Acalla

Oleh AllePereira

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Três nações disputam poder em um mundo mágico tomado por guerras políticas. Quando vê sua nação ameaçada, a r... Lebih Banyak

🍃 Bem-vindas a Acalla 🍂
Episódio 01 - Origens I
Episódio 02 - Liera: O Início do Fim
Episódio 03 - Dranô: A Cidade em Chamas
Episódio 04 - Agda: Possessão I: Inconsequência
Episódio 05 - Liera: Pacto
Episódio 06 - Agda: Possessão II: Violação
Episódio 07 - Origens II
Episódio 08 - Dranô: Dualidade
Episódio 09 - Agda: Conexões I: Rompimento
Episódio 10 - Liera: Testemunhas
Episódio 11.1 - Dranô: A Palavra de Ordem
Episódio 11.2 - Liera: Anciã
Episódio 12 - Agda: Conexões II: Reconexão
Episódio 13 - Origens III
Episódio 14 - Liera: Traição
Episódio 15 - Dranô: Contato
Episódio 16 - Liera: Sacrifício
Episódio 18 - Origens IV
Episódio 19.1 - Liera: Cisão
Episódio 19.2 - Dranô: Intrusa
Episódio 20 - Agda: Sentença
Episódio 21 - Liera: Impugnação
Episódio 22 - Agda: Morte
Episódio 23 - Liera: Preservação
Episódio 24 - Leona: Exilados

Episódio 17 - Agda: Decadência

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Oleh AllePereira

- Você tem certeza disso?

- Calla, eu ouvi! Eu estava lá quando eles disseram que tem um informante exilado infiltrado na liderança da nação! A Anna também... - Citá-la não foi uma boa ideia.

- Eu sei... - Disse Calla com os olhos marejados - Eu não estou duvidando de você, só quero ter certeza pois uma acusação dessas é algo grave!

- Sim e eu posso provar o que ouvi. Vamos expor a verdade e tentar salvar aquelas cidades dos ataques! A nação é regida por um mentalista, se alguém duvidar eu me coloco à disposição para ter a minha mente revirada e provar o que ouvi!

- É... eu acho que nós devemos isso à Anna.

- Anna? Nós devemos essa informação a todo o povo de Acalla! Se há mesmo um traidor sabotando os planos de defesa da nação, nós precisamos alertar a alta regência!

- EU SEI! - Ela gritou enfurecida - Eu sei! mas tudo ainda dói muito! A Anna me acolheu e me ajudou a sobreviver nas ruas! Depois eu conheci o Eldor e levei ela pra dentro da casa dele! Se não fosse pela Anna eu estaria morta agora, e por minha causa isso aconteceu com ela!

Eu conhecia Calla há pouco tempo na época. Eu ouvi as histórias sobre a situação da sua família em Níria e como ela os abandonou para tentar lhes oferecer uma vida melhor. Quando cheguei em Verídia eu demorei a entender suas razões para me ajudar, eu fui alertada sobre a dona da estalagem e ganhei um lugar para ficar. De certa forma ela cuidou de mim como também cuidou da própria família, da mesma forma como fora cuidada por Anna e aquela era a parte da história que eu estava ignorando. O auxílio que recebi já era o suficiente para sustentar a nossa conexão, mas foi o peso da culpa pela morte de alguém estimado que fortaleceu os nossos laços. Nós achamos uma na outra a nossa própria definição de família, Calla foi para mim a irmã que eu nunca tive.

- Sim, nós devemos isso à Anna. Antes de mais nada devemos isso a ela. Me desculpe pela insensibilidade e por não honrar sua memória.

- Agda... eu tenho medo de não aguentar.

- O que você quer dizer com isso?

- Por muito tempo eu tive raiva da Nação Exilada, eu só queria que eles morressem ou desaparecessem da existência, mas agora, depois que vi a força e a influência que eles têm eu acho que somos fracas. Nós somos apenas duas garotas que podem morrer a qualquer momento nessa guerra.

Eu não soube como responder. Eu não podia me deixar ser contaminada por aquele sentimento de impotência, mas se a Anna se tornou uma vítima fatal sendo assim tão forte quanto falavam, então eu não poderia fazer outra coisa senão entender e respeitar o medo de Calla.

- Vamos descansar, sim?

Nós havíamos deixado Verídia apesar de não estarmos longe. As montanhas estavam próximas e eu não me lembro exatamente onde nos abrigamos, foram tantos ciclos buscando abrigo que alguns deles me escapam à memória.

- Como você está? - Disse ao notar que Calla havia despertado junto com o sol.

- Eu não sei. Não sei mesmo.

- Eu vou respeitar a sua decisão. Eu tenho uma ideia de onde estou me metendo aqui e consigo imaginar os riscos, então vou entender se você não quiser participar disso.

Calla refletiu em silêncio antes de me responder com um abraço, aquilo foi como se ela liberasse sobre mim parte do pesar que carregava. Acho que tudo o que ela precisava naquele momento era que seus sentimentos fossem validados por alguém que se preocupasse verdadeiramente com ela.

- Eu não posso perder mais ninguém. Eu vou com você.

Eu sorri. Eu também não queria perdê-la e sua decisão me trouxe conforto.

- Eu quero muito fazer algo a respeito dessa situação toda, só que não pensei exatamente em como fazer isso. Tudo o que consigo pensar é em ir até o castelo de Acalla e pedir para falar com alguém ligado à regência.

- Ainda bem que eu tô aqui, porque isso aí não vai dar certo.

Ela sabia que estava certa e gostava daquilo. Eu fiquei feliz por vê-la voltando a ser ela mesma.

- Não, não vai. - Respondi sorrindo - O que você me aconselha?

- Você sabe que os súditos não são permitidos nas imediações do palácio, certo? - Eu não sabia - Mas se nós não chegarmos até a regência, a informação precisa chegar. Os exilados que você ouviu, eles disseram que os próximos ataques aos exércitos ocorrerão nos vilarejos do Norte e na minha cidade de origem?

Eu assenti, ela continuou:

- Podemos ir para o norte alertar as autoridades locais antes que aconteça. Se conseguirmos que o líder do vilarejo interceda por nós, talvez a informação chegue à regência da nação como queremos e isso pouparia muita coisa.

- E nós temos a vantagem que a nossa palavra se provará verdadeira. Vamos!

Calla me pegou pelo braço e nos levou até os limites dos muros de Zaor. As minhas expectativas estavam altas e nós tínhamos um bom plano, aquele sentimento me fez ignorar as marcas de sangue espalhadas por uma extensão considerável do muro, elas levavam a uma pilha de pedras soltas que não deveriam estar lá. A abertura no muro estava fortemente protegida por guardas de Acalla que nos receberam com suas espadas empunhadas:

- Identifiquem-se!

Eu travei.

- Somos moradoras da cidade. Estávamos treinando algumas magias e viemos parar aqui por acidente. Sabe como é, a desmaterialização as vezes te leva à lugares que você não planeja.

A resposta rápida de Calla soou convincente e em nossa assinatura não havia hostilidade. Os guardas trocaram olhares e um deles ordenou:

- Entrem. Não é seguro estar fora dos muros da cidade.

Sem perdermos tempo nós adentramos à vila. A decadência de Zaor estava em todos os detalhes, das madeiras putrefatas usadas nas construções ao odor fétido que tomava o ar. Não faltavam pessoas que aparentavam não se alimentar apropriadamente ou sequer ter acesso à água pura, algumas delas apresentavam escaras infectadas espalhadas sobre os corpos sujos. O sol estava alto no céu e eu me sentia cansada. Não havia becos às vistas, as construções eram erguidas a partir de vigas compartilhadas de modo que ficavam unidas umas às outras. Em outros momentos da vida eu descobri que aquela era uma prática comum para poupar material em locais com menos recursos, descobri também que os recursos eram escassos em grande parte da nação por embargos que vinham da própria regência. Havia madeira mais que suficiente em toda Acalla, o material só estava inacessível aos menos afortunados que sequer podiam coletá-lo nas florestas sem autorização. Com uma breve caminhada encontramos alguns mercadores que ofereciam mantimentos no que parecia ser uma zona de trocas local.

- Tá vendo aquele senhor ali?

- Aquele ofertando as raízes? – Respondi observando-o de longe. Várias das suas raízes pareciam apodrecidas.

- Isso. Se me lembro bem, aquela bolsa na cintura é onde ele guarda os objetos que recebeu pelas trocas. Eu preciso que você não se assuste com o que vai acontecer agora.

Calla desapareceu e, em instantes, ela estava ao lado do mercador de raízes. Ela foi ágil em tomar para si a bolsa de pagas e desaparecer novamente levando o item consigo. Sua vítima sequer teve chance de reação.

- GUARDAAAS! - Gritou o homem. A patrulha de segurança do local não demorou a aparecer para ouvir o relato do mercador. - Não sei quem foi, o ladrão sumiu no ar, só senti minha bolsa de runas sendo puxada.

- É isso o que acontece com quem não paga os impostos. - Disse um guarda dando de ombros - Vamos dar uma olhada por aí, se descobrirmos algo te avisaremos assim que acertar suas dívidas com a nação! - Os guardas saíram gargalhando enquanto o mercador amaldiçoou Acalla e recolheu seus objetos de troca, ele moveu a carroça para um ponto mais movimentado.

Eu deixei o local e andei por algumas ruas. Em vários trechos as pedras do chão estavam recobertas por uma lama escura com cheiro forte de excremento. Calla tocou meu ombro por trás, ela carregava consigo a bolsa recém roubada.

- Essas runas devem nos abrir algumas possibilidades.

- Calla, por que você fez isso?

- Eu não vou mais arriscar a nossa sorte com desconhecidos, Agda. Nós precisamos de segurança e essa bolsa vai garantir isso pra gente. Nem beco esse lugar tem!

Eu não respondi, mas mantive o olhar julgador.

- Me julgue depois da refeição completa que vou conseguir pra gente... ali! – Disse ela apontando o dedo para um dos estabelecimentos local.

Entramos na estalagem e Calla foi direto ao ponto:

- Precisamos de um quarto.

- Olá, minhas queridas. Eu sinto muito não poder atender a sua necessidade. Infelizmente estou impedido de receber qualquer viajante pelos próximos ciclos.

- O que? Como assim? Nós temos uma boa paga!

- Vocês chegaram agora? Zaor sofreu um ataque brutal no ciclo escuro, bem aqui na Zona da Troca. Parece que alguém da alta regência está vindo investigar o ocorrido. Por segurança, recebemos ordens para deixarmos essa região antes do surgir da lua, eles não querem interferência nas investigações.

- Que tipo de ataque?

- Um ataque de lobo, foi o que me disseram. Uma coisa horrível com várias vidas perdidas...

- Nós ainda precisamos de um lugar para ficar! - Insistiu Calla.

- Eu recomendaria que vocês deixassem Zaor, as coisas aqui estão bem complicadas. Se isso não for possível, existe uma outra estalagem na região central e por lá tudo deve estar um pouco diferente.

Deixamos a estalagem rumo à região central e eu estava ao ponto de perder o meu último traço de esperança:

- O ataque era a única chance. Nós perdemos o ataque. Perdemos a nossa garantia! Eu preciso me encontrar com o representante da alta regência aqui mesmo em Zaor!

- Oh, oh, oh! Muito cuidado agora! O que nós precisamos é descansar para pensar direito sobre como lidar com isso. Você ouviu o que aquele rapaz acabou de dizer? Que eles não querem interferências nas investigações, certo? Como acha que eles te tratariam se você se aproximasse assim da alta regência?

- Não sei, mas não me importo com isso! – Esbravejei. Minha resposta deixou Calla consternada.

Não demoramos para achar a pousada da região central. Apesar de ser caracterizada como uma vila, Zaor era grande e tinha o porte de uma pequena cidade. Em troca de uma única runa conseguimos um lugar para repousar, nossa oferta generosa nos garantiu um dos melhores cômodos na parte alta da estalagem.

- Não se esqueçam que ao nascer da lua todos estarão proibidos de deixar a estalagem. Eu mesma vou servir a última refeição ao surgir do ciclo escuro.

Fui direto para o aposento e repousei meu corpo cansado nos tecidos macios que estavam à disposição, eu queria estar bem para quando a lua emergisse no céu escuro. Meu sono foi profundo e com qualidade, um privilégio que me foi tirado em tantos momentos desde que deixei a Vila da Fronteira. Calla tinha razão, nós precisávamos daquilo mesmo que os meios para conseguir fossem inteiramente questionáveis.

Eu despertei e a lua estava alta no céu, seu brilho foi a primeira coisa que enxerguei ao abrir os olhos embaçados. Olhei para o lado e vi Calla descansando em sua pilha de tecidos mal organizados. Me levantei com cuidado evitando acordá-la e fui até a janela, abri os vidros para sentir a brisa fresca do ciclo escuro junto ao toque suave da lua sobre a minha pele. Eu fechei os meus olhos e me permiti, ainda que por um breve momento, não pensar em nada e apenas absorver a energia lunar. Ela me abasteceu mais do que qualquer descanso anterior.

- Agda? - Calla havia despertado. - Eu guardei carne e pão pra você. Aqui na bolsa.

Mesmo que ela nada enxergasse além da minha silhueta em frente à janela iluminada, eu me virei sorrindo.

- Descansou o bastante? - Questionei.

- Não, não tô mais cansada. - Ela estava cansada demais para entender a pergunta.

- Se eu prometer que não vou há lugar algum, você volta a dormir? Você não precisa ficar acordada para me vigiar.

- Não sei, não... - Disse ela esboçando um sorriso sem graça por ter sido descoberta.

- Eu quero muito resolver tudo isso. Se eu não estiver pensando direito; se eu bagunçar tudo; se eu sofrer mais um ataque; são possibilidades e riscos que eu escolhi ignorar. Fazer isso é importante para mim.

Calla se levantou e pegou a bolsa com mantimentos.

- Vem, me dá a sua mão. - Mesmo sem entender eu fiz o que foi pedido, ela nos materializou no telhado da estalagem.

- Porque... Pera, você já esteve aqui em cima? – Questionei rindo.

- A mãe da minha mãe era daqui e eu frequentava muito essas terras. Ela me contava todo tipo de histórias sobre esse lugar, a minha favorita era sobre como ela ajudou a rainha desaparecida a fugir para cá há muito tempo atrás, mas eu nunca soube se aquilo era mesmo verdade ou se ela só repetia tudo por saber que eu gostava de ouvir. Eu sinto falta dela e estar aqui me ajuda a me conectar com as lembranças boas que carrego. É por isso que eu te trouxe aqui, sabe, para colocar a cabeça no lugar a gente precisa se reconectar com o que é importante. Olha a lua, olha a escuridão, a brisa... olha como as coisas estão lindas. Eu quase entendo essa sua preferência.

A janela não se comparava ao alto da estalagem. Eu precisava daquilo. Por alguns instantes os problemas pareceram não existir.

- Não é perigoso estar aqui fora? - Questionei com certo sarcasmo. Calla riu.

- É sim, mas a gente tá junta e fora da vista. Então é um perigo controlado.

- Você não gosta da ideia de abordarmos quem vier da regência para denunciar o que sabemos. Eu não sei o que fazer se não for isso.

- Se a gente não sabe o que fazer, então não faz nada até termos certeza. As chances da gente se meter em uma situação complicada agindo por impulso é grande. É muito ruim a ideia de perder alguns ciclos planejando os próximos passos?

Na verdade, era sim. Eu era uma pessoa impulsiva por natureza e bastante inconsequente também. Aquela era uma combinação perigosa que havia me levado até ali por caminhos tortuosos. Porém o tempo estava contra nós, aquela poderia ser a minha última chance de denunciar os exilados que assassinaram o meu pai e finalmente conseguir justiça.

- Oh não... – Disse Calla.

A energia de um praticante de magia bastante potente foi sentida emanando da parte nordeste de Zaor.

- Calla, eu preciso ir. Eu sinto muito.

- Agda, não. Por favor, vamos conversar melhor sobre isso!

- Não. Eu preciso ir, essa pode ser a minha última chance de fazer algo!

Minha companheira fechou os olhos e prendeu o ar no peito estufado por um instante. Ao liberá-lo, ela disse contrariada:

- Vamos então.

Demos as mãos e aparecemos na área externa do muro, no mesmo ponto onde surgimos ao chegarmos em Zaor. Entramos novamente pelos escombros e a presença do recém-chegado estava cada vez mais forte. Junto a ele, a entidade caçadora também se fez presente caminhando pelas ruas infectadas da Zona da Troca. A combinação das energias indicava que a criatura estava próxima do membro da alta gestão. Corremos até o fim da rua onde eu esperava encontrar alguém. Tudo estava vazio.

- Agda, você tá sentindo a presença hostil?

- É o lobo. Ele deve estar atrás das tropas de novo, ou pior, da alta gestão.

- A gente precisa sair daqui!

- Não, a gente precisa ganhar tempo. Vá atrás do representante da regência, rastreie ele e traga-o aqui! - Mesmo insatisfeita, Calla partiu.

Eu corri por outra rua a procura de algum soldado, não havia nenhum e o lobo estava cada vez mais próximo.

- Fique viva, Agda. - Disse a mim mesma quando entendi que o reencontro seria inevitável. - Só fique viva até a Calla retornar com a ajuda.

Eu aqueci os músculos e firmei os ossos. Sem magias, tudo o que eu tinha eram as minhas habilidades físicas que talvez me dessem alguma vantagem na esquiva. Ele havia chegado, eu ouvi seus passos pela lama quando um guerreiro robusto de porte invejável apareceu diante de mim.

- Agda! - Calla apareceu sussurrando por trás - Os rastros de energia estão vindo dele! Todos eles!

- O que estão fazendo aqui? - Bradou o guerreiro. - Nenhum civil deve estar nas ruas de Zaor.

- Eu... - Hesitei. Eu não esperava aquele encontro. - Pensei que a gestão de Acalla estaria aqui. Eu queria reportar algumas informações.

- Reporte-se a mim. Eu sou o responsável pela defesa do reino. O que você tem a dizer?

- Salazar? – Deixei escapar. O ministro de defesa de Acalla esteve presente em algumas ocasiões na Vila da Fronteira. Ele era conhecido como o líder de todos os militares de Acalla, inclusive do meu pai. Ele caminhou em nossa direção.

- Agda, a gente precisa sair daqui! A assinatura do lobo tá vindo dele!

- O que você tem a dizer? - Bradou Salazar.

"Nenhuma investigação oficial está em andamento e, caso surja, será sabotada."

As apalavras de Eldor voltaram a mim em sua integralidade. Aquela investigação era uma farsa. O som agudo da espada de Salazar sendo desembainhada cortou a escuridão me obrigando a agir.

- As runas, Calla! - Disparei.

A lâmina de Salazar desceu contra mim, eu me lancei ao chão e rolei pela lama desviando do golpe. Me vi em suas costas quando me levantei e, com um dos pés, o atingi na ligação dos joelhos na esperança de derrubá-lo. Não funcionou, apesar do meu treinamento militar eu não tinha muita noção do quão resistentes eram as armaduras usadas em combate. Ele se virou tentando me acertar com um corte na altura do pescoço. A posição que assumi ao disparar o chute facilitou a evasiva, girando meu corpo no ar eu acompanhei o movimento transversal da lâmina desviando com sucesso mais uma vez. Nós estávamos frente a frente e eu sabia que o ministro não cairia fácil, porém ele era lento e eu usaria aquilo ao meu favor.

Com a espada em mãos ele partiu para mais um ataque na altura da minha cintura. Eu saltei evitando a arma e lancei os pés suspensos em seu peito, acertando-o com pressão suficiente para que ele desse alguns passos para trás. Ao cair, apoiei as mãos no chão para evitar o impacto enquanto minhas pernas achavam o caminho do solo. Salazar aproveitou o momento para lançar a espada contra mim. Enquanto eu me preocupei em desviar do instrumento que rasgava o ar, ele chegou perto o bastante para me agarrar firmemente pelo braço. Aquilo não era bom.

Sem poupar o uso da própria força, o ministro me atirou contra uma viga de madeira ávido pelo som dos meus ossos se quebrando. A única coisa que se partiu foi a viga, a madeira apodrecida me poupou de boa parte do impacto e dos danos. Me levantei esperando outro golpe de Salazar, mas quem me acertou foi a bolsa de runas lançada de longe. Prostrada no ar como uma entidade levitando no céu escuro, Calla estava tomada pelo poder da runa dos Filhos da Guerra.

Salazar alcançou sua espada e a lançou contra Calla. Com seus dedos virados para baixo, ela estendeu a palma de uma das mãos enquanto aguardava a aproximação da arma. Ela estava em total controle da situação. Quando a lâmina lhe tocou os dedos, minha companheira girou os braços no ar circulando a mão por cima da cabeça, a espada acompanhou seus movimentos e circundou seu corpo sendo lançada com ainda mais velocidade contra o ministro. Salazar evitou o ataque desviando a arma com um dos braços em um ato de precisão impecável.

Calla gritou palavras de ordem fazendo movimentos espirais com as mãos, sugando o inimigo para si com seu recém assumido poder telecinético. O ministro se aproveitou do impulso adquirido e cerrou os punhos mirando o peito de Calla, minha companheira foi acertada em cheio e atirada contra uma carroça abandonada logo abaixo. Eu apanhei uma runa e senti o seu poder, uma performance verbal bastou para fazê-la funcionar:

- Os poderes ancestrais aqui contidos deixam seu repouso para se expandirem em meu ser. Eu me aposso da energia, das habilidades sobre humanas, que aqui definirão entre a perda e o prevalecer.

O meu corpo cresceu em energia e em tamanho. Calla se levantou e sentiu que eu também estava fazendo uso da runa, ela surgiu ao meu lado e nos tirou dali. Aparecemos no ponto mais alto que sua desmaterialização conseguiu alcançar e permanecemos suspensas com a telecinese, ela usava a magia dos Filhos da Guerra com a mesma maestria dos próprios seguidores de Leona.

- Clame pela última magia dos combatentes. Eu vou te dar impulso em uma performance combinada e acho que juntas conseguiremos causar algum dano!

Performar a sexta magia de qualquer classe me parecia uma atitude drástica. Mesmo sem muita certeza do que eu estava fazendo, iniciei:

- A cultura dos Combatentes prega que portar as magias do combate é assumir um compromisso com a justiça e com a vida...

Calla iniciou sua própria performance manipulando meu corpo inerte. Ela me posicionou em frente ao próprio corpo, esticada, mirando o ministro e dizendo em seguida:

- A energia que me permite interagir com o mundo sem contato físico se concentra agora em um ponto específico. Eu me distancio das diferenças do passado e de partes da minha própria consciência para conjurar a quarta magia dos Filhos da Guerra...

- Para preservar nossos valores diante destes planos sombrios, eu invoco a magia mais potente com a qual a humanidade foi abençoada pela entidade do combate, o Deus da Guerra em si...

- Tão forte quanto a ausência absoluta de matéria. Tão instável quanto sensível à mais sutil das interações. Contra o traidor que ameaça à soberania da nossa grande nação eu declaro guerra! Concentre-se em mim, Pressão.

- O Toque da Destruição.

Eu senti a Pressão tocar meus pés antes de me disparar ao solo. Eu estava preparada. Com o Toque da Destruição completo, Salazar não teve a mínima chance de evitar o ataque. Eu fechei os olhos e senti tudo explodir à minha volta quando atingi o ministro arrastando-o para dentro da terra. Toda aquela liberação de energia me causou uma sensação estranha. Ainda que eu não pudesse enxergar coisa alguma através da cortina de poeira que se levantou, tive uma boa noção do estrago que a minha primeira performance mágica havia causado. A estratégia combinada com certeza resultou em algum dano ao guerreiro. Eu não sabia onde Calla estava ou para qual direção seguir. O poder da runa estava deixando o meu corpo e eu senti Salazar me agarrar pelo pescoço.

- Que performance adorável. Só que não é por acaso que eu sou do alto escalão! Esse problema acaba aqui! – Rosnou ele com raiva. Com a mão livre ele segurou minha cabeça enquanto me apertava o pescoço. O ar começou a faltar, eu vislumbrei minha própria morte pelas mãos de ninguém menos que a regência de Acalla.

- O que é aquilo? – Perguntou alguém.

- O que ele vai fazer com aquela garota?

A poeira baixou revelando vários civis e alguns soldados nos observando das bordas da cratera. Alguns deles expressavam espanto, outros confusão, mas todos pareciam concordar que um ministro de Acalla executando alguém tão jovem em público seria algo difícil de ser justificado, fosse a vítima uma ameaça ou não.

- Senhor? - Chamou um dos guardas - O senhor está bem?

Salazar pensou bem antes de responder:

- Eu... achei a responsável pelos ataques. Ela é uma das culpadas pela morte dos guardas. Existe uma outra pessoa, uma mulher de poucas eras como essa daqui, ela precisa ser capturada para que também seja julgada e receba a punição apropriada, a punição justa e medida a partir dos seus atos contra a nação.

O ministro me soltou. Eu caí quase desacordada devido à privação da respiração. Salazar se ajoelhou e sussurrou:

- Era para isso ter acabado aqui. Eu ia te mostrar misericórdia te poupando do julgamento.

- Traidor, assas... - Eu me engasguei com o pó e com a minha própria saliva.

- Eu? Traidor? - Salazar riu alto - Foi você quem atacou um oficial, destruiu Zaor e matou meus guardas. Você atacou nossa grande nação!

Ele se virou para os civis.

- Neste ciclo lunar nós capturamos uma das enviadas da Nação Exilada. Enviada para matar nossos guardas, para destruir vocês e seus descendentes. Este é um ciclo para exaltarmos a nossa soberania!

O povo bradou.

- Levem ela. Quero ela nas câmaras do sexto nível do castelo de Acalla. Garantam que tenha o tratamento padrão de um prisioneiro daquele nível. Eu vou caçar a outra.

O poder da runa se esvaiu por completo, junto com ele boa parte da minha própria energia também deixou o meu corpo. Usar as runas era uma boa ideia quando se estava em perigo, mas o preço que elas cobravam era equivalente aos benefícios. Eu desmaiei no caminho para as câmaras do castelo desejando até o meu último suspiro que Calla estivesse melhor do que eu.

***

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