O Chacal

By Machado-Ribeiro

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Chacal. Ele é um mestre do disfarce, uma lenda temida pela polícia que causa arrepios até nos melhores espiõe... More

Notas do Autor
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18

Capítulo 6

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By Machado-Ribeiro

Centro de Treinamento Externo. Ninho da Águia, Hindu Kush. Início de 2001

— Treine seu corpo para ter eficiência máxima! — Os gritos do instrutor machucavam os tímpanos de al-Shishani.

Se havia uma regra naquela escola preparatória, era a de não pegar leve com ninguém. Não se importavam com gênero, religião ou credo. Os exercícios na altitude eram duros e, para os olhares assustados da turma, mortais.

O exercício do dia era um percurso, mas não um percurso qualquer. O instrutor insistia que eles carregassem pesos enquanto eles escalavam construções na montanha e pulavam entre os telhados das casas dos empregados.

— Eles querem nos matar — sussurrou uma de suas colegas.

— Há um sentido nisso tudo. — Outro estremeceu sobre o leve casaco, fitando de soslaio o responsável por aquele teste. — Tem que haver...

Cada um tinha teorias sobre as palavras imponentes do professor. Força e velocidade deveriam estar lado a lado. Sibilou. Por que não testavam isso em um ambiente fechado e controlado? Por que gastariam dinheiro em treiná-los apenas para vê-los morrer em uma vala qualquer na montanha?

Ela cerrou os punhos, apertando-os até a ponta dos dedos ficarem brancas e tentou disfarçar a raiva, mascarando suas feições em uma cara de pôquer, um dos primeiros mantras desde sua entrada na escola.

As emoções são o espelho para a alma. Nunca as deixe refletir.

Alguns garotos, os ratos de academia como eram chamados pelos corredores, riram e debocharam da missão. Tinham mais massa muscular, mais envergadura, e um deles se vangloriava do próprio muque. A confiança dele era tanta que, por um momento, muitos relaxaram.

Risos de conforto ecoavam entre eles e, entre os últimos ajustes, um ar tranquilo tomou conta do pessoal. Tirariam de letra, não é?

Não.

Os olhos arregalados, os engasgos de susto, as engolidas em seco e as feições horripilantes do rosto da segunda fileira disseram tudo o que ela precisava saber. Não precisou escutar os gritos para entender.

Ninguém riu quando o líder dos ratos caiu na vala, engolido pela montanha.

O que mais enervou al-Shishani não foi a queda em si, mas a cara de deboche do instrutor. Não deveriam ser indiferentes? Não deveriam não reagir às provocações ou piscarem os olhos ao verem eles se lançando à morte? Que quebra de decoro era essa?

Impassíveis, insólitos, imóveis. Os alunos passavam muito tempo controlando suas emoções para se deixar levar pelo deboche escancarado dos instrutores. Se pudesse, al-Shishani se lançaria no pescoço do maldito e o asfixiaria. Só precisava de seis segundos...

Mas ainda não tinha força nem habilidade para vencer um instrutor. Engoliu a raiva e a angustia. O pior de tudo foi ver os passos lentos de um menino, cujo sorriso angelical era encantador. A caminhada era de um derrotado, de quem jamais passaria pelo circuito e teria a montanha gelada e insólita como mausoléu.

Cerrou os olhos e deixou uma lágrima escapar da prisão de suas pálpebras. Só escutou o estalo dos ossos quebrados quando o corpo dele se chocou com o paredão. Os ombros até foram para cima. Malditos calafrios.

Encolheu-se dentro do casaco.

— Al-Shishani! — O instrutor gritou seu nome, o vapor saindo de sua boca devido ao frio. Estavam no verão, mas o frio da montanha nunca os permitia agraciar o calor. — Sua vez.

Contando com seu casaco, botas, bastões de alpinista e a bolsa marcada com seu nome, tinha quase trinta quilos a mais. Os mestres diziam que as bolsas eram calculadas de acordo com o peso e altura, porém desconfiava disso.

Cair, no entanto, não era opção. Para atingir o patamar das lendas e para retribuir o carinho do homem que a salvou, ela precisava passar neste teste. Não ganhou outra oportunidade para desperdiçá-la se jogando no abismo do Hindu Kush.

Caminhou decididamente e encarou o instrutor debochado com uma fúria velada.

Pensou nas aulas de parkour e analisou friamente o relevo, as estruturas das casas e os canos que corriam por elas. Parapeitos eram os seus mais novos amigos; rachaduras de prédios, onde tijolos saltavam pra fora, aliados; contaria mentalmente as hastes e postes: as usaria como trampolim.

Força e reflexos extremamente rápidos eram seus melhores amigos. Meio quilo ou alguns segundos extras poderiam ser a diferença ente uma subida e uma queda. Sucesso ou fracasso. E, claro, vida ou morte.

Logo de cara reparou no erro do líder dos ratos: aumentar sua força relativa era útil, todavia, o mais importante era a resistência. Subir dez andares sem se cansar muito era um diferencial enorme.

O circuito também, por um momento, a lembrou das dificuldades que teriam nas ruas modernas. As subidas e descidas das montanhas, os saltos sobre obstáculos mais altos que a cintura, as flexões para braços atléticos e os mergulhos entre barras paralelas viriam a calhar.

Os ratos eram os piores em muito desses quesitos. Os mais franzinos, os segundos piores — eram muito bons em corrida. Logo, passaria somente as pessoas que otimizaram ao máximo seu corpo, a própria máquina. Não forte, não robusto, não magro. Força e resistência, a união a deixava mais capaz.

O instrutor autorizou o início do percurso. Ela inspirou e expirou duas vezes, controlou a respiração através da meditação e se lançou em direção a ravina.

Domine seu ambiente. Ignore a dor. Sucumba a ela apenas quando estiver segura.

A tensão nos braços foi forte ao atingir uma perfuração do paredão. Sentiu os bíceps rasgarem, esticarem, ao mesmo tempo que envolveu o cabo da machadinha de escalada em um aperto mortal. A lâmina afiada rasgou a pedra até se fixar em um vão.

Os pulsos também arderam e sangraram, o lacre que os envolvia quase os decepou. As costas, então... Malditos pesos.

Relaxou por alguns segundos, absorvendo o impacto das inúmeras dores. Pendurada diante do abismo mortal, sentiu a neve gélida queimar as pontas dos dedos. Ignorando a dor causada pela exposição ao tempo frígido, ela se ergueu entre grunhidos.

Usou todos os materiais de escalada e atingiu uma plataforma. Depois, retirou o cinto tático da calça e o pôs em um cabo de alta tensão, que corria da montanha para o topo da primeira casa. Olhou por cima do ombro, para o peso da mochila antes de se resignar e usar o fio como uma tirolesa improvisada.

Ele, como esperado, arrebentou no meio do caminho e ameaçou jogá-la para o sopé da montanha se não a eletrocutasse primeiro. Contudo jamais sucumbiria ao desespero.

Uma das primeiras lições que terão é de como vocês deverão domar o próprio medo. Ele sempre existirá, mas saber como lidar com ele é a diferença entre a vida e a morte.

Domou o susto e agarrou com todas as forças o cabo. O que era uma tirolesa virou um cipó de floresta, lançando-a em uma velocidade tremenda ao concreto do topo do prédio. Também não gritou, não esperneou. Não daria esse gostinho ao instrutor debochado.

Também pensou rápido. Calculou na mente quando poderia saltar, não sem antes desacoplar a mochila das costas, que caiu como uma bomba no terraço. Segundos depois, ela largou o cabo, rolando para frente no momento que a ponta do pé atingiu o concreto.

Não teve como não imitar a pose do Homem-Aranha quando parou.

Sorrindo para si, ela pegou a mochila, a colocou nas costas e seguiu em direção a segunda fase do percurso.

Pulou no pequeno pilar, usou a corda de escalada para correr pela parede antes de saltar e pendurar-se no parapeito da janela. Em seguida, mesmo com a maldita mochila querendo lhe arremessar para o chão, a alça rasgando e arranhando seus ombros, ela subiu entre duas paredes.

Tinha colegas que subiam como ninjas, como Jackie Chan. Saltando entre o espaço delas como se fossem escadas. Al-Shishani era mais pragmática. Ficou no parapeito da janela, colocou as costas em um lado da parede, e com os pés na outra, subiu devagar.

Zombariam dela, decerto. No entanto, o cansaço e a extenuação de todos os músculos do corpo já batiam à porta. A respiração entrecortada e o torpor cada vez maior não lhe permitiram fazer graça. Improvisaria mais. Queria viver, não se mostrar.

Atingiu o outro lado. Trotando até a escada, desceu silenciosamente e rastejou pela neve. A última parte do exercício, essa bem menos mortal, era evitar ser vista. De dia e por guardas fortemente treinados.

Seja criativa, mantenha os olhos abertos, avalie cada situação e busque a menor resistência.

Muitos tentariam inventar, ela não. Esgueirou-se pelas profundezas na neve, imóvel e resoluta ao lado dos carros. Esperou a sombra de uma nuvem e rastejou para algumas lixeiras enormes, do tamanho de uma pessoa, e escolheu a mais nojenta para se esconder.

E aproveitou para descansar.

✧✦✧✦

— Parabéns, al-Shishani.

Seu treinador pessoal, cujo codinome era Pardal, entrou no quarto sem cerimônias. Os únicos que precisavam bater à porta eram os alunos. Professores entravam e saíam a hora que queriam.

— Por? — Segurou a vontade de arquear a sobrancelha. Aos poucos domava cada vez mais suas reações.

— Você passou com honras pelo teste. Ficou entre as dez primeiras dos duzentos que passaram.

De quinhentos que tentaram. Ela não tinha nenhum amor pelo treinador, mas ele não precisava saber disso.

— Posso perguntar que posição eu fiquei?

— Terceira. Gostaram de sua criatividade, mas os dois primeiros tiveram mais estilo.

Imaginou. Daniel, o queridinho, com certeza seria o primeiro ou o segundo, a depender de como votassem. Ela, particularmente, votaria em Werner. O rapaz do sorriso largo teve a proeza de roubar o uniforme de um guarda mascarado e negociar, através da lábia, sua saída.

Talvez conseguisse também, se não estivesse morrendo de cansaço. Pensou em como Werner desceu a montanha e como ele conseguiu forças para conversar.

— Ninguém escapou pelo lixo — murmurou ela.

— Você sempre foi a mais paciente de todos. A mais séria e a que possui maior potencial.

— Obrigada, mestre. — Fechou o livro que segurava entre as mãos.

— Passado os testes, você terá uma escolha.

— Escolha? — Não escondeu a surpresa no rosto. Ainda tinha muito o que melhorar.

— Sua disciplina. No que você quer se especializar. — Pardal fez uma pausa teatral. — E aí sim, você se tornará uma verdadeira assassina.


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