Érika encontrou o endereço. Era um bairro isolado, com as casas bastante afastadas umas das outras. De longe, ela avistou a casa de Simons e saiu correndo até lá. Subiu os degraus da pequena escada e bateu na porta sem demonstrar urgência.
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Simons estava sentado em sua poltrona, no escuro, com as mãos unidas, pensando em tudo o que tinha acabado de fazer. Sentia um certo remorso, pois era óbvio que havia sentido alguma ligação com Érika. Se ele tivesse pensado direito, poderia ter escolhido outra garota e assim teria mais tempo com Érika. Bom, pelo menos ela havia se divertido, ela mesma quem dissera isso antes dele levá-la para o local de abate. E que lance doido foi aquele de detetive? Se fosse mesmo verdade, talvez ele finalmente estivesse encrencado. Jogou a bolsa dela no riacho, mas como se livraria das coisas dela no hotel com perfeição? Simons estava perdido entre esses pensamentos quando alguém bateu na porta. Conferiu o relógio e já passava das 4:00h. Seria Ícaro? Ele era o único que sabia seu endereço, mas nunca aparecia naquele horário. Kalista teria dito alguma coisa para ele no hotel? Seja o que fosse, não poderia deixá-lo ficar por muito tempo. Ligou a luz da sala e foi atender. Ao abrir a porta, automaticamente seu rosto se contraiu, assustado. Estaria ele tendo um pesadelo? Não era possível. Érika estava parada bem na sua frente. Ela sorriu e disse:
— Surpresa!
Então veio o primeiro golpe. O murro dela o atingiu em cheio no rosto, mas dessa vez muito mais forte que o anterior, e ele voou alguns metros para trás, caindo em cima da mesa de centro, partindo-a. A pancada o deixou zonzo por um instante e quando ele recobrou a consciência, Érika já estava em cima dele, o agarrando pela camisa com as duas mãos e o colocando em pé de novo. "Seu desgraçado!", ela gritou, e em seguida aplicou outro golpe, chocando a cabeça dela contra a dele. Ela o atingiu com um soco no estômago e o acertou um chute, fazendo-o voar para longe novamente, ele atravessou a parede da sala para a cozinha. Simons finalmente ficou de pé por conta própria e se preparou para reagir. Érika se aproximou dele e ele desferiu um soco contra o rosto dela. O golpe não teve efeito nenhum. Ela continuava imóvel na frente dele. Ela o empurrou e ele bateu contra a parede.
- Seu vampiro de merda! - Érika avançou contra Simons e o pressionou contra a parede. A mão dela agarrou o pescoço dele. Simons se debatia, sem conseguir se soltar. Ele estava impressionado com tanta força.
Com a voz arfando, ele perguntou:
— O que... o que é você?
— Eu? — ela o encarou.
Simons sentiu a mão dela ainda mais forte no pescoço dele. Érika começou a se transformar ali na frente dele, ficando duas vezes mais alta que Simons, coberta por uma pelagem branca, com características lobais. As garras em sua mão perfuraram o pescoço de Simons, que a fitou desesperado. Ele não esperava que houvesse alguém que pudesse pará-lo. Ele parou de reagir, aceitando o fato de que ia morrer. Seria melhor assim, pois não cometeria mais maldades.
Érika abriu a boca e disse para ele:
— Meus caninos são maiores do que os seus.
Simons a encarou e aguardou a morte. Érika estava pronta para colocar um fim naquela história, mas então ela viu nos olhos dele algo familiar, como uma lembrança vindo em enxurrada. Viu-se exatamente naquela mesma posição, sem esperança alguma, quando lhe foi dada uma chance de se explicar. Ela suspirou, o soltou e se afastou. Simons continuou fitando-a, surpreso. Os hematomas no corpo dele se curaram quase que de imediato. Érika o olhou, ainda transformada.
— Por quê? Por que você fez tudo isso? — ela perguntou.
Simons parecia perdido em pensamentos. De um segundo para outro, da morte iminente, ele finalmente parecia ter alguém que pudesse entendê-lo e, quem sabe, talvez até ajudá-lo.
Resolveu responder.
— Porque eu não estava no controle. — ele respondeu, massageando o pescoço.
Érika conseguia entender muito bem aquilo, o que era não estar no controle. Afinal, foi ela quem matara os próprios pais, deixando os corpos em pedaços, antes de finalmente aprender a controlar sua transformação.
— Eu entendo... — ela disse, voltando a forma humana. — Conheço bem a sensação de ser apenas um fantoche em seu próprio corpo, de não conseguir parar quando nosso monstro toma a posse de quem somos. Se você não matou aquelas garotas de propósito, ainda podemos salvar você. Você pode aprender a controlar isso.
Simons apenas assentiu. Ele mesmo já tinha aceitado o fato de não ter controle da sua sede. Mas se Érika resolveu não acabae com ele ali e via alguma luz, talvez agora que não estava sozinho, houvesse alguma luz no fim do túnel.
Ele e olhou dos pés à cabeça, falando em seguida.
— V-Você está nua! — ele gaguejou.
— O que estava pensando? Que minhas roupas esticavam como a calça do Hulk?
Simons riu. Era uma bela visão depois de vê-la como um lobo gigante e grotesco.
— O que foi? Nunca viu uma mulher nua antes? Preciso de uma roupa sua agora! — ela exigiu.
Simons foi até o quarto buscar e retornou com uma calça larga e um moletom.
— Olha, eu só não tenho calcinha. — ele disse.
Érika tomou as roupas das mãos dele e se vestiu em seguida.
— Isso ainda não acabou. — ela olhou ao redor — Por que essa casa é tão escura?
— Eu sou um vampiro. — Simons respondeu.
— Um vampiro, não o Batman.
— Então você é um lobisomem?
— Não, eu sou uma Wolfwoman.
—Wolfwoman? Em inglês? Isso é sério? — ele tentou ser sarcástico, mas se conteve, sabendo o quanto a situação era grave.
— Exatamente.
— Em outras palavras, você é um lobisomem mulher. — ele afirmou.
— Isso não faz o menor sentido.
— Por quê? Por que você é mulher?
— Porque sou única. — ela respondeu naturalmente.
— Até porque lobisomens não existem. — ele brincou.
— Você é vampiro, e você existe.
— Como aconteceu com você? — ele mudou o assunto, curioso para saber mais sobre ela.
— Esse não é o assunto agora, Simons. — ela assumiu um tom ainda mais sério — Preciso que me leve até os outros corpos. Tenho que colocar um fim neste caso.
— Eu não posso fazer isso.
— Mas você vai. Precisamos ir agora. As famílias daquelas garotas precisam saber o que aconteceu com a filha deles. — ela caminhou em direção a porta.
Simons correu até ela, ficando entre Érika e a porta.
— Tudo bem. Mas não posso deixar que abra essa porta agora. — ele disse.
— E por que não?
— Porque já amanheceu lá fora.
— E daí?
— De onde você pensa que eu saí? De algum livro do Crepúsculo? Eu não brilho no sol, eu queimo.
— Meu Deus, é muito fácil matar você.
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Érika decidiu voltar para o hotel sozinha, banhar-se e ir para a delegacia. Precisava pensar em como resolver toda essa história sem envolver Simons. E ele garantiu que a levaria até o local onde havia enterrado as outras garotas, quando chegasse a noite. E Érika sabia agora que Simons não fugiria.