O Guia dos Mortos

By gabpoynter

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Um fantasma de outro século e um detetive que não confia em ninguém estão prestes a entrar em uma missão arri... More

Notas
O Detetive
O Sonho
A Garota
O Dom
A Missão
O Ataque
O Vazio
O Guardião
O Véu
O Plano
O Caso
O Homem
O Assassino
A Noiva
A Alternativa
A Queda
A Ressureição
O Outro Plano
O Pacto
A Falha
O Garoto
O Irmão
Os Corpos
O Soldado
O Bar
O Rapto
O Pôr-do-Sol
A Revelação
A Mentira

A Guia

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By gabpoynter

— Eu sei o que deu errado — Jessamine apareceu na minha cozinha de repente.

Eu quase soltei o yakissoba na minha mão que eu havia acabado de pegar com o entregador.

— O que a gente conversou sobre você aparecer de repente?! — exclamei, deixando a sacola no balcão.

Quando cheguei em casa, limpei o sangue do meu nariz. Percebi, com um pouco de desagrado, que também havia sangue nos meus ouvidos. Seja lá o que isso significava, não parecia nada bom.

Contra todas as recomendações médicas que aprendi enquanto policial, eu fui dormir e acordei depois do horário do almoço com a cabeça doendo e Bolt lambendo os dedos da minha mão.

— Eu sei o que deu errado — ela repetiu com aquele olhar penetrante — Você não estava tentando o suficiente.

— Eu não estava tentando? — eu precisei rir — Jessie, eu sangrei tentando fazer isso funcionar. Como pode dizer uma coisa dessas?

— Você é capaz de controlar os laços entre o Outro Lado e esse mundo. Ainda que não possa abrir uma porta, você pode fazer todas as outras coisas e se isso não funcionou não foi culpa do ritual, foi porque você ainda não acredita o suficiente.

— Você só pode estar brincando comigo — eu me virei para as sacolas no balcão — Eu estou vivendo essa vida há mais de trinta anos e se você parasse de pensar em você mesma só por um segundo, perceberia que nem todo mundo escolheu isso e gosta de viver ajudando os mortos.

— Não é uma questão do que você gosta, Russell. Você precisa destruí-lo antes que ele-

Ele? — parei de mexer nas sacolas — Quem é ele?

— Carrie ou o que diabos for. Você sabe do que estou falando.

Nesse momento, eu percebi que tinha razão na minha desconfiança — Jessamine estava escondendo informações de mim. O motivo, eu não sabia dizer, porque ela gostava de dizer que estávamos lutando contra a mesma coisa, mas não tentava colaborar com o que sabia.

E, naquele momento, eu percebi que Jessamine sabia muito mais do que eu. Ela era discreta, astuta e talvez até um pouco perversa, porque enquanto ela fazia o papel de garota injustiçada, ela estava traçando seu próprio jogo. Um jogo que eu desconhecia.

Mas, em algum momento, ela escorregaria na sua própria mentira como todo ser humano e eu acho que deveria agradecer por isso ter acontecido antes de termos trazido-a de volta.

Com uma dor no peito, eu entendi que Jessamine não era quem eu pensava que era.

— Você tem razão — falei, soltando a sacola na mesa e erguendo o dedo — Eu não estou tentando, porque, sinceramente, eu não consigo confiar em você. Desde que você apareceu para mim, você não vem sendo sincera apesar de dizer que não ganha nada com isso... Eu não posso deixar alguém assim voltar ao mundo se eu não posso controlá-la.

Jessamine riu com escárnio.

— Você é um estúpido, Russell. Eu estou tentando te proteger! — ela gritou e as luzes da cozinha piscaram.

— Eu acho que posso fazer isso sozinho.

— Você não entende... Você não entende nem a metade...

Dei as costas para Jessamine e fui para a sala. Em algum canto, Bolt começou a latir freneticamente como se pudesse ouvir os gritos dela.

— Então me explique, porra! — falei de volta.

Eu estava de saco cheio. Não podia deixar minha vida ser ditada por mortos e pessoas que já viveram seus tempos. Eu jurei proteger os vivos quando entrei para a Academia de Polícia e ainda que os guias e seus descendentes estivessem morrendo por aí, eu não podia fazer nada.

Quem sabe eles não merecessem? O "dom" deve ser um castigo imposto àqueles que desrespeitam as leis divinas e, agora, estamos sofrendo o que merecemos. Eu sei que eu tive minha cota de culpa e esse é meu castigo.

Eu desejei que Jessamine fosse embora. Uma força percorreu meu corpo e, por um segundo, achei que tinha conseguido mandá-la de volta para o Outro Lado, porém ela permanecia ali na minha sala, talvez até mais viva do que deveria.

— Eu não posso fazer isso enquanto você não estiver pronto — ela disse, irritada e sua mão bateu no abajur ao lado, porém, ao invés da sua mão passar o objeto como se ela não existisse, o abajur caiu no chão e Bolt começou a latir na sua direção.

— Jessie? — Eu dei um passo à frente.

A irritação sumiu do seu rosto. Ela olhou para as próprias mãos, depois para o abajur caído. Bolt parou de latir e se aproximou de Jessamine para cheirá-la como fazia quando alguém vinha no meu apartamento.

Jessie se abaixou e fez carinho em Bolt.

— Ah, meu Deus — ela murmurou.

Eu me abaixei ao seu lado. Ela estava aqui de fato. Eu conseguia perceber pela forma como seus cabelos estavam mais loiros, sua pele menos amarelada e seu vestido ainda mais azul.

As pontas dos cabelos e do vestido ainda estavam sujas de lama e eu consegui sentir o cheiro de grama vindo dela.

— Você conseguiu — ela me encarou e colocou a outra mão na minha.

Dessa vez, senti uma mão macia e quente de uma garota real. A sensação de choque que percorreu meu braço até a altura do ombro não era nada parecida com a sensação que aqueles fantasmas causaram, era o tipo de reação que humanos sentiam quando se tocavam.

— Precisamos ir até a loja — eu afastei sua mão e me levantei.

Trenton e Nathan seriam mais capazes de lidar com essa situação melhor do que eu, porque... Eu acabei de trazer alguém dos mortos. Era uma extensão nova dos meus poderes que eu definitivamente não estava preparado para possuir.

Aliás ninguém deveria possuir. Quando Jessamine falou da responsabilidade de ser um Guia, eu não entendi, parecia uma grande idiotice inventada. Mas, neste momento, vendo o fantasma de uma garota do século XVIII acariciando meu cachorro, eu percebi que como sempre ela tinha razão.

Peguei meu celular e mandei mensagem para Trenton. Enquanto eu digitava, Jessamine caminhava pelo meu apartamento, tocando na minha TV, no meu sofá, nos quadros na parede, ela só parou quando pegou um porta-retrato na mesa de canto.

— Está tudo bem? — perguntei meio incerto — Você está... fisicamente bem?

— Eu me sinto a mesma — ela respondeu sem tirar os olhos do porta-retrato — A mesma antes de morrer. Suponho que tudo esteja no lugar.

— Ok...

— Você está surtando, não é? — Jessamine abriu um pequeno sorriso. Quando eu não respondi, ela balançou a cabeça — Como você me vê? Há algo de diferente?

— Você é mais bonita pessoalmente.

— É isso que você fala para todas aquelas garotas que vem aqui? — Jessamine enrugou a testa.

— Funciona na maioria delas — sorri de lado. De alguma forma, me sentia mais aliviado agora como se estivesse apenas conversando com uma amiga de longa data — Antes de ir, talvez você devesse trocar de roupas...?

Jessamine olhou para o próprio vestido sujo como se tivesse esquecido do que estava vestindo. Era incrível que ele tenha vindo junto com ela.

— Certo. Outro século — ela murmurou.

Depois de achar uma roupa para Jessamine — alguma garota que passou uns dias no apartamento deixou um vestido e um casaco que serviram nela. Ela entrou no banheiro e ficou lá por uma boa meia hora enquanto eu comia o yakissoba frio na minha cozinha.

Quando ela apareceu parecia outra pessoa. Seu cabelo loiro estava úmido, o rosto e a pele limpos e o vestido azul deu lugar às roupas atuais. Se estivéssemos em qualquer outro lugar, ela poderia se passar por uma jovem indo para um bar se divertir com amigos depois do expediente.

— Eu me sinto estranha — O sotaque inglês quebrou toda essa ideia da minha cabeça e me trouxe de volta para a realidade — Essa roupa não deveria ser tão curta.

— É o tamanho normal — falei. A barra chegava um pouco acima dos seus joelhos — Provavelmente não para você, mas as mulheres lutaram muito para serem tão livres. Tenha um pouco de respeito.

Ela revirou os olhos.

— Tem mais uma coisa — eu me aproximei dela e tirei o seu anel do meu bolso. O rosto de Jessie se iluminou. Ela pegou o anel e colocou no dedo médio. A pedra de rubi brilhou com o reflexo do sol.

— Obrigada por guardá-lo — ela sorriu.

— Podemos ir?

— Hã... Na verdade... Russ? — Jessie girou o anel no dedo — Digamos que a última refeição que eu fiz foi há duzentos e noventa anos.

— Certo.

Eu havia me esquecido que, agora, Jessamine tinha as necessidades básicas de qualquer ser humano. Eu teria deixado um pouco do yakissoba, mas minha mente estava muito ocupada pensando em tudo isso.

— Que tal provarmos aqueles hambúrgueres? 

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Sinopse no primeiro capitulo. Autor: 一啊鸭 Todos os direitos reservados ao autor.