EU ESTOU ESTÁTICA, sentindo o pesar das ações de terceiros me sobrecarregarem. É como se uma granada estivesse em minhas mãos, pronta para ser detonada a qualquer momento, trazendo consigo um rastro de destruição e que infelizmente não há nada que eu possa fazer para que essa consequência seja evitada. Pelo contrário, eu serei totalmente responsabilizada e culpalizada por atitudes gatilhadas de outras pessoas, em específico o acontecimento que envolveu a briga entre Sean e Harry.
A postura autoritário e severo é mantido pelo Sr. Velmonte enquanto ele aguarda a minha aproximação. Eu por outro lado, tento arquitetar em minha mente uma forma de livrar-me da armadilha em que eu estou prestes a cair. O olhar de meu pai avalia atentamente cada gesto meu e sua expressão evidência o desconforto e o certo irritamento que o rondam nesse momento.
Afinal realizar conversas com diálogos sérios ou de repreensão nunca foram o lado forte de meu pai, essa missão sempre foi realizada com muito êxito por minha mãe. Entretanto, ele já não pode mais contar com a ex-Sra. Velmonte para assumir a frente dos problemas. O olhar descontente de meu pai fita-me e eu concluo que não existe uma escapatória possível para esse momento. Aceito, a contragosto, a responsabilidade da qual é me emposta, expirando o ar de meus pulmões, tentando aliviar-me da tensão que domina-me.
Eu caminho de encontro ao Sr. Velmonte, sentando-me no sofá, próximo da poltrona em que ele está sentado. Meu pai massageia uma de suas têmporas, reavaliando em sua mente cada argumento que será usado em nossa conversa, á medida que se mantém em silêncio e seus olhos observam-me severos. E após alguns segundos silenciosos e agonizantes, ele finalmente se manifesta.
─ Você pode explicar o motivo de toda aquela confusão ontem na porta da minha casa, Amélia? ─ Por mais que meu pai tente controlar é evidente o quanto o desentendimento entre Harry e Sean o deixou enfurecido, e o fato de eu estar envolvida no contexto faz com que sua raiva seja mais perceptível.
─ Sean veio aqui em casa querendo conversar, quando eu percebi que ele estava bêbado, eu pedi para que Sean fosse embora, mas ele se recusou a ir. ─ Eu pauso minha fala por alguns segundos, buscando as palavras certas para exemplificar os acontecimentos que sucederam naquele momento. ─ E então Harry apareceu e tentou conversar com Sean para que ele fosse embora, mas não adiantou. E o resto do que aconteceu você já sabe. ─ Eu refiro sobre a agressão de Harry em Sean, e meu pai concorda recobrando os acontecimentos em sua mente.
─ Você e Sean estão juntos? ─ O olhar castanho do Sr. Velmonte analisa minha postura, e é perceptível que ele espera por um resposta em negação.
─ Não, mas eu tenho a impressão de que ele acha que pode existir uma possibilidade de nos envolvermos novamente. ─ Eu suponho tendo como base as recentes atitudes de Sean.
─ Então, você precisa esclarecer isso a ele. Se você não tem a intenção de nutrir os sentimentos de Sean, ele deve estar ciente disso. ─ Meu pai é exigente com suas palavras, e a minha vontade é de dizer que de fato essa conversa entre eu e Sean já foi feita. Mas, prefiro seguir sua orientação com o intuito que esse diálogo chegue logo ao fim.
─ Eu irei conversar com Sean.
O Sr. Velmonte aparenta satisfeito com a minha resposta á medida que eu preparo a minha retirada do local, entretanto o olhar de meu pai deixa evidente que existe algo a mais a ser conversado. A sua mão acena para que eu permaneça sentada no sofá, confirmando a minha suspeita ao passo que eu não sinto as melhores das sensações no momento.
─ Nós precisamos conversar sobre o Harry. ─ Meu pai justifica o motivo do seu desejo que eu permaneça e eu sou surpreendida por suas palavras. ─ Eu não gosto do fato dele estar no meio dessa confusão toda.
Eu não aceito o tom de voz usado por meu pai, que sugere que toda essa situação teve ocorrência por minha culpa. E eu sinto indignação pelo o seu ato de estar tomando partido de terceiros ao invés de ficar ao meu lado, pois convenhamos que de toda a história ele não sabe um terço. As minhas palavras tomam forma em minha mente, mas sou impedida de falar pela voz do Sr. Velmonte que toma a frente e inicia novamente seus argumentos.
─ Sabe Amélia, quando o Harry se mudou para a edícula, ele era diferente. Estava sempre calado e distante, era uma pessoa solitária. ─ Diferente das palavras pronunciadas anteriormente, dessa vez meu pai está calmo e é perceptível o tom preocupado que sustenta sua fala. ─ E eu estou percebendo
que aquele velho Harry está voltando pouco a pouco, ele está começando a se fechar novamente.
─ Por que você está me dizendo isso? ─ Eu pergunto, tentando alinhar os pensamentos de meu pai em uma conclusão que no momento eu não consigo ter.
─ Porque eu sei que existe algo entre vocês dois.
─ Não há nada entre nós. ─ Eu nego, impedindo que meu pai faça novas afirmações. Mas, seu olhar fita-me suspeito, duvidando da veracidade das minhas palavras. ─ Harry nem ao menos quer ser meu amigo. ─ Eu afirmo, e meu pai aparenta surpreso com a minha revelação.
─ E por que não?
─ Eu não sei, pai. O Harry é dono da própria vida e de suas escolhas, talvez se você perguntar a ele, você tenha uma resposta diferente da que foi dada a mim! ─ Respondo com hostilidade, percebendo que eu não estou suportando mais ter essa conversa.
─ Amélia, você deveria dar tempo ao tempo. Nada ocorre da maneira que queremos ou esperamos. ─ Meu pai é calmo com o uso de suas palavras, que tem como objetivo conter a minha hostilização. ─ Harry não é como os seus amigos, tente pensar sobre isso.
Eu permaneço em silêncio, encarando meu pai, á medida que eu tento controlar o meu descontentamento, a fim de não o infligir com minhas atitudes agressivas no momento. Por outro lado, o Sr. Velmonte está empenhado em desvendar a confusão mental que acerca-me.
─ Mia, minha querida. ─ Meu pai tenta confortar-me com a situação, enquanto suas mãos esticam-se em direção as minhas, as segurando, ao passo que seus olhos fitam os meus olhos em uma tentativa de transmitir a serenidade que eu preciso no momento. ─ Você não deve esperar que alguém haja da mesma maneira que você faria. Ninguém é igual a ninguém
O efeito das palavras de meu pai não causam o resultado desejado por ele sobre mim, muito pelo contrário, eu sinto o irritamento e a revolta dominar meus pensamentos. Eu não aceito o fato do meu pai estar defendendo Harry sobre o desentendimento com Sean, sendo que todos tiveram sua parcela de culpa. A vontade que eu tenho é de expelir a meu pai toda a hostilidade com que Harry me tratou desde o momento em que nos conhecemos, para que talvez meu pai tenha um pouco de lucidez, já que aparentemente Harry tornou-se seu protegido.
─ Eu não consigo ficar aqui ouvindo você defender o Harry. ─ Eu digo, preferindo não expor a minha real opinião sobre tudo o que está acontecendo. Mas de certa forma minhas palavras carregam o meu afronto, deixando evidente o descontentamento de meu pai.
─ Amélia. ─ O timbre de voz do Sr. Velmonte é severo, assim como seu olhar que repreende-me. ─ Você não é a vítima dessa situação, então não tente tornar-se uma!
Eu o ignoro, sabendo que meu pai espera que eu volte atrás e redima-me por minhas atitudes. Mas, na verdade, eu estou indignada e magoada com a posição que foi tomada por ele. Eu sei que não sou nenhuma santa, e sei que tenho a minha parcela de culpa entre a briga de Harry e Sean. Porém, eu não vou aceitar ser tratada como a inimiga da nação, isso não é justo.
Eu respiro fundo, e nego com a cabeça inconformada enquanto eu encaro o olhar desaprovador de meu pai. Levanto-me do sofá, sem dizer mais nada, sabendo que minhas palavras não mudaram a perspectiva do homem a minha frente.
─Amélia! ─ A voz de meu pai contrapõe-se ao meu movimento de retirada, e meu sangue ferve em enfuriamento.
─ Uma última coisa, pai. Eu sou sua filha e Harry é o inquilino que você conhece a poucos meses. ─ Eu esbravejo as minhas palavras, voltando alguns passos para que eu possa fitar meu pai frente á frente. ─ Tente lembrar-se disso da próxima vez em que você for o defender.
Eu não espero por uma resposta ou atitude de meu pai em contrapor-me. Pelo contrário, eu caminho em direção as escadas, ignorando as palavras em discordância e em queixa pronunciadas pelo Sr. Velmonte que tentam, frustradamente, apelar por sua autoridade sobre mim. Porém, eu sigo o meu caminho, sabendo que cedo ou tarde a minha última frase proferida á meu pai, irá pesar drasticamente em sua consciência.