tire esse de mim...Vocês já me tiraram os outros...Pelo menos esse... –Um choro foi ouvido, o embrulho que segurava começou a se mexer, era um bebê.
Arthur se levantou subitamente ao ouvir a porta da cela ser aberto, dois homens adentraram vestindo macacões brancos e com máscaras de modo que ocultavam totalmente os seus rostos e ao mesmo tempo os protegia da luz que se intensificava no recinto. O dragão negro nada sentia, afinal aquilo era só representação de algo que ocorreu no passado não podia feri-lo e muito menos afeta-lo. Os homens avançaram e passaram por Arthur como se ele não existisse (o que de fato era verdade). A mulher tentava segurar o filhote, estava lutando e pelo menos conseguira afastar seus inimigos de si, o choro da criança dominava a pequena cela. Um terceiro homem entrou, este não usava as roupas dos anteriores, na verdade a única coisa que o protegia da luz era um óculos escuros que exibia em sua face. Tranquilamente se aproximou da mulher, esta tentou fugir, inutilmente... Não havia escapatório. O novo homem apenas tocou-lhe a mão e fincou uma das unhas na pele da fêmea fazendo com que essa emitisse um grito de dor.
–Não dramatize...- Sorriu –Você é da raça dos dragões brancos, não é? Se fosse outro dragão meu veneno já teria te matado...Seu poder de cura te proteger. Devia se considerar com sorte! –Nisso ele chutou o rosto dela a fazendo cair no chão acolchoado, apesar da dor que sentia ela ainda tentava proteger o bebê, seus braços tremiam, espasmos...
–Desista... Na verdade, deveria agradecer pela a oportunidade que lhe dei! Está segura, sendo a única a da sua espécie... Veja quantos filhotes você conseguiu ter graça a fantástica magia dos homens, também conhecida como engenharia genética e fecundação n vitro! –Riu alto –Eu te dei algo que você nunca poderia ter... Sua raça sobrevive devido a minha ajuda. Por isso tenho total direito...-Se abaixou e arrancou o embrulho dos braços já paralisados da mulher – De ter o produto do meu financiamento...
–Não ... –Fala debilmente –Esse não... Pelo menos esse...
O homem a ignorou, tiro os óculos escuros, já que a luz tinha diminuído e não poderia causar danos. Os panos sujos foram retirados de modo que o bebê que ali estava escondido ficou exposto, este emitia uma luz fraca e chorava fortemente.
–Bem vindo, produto 510-n. –Falou friamente entregando o bebê para um dos homens.
Arthur estava horrorizado com o que presenciara, aquilo realmente era verdade? Não era uma fantasia? Bem sabia que realmente aquilo era real... Sabia muito bem diferenciar lembranças de sonhos...
Aquela lembrança pelo menos indicava a origem do pequeno dragão branco, contudo era algo triste... Ele nem sequer tinha um nome e estava sendo tratado como uma mera mercadoria, sendo drogado ao longos dos anos, o deixando acordado apenas para aprender o básico, tal como falar e andar, mas fora isso todas as lembranças era apenas borrões.
A memória começou a se dissipar... Arthur agora flutuava no vazio escuro que eram as memórias do dragão branco.
–Não...O seu nome não pode ser apenas números e letras... Sua mãe não iria querer isso... Seu nome será Sion... –Concluiu o dragão negro.
***
Arthur abriu os olhos, tinha despertado do seu transe e pelo o que parecia o pequeno dragão branco também tinha aberto seus olhos, lagrimas escorriam de sua face.
–O que você fez com ele?! –Rosnou Tales puxando o dragãozinho para si –Você disse que não era perigoso!
–Ele não me machucou...-Soluçou o "nanico" –As lembranças...Elas...Elas que me machucaram...
–O que? –Tales o encarou confuso –Como assim?
O dragão branco mordeu o lábio inferior não sabendo como explicar... O que Tales iria dizer se soubesse que ele não passava de um rato de laboratório? Uma mercadoria? Que não tinha nome, tão pouco família... Não era nada.
–Sion. –A voz séria de Arthur o fez voltar seu olhar para o homem que exibia um sorriso amável –Esse é o seu nome...
–N-não...Não foi esse o nome que eles...
–Aquilo não era um nome, apenas um código, eu estou lhe dando um nome real...Seu nome será Sion, aposto que sua mãe iria gostar de saber que tens um nome próprio e com isso uma identidade.
Nanico, não, Sion sorriu limpando as lágrimas com as costas das mãos.
–Obrigado...-Falou se lançando sobre o dragão negro e o abraçando forte –Obrigado...
–Er... O que está acontecendo? –Perguntou Felix, expressando o que todos ali queriam perguntar –As lembranças do nanico foram tão ruins assim? Ele não tinha um nome e sim um código? Como assim?!
–Acalme-se Felix, uma pergunta de cada vez. -disse o chefe dos dragões negros acalentando o dragão branco que ainda o abraçava – Primeiro devo lhes dizer que aqueles humanos que Tales enfrentou não se tratavam de caçadores.
–Não? –Agora era a vez de Pablo inquirir, seu semblante antes tenso agora estava mais aliviado - Mas o que eles eram afinal?!
–Acredito que são empregados de alguém... Subordinados que somente cumprem as ordens que lhes foram dadas, que no caso seria proteger a mercadoria e garantir que ela fosse entregue ao seu destinatário.
–Mercadoria? O nanico era...-Tales fitou de relance Sion esse se encolheu ainda nos braços de Arthur.
–Espere...Arthur, você está querendo dizer que o nani-digo...Sion, era uma mercadoria? –Perguntou Theodor visivelmente insatisfeito com aquilo – Como os humanos...
–Existem humanos envolvidos, isso é verdade. –Interrompeu o dragão negro – Mas eles não são os lideres do processo, pelo menos pelo o que vi na lembrança de Sion existe algo pior por trás disso tudo...
–O que seria?
–Um dragão...
–Ah?! Um dragão está comercializando outros dragões se associando com humanos?! –Erich rosnou – Impossível!
–Foi o que eu vi, irmão... Infelizmente é a verdade.
Amélia observava tudo com um misto de surpresa e apreensão... Primeiro eles pensaram que se tratava de caçadores tais como se descrevia nas histórias medievais, agora a história tinha mudado totalmente. Dragões caçando dragões?!
–Isso é uma traição a raça! –Falou Alex –O conselho não iria permitir que uma afronta desta ocorresse!
–Acredito que o conselho não saiba disso...Na verdade todos nós acreditávamos que dragões brancos já não mais existiam. Esse dragão, pelo o que vi na memória, capturou a ultima dragão fêmea da raça dos dragões brancos e a fez... –Engoliu em seco.
–Já entendi...-Leonard ajeitou o óculos em seu rosto – Ele deve ter feito manipulação genética, fecundação in vitro a fazendo engravidar...
–Exato...Assim eles reproduziram dragões brancos...
Amélia sentiu um pesar em seu coração, aquele inocente e fofo garoto estava sendo tratado como uma espécie de produto? Sendo produzido e distribuído? Eles não levam em consideração que ele tem sentimentos, medos, sonhos?!
–Mas o que eles queriam com dragões brancos?
–Isso eu não poderei responder...Não deu para concluir por meio das memórias.
–Acredito que pode haver algo relacionado com a capacidade de cura desta raça...-Analisou Leonard – Eles poderiam, em teoria, curar qualquer tipo de doença. Muitos humanos pagariam milhões para a cura, não é mesmo?
–Mas... Quando eu curei Tales...Eu desmaie...Me senti tão fraco...-Disse Sion.
–Verdade...-Concordou Tales – Se ele usar muito da sua habilidade... Pode levar a exaustão!
–E se perdurar neste ritmo pode levar a morte. –Completou Pablo. Sion tremeu com aquilo.
–Pablo! –Repreendeu Felix .
–Er...Desculpe...
–Eu não quero morrer... –Chorou o menor.
–Você não vai! Nós te salvamos, não é mesmo? –Tentou acalantar, Arthur –Está seguro agora!
Sion forçou um sorriso para o mais velho, mas antes que pudesse falar algo sua barriga roncou.
–Ah não! – Tocou rapidamente seu abdômen magro –O que é isso?! Por que fiz esse barulho?! Tem algo dentro de mim?!
Felix tentou suprimir a risada tapando a boca com as mãos. Pablo virou o rosto para o lado enquanto Leonard filmava a cena em seu tablet.
–Você está com fome. Isso é normal de ocorrer. –Explicou Amélia pacientemente – Sua barriga está avisando que quer comida.
–Oh... –O dragão branco suspirou aliviado.
–Se quiserem eu posso levar ele a cozinha para comermos alguma coisa. –Sugeriu a humana, Tales rosnou baixo, mas ganhou um tapa na cabeça advindo do seu pai.
–Acho uma excelente ideia, ainda temos outras coisas para discutir! –Sorriu Arthur fazendo cafuné nos cabelos brancos platinados do menor.
–Obrigado, senhor...Arthur! – Disse Sion logo indo acompanhar Amélia para fora da sala.
O momento que eles saíram uma nova tensão dominou o local. Todos pareciam apreensivos com as descobertas recentes, nunca ninguém tinha imaginado que algo assim poderia ocorrer...Um dragão trair a própria raça e praticamente escravizar outra para fins unicamente comercias?
–Esse dragão parece mais com um humano do que de fato um dragão...-Quebrou o silêncio Erich.
–Não creio que seja verdade... Na época dos nossos antepassados, quando éramos ainda somente dragões em forma humana, fomos capazes de fazer coisas ainda mais atrozes, matar milhares de humanos e até matar outros dragões, nós comíamos a carne deles... Ou simplesmente matávamos por prazer. –Disse Arthur massageando a cabeça, aqueles acontecimentos o estavam deixando cansado – Com o feitiço ancestral e a possibilidade de mudança de forma acabamos nós tornando mais humanos, isso é um fato... Mas o que esse dragão está fazendo, mesmo segundo o ponto de vista humano, é errado!
–Quantos outros dragões brancos não estão sendo transportados e criados da mesma maneira que o Sion? Como não conseguimos ver isso antes? –Rosnou Pablo fechando o punho, estava furioso, talvez fosse melhor se tudo aquilo fosse obra de caçadores, afinal era um conceito antigo, algo que já estava preparado para lidar devido as histórias antigas...Mas um dragão como inimigo... Capaz de trair a raça daquela maneira? Aquilo era novo e estranho a ele.
–A pergunta certa, irmão , é que tipo de dragão está fazendo isso? –Disse o jovem dragão e segundo no comando do clã dos dragões vermelhos daquela região.
–Eu acho que eu sei que tipo seria... Um dragão verde. –Revelou Arthur.
–Tens certeza disso? –Theodor parecia relutante em aceitar aquilo, afinal tratava-se de uma acusação bastante séria.
–Eu o vi, na memória, fincando suas unhas na pele daquela que seria a mãe de Sion... Era veneno, e por ela ser uma dragão branca fêmea não iria morrer, mas pelo visto sentiu muita dor. Só um tipo de dragão tem a capacidade de produzir toxinas que são expelidas em suas unhas, dentes e saliva... Esses seriam os dragões verdes!
–Aqueles metidos a nobres! –Rosnou Erich –Eu vou ensinar a esses lagartos como um traidor deve sofrer! –seus punhos já estavam evolvidos por chamas azuis.
–Espere! Isso não significa que todos os dragões verdes estão envolvidos! –Interpôs Felix.
–Ele tem razão...Lembrem-se da guerra, quantos dragões negros sofreram por serem considerados culpados por crimes cometidos por uma minoria. –Havia um evidente ressentimento na voz de Alex, lembranças dolorosas de sua infância tinham ressurgido em sua mente.
–Temos que investigar isso de forma cautelosa... –Falou Pablo –Não podemos ir ao conselho sem provas. Sem ofensa Arthur, mas muitos dragões não irão confiar em suas palavras, muitos não confiam em sua habilidade e muito menos na sua raça...
–E o fato de Sion existir não seria uma forma de prova?! –Rosnou Tales.
–O que temos somos provas circunstâncias e não matérias. –Explicou Leonard.
–Tsc...E o que isso significa?!
–Significa, meu caro Tata, que não temos como provar nada...Pois só temos nossa palavra!
–E os humanos?! Se o capturarmos e levarmos ao conselho? Isso seria uma prova! –Sugeriu Felix –E a caminhonete que ele estava trancafiado? Isso também poderia ser usado!
–Isso sim... –Sorriu o líder dos dragões vermelhos – Podemos trabalhar nisso!
–Buscar os humanos e reaver o veiculo deles... Isso parece ser um procedimento correto. –Concordou Theodor.
–Teremos que fazer isso rápido, pois creio que quem está por trás de tudo isso deve também estar planejando de alguma forma apagar as provas... –Analisou Leonard.
–Pelo menos agora temos um plano e vamos pô-lo em prática! – Sorriu mais confiante Pablo.
O grupo concordou, iriam descobrir a verdade por trás daquilo tudo... Iriam capturar o dragão traidor.