Antes de me levantar, beijei os pés da estátua, um sussurro quase inaudível saindo dos meus lábios.
— Ἀγαπῶ σε μοι. – repeti a frase em grego, “ Eu também te amo ”
Me ergui do chão após o agradecimento, ao me virar, dando de cara com cinco garotas, os olhos arregalados e tapando as bocas abertas.
— Hm... Oi? – dei um sorriso amarelo, meio envergonhada ao notar que o chalé estava cheio
— Ela é a... – antes que uma das meninas falasse algo, foi interrompida
Uma delas se pôs a frente, reconheci seu rosto de algum lugar, os cabelos longos e graciosos me trazendo uma leve lembrança, logo que abriu um sorriso soube de onde.
— Prazer, – a morena estendeu sua mão a mim. — Silena Beauregard, conselheira do chalé 10.
— Hy...
Antes que conseguisse me apresentar, todas sorriram. Teria sido um tipo de cena macabra de início de filme de terror.
— Hydra Emory. Filha de Zeus, tataraneta de Afrodite. – Silena explicou, já sabendo mais do que eu tinha conhecimento antes
— Como você...?
— Não é qualquer tipo de pessoa que surge aqui, além disso...
Uma loira baixinha me entregou uma foto, parecendo tirada de uma máquina fotográfica de bem antes dos anos dois mil, a anotação no canto direito dizia: 1952.
A foto continha cerca de vinte garotas, quase todas sorrindo de forma graciosa. No meio de todas, uma única era exceção, realçando sua feição belíssima. Seus cabelos loiros escuros estavam postos para cima, deixando em destaque uma leve cicatriz em seu olho esquerdo, que melhorava ainda mais seu charme, a deixando ainda mais bonita.
Não consegui deixar de notar o óbvio , não no intuito de desmerecer a beleza de todas outras, mas a garota, sem dúvidas, tinha a atenção de todos.
— Agatha Emory sempre será uma lenda em nosso chalé, só não tínhamos certeza se vocês eram parentes, agora temos. – os rostos de todas me pareceram maliciosos
— Hm... Por que uma lenda? – questionei, da forma que elas esperavam
— Beatrice, traga uma cadeira a ela, vamos cuidar de seus machucados enquanto contamos a história. – Silena pediu a loira, que logo surgiu atrás de mim com o assento
— Não sabia que cuidavam dos feridos. – disse curiosa enquanto tirava parte do meu casaco para deixar alguns dos meus machucados a mostra
— Não cuidamos, só de nós mesmas, normalmente em casos especiais, e simples. – outra menina sorriu gentilmente, começando a limpar uma das minhas feridas
— Mas então... O que era essa cicatriz? – perguntei, apontando para a foto novamente, onde a marca era nítida em seu rosto
— Não podemos afirmar nada, mas temos histórias de que ela fora quem salvou uma campista de um ataque invasor, se colocando na frente de uma filha de Atena quando Aracne tentou mata-la, enfiando sua adaga no peito do monstro. Contam que filhos de Apollo haviam se oferecido para retirar a cicatriz, mas Agatha disse ser uma marca para todos filhos de Afrodite, como uma afirmação de que poderiam lutar e defender aos outros, o que quebrou o tabu de que nós não conseguimos lutar. Ela foi uma lenda entre todos.
Uau.
— Algumas pessoas dizem que ela nem treinava, mas que ganhou a benção da Afrodite Guerreira. – Beatrice murmurou ao meu lado
— Isso é bem legal na verdade. – disse, surpresa pela história ser realmente interessante
— Sua bisavó era o símbolo do chalé, aquela era sua cama, ninguém nunca mais dormiu lá depois dela. – a menina apontou para uma beliche vazia, algumas flores estavam sobre ela, desenhos em rosa cobriam ela inteira, uma adaga ficava ao lado das margaridas. — Se cansar de ficar sozinha no seu chalé, já tem um lugar pra onde vir. – Silena sorriu de forma simpática
— Obrigada. – fiz o mesmo de volta
Me senti tão tranquila depois de tanto tempo na missão, que cheguei a achar estranho, verificando se meu anel continuava na minha mão, ser enfeitiçada não seria algo legal.
Não sabia como isso funcionava, mas, se precisasse chutar, diria que tinha algumas outras amigas agora.
— Cuidado com esse corte, se não cicatrizar, a enfermaria dos filhos de Apollo é do lado do chalé de Ares. – outra garota me alertou, finalizando um curativo sobre a ferida
E então, me lembrei.
Minha vida continuava uma loucura, Clarisse me odiava tanto quanto sua irmã Talisa, Cronos estava retornando, meu pai continuava me ignorando e tentando matar todos outros, Poseidon continuava tentando me matar repetidas vezes e Percy...
— Obrigada, pessoal. – agradeci a ajuda, pegando novamente minha mochila, que estava posta ao meus pés. — Eu preciso ir, tenho que...
Antes que me levantasse, vi ele.
Diria que meu coração parou.
O garoto me observava a porta do chalé, não se atrevendo a entrar. Não fazia idéia do tempo que estava parado ali, mas parecia calmo quanto a me esperar por horas.
— Percy.
O menino sorriu ao notar que o vi, o mesmo sorriso bobo que havia recebido outras vezes, os dentes brancos casualmente aparecendo.
Logo que ele acenou, os cachos loiros cobriram seus olhos por um breve segundo antes que ele os arrumasse, deixando em destaque seus olhos azuis, cada vez mais claros.
— É meio injusto você aparecer aqui e eu do lado dos estábulos. – o garoto reclamou, de forma engraçada
Ele tinha um resquício de terra na bochecha, dei uma leve risada ao notar, o formato dos cachos meio bagunçados e amassados indicava o que ele havia dito.
— A vida é injusta, Peixinho Dourado. – fui na direção dele, saindo do chalé com as minhas coisas
— Pode crer, Estressadinha. – ele deu um sorriso torto, suas bochechas de perto denunciando as sardinhas do loiro
Cheguei a seu lado, começando uma caminhada sem muito rumo, mas direcionada até onde Annabeth estava, que o garoto parecia saber onde.
— Algo me diz que você escutou a conversa toda calado, não foi? – disse, quase certa da resposta
— Não é querendo falar nada, mas o meu chalé é bem mais legal. – não contive uma risada com sua bobeira
— Não importa, o meu com toda certeza é melhor. – impliquei de volta, o menino revirando os olhos em provocação
— Achei que era zoeira com a minha cara aquela coisa de falar grego, mas eu escutei algumas coisa quando você tava conversando com... ela. – ele evitou dizer o nome da minha tataravó, como costumamos fazer com o Sr.D
— Eu tenho habilidades de sobra, grego é só uma delas. Inclusive, nομίζω προ-προγιαγιά μου έχει δίκιο για σένα, ίσως είμαστε φίλοι. – admiti a ele, sabendo que o garoto não entenderia nada
— Isso é golpe baixo.– ri com sua expressão ao tentar compreender o que eu disse
Estava prestes a perguntar sobre sua conversa com Poseidon, mas, antes que conseguisse, senti algo puxar meu ombro, em seguida me impulsionando para trás, teria caído se Jackson não estivesse ali para me segurar.
— Não fique se achando só porque se safou de nós da primeira vez, da próxima o seu nariz não vai conseguir ser consertado nem por Apollo. – reconheci imediatamente os punhos cerrados que estavam a minha frente
— O que você tá fazendo aqui? Não era pra você ter sumido a essa hora? Ou vai querer apanhar mais uma vez, sua la...
Um instante anterior a minha sequência de xingamentos, senti a mão de Percy tapar minha boca com rapidez.
O movimento foi seguido, chutei suas partes sem esforço algum.
— Não me manda calar a boca, Ariel. – murmurei entre os dentes enquanto o garoto gemia de dor
Mas o aviso do garoto me deixou alerta, por isso, fiquei quieta, o ajudando a levantar e sumindo de perto das irmãs o mais rápido possível.
— Agora fala o que aconteceu, Cara de Peixe?
༄
— E vocês vão falar com Quíron quando? Eu vou junto. – afirmei de prontidão após entender o motivo de Clarisse ainda estar no acampamento
— Melhor você ficar com Annabeth, pra ter certeza de que nem Talisa e nem Clarisse vão atrás de nós. – Percy explicou
— Nem pensar. – neguei rapidamente
— Vai ser...
— Eu concordo com ela, talvez se mais uma pessoa falar com Quíron ele acredite mais facilmente. – Luke interrompeu Percy, ficando do meu lado
Fazia um tempo que não via o filho de Hermes, ele parecia diferente, mas era provavelmente só a falta de vê-lo que me fez enxergar coisas.
— Eu disse, por isso ele quem criou o plano. – impliquei com Jackson, que revirava os olhos
— Além do mais, se alguma delas surgirem vai ser bom ter a segunda melhor espadachim do acampamento com a gente. – Castellan me deu uma piscadela
— Que simpático da sua parte falar de si mesmo assim, está quase tão bom quanto eu, só precisa se esforçar mais um pouquinho. – provoquei o garoto, que riu da minha piada rapidamente
— Então... Vamos ou não? – Percy nos interrompeu
— É agora ou nunca.
༒
Estavam fazendo uma festa a nós, por termos parado a guerra e tudo mais, por conta disso usamos da distração dos fogos de artifício para sumir na floresta, indo até o ponto de encontro com Quíron.
— É meio longe da comemoração... – comentei enquanto caminhávamos para mais longe ainda
— Ele deve encontrar a gente um pouco mais pra frente, mas pra ter certeza de que ninguém vai tentar nos seguir acho melhor você ficar por aqui, Emory. – Luke disse, parecendo apreensivo ao observar, mas algo me dizia o contrário, porém, não tinha motivos para discordar
— Qualquer coisa me gritem, vou estar esperando para voltarmos juntos. – avisei, aproveitando uma rocha ligeiramente macia para me sentar
Teria passado um tempo somente apreciando se não tivesse escutado um correnteza.
Rios.
Odeio rios.
— Respira, Hydra, é só um rio normal, você não vai morrer agora. – murmurei para si, mesmo que estivesse sentada a uma distância considerável da água, ainda tinha medo
Tentei pensar em outras coisas.
Meio controverso voltar minha mente a missão, mas foi a única coisa que surgiu no momento.
Não acreditava muito em destino antes de tudo acontecer.
Mas de fato a profecia se cumpriu por completo.
Você irá para Oeste, e irá enfrentar o deus que se tornou desleal; Ares se encaixou perfeitamente na descrição.
Você irá encontrar o que foi roubado, e o verá devolvido em segurança; O Raio-Mestre foi devolvido a Zeus depois de tudo
Você será traído por aquele que chama de amigo; Hm... Clarisse não era exatamente nossa amiga, mas...
E, no fim, irá fracassar em salvar o que mais importa; Nossas mães, obviamente.
Mas ao relembrar da profecia, algo me incomodou.
Nem Clarisse e muito menos Ares eram nossos amigos, talvez a profecia estivesse errada, talvez ainda não estivesse completa...
— Percy.
Com agilidade, ergui-me da rocha, a sensação de que o garoto estava em perigo me deixou apreensiva. Logo agarrei minha espada e caminhei silenciosamente na direção onde os dois campistas haviam ido
— Que eu esteja errada...
Suspirei fundo, prendendo minha respiração antes de seguir cautelosamente, ouvindo vozes.
Escutei o som de uma lâmina ao me aproximar, mas, antes que me mexesse para atacar, percebi que Luke não fez nenhum movimento brusco.
— Calma, não quero brigar. Era isso que eu queria te mostrar. – vi que o garoto tinha uma espada nas mãos, estava escuro, mas os detalhes me chamaram atenção, o formato longo dela se encaixando perfeitamente no tipo de luta do Castellan. — Essa é nossa porta de saída. – ele sorriu
Me segurava para não me aproveitar do efeito surpresa e mata-lo com um golpe só.
— Porta de saída de onde? – Percy questionou, contra-corrente erguida em suas mãos
— Do acampamento, do controle deles.
Torci para não terem escutado meu suspiro no momento em que Luke fez um rasgo no ar, a proteção que ficava ao redor do acampamento para que nenhum monstro entrasse
— Morde-costas abre portais secretos, nós podemos fugir daqui pelo tempo que for necessário. – ele explicou.
— Pare de dizer "nós". – Jackson contestou
— É a palavra mais temida por Zeus. Os deuses querem que briguemos por eles. Nossa veneração, nosso medo. Eles não se importam com o que queremos. Eles são péssimos pais, Percy. E já passou a hora de eles serem responsabilizados.
— Você não é assim! – Percy exclamou, seu tom indicando seu nervosismo. — Isso é o que Cronos quer, ele entrou na sua mente!
— Ele abriu meus olhos. A Era de Ouro foi quando ele reinou. – escutei quando Luke fez mais um rasgo na barreira. — Vamos ajudar Cronos a trazê-la de volta. Roubar o Raio e o Elmo foi fácil. Para o que vem depois... Precisaremos de toda ajuda possível. – meu coração começou a palpitar, Jackson não podia...
Não podia acreditar que Luke havia feito isso, estava trabalhando com o titã Cronos, não tinha mais chances de trazê-lo para nosso lado.
Era como se a verdade tivesse ficado estampada em frente a meu rosto e decidi ignora-la.
Doía ser traída.
Nunca mais ia sentir isso.
Antes que Luke fizesse mais um rasgo, ouvi lâminas se chocando, ao olhar entre galhos, Percy estava a frente de Castellan, bloqueando sua passagem para terminar de rasgar a barreira.
— Luke! – tentei interromper qualquer coisa, gritando e chamando a atenção do garoto a mim rapidamente
— O que você tá fazendo aí? – ele questionou, claramente surpreso de me ver, principalmente apontando minha espada a ele
— Eu não acredito que você foi quem fez isso, Cronos vai te trair, assim como qualquer deus faria. – disse, me aproximando de Percy cautelosamente, suspirando aliviada assim que chocamos nossos ombros lado a lado
— Não pretendia machucar nenhum de vocês... Na verdade achei que iriam me entender, talvez até...
— Não é assim que as coisas funcionam, ajudar um titã a voltar a vida não vai solucionar seus problemas com os deuses. – tentei argumentar, meu estômago revirando de nervosismo, poderia estar enfiando na pior burrada da minha vida
— Nossos pais não são perfeitos, mas eles estão tentando seu melhor. – o loiro tentou convencê-lo, algo que parecia em vão pela forma com que ele explicou com convicção seus motivos e me ignorou. — Eu conheci seu pai...
Meus pelos se arrepiaram quando Luke deu o primeiro ataque.
Percy bloqueou com facilidade, usando sua espada para empurra-lo levemente para trás antes de aproveitar o impulso para contra atacar.
Meus instintos se aguçaram e tentei um golpe arriscado no calcanhar esquerdo de Luke, o qual acertei, mas ele contra atacou rápido demais, fazendo um corte em meu ombro antes que eu recuasse para trás, sentindo algo subir por minhas pernas.
Meus olhos se arregalaram ao enxergar um escorpião preso a minha canela, não tive tempo de o afasta-lo antes de levar uma picada, o local ardendo imediatamente.
— Sessenta segundos, Hydra, eu correria daqui se fosse você. – não entendi seu comentário até minha visão começar a escurecer
Veneno.
Não deixaria Percy sozinha nessa, me levantei ignorando a dor agonizante que subia por meu corpo, ergui minha mão com facilidade, minha espada caída no chão se pôs entre meus dedos.
Ainda via a batalha ao meu lado, Percy guiando Luke para longe de mim, mas me pus no meio, atacando a retaguarda do garoto.
— Hydra, volta pro acampamento antes que...
Um suspiro cortado saiu de meus lábios quando Castellan atacou Jackson, distraído por falar comigo, o derrubando com um só golpe.
— Percy!
Exclamei caindo no chão, o veneno já havia tomado metade do meu corpo, mas isso não me importava, se ele morresse nunca me perdoaria.
Tentei me mover, juntar forças, ou até mesmo pedir ajuda no momento em que vi Luke erguer sua espada, Jackson desarmado a sua frente, no chão, a Morde-costas apontada a ele.
Fechei meus olhos, com medo de enxergar algo que nunca conseguiria desver, mas o som que ouvi não fora da espada perfurando a pele do garoto, e sim de uma lâmina se chocando contra outra.
Meu corpo estava imóvel, mas ainda via, por isso abri meus olhos, enxergando, do lado de algumas árvores com uma espada empunhada, Annabeth, os olhos amargos de decepção.
— Annabeth... – Castellan murmurou ao vê-la, sem acreditar
— Eu vi tudo... – ela disse, a dor no rosto do filho de Hermes nítida, Chase não olhava em seus olhos, focada em apertar o cabo de sua espada com força, transformando a decepção em raiva para lutar com ele
— Percy...
Pisquei uma vez, vendo a mão de Luke tremer, hesitando em matar Jackson, olhando para o rasgo na barreira por alguns segundos.
E então, pisquei pela segunda vez, sem enxergar nada, minha vista escurecida pelo veneno, ouvindo um grito antes de apagar.