Infected

By groupinfected

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Vencedor The Wattys 2016, na categoria "Inovação". #4 em Aventura (21/01/2017) SAGA INFECTED - LIVRO I Nu... More

Recado do Group Infected para você
Prólogo
Capítulo I
Capítulo II
Capítulo III
Capítulo IV
Capítulo V
Capítulo VI
Capítulo VII
Capítulo VIII
Capítulo IX
Capítulo X
Capítulo XI
Capítulo XII
Um (novo!) convite do Group Infected para você
Capítulo XIII
Capítulo XIV
Capítulo XVI
Capítulo XVII
Capítulo XVIII
Capítulo XIX
Capítulo XX
Capítulo XXI
Capítulo XXII
Capítulo XXIII
Capítulo XXIV
Capítulo XXV
Capítulo XXVI
Epílogo
Agradecimentos
No próximo livro...
Aguenta Coração!
É amanhã! (e não é pegadinha de 1º de abril)
Wanted no ar!
Todo nosso amor
5 anos de Infected com novidades!
Antes tarde do que... bem, do que mais tarde
"Nosso" canal no YouTube

Capítulo XV

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By groupinfected

Akira Yamaguchi

Por apenas um minuto, eu vislumbro minha vida antes dela me abordar no elevador. Não era uma vida perfeita, nem de longe, mas era boa o suficiente para mim. Os planos pro futuro começavam a nascer na minha cabeça: profissão, mulher, filhos. Relembrar essas coisas agora é como o momento em que você acorda de um sonho. Tudo é penumbra no mais puro borrão, e você não consegue identificar exatamente o que se passou.

Não me vejo mais naquela vida pacata e abandonada. Não sinto saudades de nada, apenas de uma coisa, um alguém. Mas retiro de mim esse pensamento maluco.

- Ei! Vá devagar. - resmungo.

- Desculpa. - ela diz entre risos. - Isso nem está doendo, Akira. Pare de graça.

Realmente não está doendo, mas vê-la trabalhar na minha perna me agoniza. Se não fosse a injeção que ela aplicou, tenho certeza que eu já teria desmaiado de dor. Essa bala alojada na minha perna é a pior coisa do planeta.

O ferimento não sangrava até Mederi inventar de tirar essa coisa. Aisha tinha me salvado com aquela pomada milagrosa e Anippe com o curativo. A pele ao redor do buraco já estava se reconstruindo, o que proporcionou o mínimo de movimentação, e foi o suficiente; mas apesar de eu não perder mais sangue, Mederi me disse que aquela bala poderia se locomover no meu corpo e acabar perfurando uma artéria na coxa. Não discuti.

Ela puxa a pinça com o pequeno projétil entre os ganchos. Olha pra mim com os mesmos olhos que eu vi na noite em que aceitei segui-la, olhos de vitória. Tomo coragem, olho para baixo e, na mesma hora, me arrependo. Não está nada bom.

Minha coxa branca está toda colorida com o rubro do sangue e o buraco por onde a bala entrou dobrou de tamanho. Não só aumentou de tamanho como ficou bem pior. Um parafuso tentando adentrar o furo de um prego faria menos estrago do que aquilo que tinha se tornado (a porta de entrada para o inferno que eu chamava de coxa).

Ainda bem que eu não senti nada.
Mederi coloca a bala em um tipo de becker com tampa, fecha os pontos e monta um curativo.

- Pronto, rapaz. - ela me dá uma palmada na barriga. Continuo deitado e observo enquanto ela tira as luvas. - Levanta daí é vá seguir sua vida. Herd nos dará um feedback sobre a missão. Apesar dos pesares, creio que tenha saído bem.

Não sei se esse "saído bem" quer dizer, exatamente, que fizemos o trabalho.

Tento me levantar, o que é o pior erro desde ter aceitado a missão. A perna está totalmente anestesiada, o que não me permite sentir o chão quando piso nele. Resultado: desabo parecendo uma grande porção de carne morta.

Mederi ri alto da cena hilária que proporciono. Ela traz uma cadeira de rodas e me suspende até o assento. A facilidade com a qual ela me levanta me lembra da sequela em grande escala que a guerra deixou.

Ela me empurra para fora da sala; isso não me felicita nem um pouco. Abaixa-se colando nossos rostos, fazendo com que seus cachos me atinjam, para sussurrar em meu ouvido.

- Não está parecendo muito confiante. - ela ri e reassume sua postura. - Eu paro quando chegarmos à sala de reuniões e deixo você empurrar com as mãos.

Garota irritante, mas é uma irritação que eu gosto. É quase o que eu sinto quando chego perto de Anippe, mas aquela egípcia me irrita um pouco mais. Talvez pelo fato de sermos muito parecidos. Ou muito diferentes.

Chegamos à grande porta de mogno.

- Obrigado, eu consigo daqui. - depois de três tentativas em vão, noto que todos meus sentidos estão comprometidos. Eu não consigo. Olho para a ruiva que continua rindo, e isso faz com que eu ria também.

Adentramos a sala e todos já estão sentados na mesa onde recebemos a missão. Vladmir vê minha situação e me cede o lugar na cabeceira.
Agradeço silenciosamente com a cabeça e ele acena. Acho que ele não me odeia, mas não tenho certeza de alguns outros.

- Agora que todos já estão aqui, - e Markus se dirige a mim como se eu fosse culpado. - posso começar as explanações sobre o que foi bom. E o que não foi. - ele se vira para Bernard e o garoto finge, muito bem, que aquela indireta não era para ele. - Vocês conseguiram salvar a maior parte daquele carregamento. Alguns empecilhos foram surgindo, mas a maior parte foi boa. Anippe, você foi a que teve maior desenvoltura. E você, Akira, foi o peso morto da equipe. - aquela frase cuspida me atinge. - Treine mais para a próxima.

Olho para ele com cara de indignação, mas não questiono. Sei o quanto falhei com todo mundo. Aquele tiro me tirou da jogada e de toda a ação, não só me impossibilitou e desprotegeu como também dificultou a vida de Aisha, que foi incumbida de cuidar de mim, e Anippe que teve que se virar sozinha na maior dificuldade.
Bernard também é repreendido por ter "se deixado capturar" (como se ele tivesse culpa). Apesar de sentir que ele não gosta muito de mim, sinto raiva pela injustiça.

Logo que Markus termina e nos libera, Sophia me ajuda com a cadeira de rodas.

- Obrigado. - digo a ela, que caminha com Bernard ao lado.

- Não é nada. E aquela conversa de antes da missão... - ela para e olha para o garoto, desconfiada.

- Eu me lembro. Não se preocupe.

Bernard faz uma cara de perdido. Imagino que Sophia não queira guardar segredos dele, afinal eles são tão próximos quanto eu e Aisha. Mas algo em Sophia mudou quando voltamos. Não faço ideia do que seja, mas ela está diferente. Talvez seja mais... confiança?

Entramos no elevador e subimos os andares até nossos quartos/celas.
Bernard me leva até o fim do percurso, já que Sophia ficou no quarto dela.

- Você gosta dela, né? - sussurro.

- Quê? Não! Eu e Sophia somos apenas bons amigos.

- Mas eu não falei o nome de Sophia. - sorrio, ele deixa os ombros caírem percebendo a derrota.

- Você poderia, sei lá, ler a mente dela ou algo assim. - ele diz enquanto me ajuda a deitar na cama.

- Parece que todos já perceberam que você tem uma queda por ela. - digo em meio a um bocejo. - Menos ela.

Infelizmente, ele pensa ao sair do quarto.

Depois de uns minutos, sinto um vento forte vindo de fora e me levanto para fechar a porta do meu quarto que está aberta. Ouço um riso fraco e vejo uma sombra se movendo no corredor. Levanto-me com cuidado, mas ao que parece o efeito anestésico já me abandonou, o que não é de todo bom, já que sinto, levemente, os pontos na minha perna.

Quando chego à porta, vejo Mederi na extremidade oposta do corredor. Tudo parece quieto, então a sigo.
Enquanto caminho, ela solta um papel no chão e dispara. Corro e pego o papel do chão.

"Livre sua mente."

O corredor se estende em uma única direção até que chego a uma bifurcação. Ouço a risada dela e não consigo identificar de qual lado vem. Concentro-me nos pensamentos e mal consigo sentir sua mente. Entro no lado direito, rezando à sorte, para que ela esteja ali. Então, no fim, vejo uma única porta e nela está um bilhete preso. Corro até lá e pego o papel.

"Aumente o alcance."

Tento abrir a porta, mas está trancada. Ela está brincando comigo. Dou meia volta e retorno meu caminho, até que escuto o som da fechadura girando. Volto para a porta, que leva a uma escada de emergência, e vejo uma luz neon azulada que vem dos andares superiores.

Subo as escadas enquanto acompanho o brilho azul aumentando. A risada de Mederi aumenta de volume. Aquela perseguição me deixa curioso para encontrar o fim.

Quando chego ao telhado, vejo um holograma do rosto de Mederi. Dou um soco e ele se desintegra, deixando cair apenas um chip eletrônico. Fico confuso.

- Achei que você era mais inteligente. - ela vem subindo as escadas. - É lindo, né?

- Eu? - brinco. - Se você está dizendo...

- Lindo e humilde. - ela revira os olhos. - O sol. Não tem como discordar, Akira. É lindo. - ela se senta na beirada do prédio, com as pernas cruzadas. Olha pra mim e bate com a palma no espaço ao lado dela.

Sento-me, com as pernas pendendo no ar, e ela retira de dentro do casaco duas garrafas de cerveja.

- Você me ofereceu uma bebida no nosso primeiro encontro. Posso oferecer uma a você?

Pego a garrafa de bom grado. Retiro a tampa e dou um gole. Ela desce gelada na minha garganta enquanto fecho os olhos. Uma paz que há tempos não sentia me preenche.

- Aquilo foi um encontro? Pareceu-me um sequestro.

Ela deixa os olhos embebedarem-se no entardecer, dando uma cor mais vibrante às suas safiras. Ela está linda. O cabelo alisado, preso em um coque frouxo. Seu uniforme preto deu lugar a casaco marrom velho e um vestido simples amarrotado. Sandálias de fitas nos pés tomam o lugar dos saltos pretos.

Deito no concreto e dobro os braços atrás da cabeça, deixando-me embriagar daquele torpor que o restante de luz solar proporciona. Ela se deita e pousa a cabeça no meu abdômen. Fecho meus olhos e durmo.
Desperto com a brisa noturna me açoitando o rosto. Mederi dorme. Vê-la naquela paz me faz pensar duas vezes antes de levar uma mão ao seu cabelo para acorda-lá.

Observo ela despertar e o cabelo se desenrola, caindo solto. Ela passa as mãos pelos fios atrás na presilha que segurava o penteado, prende o grampo entre os dentes e remonta o coque. Observo a cena me entorpecendo no mar de cheiros que emanam dela.

Ela sorri, involuntariamente, enquanto mexe os braços e cabelos. Olha-me e me dá um empurrão.

- Que foi?

- Nada. - respondo. - Só que... Você fica tão mais bonita sem aquela roupa preta.

Ela me olha e se levanta. O vestido bege esvoaça, ganhando um brilho prateado do reflexo da lua .

- Para de falar besteira. - e estende a mão para mim.

Ancoro-me nela e levanto. Ela me puxa forte demais e nossos rostos acabam parando a menos de 30 centímetros de distância. Ela passa a mão em meus ombros e puxa-me para perto.

Sinto sua respiração tocando meu pescoço.

- Você não vai querer fazer isso.

- Talvez eu queira. - ela dispara e olha nos meus olhos, fazendo a ponta dos narizes se encostarem. - Ou talvez não. - tira a mão de mim e me empurra. - Vamos embora, você tem que dormir.

Sigo para o quarto com Mederi me guiando. Os corredores estão tão silenciosos que o mínimo de ruído que os sapatos fazem parece um show de rock. Chego à porta e entro no quarto. Abro a boca para falar com ela, mas ela coloca dois dedos nos meus lábios.

- Nada. - ela sussurra. - Foi o que aconteceu. Nada.

Volto para minha cama e deito para dormir, tentando resgatar cada minuto daquele entardecer.

Dois minutos depois e eu apago, mas não tenho muito tempo de descanso até alguém me acordar batendo na porta.

- Acorda, príncipe. - Anippe bate na porta. - Markus nos deu 30 minutos para estarmos na sala de reuniões.

- Que horas são?

- Não faço idéia. Arrume-se. - ela sai do quarto batendo os pés duramente no chão.

Me pergunto quantas vezes mais aquele cara vai nos privar do sono. Levanto da cama e me dirijo para o banheiro. Lá encontro Bernard e Vladmir.

- Sua perna esta melhor? - questiona Vladmir. Bernard se limita e me dirigir um sorriso fraco e sai do banheiro.

- Incrivelmente. - respondo seguindo para um dos chuveiros enquanto Vladmir também sai do ambiente.
Retiro as roupas e deixo a água escorrer pelo meu corpo. Retiro o curativo que está na minha perna e lavo os pontos com bastante sabão. Não arde muito, mas proporciona um alivio imenso. Pego a toalha e me seco.

Olho ao redor e vejo o uniforme pendurado no cabide. O casaco abotoado lateralmente e as calças justas terminadas em coturno preto. Ajeito os cabelos no espelho e saio do banheiro.

Ando devagar nos corredores e encontro Anippe em frente ao elevador.

- Belo uniforme! - meço-a da cabeça aos pés. O corpo escultural espalhado dentro do uniforme azul escuro. Ela veste uma camisa de botão, com dois bolsinhos no busto, que chamam a atenção para o volume dos seios. As mangas terminam na altura dos cotovelos, com charme. Os quadris estão rodeados por uma saia pregada até o meio das coxas e as pernas cobertas por uma meia calça escura com uma bota preta sem salto no meio da perna.

- O seu também. Muito melhor do que aquele pijama horroroso que todo mundo usava antes. Quer dizer, todo mundo, menos o príncipe.

As portas do elevador se abrem e entramos. Enquanto as portas se fecham, disparo para ela:

- Botões fechados. - sorrio levemente. - Uma pena.

Ela me lança um olhar cínico e pretensioso e pisca um olho.

- Convença-me a abrir.

A provocação dela me deixa a cada segundo mais perto de fazer uma bobagem. Fico de frente a ela e apoio um braço na parede, quase colado ao rosto dela. Desço o dedão da mão direita lentamente pelo queixo em direção ao pescoço dela.

- Convença-me a deixá-los fechados.

- Talvez eu não queira te convencer. - ela olha para o lado, disfarçadamente, como se houvesse mais alguém ali.

A mão de Anippe segura a minha quando chego ao primeiro botão. Rapidamente seguro o pulso dela e prendo acima de sua cabeça. Repito o movimento com o outro braço.

- Talvez eu não ligue para o que você quer.

Fito seus olhos, procurando uma fuga. Não encontro.

- Você sabe que eu poderia te atirar do outro lado do elevador agora. - ela morde o lábio inferior, e aquilo me faz querer o mesmo. - Se eu quisesse.

Aproximo nossos lábios e mordo, puxando levemente os dela. Solto seus braços, que caem levemente em meus ombros. Ela se vira de forma graciosa, emparedando-me. Passa as mãos pelos compridos fios dos meus cabelos e puxa enquanto escorrego as mãos pela sua cintura.

- Não começa...o que você não pode terminar...

Fecho os olhos com a intenção de me deixar levar pelo momento, mas não tenho esse privilégio, pois sou interrompido pelas portas da cabine que se abrem.

Anippe se afasta de mim e olha para o corredor, ele está vazio. Limpo uma mínima gota de suor que escorre na minha testa com a palma da mão. Tiro o casaco e levo no braço, ficando apenas com a regata azul justa.

Olho a garota que segue silenciosa do meu lado. Meu coração bombeia mais sangue do que normalmente é capaz. Sinto novamente aquela sensação estranha de quando ficamos sozinhos na floresta.

Ainda tento descobrir as emoções conflitantes que essas situações causam à ela. Estar ao seu lado me desestabiliza quase tanto quanto uma balança desequilibrada. Olho para ela buscando um feto de sentimento que não sei se existe.

Dou um sorriso perdido quando me lembro dela seguindo para o guarda. Agora a situação se torna engraçada, mas na hora eu só sentia desespero e raiva. Bernard estava perdido e tínhamos que ir embora. Ela disse que resolvia. E foi o que fez. Mas de que forma? Eu não quis saber. Uma chama invadiu meu rosto e eu fiquei com medo de alguém notar que corei. Quase consigo sentir novamente a fúria dos cachos sendo jogados para trás. Tenho um vislumbre dela se movimentando enquanto leva as mãos à camisa. Meu corpo todo se retorceu por dentro enquanto observei o rosto do guarda, a sede com a qual ele pousou os olhos nela. Mediu-a da cabeça aos pés e dos pés à cabeça para ter certeza do que via. E eu via o mesmo, de um ângulo diferente, mas não importa o ponto de vista, a cena era linda.

Ela tinha um jeito leve de se mexer, quase como se ela pudesse ser influenciada pela mais leve brisa, dada a densidade que seu corpo demonstrava. Ela se aproximou do homem e começou a falar palavras que não tentei entender. Enquanto eu bufava, ela sussurrou algo no ouvido dele e virou as costas. Voltou para nós rebolando como se estivesse participando de um antigo videoclipe musical, parou no meio do caminho virou o rosto e piscou para ele.

Aquilo foi a gota d'água para mim.

Levantei-me e fui falar com ela, meio que para acabar com aquela cena.
Mesmo depois que todos foram atrás de Bernard, ela não me ajudou.

Enquanto ela limpava o ferimento, o decote balançava, me chamando à atenção. Tentei não olhar (muito), mas era inevitável. Tudo dela parecia que tinha uma luminosidade diferente pelos meus olhos.

Agora, nossos pés batem no chão seguindo um ritmo como numa canção silenciosa. A canção estava ali, no meu coração e no dela. Só precisávamos ajustar o tom, a frequência e o tempo. Olho para Anippe e vejo que realmente está tudo ali.

- Por que você é tão difícil de ler? - questiono.

- Como assim? - ela me olha confusa.

Às vezes acho que ela abusa do bom comportamento. Sua delicadeza e beleza se perdem na pergunta simplória.

- Você me parece tão indecifrável. Seus olhos, seu jeito. Tudo parece tão... - faço uma pausa. - inalcançável.

Ela abaixa a cabeça em rendição e sorri.

- Quer dizer que minha mente está além da capacidade de leitura do Príncipe?

Até me irritando ela me arranca alegria. Prendo o sorriso entre os dentes e olho para frente.

- Mais do que parece. - digo ajeitando os cabelos. - Queria muito saber o que se passa com você, para saber o que fazer a seguir. Com você, nunca sei qual é o próximo passo.

- Você quer que eu te abra a minha mente. Mas e a diversão, fica aonde? - ela joga as ondas alouradas para o lado, passando os dedos entre os fios.- Não abrirei mão do mistério que encanta e intriga o príncipe. Se bem que você não teve problema com isso ontem, na clareira. Eu pude sentir você entrando na minha cabeça.

- Mas foi uma situação diferente. - olho para o chão. - Depende da sua frequência. Praticamente, você decide se eu poderei me comunicar ou não. Não é quando eu quero.

Ela para e segura meu pulso, me obrigando a parar também. Olha tão profundamente dentro dos meus olhos que imagino que ela mesma possa ler minha mente.

- E o que você leu em mim? - ela questiona.

Por um minuto eu penso em inventar um milhão de mentiras para contar. Talvez se eu disser que vi os sentimentos, ela me conte tudo. Mas e se ela me perguntar quais sentimentos eu vi? Se eu disser que sei o que se deseja em mim, o que ela quer comigo... Mas eu não posso me permitir cair novamente. Quantas vezes mais vou me deixar entregar por uma pessoa sem saber se o sentimento é recíproco? Não posso.

- Vamos usar uma metáfora. - digo a ela. - Se eu fosse um filtro de cores, desses usados em digitalização de imagens e só conseguisse filtrar as cores primárias, você seria o meu laranja.

Ela solta uma leve gargalhada.

- Laranja? Então eu não combino nem rimo com nada. - para de rir. - Ou você consegue entender todas as minhas cores e nuances, mas não consegue me decifrar.

- É mais como um código binário que eu não consigo ler. Como se o meu processador fosse obsoleto para sua tecnologia. - abaixo a cabeça rindo. - Não que você seja muito mais evoluída do que eu.

Não consigo diferenciar se ela é uma boa atriz ou se a sinceridade daqueles olhos é real.

- Ah, mas eu com certeza sou mais evoluída que você. Você não consegue me ler, mas eu consigo ler você. - ela parece segura demais, mas singela.

- Então me diga. O que você lê? - fixo os olhos nos dela para aumentar as chances dela conseguir sentir algo. Não sei se ela segue uma intuição feminina ou apenas a própria experiência.

Ela solta meu pulso, mas ainda sinto a pressão que seus dedos exerceram na minha pele.

- Você me quer. - ela para, parecendo desconfortável. - Mas ainda não sei se é algo concreto, ou se você me encara como um desafio, apenas mais uma conquista de uma noite. Eu só te peço uma coisa, Akira... Se for para brincar comigo, não se aproxime. Não finja. Não minta.

Sendo justo comigo mesmo, nem eu sei. Mas mesmo que seja algo concreto não seria um desafio? Toda conquista é um jogo. Mas eu ainda não tinha o jogo ganho, e eu não precisava da telepatia para ver isso.

Sentimento é algo muito verdadeiro e puro. Eu só senti o que começo a sentir por Anippe uma vez. Não deu certo. Só de pensar em Yoko... Não. Eu jurei para mim mesmo que não pensaria mais nela. Mas a comparação é inevitável. Anippe e ela são tão diferentes.

- O seu silêncio me é suficiente. - ela continua andando e eu fico sozinho no corredor.

Sigo a garota, cabisbaixo. Arrependo-me de ter permitido aquela conversa. Quando chego à sala de reuniões, nenhum dos agentes da OCRV está lá. A mesa está vazia e todos estão distribuídos ao longo do ambiente. Vou para o lado de Aisha.

- O que aconteceu?

Fico com receio de responder. A situação com Anippe já não está das melhores, se ela descobre que as pessoas falam sobre ela, eu não sei o que ela pode fazer.

- Nada. Só estou meio aéreo. Muita coisa que passamos. - digo. - E você, está tudo bem?

Anippe chega junto de Vladmir e Sophia e começam a conversar, parecendo tão secreto que tenho até medo de questionar. Sophia cora, tornando quase impossível distinguir a cor do seu rosto e dos seus cabelos. Vladmir mantém a expressão branda. Ele gesticula alguma coisa que não entendo e Anippe se vira pra mim. Na mesma hora eu viro o rosto para Aisha.

-Aisha, você me ouviu?

Ela parece estar longe, quase inatingível. Chacoalho seus ombro para chamar a atenção dela.

- AISHA. FALE COMIGO!

-Oi?

-OI?!

- Desculpa Akira. Eu estava pensando. - ela responde.

- Nota-se! - digo brincando. - Quase derrubam o prédio e você não ia prestar atenção.

Me arrependo mortalmente de ter dito aquilo quando vejo o que ela está pensando. E eu também não estava bem com aquilo.

A cena de Pzcherwodovsky tendo uma síncope se repete na cabeça da garota. A brutalidade com a qual a doença chega para ceifar o resto de sobrevivência pela qual todos lutam foi demais para todos.

Todos sabem que a guerra acabou, mas a batalha continua em cada ser humano que ainda vive nessa terra. Os médicos e pesquisadores ainda tentam encontrar um jeito de evitar essa morte súbita e sofrida pela qual todos seremos obrigados a passar. Mas entre saber que uma coisa ruim existe e presenciar uma cena como aquela há um abismo de distância.
Além da morte do refém, foram diversos assassinatos. Mas tenho que lembrar que eles estavam roubando de pessoas que não tinham culpa da situação deles. Todos têm igual direito, não é justo eles privarem outras pessoas de sobreviver. E todos sabem o fim de quem rouba. Morte. Mesmo sabendo que aquilo era uma atrocidade, tento pesar no lado certo, aquilo é ilegal.

Fico meio desnorteado. Apenas agora me questiono.

'Onde foi que me meti?'

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