O Garoto da Mesa Nove

By wurdig

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1° lugar no concurso Escritores Lendários, categoria LGBTQ+; 2° lugar no concurso LGBTQ+, categoria Romance; ... More

Apresentação
Prefácio
01. A Família Cardoso
02. Partenon
03. Olho Roxo
04. Aluno Novo
05. Guia de Turismo
06. Pizza Solidária
07. Maurício
08. Encontros Clandestinos
10. Rio dos Corvos
11. Preconceito
12. Beijo Roubado
13. Tal Pai, Tal Filho
14. Fora Do Armário
15. Bandeira Branca
16. Daniel
17. Porto Alegre (parte 1)
18. Porto Alegre (parte 2)
19. Refúgio
20. Aerofobia
21. Sorvete
22. Cupido
23. Fantasmas do Passado
24. Alcoólicos Anônimos
25. A Festa
26. Adeus
27. Família
28. Destino
29. Feliz Natal, São Valentim
30. Futuro
Agradecimentos
Um Pouco Sobre O Autor
Concursos e Premiações
O Garoto Da Mesa Nove virou livro físico!
Os Garotos do Apartamento 13

09. Vida Noturna

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By wurdig

À noite na pizzaria, Edu tentava conter sua animação com o fato de sair com Felipe mais tarde. Apesar de fazer cara feia na primeira tentativa, Helena acabou cedendo e deixando o filho mais novo ter um momento de diversão depois do trabalho. Mas não antes de fazer Eduardo prometer mil e uma cosias, dentre elas: não voltar muito tarde para casa, não tomar bebida alcoólica, não arrumar briga e não dar bobeira nas ruas.

Concordando com todos os termos, Edu tirou o avental, deu uma arrumada rápida no cabelo em frente ao espelho e seguiu para fora da pizzaria, assim que as portas se fecharam. Felipe lhe esperava lá fora, vestindo uma jaqueta de couro, camiseta e calça jeans, sorrindo em antecipação.

— Pronto para chacoalhar essa poeira e dançar um pouco?

— Com certeza, mas não muito, ou a gente vai acabar passando vergonha.

Eles riram e seguiram até o local da festa, mais precisamente em um galpão desativado próximo à antiga estação de trem. Logo ao chegarem, a música abafada ao longe e a movimentação em frente ao local já indicavam que o evento seguia com força total. Teoricamente, a festa era apenas para maiores de dezesseis anos, sem venda de bebidas alcoólicas para menores e totalmente supervisionado por seguranças. Na prática, a maioria que estava dentro do galpão tinha entre quinze e dezoito anos, sem dificuldade nenhuma para entrar ou para comprar bebida, uma vez que quem organizava e comandava aquelas festas eram adolescentes do colegial ricos e com grande poder e influência. Portanto, tentar proibir era ainda pior. E com uma boa grana em mãos, qualquer pessoa sabia que não existiam muitas regras que não pudessem ser quebradas.

Ao entrarem, o jogo de luzes e as batidas da música animaram Edu e Felipe logo de cara. Felipe já havia frequentado festas assim em Porto Alegre antes, mas aquela era diferente, entre tantos outros motivos, por estar com Edu. Já para Eduardo, era a primeira festa em que ele se aventurava nas noites de São Valentim, e não poderia ser mais perfeita, já que ele estava com Felipe ao seu lado. Era como se estivesse desbravando um mundo novo cheio de possibilidades, onde ele já não precisava mais ficar trancado no quarto aos fins de semana por não ter amigos. Eles foram para o meio da pista, já bastante agitada, e entraram no clima.

— Isso é o melhor que você tem? — Felipe questionou Edu, achando ridiculamente engraçado seus movimentos travados dos braços e das pernas.

— Dança desengonçada é o novo sexy, você não sabia?

— Não, mas a dica já está devidamente anotada.

Eles riram e continuaram se divertindo como se ninguém estivesse olhando. Porém, havia alguém olhando. E não era alguém que eles gostariam de ver tão cedo.

— Será que a gente não tem um descanso? — Esbravejou Edu, ao ver Gabriel, Jéssica e Paloma no outro lado, bebendo e mantendo o usual ar de superioridade. Logo eles se questionaram onde estaria o restante do clã — não que eles desejassem que estivessem ali.

— Deixa eles para lá e a gente para cá. Aqui é grande o suficiente para a gente curtir a noite sem precisar se esbarrar neles. — Felipe disse de forma racional, acalmando os nervos de Eduardo.

— Você tem razão.

Eles continuaram no ritmo da música, enquanto Eduardo ainda tentava relaxar. Enquanto isso, ao lado do bar, Alexandre e Daniel pareciam estar curtindo a festa em um nível muito melhor do que os outros, meros mortais. Sentados em uma área menos movimentada, onde haviam puffs, sofás de madeira e algumas mesas de apoio espalhadas com vários copos de bebida usados. Era como uma área VIP, mesmo que a festa teoricamente não tivesse aquilo. Daniel sempre dava um jeito de ressaltar sua exclusividade. Era sua qualidade mais notável.

— Gabriel está demorando muito. Será que ele já conseguiu falar com ela?

— Relaxa, Alexandre. Se você mostrar que está desesperado é pior.

Alexandre ficou alguns segundos aéreo, parecendo estar pensando, então repentinamente se levantou, dizendo:

— Chega, eu vou lá falar com ela.

Daniel foi atrás dele logo em seguida, mas ambos encontraram Gabriel no meio do caminho.

— E aí?

— Nada. — Gabriel respondeu, dando de ombros.

— Ela quer se fazer de difícil, é? Vamos ver se ela dá conta disso aqui, então.

Alexandre foi até onde Paloma e Jéssica estavam, flertou com uma garota aleatória e lhe puxou para um beijo logo em seguida. Como já era esperado, aquilo acabou afetando Paloma, que reagiu furiosa. Jéssica a segurou pelo braço e tentou lhe aconselhar:

— Ele está fazendo cena, Paloma. Não dá para ele o que ele quer.

— Eu vou dar exatamente o que ele quer. — Se virou para pegar seu copo em cima da bancada, tomou toda a cerveja em um gole só e limpou a boca com a manga de sua blusa. Para ela, agora era olho por olho, dente por dente. Então, costurou entre as pessoas dançando e foi até Eduardo e Felipe, claramente não muito certa de seu juízo.

— E aí meninos! Estão gostando da festa? — Ela perguntou, entusiasmada demais por conta do álcool.

— É, claro... eu vou no banheiro. — Felipe respondeu sem fazer questão de esconder o quão estanho ele achava aquela cena estar acontecendo. Eduardo o odiava com todas as suas forças naquele momento por ter lhe deixado sozinha com o inimigo.

— É um milagre ver você em uma festa à noite, Duduzinho.

— É, pois é. — Naquele momento, tudo que Edu mais queria era ter ficado em casa. Tentou ser civilizado e puxar assunto, mesmo sabendo que esse assunto não fosse o melhor de todos. — Você e o Alexandre...

— É, eu dei um pé na bunda dele hoje. Foi ótttttimo! — Ela estendeu a última palavra, deixando a entonação bastante engraçada.

— Sendo sincero, ele não era cara pra você. Apesar de você estar rodeada de pessoas ruins, você parece ser um pouco menos pior do que eles.

— Menos pior? Auch! — Ela gritou em seu ouvido, deixando-lhe um pouco mais ranzinza. — Mas você tem razão. Eu sou melhor do que ele. Muito melhor. E eu vou curtir essa noite, recuperar o tempo que eu perdi com esse boy lixo.

— É isso aí, boa sorte! — Edu fingiu animação e se moveu para o lado para aproveitar a deixa e escapar de fininho, mas Felipe havia acabado de chegar bem ao seu lado, fazendo-o parar.

— Olha só, Felipe novato voltou!

Edu e Felipe se entreolharam e perceberam que ela estava bastante alterada.

— Paloma, a gente vai dar uma volta por aí e...

— Ah não, vocês não vão me deixar sozinha! Edu, vem cá. — Ela lhe puxou mais para o canto, querendo falar em particular. — Sobre eu ter fado que eu quero aproveitar a minha noite... você é bastante próximo do Felipe, né? Você bem que poderia mexer os pauzinhos para eu ele ficarmos hoje, né?

O sangue de Edu ferveu mais do que água em chaleira, precisando dominar todo o conhecimento que ele tinha sobre autocontrole para não ter uma crise de ciúmes ali mesmo — provavelmente a mais patética da história, já que ele e Felipe eram apenas... amigos. Aquele pensamento foi o suficiente para derrubar completamente o ânimo de Edu.

— Eu acho que você mesma deveria ir falar com ele. Você é uma mulher forte e independente.

— Mas Edu, por favor...

— Está tudo bem aí? — Felipe percebeu que Eduardo estava em uma saia justa e decidiu intervir.

— Ela está me pedindo para você ficar com ela.

Felipe percebeu o tom de raiva na resposta atravessada de Edu e não conteve o riso.

— Pode dizer para ela que não vai rolar.

— Paloma, não vai dar. — A diversão em sua voz era palpável.

— Ah, que pena..., mas eu meio que já esperava. Tá na cara que vocês se gostam. Eu só achei que ele pudesse ser afim das duas coisas. Mas deixa para lá.

Paloma disse isso de forma tranquila, deixando a cabeça de Edu um completo desastre.

— Como assim, a gen...

— Relaxa, não tem nada de errado nisso. Vocês até que formam um casal bonitinho.

Ela disse aquilo e foi difícil para Edu não achar que estava em um dos sonhos mais loucos que ele poderia ter. Paloma decidiu voltar para o canto onde Jéssica lhe esperava com uma cara de quem não estava entendendo nada, quando Alexandre apareceu em sua frente, transtornado e ofegante.

— A gente precisa conversar.

— Não tenho tanta certeza disso. — Ela sorriu, debochada, e tentou passar, mas Alexandre acabou bloqueando a passagem com o braço.

— Vai querer dar uma de difícil na frente dos outros, é?

— Me solta! — Paloma ordenou e recuou. Quando Alexandre tentou avançar, Edu se intrometeu, ficando em frente à garota.

— Você ouviu ela, Alexandre. Ela não quer conversar.

— Sai da frente, veadinho de merda.

— Não até você se acalmar e sair daqui.

— Vai tentar me expulsar daqui também? — Alexandre zombou e empurrou Edu com força para o lado, andando em direção a Paloma. — Não se mete que aqui é papo de casal.

— Eu não tenho mais nada com você, Alexandre! Vai embora!

A agitação de Alexandre enquanto tentava pegar Paloma pelo braço novamente fez com que as pessoas em volta percebessem, ainda mais quando Jéssica se juntou rapidamente a Eduardo e Felipe para tentar afastá-lo. A música parou e o tumulto acabou chamando a atenção dos seguranças, que logo chegaram e tiraram Alexandre de lá. Paloma olhou ao redor e, ao ver todos lhe encarando, acabou se sentindo envergonhada. Daniel acompanhou Alexandre e o segurança para fora da festa, enquanto o DJ havia voltado a tocar e as pessoas continuado a curtir a noite como se nada tivesse acontecido. Jéssica e Gabriel observaram Paloma em uma distância segura e, de repente, ela começou a chorar e andou apressada em direção aos fundos da festa.

— Então... esse é o fim da noite? — Edu perguntou para Felipe, percebendo que, pelo menos para eles, aquela festa já era.

— Não tão cedo. Vem comigo. — Felipe puxou Edu pelo braço e eles seguiram para a saída do galpão. Logo estavam em uma lanchonete perto dali, onde alguns dos jovens que estavam na festa haviam feito uma última parada para comer alguma coisa antes de ir para casa. Alguns dos carros no estacionamento — cujo chão levemente molhado pela garoa recente brilhava com as luzes néon da placa do lugar — eram familiares para Edu.

— Espera aqui um minuto, já volto. — Felipe pediu e seguiu em direção à lanchonete, enquanto Edu se ajeitava em um canto no estacionamento, próximo à entrada principal. Felipe foi até o freezer, pegou duas garrafas de refrigerante e seguiu para o caixa. Enquanto aguardava sua vez, prestou atenção no estilo retrô do lugar, com seus assentos em couro vermelho, a jukebox que embalava a noite ao som de Bonnie Tyler. Eis que, com um olhar travesso, ele teve uma ideia.

Lá fora, Edu ouviu "Take My Breath Away" ecoar lá de dentro, e de alguma forma, ele sabia que Felipe tinha algo a ver com aquilo. A música descrevia perfeitamente a sensação que ele sentia quando estava perto do novato de Porto Alegre; ofegante, pedindo por ar.

— Você sabia que eles têm um jukebox lá dentro? É simplesmente incrível. — Felipe apareceu em hora perfeita, abrindo sua garrafa e alcançando a de Edu, que fez o mesmo. Sentados lado a lado naquele estacionamento, eles ouviam à trilha sonora ao fundo e de repente se sentiam dentro de um filme de romance antigo, onde o casal protagonista estava prestes a dar seu primeiro beijo. Edu não sabia se estava ficando maluco, se estava inventando tudo aquilo em sua cabeça, ele só sabia que seu coração batia feito louco naquele instante e que talvez finalmente tivesse coragem de fazer o que seu coração mandava. Bastava Felipe dar o sinal.

— Eu gostei muito da nossa noite. Apesar do drama.

— Pois é. Bem-vindo à vida pacata de uma cidade não tão pacata assim. — Edu zombou, tomando um gole de sua bebida. — Você se importa com os rumores sobre a gente?

— Quais rumores?

— De que estamos juntos.

Felipe não pareceu nem um pouco surpreso, apesar de ter deixado escapar um sorriso de canto. Então, respondeu:

— Nem um pouco.

Eduardo sentiu o coração na garganta, percebendo que seu interior estava em completa combustão. Por fim, chegou em seu ápice e acabou paralisado quando Felipe decidiu gastar um tempo olhando para ele, sem receio, sem cerimônias. Edu corajosamente encarou de volta, mas não por muito tempo, considerando que ele não tinha tanta coragem assim. Coube a ele desviar o olhar para o outro lado e tomar sua bebida para esfriar seu corpo, sua cabeça, seu coração. E pela primeira vez, independentemente do que os outros poderiam dizer, ele estava feliz por estar tendo aquele momento com Felipe, qualquer que fosse o significado do que eles estivessem sentindo naquela hora. Eduardo simplesmente....  se permitiu. Ambos sorriram enquanto desviavam os olhares e sabiam que algo especial estava acontecendo ali, mas, por outro lado, também compartilhavam do medo de avançar algum sinal e estragar o que eles já haviam conquistado um com o outro. Esse medo fez Edu recuar, ainda mais depois de lembrar do que Alexandre havia gritado aos quatro cantos no Pizza Solidária, no dia anterior. Eles finalmente perceberam que talvez se apaixonar não fosse tão fácil quanto pensavam. Não em uma cidade como aquela.

Na mesma lanchonete, Gabriel tentava acalmar Paloma, entregando-lhe uma garrafa d'água para ajudar a passar o mal-estar que ela sentia.

— Eu não acredito que o Alexandre me fez de idiota na frente de todo mundo. Como eu pude ser tão burra?

— Você não foi burra, Paloma. Acontece com qualquer um. Nem sempre a gente conhece as pessoas de verdade.

— Nem a Jessica ficou para me ajudar. Que merda de melhor amiga é essa que não consegue desgrudar do namorado nem por um segundo para ajudar numa situação dessas? Ela é só mais uma marionete do Daniel. Ela, o Alexandre, você... Ele controla todo mundo e ninguém percebe. — Paloma despejou, amargurada, enquanto tomava sua água e sentia sua boca extremamente seca.

Eles ficaram sem falar nada por um bom tempo, enquanto refletiam sobre a loucura que havia sido a festa.

— Você quer ir para casa?

— Para o meu pai me ver desse jeito? Nem pensar. Já passei vergonha demais por hoje. Ele acha que eu estou estudando na casa da Jéssica.

— Então você vem comigo. — Gabriel se levantou, estendendo a mão para que ela também se pusesse de pé. — Você dorme lá em casa.

— Gabriel, eu me sinto lisonjeada, mas eu não estou interessada.

— Muito menos eu. E se te serve de consolo, você dorme no sofá.

— Bom... É melhor do que dormir na rua.

Ele fez uma careta para ela e então seguiram andando para a casa de Gabriel, com Paloma tendo um pouco de dificuldade em relação ao seu equilíbrio.

Fazia frio naquela madrugada e já estava tarde o suficiente para Edu se preocupar em relação aos limites que sua mãe havia imposto. Ele e Felipe caminhavam na rua de casa, ouvindo os latidos de alguns cachorros que os ouviram passar, mesmo sem falar tão alto ou fazer tanto barulho. O silêncio da noite podia permitir até que eles escutassem suas respirações, ora normais, ora descompassadas. Ao chegar em frente à casa, pareciam não querer se despedir. A noite simplesmente havia voado.

— Bom, então é isso. — Edu disse, tentando disfarçar a vontade de ficar um pouco mais e fazer aquela noite se estender o máximo possível. Mas ele já estava cansado e sabia que precisava de sua cama e de seu travesseiro.

— Eu adorei a companhia. Obrigado pela noite.

— Eu que agradeço.

Felipe sorriu e se aproximou de Edu, plantando lhe um beijo em sua bochecha.

— Boa noite, Edu.

— Boa noite, Felipe. — Edu respondeu, mais no modo automático do que em qualquer outra ocasião na vida, pois estava atordoado demais para pensar direito.

O beijo havia sido rápido e sutil, mas era o suficiente para provocar sentimentos nunca antes sentidos por Edu. Por uma fração de segundo, Edu desejou tanto que aquele beijo tivesse sido em seus lábios, tanto que imaginou se projetando para frente e sua boca tocando a de Felipe. O pensamento, embora tão rápido, havia sido tão real que acabou torturando Eduardo. Ambos decidiram finalizar a noite daquele jeito, sem dizer nada mais, para que aquela cena se eternizasse em seus pensamentos como um dos momentos mais especiais que já tiveram no curto espaço de tempo em que se conheciam. Felipe seguiu seu caminho rua abaixo enquanto Edu girou a chave na porta, entrou em casa e se apoiou com as costas na superfície de madeira, tentando inutilmente controlar seus sentimentos que estouravam feito fogos de artifício em seu peito. Se por acaso existisse uma definição concreta de felicidade, para Edu era aquilo que mais se aproximaria. Ele subiu as escadas voltando seus pensamentos como uma fita, de novo e de novo, para se assegurar de que se lembraria de tudo perfeitamente e, com sorte, sonhasse com Felipe.

Alexandre já estava bem mais calmo quando entrou na sala de sua casa e, apesar de estar lutando a noite inteira contra aquilo, não conseguia deixar de lado toda a loucura que havia acontecido mais cedo. Ele estava preocupado com Paloma, mas a vergonha em ligar e dar o braço a torcer era maior. Esse conflito interno o deixava agoniado, muitas vezes sem saber o que fazer, e principalmente, como fazer isso parar. Ao passar pelo corredor, no entanto, todas as suas pequenas e tolas preocupações a respeito de sua personalidade se transformaram em pó quando Alexandre espiou pela porta do quarto de seu pai e lhe viu sufocando, a pele arroxeada, os olhos saltados.

— Pai? — Sua voz saiu falhada e ele não conseguia se mover, por mais desesperado que tivesse. Quando o choque passou e ele conseguiu correr, Alexandre socorreu o pai enquanto gritava por Isadora. A garota, ainda atordoada por conta do sono, não entendia muito bem o que estava acontecendo.

— O que houve com o papai?

— Ele está com falta de ar, Isa. Mas não se preocupa, a gente já vai levar ele para o médico. Coloca um casaco e veste um tênis para a gente ir junto com ele, tá bom?

A menina, que embora fosse extremamente inteligente e esperta para alguém de oito anos, não conseguia esconder o desespero em seu olhar. Ela achava que estava prestes a perder seu pai.

— Vai dar tudo certo, está bem? — Ele disse, tentando acalmá-la. Quando ela foi para seu quarto novamente fazer o que o irmão mais velho pediu, Alexandre discou o número da emergência em seu celular.

— Alô, eu preciso de uma ambulância. Rua Carlos Hoppe, 463. Rápido, por favor.

O medo nas palavras de Alexandre, suas mãos tremendo com dificuldade ao manter o telefone em seu ouvido, tudo aquilo parecia um pesadelo. Ele torcia para acordar a qualquer momento em sua cama, no meio da noite, e estar tudo bem. Mas não estava. Era real e ele não podia fazer mais nada a não ser esperar por ajuda. A ambulância felizmente não havia demorado a chegar e tanto ele quanto sua irmã estavam aterrorizados, esperando que o pior estivesse prestes a acontecer. Ao chegarem, eles aguardaram no corredor enquanto os médicos prestavam os primeiros socorros à Luiz. Cada médico ou enfermeiro que passava era motivo para Alexandre olhar com extrema preocupação, esperando por alguma notícia, fosse ela boa ou não.

— O papai vai ficar bem? — Isadora perguntou, complicando ainda mais as coisas para Alexandre, que respondeu, inseguro:

— Vai. Vamos torcer para que dê tudo certo.

Ele sabia que prometer que, de fato, ficaria tudo bem, era arriscado demais. Falar para uma garota que havia visto o pai sufocar no meio da noite que ele tinha chances de morrer também era igualmente cruel. Como Alexandre não sabia o que fazer, ele optou por ser sincero: não havia mais nada a fazer a não ser torcer para que tudo acabasse bem e que no fim fosse apenas um susto. Isadora repousou sua cabeça no braço de Alexandre e rapidamente pegou no sono, ali mesmo, no corredor vazio e silencioso do hospital.

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