Aquele Dia.

By HenriqueTimteo

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Aquele Dia.

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By HenriqueTimteo

Esta é uma história de ficção qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.

E atenção :- Não deve ser lida por pessoas facilmente impressionáveis.

Aquele dia

Este é o mito da caixa preta em que um dia todos nós entraremos. Mortos ou Vivos.

Nessa manhã como em muitas outras, o dia na grande cidade amanheceu com o céu bem límpido.

Dentro da minha caixa de papelão já se fazia sentir o calor.

Apetecia-me dormir mais um pouco, mas era praticamente impossível continuar dentro da minha “casa”.

O calor sufocava, estava escuro dentro da minha caixa de papelão.

Era apertadinha ,afinal não passava duma caixa que vinha a embalar um frigorifico.

E que alguém deitou para o lixo .

Mas o que uns não querem, a outros faz muita falta. É uma valente caixa de papelão

já resistiu a três invernos, mas agora já estava a ficar gasta e meia rasgada.

Virei-me de costas para a atmosfera meio enrolado nos cobertores , quase que roçava com o nariz na parte cimeira da caixa.

O topo da caixa servia de porta .

Com uma pancadinha abri a tampa e fui saindo.

A claridade da manhã depressa me causou uma cegueira temporária .

Piscarinhei os olhos várias vezes e fui-me habituando á claridade.

Sentei-me no chão doía-me o corpo todo, criando a ilusão que tinha sido atropelado.

Passei a mão cofiando a barba ,que me fazia um atroz comichão na cara.

Não me lembro quando foi a última vez que a cortei.

E o cabelo? Esse já me passava pelos ombros .

No alto dos meus quarenta e sete anos, não me lembro de alguma vez ter passado por uma fase destas .

A minha caixa estava bem juntinho á montra do café central.

E aqueles bolos, pães e folhados que se amontoavam dentro da vitrine?

O meu estômago roncava, como é seu apanágio todos os dias repetir a mesma façanha, roncar, qual porco numa pocilga .

As minhas pernas tremiam, estava impaciente e faminto.

Comecei a trabalhar.

Trabalho que se resumia a esticar a mão e pedir algumas moedas para tomar o pequeno almoço.

- Dê uma moedinha ao pobrezinho .

Dizia eu a um “senhor doutor” esguio e de semblante carrancudo que passava.

- Faça como eu, vá trabalhar!

Trabalhar, como se fosse fácil para mim arranjar um trabalho com esta idade e com todos os problemas de saúde que se foram agravando.

- Olá, senhor pobre. Disse uma linda menina de olho azul e cabelo loirinho com cerca de cinco anos que passava de mão dada com a mãe.

- Olá, bom dia anjinho .

- Dá uma moedinha ao senhor .Disse a mãe .

- Bem ajam, e um bom dia para quem pratica o bem.

Um euro !

Já dá para comer uma bela sandes de torresmo .

Levantei-me meio tremulo das pernas .

Entrei no café .

- Bom dia senhor Artur , faça-me uma sandes de torresmo.

- Bom dia.

Os outros, os senhores sociais, olhavam-me com altivez , o meu mundo não é o mesmo que o deles.

Falando em bom português não é só o meu mundo que não é igual ao deles. Mas também a minha roupa as minhas botas, a barba, o cabelo e o cheiro . Sim o cheiro porque aquele cheiro de perfume não sei das quantas já me estava a dar vontade de vomitar algo que eu não tinha no estômago.

Peguei na sandes e saí para o meu local de trabalho.

Sentei-me e voltei a esticar o braço, para mais umas moedas pedir, para mais um dia passar e outro e outro e outro.

Seria assim até o todo poderoso assim desejar.

Com o sol a bater-me na cara, mal conseguia ver para o outro lado da rua .

Mas era ela , era mesmo ela , o anjinho de olhos azuis que me acenava e sorria do outro lado.

O sinal verde estava aceso e os carros passavam rápido.

Mas onde estava a mãe dela?

Acenava sorria e dizia – Olá senhor pobre.

Levantei-me.

Ela dava sinais de querer atravessar.

- Olá senhor pobre. Repetia ela.

Os carros passavam a um ritmo alucinante.

E aquela mãe que não aparecia.

Ela deu um passo em direcção á estrada .

Eu não pensei nessa fracção de segundo, o meu sangue gelou a sandes de torresmos caiu ao chão e eu gritei

–Espera.

E corri na direcção dela .

Ouví uma travagem, e um grande estrondo precedido de silêncio.

Depois ,perdendo a noção do tempo ouvi o som duma sirene de ambulância.

Senti o peito arder com os choques que me iam dando.

Depois veio o silêncio.

O silêncio.

Nunca pensei que o silêncio fosse tão silencioso .

Que estranho!

Silencio escuridão e calor , muito calor , e o ar que me faltava.

Estava deitado de costas.

Que pano era este que me cobria a face?

Uma forte dor na perna direita ,fez-me esticar o braço para acalmar a dor.

Mas rapidamente recuei ao embater com a cabeça no tecto da caixa.

Caixa?

Não era a minha caixa.

Suava em bica, o ar escasseava .

E as dores ?Umas dores brutais que me percorriam todo corpo .

A minha caixa não estava forrada com tecido, nem era silenciosa , nem era escura como o breu , nem faltava o ar dentro dela , nem tinha uma almofada tão dura.

Um caixão !

Estou dentro dum caixão!

Não pode ser ?

Arranhei o tecido até o rasgar , senti a madeira.

Arranhei mais ainda.

Parti as unhas e arranquei a pele dos dedos.

É Mesmo um caixão.

As Dores.

Virei-me para baixo.

Bati com força no fundo.

Voltei a virar-me.

Gritei .

Gritei mais alto.

Falta-me o oxigénio.

Não consigo gritar.

As dores, já não doem .

Parei de suar, empalideci .

Senti um zumbido .

Os músculos relaxaram.

A minha cabeça tombou para o lado.

Involuntariamente os olhos fecharam-se.

O silencio, de novo o silêncio.

Para sempre o silêncio.

Eterno.

Silêncio.

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