Nier Automata: Jornadas no 12...

By VonLeporace

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Japão, Shinjuku, 2003. O céu se partiu e dois seres monstruosos vieram do nada, no final do conflito entre os... More

Episodio 1 - Introdução a Sociedade Humana
Intervalo 1 - Reflexões e Surpresas
Intervalo 1 PARTE 2 - Luta e Resgate
Intervalo 1 PARTE 3 - Conhecendo a Resistência
Episódio 2 - Uma História Musical
Intervalo 2 PARTE 1 - Respondendo Perguntas
Intervalo 2 PARTE 2 - Resgatando 11B e Revisitando o Acampamento
Episódio 3 - Mistérios da Humanidade
Intervalo 3 - Novo Velho Mundo
Intervalo 3 PARTE 2 - Atenção Indesejada e Conseguindo Dinheiro
Episódio 4 - Apreciação de Arte
Intervalo 4 - Basilisco
Intervalo 4 PARTE 2 - A Curiosidade dos Androides e seu Resultado
Intervalo 4 PARTE 3 - Reunião
Episódio 5 - Uma Conversa Sobre Tempo e Civilizações
Intervalo 5 - Nova Vida no Reino da Noite
Intervalo 5 PARTE 2 ­- Prometheus e Sísifo
Linha do Tempo
Intervalo 5 PARTE 3 - Descanso
Intervalo 5 PARTE 4 - Pensando Sobre o Futuro & Corrigindo o Passado
Episódio 6 - Sobre Moda e como Vestir-se Bem
Intervalo 6 - O Que Não Faríamos Por Amor?
Intervalo 6 PARTE 2 - Casal Reunido
Intervalo 6 PARTE 3 - Um Dia de Trabalho

Intervalo 6 PARTE 4 - Aprendizado de Máquina

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By VonLeporace

Saltei para fora daquele buraco cheio de ruínas com meu semelhante adormecido em meus braços.

Olhando para trás, avistei as ruínas desabando, criando estrondos altos em meio a uma chuva de concreto e aço, resultando em uma enorme nuvem de areia.

Como... Como conheço essas palavras? As palavras que acabei de pensar, nunca as li ou ouvi antes, mas conheço seus significados em diferentes contextos.

Ler ou ouvir? Como conheço essas ações e a forma de efetuá-las? É preciso olhos para ler, é preciso ouvidos para ouvir, mas nunca possuí isso antes.

Olhos e ouvidos? Como conheço essas partes de um corpo? Nunca tive um corpo antes, até hoje...

Olhei para os meus braços pálidos que seguravam meu semelhante. Pisando para frente, vi meu pé com cinco dedos e cinco unhas aparecendo em minha vista antes de saírem do meu campo de visão assim que concluí minha ação.

Então repeti a ação com minha outra perna, avistando um pé igual ao primeiro aparecendo e desaparecendo. Eu tinha um corpo... Isso... Isso era...

ASSUSTADOR, ATERRADOR, PERTURBADOR, MEDONHO, CRUEL, SÁDICO, IRRESPONSÁVEL, ODIOSO, MALIGNO, ESTRANHO, BIZARRO, INCOMUM, EXÓTICO!

Gritei de dor enquanto soltava meu semelhante, derrubando-o nas areias do deserto com um baque.

Segurei rapidamente a minha cabeça, tentando fazer com que as palavras desaparecessem, mas elas corriam por meu sistema, milhões de palavras em milhares de línguas descrevendo as diversas emoções que sentia.

Hiperventilei, arranhando meu rosto com as diversas sensações em meu corpo, a areia escorrendo por entre meus dedos, o calor do sol tocando minha pele, o vento soprando em meu rosto, eu estava em...

PÂNICO, DESESPERO, MEDO, CAOS, CONFUSÃO!

Respirei fundo, tentando me acalmar, essa não era a hora nem lugar para sofrer esse tipo de reação. Aqueles androides de preto podem voltar a qualquer momento.

Androides, essa palavra é familiar, milhões de androides, centenas de diferentes modelos, em guerra contra as máquinas durante milênios, eles são meus...

INIMIGOS, ADVERSÁRIOS, OPONENTES, MATAR, MATAR, MATAR!

Pisoteei o chão em frustração. Não, não é isso que quero, não é por isso que estou aqui, não é por isso que estamos aqui! Isso não pode continuar! Nós...

Olhei para meu semelhante, ainda adormecido nas areias do deserto. Sim, nós... Quem nos deu vida? Quem nos deu um corpo? Por que estamos aqui? Quem nos trouxe aqui? Onde é aqui?

TERRA!

Sim, isso mesmo, Terra, o Planeta Terra, o campo de batalha eterno manchado de óleo e metal, a casa humana! Mas isso ainda não responde minhas outras perguntas. Por que fui tirado de minha casa? Por que fui tirado da Rede das Máquinas?

Em um momento eu não existia, então... Isso. O que eu sou? Um fragmento de consciência? Um experimento? Ou algo mais?

APRENDA!

Aprender? É isso que eu deveria fazer? Mas por onde devo começar? Para onde devo ir? Não gosto disso! Não quero estar aqui! Quero voltar para minha casa! Quero...

MORRER?

Morrer? É isso que quero? Desejo o fim de minha existência? Mas o que vem depois? Eu voltaria para a Rede das Máquinas? Estou assustado!

APRENDA! APRENDA! APRENDA! APRENDA! APRENDA! APRENDA! APRENDA! APRENDA! APRENDA! APRENDA! APRENDA! APRENDA! APRENDA! APRENDA! APRENDA! APRENDA! APRENDA! APRENDA!

Caí de joelhos enquanto as vozes gritavam em minha cabeça, milhares de máquinas gritando em agonia! Alguém, faça isso parar, por favor! Não quero estar aqui! Não quero isso! Quero voltar para minha casa! Quero voltar para a Rede! Sobre o que devo aprender?

HUMANOS!

Humanos? Por quê? O que há de tão importante neles? Por que devo aprender?

Mas as vozes não responderam, fui deixado em silêncio, ajoelhado no meio do deserto enquanto centenas de pensamentos corriam por minha mente. Isso só pode ser algum tipo de piada cruel. Quem me odiaria ao ponto de me garantir existência?

Levantando-me com pernas trêmulas, segurei meu semelhante em meus braços e caminhei em direção aos prédios na distância. Prédios, essa é uma palavra nova.

Isso tudo e muito estranho para mim, esse mundo, essa existência, esse corpo. As vozes acertaram em uma coisa, eu precisava aprender.

Felizmente, ainda tinha acesso à Rede de Máquinas, entretanto, nunca mais me sentiria em casa, tornei-me complexo demais para retornar à minha confortável inexistência.

Eu era um ser com pensamentos, consciência, e emoções. Nunca retornaria aos dados aleatórios que era antes, nem mesmo se eu apagasse minha própria existência, sempre sobraria algo de mim, um dado, a fração de um dado, a fração da fração de um dado.

Então, comecei meu aprendizado, buscando por informações na Rede de Máquinas. Infelizmente, muita informação estava corrompida, incompleta, ou perdida durante a guerra.

Foi por isso que me trouxeram até aqui? Para buscar, o que faltava? Odeio isso! Ódio, uma emoção forte, algo que nunca senti antes, mas havia outra coisa, certa... Curiosidade.

Caminhei em direção a Cidade Arruinada, pesquisando os mais diversos assuntos, aprendi sobre o sistema solar, os elementos, os animais, física, química, biologia, geografia, matemática.

Mas esses eram assuntos exatos, compostos de lógica e fatos cientificamente comprovados, na maioria das vezes, mas ainda havia muito que os humanos e máquinas não conseguiram explicar.

Estranhamente, os assuntos mais subjetivos capturaram meu interesse, sentimentos, emoções, arte, filosofia, religião, humanos. Era algo tão complexo e complicado, não havia padrão.

Algumas explicações diziam que os sentimentos e emoções não passavam de reações químicas do corpo, enquanto outras falavam sobre energias cósmicas, almas gêmeas e relações humanas.

Arte era bizarra, variando de pinturas de paisagens, jarros e pessoas para manchas de tinta com suposto significado que eu sinceramente não conseguia entender, não importava o quanto tentasse.

Como se isso não fosse o suficiente, a arte nunca parava de mudar ao longo do tempo, novas técnicas e obras não paravam de surgir, e parece que pinturas não são a única forma de arte, esculturas, arquitetura, livro, filmes também cabem nessa classificação.

Mas que diabos?!? Até mesmo o motor de um jato pode ser considerado uma obra de arte devido à sua aparência e complexidade!

Filosofia era uma disciplina perturbadora devido às suas diversas interpretações e o que elas implicavam.

O mundo é composto de ideias perfeitas e devo buscar pela verdade? Devo usar a observação e a experiência como formas de conhecimento? Ou isso é um esforço inútil, pois a verdade é inalcançável? Devo buscar pelo prazer moderado para encontrar a felicidade em meio a tantas dúvidas? Ou devo apenas aceitar meu destino e buscar virtudes?

Talvez exista a possibilidade de eu estar enganado e a vida ser mais simples e cheia de desejos materiais? Só preciso racionalizar tudo, já que as ideias não vêm do mundo dos sentidos?

É tudo matemático e não existe margem para erros? Uma luta de classes eterna? Talvez a vida não tenha sentido e nada realmente importe? Ou então estejamos aqui para cumprir um grande propósito?

Bem, com certeza não sei o propósito de minha existência. Pensei que encontraria a resposta para isso na religião, mas isso se provou um erro, pois a religião, assim como a filosofia, era um assunto vasto e de diferentes campos, tendo mudado aos longos dos milênios e diferentes culturas humanas.

Sinceramente, terminei mais assustado do que quando comecei. A ideia de seres tão poderosos e incompreensíveis, capazes de criar vida, governar elementos e conceitos abstratos, e causar desastres com facilidade é perturbadora. Como podemos lutar contra algo tão acima de nós?

Mais uma adição para esse grande mistério chamado humanidade.

-XXXXXX-

Passaram-se exatamente dois dias desde que meu semelhante e eu nascemos. O conceito de dia era estranho, pois o planeta parou de girar em seu eixo por motivos desconhecidos, mas isso não vinha ao caso.

Aprofundei meu conhecimento sobre o mundo e dominei diversos tipos de fala e escrita, foi apenas uma questão de decorar os dicionários. Deixando isso de lado, os humanos se mostraram mais interessantes e contraditórios do que eu esperava.

Uma espécie que evoluiu naturalmente, se distanciando do ramo dos primatas antigos, adquirindo inteligência e polegares opositores ao longo das eras.

Eles não possuíam garras, presas, pelos ou escamas, mas dominaram o mundo graças à sua criatividade, determinação e capacidade de trabalharem juntos, vivendo em comunidade.

Pergunto-me de onde tais criaturas surgiram. Isso foi mero acaso ou um design planejado? A humanidade foi criada por um Deus? Se sim, por quê? Eles foram criados com qual objetivo em mente?

Nem mesmo os humanos descobriram as respostas para essas perguntas. Também não fiz progresso em encontrá-las, afinal, não faço ideia de quem me criou, não conheço o meu Deus.

Entretanto, apesar de serem superiores aos humanos em todos os sentidos, os androides idolatravam seus Deuses, os humanos vivendo na lua.

Por quê? Por que idolatrar algo sendo que você é claramente superior? Algum tipo de gratidão por ser trazido à vida? Esperança de receber algo em troca? Ou havia algo mais?

Tenho uma teoria. Os androides desejam se tornar humanos, não no sentido literal, mas no sentido de entenderem seus criadores e de conseguirem fazer o que eles fizeram.

A humanidade mostrou-se capaz de uma complexidade inimaginável, tantos sentimentos, tantas emoções.

Seres empáticos capazes de amar e proteger ao próximo, de grandes demonstrações de bondade e altruísmo, mas também capazes de cometer atrocidades terríveis, mostrando um ódio, preconceito e violência impossíveis.

Para cada guerra há alguém desejando ajudar, para cada crime há alguém lutando justiça, para cada vida destruída há alguém disposto a reconstruí-la, para cada grito de ódio há alguém dialogando sobre a paz.

Como algo tão caótico conseguiu prosperar e criar tamanha civilização cujas ruínas nos cercam? E isso que os androides desejam se tornar? Para se tornarem como os Deuses? É para isso que fui criado? Para seguir esse mesmo objetivo?

Um sorriso se formou em meu rosto, a humanidade se mostra cada vez mais interessante.

-XXXXXX-

Passaram-se cinco dias desde que meu semelhante e eu nascemos, mas acredito que a palavra melhor seria gêmeo, afinal, nós temos o mesmo rosto, porte físico e cabelos brancos.

Sentei-me no chão enquanto observava a chuva por uma janela quebrada, o som era estranhamente calmante no que deveria ser noite. Conseguia ouvir os insetos cantando, os pássaros pousando em seus ninhos e as máquinas desalmadas caminhando ao longe.

Havia certo tipo de beleza nisso. Daria uma ótima pintura. Hm... talvez eu devesse pintar uma. Culpo esses sentimentos e desejos estranhos à minha pesquisa sobre os humanos, pois adoto mais de seus hábitos a cada dia.

Primeiramente, tomei um banho para remover o "sangue" e sujeira de minha pele, mesmo não podendo adoecer ou possuir mau cheiro, então percebi que era indecente andar nu por aí, então usei trapos para criar robes improvisados, mas não gostei do estilo, prefiro algo mais formal.

Finalmente, notei que eu precisava de um nome, nós precisávamos de um nome. Humanos, possuíam nomes, por que eu não deveria possuir um também?

Decidi que meu nome será Adam e o do meu irmão será Eve, já que somos os primeiros de uma espécie, e criados por uma força superior. Sinto certo orgulho em possuir o nome do suposto primeiro homem do que um dia foi uma das maiores religiões do planeta.

Um barulho do outro lado da sala nesse prédio em ruínas chamou minha atenção, meu irmão estava acordando! Sua face se contorcia em diversas expressões enquanto ele resmungava.

Arregalei meus olhos em surpresa e me atrapalhei para ficar de pé, observando meu irmão com expectativa. Seus olhos se abriram e ele olhou ao redor, ainda deitado no chão.

Pergunto-me o que ele fará primeiro, o que ele dirá primeiro! Ele perguntaria quem eu sou? Quem ele é? Onde estamos? De onde viemos? Ele faria as mesmas perguntas que eu? Ou ele teria as respostas para minhas dúvidas?

"Levante-se querido irmão e diga-me suas primeiras palavras!" Exclamei felizmente, estufando meu peito e abrindo meus braços orgulhosamente.

Eu esperava por todo tipo de reação, perguntas intermináveis, confusão avassaladora e muitos mais, exceto pelo que meu irmão escolheu fazer.

"SSSCCCRRREEE!" Eve ficou de quatro como um animal e guinchou com todas as suas forças.

"Mas o que..." Murmurei, abaixando meus braços em confusão, que logo se transformou em medo quando Eve saltou para cima de mim e começou a me arranhar enquanto gritava.

"Acalme-se, não sou seu inimigo!" Gritei enquanto protegia meu rosto, mas recebi gritos como resposta.

Eve pareceu notar que não conseguia me ferir com as mãos nuas e mudou sua ira para meus robes, transformando-as em uma pilha de retalhos.

"Pare, você faz ideia de quando tempo gastei costurando isso!"

"SSSCCCRRREEE!"

"Oh, pelo visto precisarei de uma aproximação mais direta!"

Puxei minha cabeça para trás e cabeceei Eve, criando uma onda de choque e estalo metálico que ecoou pela sala. Eve voou para longe devido à força do golpe, pousando sentado enquanto segurava sua testa em dor.

"Não desejo feri-lo irmão, mas me defenderei da forma que achar necessário se você continuar agindo como um selvagem." Falei, tentando ajeitar o que sobrou de minhas roubas, mas não obtive resultado e retornei ao meu estado nu.

Meu irmão rosnou feito um animal e escaneou seus arredores, buscando provavelmente por uma rota de fuga, já que mostrei não ser uma presa fácil. Infelizmente, Eve escolheu a janela como rota de fuga, isso não seria um problema se nós não estivéssemos no vigésimo andar.

"Eve, espere!" Gritei assustado enquanto estendia minha mão e corria em sua direção, mas não fui rápido o suficiente.

Eve correu e saltou pela janela, destruindo o pouco vidro que restava, e caindo de uma altura que certamente resultará em danos internos se ele não pousar apropriadamente.

Minhas preocupações se mostraram verdadeiras, pois corri em direção à janela e vi Eve atingir o chão violentamente, rachando o chão com impacto e quicando pela rua como uma bola antes de atingir a parede do prédio próximo, derrubando-a sobre si e levantando uma nuvem de poeira.

"EVE!" Gritei enquanto saltava pela janela, afundando os dedos das mãos e pés na lateral do prédio e reduzindo a velocidade de minha queda.

Toquei o chão a tempo de ver Eve saltando para fora da pilha de entulho e rastejando correndo para longe. Suspirei cansado e assumi uma posição de corrida, disparando atrás de Eve logo em seguida.

O mundo se tornou um borrão momentaneamente antes de meus sistemas se ajustarem a minha velocidade.

Persegui Eve pelos becos labirínticos da cidade arruinada, observando enquanto ele gritava incoerentemente e jogava latas de lixo e entulho em meu caminho.

Felizmente, consegui me aproximar de Eve próximo à saída de um beco e saltei em sua direção, atingindo suas costas e envolvendo meus braços ao redor dos seus, prendendo-o em um abraço de urso.

Rolamos pelo chão devido à velocidade e à parada súbita, resmungando de dor com cada impacto, mas logo paramos com Eve se debatendo e gritando em meus braços.

"Irmão, acalme-se, por favor! Só desejo ajudar!" Gritei enquanto ficava de pé.

Minhas palavras pareceram significar para Eve, pois sua luta diminuiu e ele lentamente virou sua cabeça, olhando-me com o canto dos olhos.

"Ei, vocês precisam de ajuda?!?" Uma voz desconhecida gritou.

Olhando para a fonte do barulho, nós vimos um androide da resistência caminhando em meio à chuva, olhando para nós com confusão e preocupação.

Acredito que Eve e eu poderíamos nos passar por androides devido a nossas aparências, mas meu Irmão, guinchando furiosamente em direção ao androide, estragou meus planos.

"Desculpe, sinto muito, desculpe incomodar, mas nós não precisamos de ajuda!" Me desculpei repetidamente com o androide enquanto arrastava Eve para longe.

O androide insistiu em nos ajudar, mas corri para longe rapidamente antes que a situação saísse ainda mais do controle.

-XXXXXX-

"Você se acalmou agora?" Perguntei para Eve enquanto nos sentávamos frente a frente no prédio de antes.

Eve acenou rapidamente, então sua face se contorceu em irritação antes dele proferir algumas palavras hesitantes.

"S-sim, d-desculpe." Eve gaguejou, procurando provavelmente as palavras certas.

"Não se preocupe, errar é humano, só estou um pouco chateado pela sua exibição anterior, mas mudando de assunto. Como você se sente?"

"E-estranho, isso é c-confuso." Eve gaguejou novamente, olhando para suas mãos e arredores.

"Senti o mesmo quando nasci, medo, raiva, confusão, surpresa. Demorará algum tempo para você se acostumar com sua existência física. Pode ser avassalador, mas aprendemos rápido, ainda mais com a nossa conexão à rede de máquinas." Respondi, colocando uma mão reconfortante em seu ombro.

"V-você vai me a-ajudar?" Eve perguntou esperançosamente.

"Mas é claro! Somos irmãos, não? É trabalho do irmão mais velho cuidar do mais novo." Falei, sorrindo gentilmente.

"O-obrigado, i-irmão!" Eve respondeu, sorrindo de volta.

"Não tem de quê! Descanse Eve, pois temos um longo caminho a percorrer para entender a humanidade." Falei antes de me levantar e retornar para meu local usual, dessa vez com Eve ao meu lado observando a chuva.

-XXXXXX-

Percebi rapidamente que, apesar de sermos gêmeos, Eve e eu temos personalidades e interesses completamente diferentes.

Eve era impulsivo, impaciente, um pouco grudento, tendia a ataques de raiva e não se importava com a humanidade, pelo menos não com seu lado emotivo, artístico e filosófico. Basicamente, ele tinha a atitude de um irmão mais novo.

Eve preferia o lado mais físico da humanidade, como esportes, artes marciais e entretenimento, focando majoritariamente na diversão por diversão do que um motivo por trás dela.

Então, como o bom irmão mais velho que sou, decidi levar Eve para praticar uma atividade humana.

"Isso é chato!" Eve exclamou, segurando sua vara de pescar com uma mão enquanto apoiava sua cabeça na outra.

"Paciência, você assustará os peixes com seus gritos." Respondi calmamente, me sentando com as pernas cruzadas na margem do rio.

"Você disse que nós faríamos uma atividade humana divertida!" Eve falou, jogando sua vara de pescar para longe.

"E nós estamos. Os humanos achavam pescaria divertida." Respondi, assumindo uma face concentrada.

"Todos eles?" Eve perguntou, levantando uma sobrancelha questionadora.

"Apenas alguns." Falei, desviando meu olhar em vergonha.

Eve suspirou irritado e levantou-se com um salto.

"Eve, o que você..."

SPLASH!

Não terminei, pois Eve saltou no rio, espirrando água em meu rosto e retornou alguns segundos depois com um peixe em cada mão e um na boca.

"Aqui estão seus peixes. Podemos fazer algo divertido agora?" Eve perguntou após deixar os peixes ao meu lado.

"Hm... Tenho uma ideia." Falei pensativamente.

-XXXXXX-

"O que fazemos agora?" Eve perguntou, observando a fogueira acesa em nossa frente.

"Nós cozinhamos os peixes, semelhantemente a como os humanos faziam, para livrar a comida de doenças e microrganismos, melhorar seu gosto e diminuir a energia gasta durante a digestão." Respondi, levantando meu indicador com um brilho em meu olhar.

"Wow! Você é muito inteligente, Adam! Como você sabe tanto sobre os humanos?" Eve perguntou maravilhado.

"Simplesmente gosto de aprofundar minha pesquisa na Rede de Máquina, você também aprenderia mais se passasse mais tempo na Rede."

"Não, a Rede e os humanos são chatos, prefiro aprender com você." Eve respondeu animadamente.

"Certo, apenas coloque o peixe no fogo e espere eles ficarem prontos." Suspirei cansado.

Eve fez o que mandei e jogou os peixes no fogo, então observamos como eles escureciam e queimavam, liberando fumaça e um odor desagradável.

"Tem certeza de que eles deveriam feder assim?" Eve perguntou, cobrindo seu nariz.

"Não sei, a informação sobre os hábitos humanos na Rede está incompleta, existe a possibilidade de termos feito algo de errado. Talvez o gosto seja melhor que o cheiro." Sugeri, segurando o peixe por sua cauda e soprando-o, apagando o fogo que o envolvia.

Eve fez o mesmo e juntos comemos o peixe. Apenas para nossos rostos se contorcerem em desgosto e cuspirmos a comida em nossas bocas.

"Isso tem um gosto horrível!" Eve gritou, tossindo violentamente.

"Nós erramos em algum ponto, com certeza!" Respondi, tendo uma reação semelhante.

"Adam, você disse que nos faríamos algo divertido, mas até agora nada." Eve falou irritado, cruzando os braços.

"Então, o que você deseja fazer?" Perguntei, jogando o peixe fora.

Eve sorriu de orelha a orelha e tive a sensação de que me arrependeria de minhas palavras.

-XXXXXX-

Não esperava esse tipo de brincadeira quando Eve disse que desejava brincar, afinal, os humanos possuíam diversos tipos de brincadeiras, bonecos, bolas, brinquedos, esportes, jogos de rua, jogos de tabuleiro e muito mais.

Mas não acredito que eles considerariam uma luta super-humana como um tipo de brincadeira.

CRASH!

Abaixei-me, permitindo que o pedregulho voasse por cima de mim e atingisse o chão gramado ao longe. Entretanto, Eve não encerrou seu ataque e avançou em grande velocidade, desferindo um chute giratório mirado em minha cabeça.

Ergui meu pulso, bloqueando o golpe e gerando uma onda de choque, mas meus pés deslizaram pelo chão e voei para longe. Vi uma sombra no céu quando minhas costas atingiram o chão, era Eve caindo em minha direção com seu punho erguido.

Levantei-me em ambas as mãos, permanecendo temporariamente de cabeça para baixo e desferi um chute duplo em seu peito, interrompendo a queda de Eve e jogando-o para longe.

Então me levantei, assumi uma posição de luta e avancei em direção à Eve. Meu Irmão se reorientou no ar e pousou agachado, levantando-se a tempo de desviar de meu soco.

Eve e eu trocamos golpes velozes e poderosos, nossos braços e pernas se transformando em borrões, liberando estrondos seguidos de ondas de choque a cada colisão.

Eventualmente encontrei uma abertura em meio a seus ataques e desferi um soco esmagador em seu rosto. Infelizmente, fui desleixado e permiti que Eve descobrisse uma abertura em minha postura, recebendo um soco em meu rosto logo em seguida.

Ambos fomos enviados em direções opostas, nossos pés deslizando pelo chão e deixando linhas profundas na terra.

"Você está satisfeito agora?!?" Perguntei, sorrindo levemente enquanto limpava o "sangue" de meu rosto.

"Pode apostar que sim! Também gostaria de ver como os androides se sairiam contra mim!" Eve exclamou, pulando animadamente enquanto socava o ar.

"Não, não, não quero você agindo como um selvagem e colocando sua vida em risco. Vivemos em um mundo onde tudo pode ser morto se você tiver poder ofensivo o suficiente, a Resistência, o Exército da Humanidade e Yorha podem nos destruir se tentarem." Respondi antes que Eve tivesse alguma ideia engraçada.

"Mas nós não estamos conectados à Rede de Máquinas? Podemos carregar nossa consciência em um corpo novo se quisermos." Eve perguntou, confuso.

"Sim, mas ao nos revelarmos bruscamente, interromperíamos nosso aprendizado sobre a humanidade, pois todo o mundo estaria nos caçando, e não queremos isso, não é mesmo?"

"Não." Eve respondeu desapontado.

"Além disso, nem todos os androides são agressivos." Dei de ombros, caminhando para longe.

"Mas aqueles androides de preto não o atacaram no momento em que você nasceu? Esmagarei eles se aparecerem novamente!" Eve exclamou, socando a palma de sua mão enquanto andava ao meu lado.

"Havia outro grupo de androides antes dele, um par de gêmeas de cabelos vermelhos, uma androides vestida semelhante ao que os humanos chamavam de motoqueira, dois PODs, e um androide malvestido. O último tentou dialogar comigo de forma amigável, mas os androides Yorha chegaram antes que isso fosse possível, você já está ciente do resto."

"Entendo, você acha que os veremos novamente?"

"Quem? Os Yorha ou os androides amigáveis?"

"Ambos."

"Hm... É difícil dizer, os androides e nós somos inimigos por natureza. É certo que Yorha sabe sobre nossa existência e está buscando informações sobre nossa origem, objetivo e paradeiro, por isso seria melhor nos mantermos escondidos. Entretanto, gostaria de encontrar os androides amigáveis novamente, talvez eles tenham as respostas para algumas de minhas perguntas."

"Bem, não me importo com isso se puder continuar ao seu lado." Eve sorriu, descansando os braços atrás da cabeça.

"Claro, claro, mas temos que focar em um problema importante no momento." Ri com a resposta de Eve e acariciei sua cabeça com mais força do que deveria, fazendo-o tropeçar para frente.

"E que problema seria esse?" Eve perguntou, recuperando seu equilíbrio.

"Nossa falta de roupas." Respondi secamente, apontando para nós dois.

"Oh!" Eve murmurou em realização.

"Oh, com certeza. Mas onde encontraremos roupas novas?" Falei, segurando meu queixo em pensamento profundo.

Subitamente, uma canção acompanhada do som de um motor ecoando ao longe chamou minha atenção. Olhando para a fonte do barulho, Eve e eu vimos algo peculiar, uma esfera branca com olhos e dentes enormes, presa em um velho caminhão de três rodas e pintado de vermelho e azul.

A esfera cantava uma canção em uma voz infantil enquanto dirigia em nossa direção, parando a poucos metros de nós. Escaneei a esfera rapidamente, mas os resultados retornaram inconclusivos. A esfera não era máquina, androide ou algo semelhante.

"Olá, chamo-me Emil! Vocês gostariam de comprar alguma coisa?" A esfera identificada como Emil falou educadamente. Hm... Talvez ele tenha a solução para nosso problema.

"Olá, Emil, chamo-me Adam, e esse é meu irmão, Eve!" Respondi, me curvando levemente.

"E aí!" Eve acenou.

"É um prazer conhecer vocês dois! Digam-me, vocês precisam de ajuda? Não sei se vocês perceberam, mas vocês estão pelados!" Emil falou surpreso.

"Sim, nós estamos cientes de nossa condição. Por isso, gostaríamos de saber se você vende algum tipo de roupa." Respondi.

"Claro que sim! Deem uma olhada, talvez vocês encontrem algo que gostem!" Emil falou e diversas prateleiras deslizaram para fora das laterais do caminhão, revelando barras cheias de cabides com roupas penduradas.

"Muito obrigado, Emil!" Respondi antes de vasculhar as roupas, procurando algo de meu interesse.

-XXXXXX-

Alguns minutos se passaram e encontrei as roupas que procurava. Uma camisa branca, um par de óculos, luvas, calças, sapatos e uma gravata preta.

Então, acessei a Rede de Máquina para conseguir os Gs necessários e paguei a Emil. A esfera nos agradeceu e dirigiu, cantarolando para longe, deixando Eve e eu sozinhos.

"Mas que esquisito!" Eve exclamou, observando Emil desaparecer ao longe.

"Não diga isso, ele fez a gentileza de nos vender algumas roupas." Respondi, desdobrando as roupas que segurava em meu braço.

"O que é isso?" Eve perguntou, apontando para as roupas em questão.

"Essas são suas roupas, decidi que nossas roupas deveriam combinar já que somos gêmeos." Respondi, mostrando roupas parecidas, mas não exatamente iguais às minhas.

"Não!" Eve falou, cruzando os braços.

"Coloque uma roupa Eve!" Respondi, me aproximando.

"Não gosto de roupas!"

"Deixe de agir como uma criança e coloque algumas roupas, você não pode andar nu por aí!"

"NÃO!"

"SE VISTA EVE!"

"NÃO!" Eve gritou, correndo para longe.

De novo, não! Gritei mentalmente enquanto corria atrás de Eve, conseguindo alcançá-lo horas depois e o forçando a colocar algumas roupas, embora ele apenas aceitasse vestir as luvas, calças e botas pretas, preferindo permanecer sem camisa e com cabelos curtos, diferenciando sua aparência ainda mais da minha.

Com nossos problemas atuais resolvidos, Eve e eu continuamos nossa exploração e aprendizado, vagando pela cidade, acessando a Rede de Máquinas e tentando descobrir as circunstâncias que nos levaram a nossa existência atual.

FIM DO CAPÍTULO

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