O Chacal

By Machado-Ribeiro

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Chacal. Ele é um mestre do disfarce, uma lenda temida pela polícia que causa arrepios até nos melhores espiõe... More

Notas do Autor
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18

Capítulo 5

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By Machado-Ribeiro

Dragon's Breath Pub. Cidade de Londres, Inglaterra.

Uma das coisas que Demétrius mais odiava em uma zona de investigação ativa era a briga por jurisdição. Ainda mais envolvendo um crime onde as principais vítimas eram membros do submundo londrino, sem contar a perda de cruciais informantes das inúmeras agências. Logo, quando estacionou o carro em frente a faixa amarelada da polícia, esfregou a nuca.

Lidar com o MI-5 querendo explicações; jornalistas buscando o furo que os arremessaria para o estrelato; a polícia internacional exigindo observar seus procedimentos; e as forças locais, com o pavio mais curto que um vulcão ativo, seria um trabalho hercúleo, quase impossível.

Quis fumar, sentir o tabaco fazendo maravilhas a seu cérebro, mas sua chefe jamais aceitaria uma cena daquelas. Ele contaminaria a cena do crime com as cinzas de seu cigarro.

Gelou assim que abriu a porta de seu velho volvo.

Sentir a madrugada fria em seu rosto não era o que ele queria fazer naquela hora. Na verdade, amaria se tivesse algumas horas a mais no conforto de sua cama, mas ninguém tinha tudo o que se desejava.

O calafrio que correu por sua espinha não foi apenas por causa do vento. O pensamento de ser colocado diante de homens e mulheres que o trucidariam com o estalar de dedos não foi agradável. Atirava que nem um cego, ele perderia até para uma idosa com uma bolsa em combate e, se desse um pique de cem metros, abraçaria Jesus e confessaria seus pecados diante dele.

Estava fora de forma, ainda que, ao olhar para ele, ninguém diria nada. Era as maravilhas de ser um falso magro.

Enxergou a miríade de repórteres e suas vans espalhadas. Fotojornalistas também ocupavam as entradas das imediações do pub, inundando com flashes os profissionais forenses e tecnólogos especializados em reconstruções criminais. Por um momento, alargou os lábios em um sorriso silencioso.

Por meio deles, lidaria facilmente com o MI-5. Seria como roubar o doce de uma criança.

Bocejou e correu em um pequeno trote para a linha que impedia a entrada de curiosos e dos abutres para dentro do local. Chegando próximo, mostrou o distintivo para o oficial que manuseava a faixa amarela e ele entrou na floresta sem muita demora.

Olhou para a plaqueta que identificava seu nome. Sobrenome Croft.

— Qual o motivo para a imprensa chegar tão cedo? — Apontou para a miríade de repórteres.

— Ninguém sabe direito, mas muitos superiores apareceram em questão de minutos desde minha chegada. — O oficial devidamente uniformizado fez uma carranca para os transeuntes. — Eu tomaria cuidado se eu fosse você — completou sussurrando, ao fitar todos eles.

Não foi difícil achar o local onde ocorreu o crime. Era simplesmente seguir onde estava praticamente todos os nomes envolvidos, incluindo uma mulher em um terninho. De braços cruzados, olhava com um rosto que parecia querer bater em alguém.

A superintendente Strike era uma das pessoas que queria evitar ao máximo. Uma pena que não podia. A imponente mulher dos cabelos lisos em um coque, com sutis rugas de expressão no rosto sério, virou-se para ele. Sem pestanejar, apontou em sua direção e o chamou para perto da entrada.

Fez isso a passos lentos, o suficiente para pensar em uma resposta para o atraso.

Tinha que ter uma desculpa. Sentia-se como um criminoso fazendo o caminhar da vergonha antes de ter sua cabeça colocada no batente da execução. Strike seguraria o machado que encerraria sua vida pública. Na lápide de Demétrius Shaw, haveria a seguinte descrição:

Aqui jaz um detetive que mais parecia um vigarista.

— Shaw. — Strike olhou para seu relógio. — Veio voando, foi? — Ironizou.

— Quando os deuses chamam... — Demétrius fez uma leve reverencia.

— Estamos montando uma força-tarefa e queremos que você a lidere. — A superintendente apontou com a cabeça para a bagunça que era o pub destruído. — Vai saber mais dos detalhes daqui a pouco.

— Não sei se consigo compreender, ma'am. — Não gostava nem um pouco dos rumos daquela conversa.

— Que parte de que você saberá mais dos detalhes, você não entendeu? — Ela sibilou. — Queremos que você lidere a caçada a quem fez isso! — Strike apertou seu ombro direito e Demétrius teve que se abaixar para não sentir a dor do movimento. Queria saber o que sua querida superintendente tomava nas horas vagas. — Você foi o único nome aprovado entre a MI-5, MI-6, a Interpol e a ONU.

— O que as nações unidas tem a ver com um crime em território britânico? — Tentou ocultar a tremedeira nos lábios e nas pálpebras. Não gostava nada daquilo. E seu nome foi aprovado em questão de horas! Que rapidez era essa?

Algo estava errado nos bastidores.

— É o que você deve descobrir. — Strike lhe olhou de canto de olho, de forma suspeita. — Eu quero saber por que você é o queridinho do pessoal lá de cima. Tem algum tio ou parente influente que eu não saiba?

— Não... — Ele realmente não sabia. Se tivesse, ela achava mesmo que ele seria detetive-inspetor? — Então o que aconteceu aqui?

— Siga-me. — Ela meneou a cabeça para que ele a seguisse. Como um fiel escudeiro, Demétrius o fez. — O mercado negro do Dragon's Breath era investigado há séculos. O MI-5 e a Interpol faziam vista grossa devido às mercadorias que corriam pelos corredores, agora destruídos.

— Sim. — Ele tinha ouvido falar sobre isso. — Em vez de fechar de vez o mercado, com ele aberto você descobre e identifica os principais jogadores do submundo londrino. Compradores, vendedores, receptadores. — Adorava essa inteligência, que deixava os outros fazerem o trabalho para você. — Sempre gostei...

— Você não tem que gostar de nada. — Aparentemente a querida superintendente não gostava de ser interrompida. Tomou o tom azedo de sua voz como evidência clara. — Segundo nosso querido MI-5, aqui ocorreria uma transação. Uma venda de um vírus polimórfico capaz de atravessar qualquer criptografia do mundo. Alguém decidiu não pagar por isso ou interromper a transação, mas tenho minhas dúvidas.

— É claro. — Mascarou o deboche em um tom sério. Era evidente que algo deu muito errado a julgar pela destruição do pub. Evitou um comentário sarcástico, ao menos na frente da superintendente. Sua reputação com ela não era das melhores.

— Os circuitos internos de televisão foram apagados. Recuperamos alguns discos-rígidos, mas os técnicos não estão confiantes em recuperar dados. A criptografia do site, que só existe no Tor, é de outro mundo. Vai demorar um pouco para conseguirmos alguma pista por esse canal.

— E as ruas? — Meneou a cabeça para a entrada. — As câmeras dos becos e vielas? As caixas-pretas?

— Nisso tivemos sorte.

Tanto ele quanto Strike vestiram as luvas de látex previamente dadas pelos médicos legistas assim que caminharam pelo local. Seguindo as marcações que os peritos criminais fizeram e vendo uma pilha de corpos espalhados por quase todo o térreo, o primeiro e até o segundo andar, Demétrius se impressionou com as execuções sumárias próximas à porta.

Muitos deles morreram com um tiro na cabeça. Quase sempre no espaço entre as sobrancelhas. Eram profissionais e exímios atiradores de elite. As outras vítimas não tiveram a mesma sorte, entretanto a proficiência era a mesma.

Os assassinos acertaram em todos os pontos vitais possíveis do corpo. Procurando sempre a cabeça ou pescoço. Raramente erravam e isto o fez engolir em seco. Jamais poderia ir de encontro a pessoas como eles.

— Às 23h, um grupo de seis homens, vestidos de paletó, gravata e calças sociais, saíram de uma van, uma Sprinter negra, e entraram no pub. O tiroteio começou cinco minutos depois e se expandiu por mais vinte até duas pessoas saírem pela escadaria de emergência. Um casal. — Ela lhe entregou um tablet, confiscado de um dos técnicos de segurança embaixo de uma das câmeras.

— Como ela conseguiu correr de salto naquela escada íngreme e porosa?

— Treino. — Foi a resposta de Strike. Viu um sorrisinho no canto da boca de sua chefe? A covinha apareceu e sumiu no rosto alvo, de uma cor que o lembrava o alabastro. — Muito treino.

Levou os olhos aos pés de Strike, mas ela trajava um sapato social. Queria vê-la de salto? Balançou a cabeça veementemente e voltou a prestar atenção no vídeo de uma ladeira adjacente.

Uma mulher elegante e atlética e um homem pequeno de casaco felpudo desceram as escadarias, discutiram alguma coisa e entraram em um sedan, um Audi prata de placa borrada.

— Dez minutos após a saída deles, quatro dos seis homens saíram pelas inúmeras portas — Strike narrou o que o vídeo mostrava —, entraram em carros diferentes e seguiram seus rumos. Eles se uniram em uma rua próxima onde a van, a mesma Sprinter Negra, os aguardava.

— Quatro?

— Sim, dois morreram. — Strike completou ao passar a imagem do tablet. — Um no tiroteio contra os seguranças e outro após ter a jugular perfurada por algum objeto quadrado bem fino.

— Como um salto alto?

O rosto de Strike lhe disse tudo. Exatamente como um salto alto.

— Por que a polícia levou mais de vinte minutos para chegar ao local? — Continuou seu questionamento. — Há uma delegacia não muito longe daqui.

— O mercado negro. — Strike rodou o indicador no ar antes de parar na entrada do subsolo. — Londres é uma cidade segura. — Até parece. — Mas como há muitas agências de olho nesse pub, tiroteios são ignorados. — Ela suspirou. — As delegacias são avisadas para não interferir. Ninguém quer que oficiais fardados, sem noção de nada, interrompam operações para prender ou identificar criminosos altamente perigosos. Já basta o que acontece com os americanos.

A CIA, o FBI e a NSA odiavam uns aos outros. Demétrius viu isso de perto na guerra do Iraque. Aparentemente o atual diretor dos serviços de inteligência evitava isso, algo que irritava frequentemente Strike. Ela odiava essa leniência, talvez por ser certinha demais, talvez por seguir as regras.

Jamais saberia.

— Então a vantagem virou desvantagem — ele concluiu antes de entrar na zona mais corroída do pub, o subsolo e a sala de mídia.

— Sim.

Por mais que estivesse acostumado com mortes brutais e assassinatos vis, Demétrius precisou tapar as narinas e segurar o estômago. As vísceras de alguém chegavam até o teto, mesclando-se com a decoração vintage do ambiente. A explosão também chamuscou a madeira do barzinho e quebrou o vidro da maioria das bebidas, todas elas caras.

Sentiu pena em ver aquilo. Se não quisessem, seu frigobar adoraria guardá-los para depois. Nem se quisesse conseguiria tomar uma naquele instante. A imagem da brutalidade ficaria marcada na mente por muito tempo.

Atravessou o ambiente após o tirarem do devaneio com o flash das câmeras dos legistas, não sem antes verificar se os saquinhos descartáveis que protegiam os pés estavam bem fixados.

Evitou o máximo possível pisar no intestino grosso de alguém, tampouco a pele presa a um carpete. Parecia um boneco dançante, para os risos e recriminações dos técnicos em computação da força-tarefa.

— Quem chamou o Inspetor Clouseau? — A pele marrom-escura, cachos quase negros e olhos redondos e castanhos projetavam uma qualidade angelical ao dono da voz.

Para quem não o conhecia, obviamente.

— Ah, Sunil... — Sempre apanhava verbalmente do jovem líder do Setor Técnico da polícia metropolitana. — Boa noite para você também.

— É Doutor Bakshi para você. — Fungou com desdém.

— Ele é o líder da força-tarefa — informou Strike. — Sem recriminações Bakshi.

— Que Krishna nos acuda. — Sunil revirou os olhos.

— Mais respeito para quem solucionou o caso do Maníaco do Metropolitano. — Demétrius coçou a ponta do nariz e alargou um pouco o canto esquerdo da boca.

— Com a ajuda das câmeras que eu — Sunil enfatizou ao apontar para si mesmo — instalei nas estações subterrâneas, até minha nani conseguiria capturá-lo. E olha que ela tem noventa anos.

— Garanto que corro mais que sua vó. Como está a dona Singh?

— Chega! — Strike tinha uma carranca acompanhando a voz imperativa. — Bakshi, o que conseguiu?

— O vírus que seria vendido foi usado aqui. Sua criação, as nuances de como ele invade e corrói as mais decentes criptografias é divino, digno de um Deus por trás de um computador. Eu estou chamando o vírus de Kraken, em homenagem ao polvo da mitologia grega. Por causa dele, não conseguiremos. — Ele indicou o micro-ondas. — Muito menos dali. Apagaram os dados usando o Kraken e o HD usando a velha e boa física. Perda total.

— Mas...

— Tiramos digitais dos teclados, das mesas e dos dispositivos. — Sunil sorriu abertamente para Strike. — E já temos uma identificação.

Uma mulher de tom marrom, mais claro que o de Sunil, porém mais escuro que o de Demétrius, estampou as telas do dispositivo. A testa era notável, com um queixo pequeno, mas não pontiagudo. Suas feições tinham cortes esculpidos, angulares, bonitos. Seus olhos âmbar, enfeitiçadores.

— Poderia ser uma atriz de bollywood. — Sunil comentou tranquilamente.

O problema para Demétrius não era esse. Era, na verdade, o nome e a profissão atrelada ao rosto daquela mulher.

Se ela estava envolvida nisso tudo, seus problemas mais que triplicaram.

Poistudo que ela tocava, virava cinzas.

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