O sol da manhã já está ficando forte. Eu seguro a mochila que encontrei em uma das lojas que saqueei. Eu até colocaria nas minhas costas, mas teria que tirar o arco e a aljava. Não faz tanto tempo que deixei a casa.
A fumaça escura da avenida continua subindo para o céu. Consigo vê-la.
A mochila pesa em minha mão. Coloquei vários tipos de alimentos e várias garrafas de água. Invadi um mercado que não havia nenhum zumbi e suas coisas ainda não estavam apodrecidas. É sorte ainda encontrar coisas que não apodreceram.
Eu passo por uma vitrine que reflete meu rosto. Vejo que estou completamente suja. Meu rosto está escuro e meu cabelo horrível, mesmo estando em um rabo de cavalo.
Não tomei banho desde que saímos do condomínio. Nem me troquei. Minhas roupas estão completamente rasgadas e grudando em minha pele.
Respiro fundo e continuo minha caminhada. Eu pensei no que Louis falou. Por mais que eu odeie admitir isso, eu preciso concordar com ele. Abandonei meus amigos. A LPB vai ir atrás deles mesmo que eu tenha me afastado. Eu os coloquei em perigo.
Ele estava certo. Eu fiz uma escolha errada. E dessa vez fui eu mesmo. Não foi a "olhos vermelhos".
Por isso, decidi voltar.
Quando eu estou bem próxima à porta, ouço a voz de Harry:
— AONDE ELA FOI?
Ergo as sobrancelhas. Ele parece furioso.
Abro a porta da casa e então vejo a cena de Harry estar segurando a gola da camisa de Louis enquanto ameaça lhe dar um soco. Niall e Ari tentavam impedi-lo. Todos olham para a minha direção quando eu apareço na porta.
Harry solta Louis e o rapaz relaxa completamente. Harry vem em minha direção, com a expressão aliviada.
— Para onde foi? — ele pergunta, parando bem na minha frente e mudando sua expressão para sério.
— Fui buscar algo para comer — minto, erguendo a mochila. — Achei melhor comermos antes de voltarmos nossa caminhada.
Todos me olham estranho. Louis talvez não tenha contado da nossa conversa mais cedo.
— Não pode sair assim! Você não avisou ninguém! — ele fala e então tenho certeza de que Louis não contou sobre o que conversamos.
— Preocupados? Pensei que estivessem bravos comigo — digo.
Harry se cala por alguns segundos. Ele suspira e olha para Niall e Ari. Nenhum deles sabe que eu estava ouvindo a conversa deles de noite. Então, Harry vira seu olhar para mim novamente. Seus olhos se afundam nos meus e eu percebo que senti falta desses olhares que ele costumava me dar.
Tanta coisa mudou. Nós já não somos mais os mesmos. Nos tornamos mais frios. Nos tornamos mais habilidosos. Mas não nos tornamos cruéis.
— Esqueça isso, tá? — ele fala, se aproximando mais. — Vamos fingir que aquilo não aconteceu.
Ele passa a mão em meu pescoço, segura minha nuca e me puxa, me aproximando ao seu ombro. Eu encosto a cabeça no ombro dele e ele me aperta em seus braços. Consigo retribuir o aperto.
Me sinto confortável. Seu toque me deixa calma. Sinto sua mão passar pelo meu arco nas costas. Eu ignoro o fato de nós dois estarmos fedendo. Queria ficar aqui para sempre.
— Me desculpa — falo, baixinho.
— Não precisa — ele sussurra.
Nós nos afastamos um pouco. Me sinto aliviada ao ver que Harry não está mais bravo comigo. Ele sabe que foi ela. Não eu.
***
Nós nos reunimos e comemos as coisas que encontrei. Ainda sobraram coisas que deixamos na mochila e decidimos que ficará para quando sentirmos fome.
Quando eu estou na sala, contando quantas flechas ainda restam na aljava, Demi se junta a mim e atrapalha minha contagem. Eu a encaro e ela me encara. Demi também estava brava por eu ter feito aquilo na avenida. Será que continua brava?
Pela sua expressão, eu não entendo o que ela veio fazer aqui. Parece meio desapontada.
— Claire, me desculpa — ela fala. — Eu devo ter exagerando quando fiquei brava...
Eu faço um sinal para ela parar.
— Você não precisa se desculpar — digo. — Eu também ficaria furiosa se fosse você.
Sorrio para ela e percebo sua expressão de alívio. Será que ela achava que eu não iria desculpa-la?
Se eu não tivesse ouvido a conversa deles ontem, eu não estaria entendendo o motivo de todo mundo me perdoar agora. Mas eu sei por quê. Eles sabem que não era eu na avenida. Eles sabem que era ela.
Agora, ela, não se tornou apenas minha inimiga. Se tornou inimiga de todos.
— Ah, graças a Deus — ela fala, aliviada. Eu dou risada. — Pensei que você não ia me perdoar. Por mais que eu estava irritada com você, senti saudades.
Sorrio de lado para ela.
— Também senti — falo. — Essas foram as piores 15 horas da minha vida.
Ela sorri.
— Sinto saudades de dividir o quarto com você — ela fala. — Agora, tenho que dividir o quarto com várias pessoas e o Niall ronca.
Dou risada. Me lembro quando nós vivíamos no mesmo apartamento. Era bom morar com alguém. Quando achamos o condomínio, somos colocados para viver no mesmo apartamento que nossa família ou com alguém do mesmo sexo. Vivi meus primeiros cinco meses com Bia no apartamento, mas então ela foi transferida de apartamento. Nunca entendi o motivo por terem nos separado, mas pelo menos colocaram Demi comigo.
— Era bom viver no nosso apartamento — falo. — Também sinto saudades.
Ela sorri. E então, ouço Harry nos chamando. Ele fala que nós já vamos sair. Eu me levanto do sofá e acompanho Demi até os outros.
Niall carrega a mochila nas costas e um fuzil na mão. Harry segura uma pistola. Ari tem sua metralhadora e Dylan sua shotgun. Deixamos algumas armas para trás na outra casa e estamos apenas com essas agora, além da munição baixa. Isso é um problema. Precisamos economizar até chegarmos no parque.
Ponho a mão em meu coldre e sinto minha pistola. Não me lembrava de que tinha pegado ela de cima do prédio, após ter soltado por causa das explosões. Estava tão alterada... Seria azar perder mais uma arma.
Harry já não tem mais nenhuma faca. Me lembro de quando ele apareceu na porta do meu apartamento com os outros e Zayn. Seu cinto estava repleto de facas.
O pior de tudo é que minhas flechas também não vão durar para sempre. Vou precisar recupera-las depois de atirar. Não posso ficar gastando elas.
Saímos da casa e caminhamos na direção que havíamos planejado.
Caminhamos praticamente cambaleando. Passamos por carros parados no meio do caminho, com o maior cuidado para não disparar os alarmes. Poucos em cada rua, fácil de combater com uma flechada. Eu recolho todas as flechas que atiro.
Levo um susto quando um corpo vermelho cai de uma loja e para bem na nossa frente. É um Gênese. Por estar sozinho, não é difícil de combater também.
Tinha me esquecido dessas criaturas. Ao menos só encontramos um.
Continuamos caminhando pelas ruas. Fico pensando no motivo de darem o nome de Gênese para um monstro desse. Genesis, na Bíblia, é o nome do primeiro livro. Significa "o começo de tudo". Será que foi o primeiro resultado do vírus? O que começou com tudo?
A LPB me deve respostas.
Penso em minha irmã. Ela está lá embaixo. O que será que eles estão fazendo com ela? Será que pensam que Bia pode ser a Escolhida também por ser minha irmã? Será que eles só a sequestraram para que eu vá atrás dela? Será...
Meus pensamentos são interrompidos. Quando estamos no meio de uma avenida cheia de carros, eu ouço algo. Paro na hora. Faço todos pararem também.
— Estão ouvindo? — pergunto.
É um barulho estranho. Um barulho que já ouvi antes, mas há muito tempo. Parece um motor...
— Eu não estou ouvindo nada... — fala Dylan, tentando se concentrar.
— Eu ouço — diz Demi.
Então, consigo distinguir de onde vem o som. Me viro e então olho para cima. Eu reconheço o som. Turbinas cortando o ar junto com motores potentes.
Um avião.
Todos olham para o mesmo lugar que eu. Vejo, bem longe, mas se aproximando com uma velocidade incrível, uma máquina metálica em formato de pássaro. É como um pássaro negro se aproximando na velocidade da luz.
Aponto para o avião no alto. Faz dois anos que não vejo nada passar no céu além de pássaros. Fazia dois anos que eu não ouvia o barulho de aviões passando.
— Aquilo! — falo. — Um avião!
— Não é um avião... — fala Dylan. — É um Jato-M23. O jatinho militar mais rápido e blindado do mundo.
Eu o olho, confusa. Não sabia que Dylan entendia de aviões.
Olho novamente para o jato e vejo que ele já está chegando bem perto de nós.
— LPB — falo. — Só podem ser eles nos procurando.
— Precisamos nos esconder! — grita Harry.
Então, nós corremos. Corro em direção a uma das lojas por perto. Mesmo correndo na maior velocidade possível, tiros começam do céu e balas cortam o ar.
O asfalto no nosso lado explode em pedaços pequenos e voam para todos os lados. Meu coração quase explode. Paro de correr e quase caio rolando no asfalto.
O jato passa por cima de nós e então já começa a dar uma volta.
— Estamos ferrados — fala Dylan.
— Nem me fale... — digo.