Coloquei o casaco de couro quando saí do carro de Yoongi, abaixando a cabeça passei no meio da multidão que gritava o nome de Namjoon na arena. Meu lugar ficava na primeira fila. O problema da arena era que toda vez que eu pisava os pés lá ficava nervoso, não só pelo tanto de gente, mas também como era difícil ver Namjoon ser tomado por dezenas de pessoas ao seu redor, mostrando como eu era egoísta. Mas ainda sim eu engolia meu egoísmo.
— Vixe! Que agonia. — Hoseok sentou ao meu lado e quando Yoongi iria sentar em seu sentido oposto, ele o puxou para que sentasse do lado dele, não do meu. Tive que rir com o olhar perdido de Yoongi, mas que aceitou o puxão e seu novo lugar. — Que horas começa a luta dele?
— É a próxima.
Namjoon entrou, fazia um dia inteiro que a gente não se via por conta dessa luta, então eu estava ansioso para ver ele. Ele passou pela multidão que tentava tocar nele, o que diferia dos outros lutadores. Namjoon era como um fenômeno. Taehyung vinha atrás com a mãe de Namjoon que era sua assessora. Me mexi na cadeira, abaixando a cabeça para ela não me ver, mesmo estando longe a mulher me caçava.
— Puta. —Hoseok balbuciou fazendo Yoongi rir.
— Hoseok! — Falei baixo, cutucando ele.
— Ela é uma vadia, isso que ela é.
Yoongi concordou em silêncio, mas eu não fiz nada, fiquei calado olhando Namjoon se mexer dentro do octógono balançando os braços e as pernas. Eu sabia que ele não conseguia me ver, quando entrava para lutar, a visão de Namjoon se fechava, não havia mais nada dentro daquele ringue além do seu objetivo.
Nunca gostei muito de luta, mas isso não era importante, tinha que aguentar e lá mesmo fiquei. Quando a luta começou eu via Yoongi que também praticava muay-thai há anos, se levantando animado. Era engraçado que ele odiava me levar, mas adorava ver as lutas.
— Acerta esse jab direito, Namjoon! — Yoongi gritou. — Tá com pena do nocaute, porra? Usa a porra da direita!
Enquanto a luta continuava, eu mexia em meus dedos, tenso. A multidão inteira gritava e toda euforia tomava a luta quando Namjoon mudou a base do corpo e virando o corpo ele acertou no rosto do adversário usando o punho direito. A euforia foi tanta que minha cabeça zumbiu. Vi o adversário no chão desmaiado e o pouco que sabia era óbvio que Namjoon tinha ganhado. Com isso, eu me levantei, sendo puxado por Hoseok que também gritava animado.
Quando o Juiz ergueu o braço de Namjoon, eu levei as mãos na frente do rosto, deixando que todo o ar segurava sair. Então, Taehyung entrou no octógono, toda a equipe de Namjoon comemorava, era mais um temporada com o cinturão. Eu quis ir comemorar, mas não podia, apenas ficava feliz com a felicidade dele.
Mas a minha felicidade foi se dissipando quando um homem mais ou menos da minha altura, provavelmente, segurou o rosto de Namjoon e o beijou no meio do octógono. A mãe de Namjoon ria também lá dentro, a equipe técnica comemorava. Eu apenas via Taehyung com a expressão assustada e Namjoon com os olhos arregalados recebendo o beijo.
Nunca sequer imaginei que poderia ver uma cena dessa. O problema em saber que ele não queria, eu sabia disso, mas também era saber que futuramente teria mais cenas dessas. Provavelmente a mãe dele estava vendo, provavelmente eu estar lá não era importante.
De fato, na carreira de Namjoon, eu não era importante.
— Puta que pariu. — Hoseok levou as mãos à boca ao falar. Eu não conseguia distinguir nada em minha frente, vi Yoongi saindo de perto de mim, um monte de gente, inclusive seguranças tentando impedir ele subir em algum lugar. — Yoongi! Porra, não!
Voltei a realidade quando vi Yoongi subindo no octógono com a mão cheia de sangue após bater em alguns seguranças e desferir um soco no rosto de Namjoon que cambaleou para trás.
Eu vi que Namjoon ia reagir, ir para cima, mas ele parou e abaixou a cabeça. O silêncio na arena foi tão estranho para mim. Mesmo que ninguém soubesse da minha existência, eu tive que me levantar e sair entre toda aquela gente em pé, sem saber se conseguia olhar direito para Namjoon, sem nem ir defender meu irmão. Eu apenas me levantei e sair.
Se era isso que eu merecia, porque eu estava saindo. Não sei explicar a sensação que tive, não sei dizer bem como eu cheguei no lugar que eu cheguei, mas eu apenas cheguei até a frente do estúdio e me agachei, abraçando minhas pernas e deixando as lágrimas caírem.
— Oh, Jiminie? — Levantei meu rosto e me deparei com Jungkook. Assim eu entendi o motivo dele ter faltado naquele dia.
— O que aconteceu com seu rosto, Kookie?
— E o que aconteceu com o senhor?
Sorri sem graça e me levantei. Abrir o estúdio, segurando Jungkook pelo pulso para ele não ir embora. Deixei que ele sentasse no sofá da recepção e sentei ao seu lado, olhando para seu perfil. Jungkook era um menino forte, com 18 anos ele era muito grande para a idade, mas era um doce, carinhoso e gentil. Por isso, Hoseok o tratava como se fosse o próprio filho. Nessa noite, ele estava com hematomas no rosto inteiro, o olho inchado e quando ele sorriu sem graça, havia um dente quebrado.
— Foi seu pai? — Perguntei e ele concordou, deixando uma lágrima cair.— Hoseok estava preocupado com você.
— Eu não quis preocupar. Não consegui vim. — Jungkook mesmo sendo muito maior que eu, ainda era como uma criança, ele se encolheu em meu colo quando abrir meus braços. — E o senhor, por que estava chorando?
— Fui traído. Ou não, quando uma pessoa é beijada a força não é traição.
— Não é, eu acho. Eu nunca namorei.
— Oh, namorar é bom. — Rir, alisando os cabelos de Jungkook. — Amar que não é.
— Eu odeio amar meus pais, Senhor Park. — Jungkook abraçou minha cintura com força e chorar.
Jungkook ficou em silêncio em meu colo e eu apenas deixei ele dormir. Sabia que sua dor era muito pior que a minha. E era esse o problema, todas as dores pareciam ser piores que a minha. Por que eu não conseguia ver a minha? Queria poderia deixar Namjoon ir, poder deixar ele viver sem eu o atrapalhando, mas não conseguia, só que eu também não conseguia esquecer como era deixado de lado por todo mundo ao redor dele. Quantas vezes eu teria que aguentar as rasteiras da mãe dele? As brigas com Taehyung? Por que só eu teria que aguentar?
— Jimin? — Percebi que eu dormir quando senti um par de mãos de acordando. Olhei para cima e vi Hoseok sorrindo para mim, um sorriso cansado. Procurei por Jungkook, mas eu estava só no sofá. — Ele tá no carro já, vamos?
— Pode me deixar aqui? — Perguntei, tentando me virar no sofá, mas Hoseok negou.
— Yoongi foi levado para prestar depoimento. — Me sentei no sofá, passando as mãos em minhas pernas.— Mas não querem liberar ele.
— Como assim não querem liberar ele? Onde está o Namjoon? — Hoseok engoliu em seco. — Ele deixou o cunhado dele ser levado, não foi?
— Ah Jimin, foi tudo rápido. Eu não sei o que fazer. Yoongi apenas mandou eu te achar e te levar para casa dele.
— Leve Jungkook para casa. Eu vou resolver.
— Jimin, se o Yoongi disse... — Não deixei Hoseok se levantar, tirei o celular do bolso ligando para Namjoon, mas toda ligação caía em caixa.
Olhei para o celular e a sensação era que eu tinha sido abandonado.
— Eu vou ir até Namjoon para ele tirar Yoongi da delegacia.
Sair correndo pegando o primeiro táxi que passou pensando em como resolver aquele problema. Mas eu sabia onde ele estava.
Parei na frente do prédio mais caro da cidade e senti meus dedos tremerem enquanto eu abria a porta do carro. Para toda a mídia era ali onde Namjoon morava, eu sabia a senha de seu apartamento como também sabia que querem morava lá era sua mãe. Deixei a portaria eletrônica reconhecer meu rosto e entrei no elevador digitando a senha que dava para o apartamento.
Quando coloquei minha digital na porta, abrir devagar. Eu conseguia escutar uma gritaria de fundo, a voz de Namjoon alta e barulho de algo quebrando. Quis voltar, mas Taehyung estava parado me olhando. Tentei não me encolher, abaixar a cabeça, mas era difícil quando Taehyung sempre foi tão intimidador.
— Você sabe que é culpa sua, não é?— Taehyung disse, legando as mãos até as têmporas depois esfregando o cabelo. — Por que não segurou seu irmão, Jimin?
— Yoongi tá preso ainda. Você pode ajudar ele? — Não respondi as perguntas e alegações, eu não queria me afetar mais do que já estava sentindo.
— Ele dar aquele show e eu preciso ir tirar ele de lá? É a consequência dele.
Encarei Taehyung, ele não era daquele jeito. Sabia que a carreira de Namjoon lhe deixava tenso e sabia que ele estava em uma posição de cobranças constantes. No começo, ele me deixava estar perto e fazer parte da carreira de Namjoon dizendo que era importante manter as pessoas que amam próximas, mas ele foi o primeiro a se deixar sucumbir quando a mãe de Namjoon entrou na jogada.
Eu não culpava também a mulher, mas uma coisa que Hoseok sempre me dizia era que eu nunca culpava ninguém, mas sempre me culpava.
— Por favor, Tae. — Pedi. — Ele só estava me defendendo.
Quando terminei de falar, Namjoon entrou na sala de visitas onde eu estava com Taehyung e me viu de cabeça baixa.
Eu não sei bem quando foi que Namjoon se tornou tão raivoso, mas também eu não sei quando foi que a gente começou a dar errado. Se eu pudesse voltar atrás, seria mais rígido, não o deixaria me tirar da sua vida para fazer vontade das pessoas ao seu redor. Como também não deixaria ele ser controlado para manter a carreira.
Sua carreira era seu sonho e o meu sonho eu já não sabia mais o que era. Eu me perdi em meus sonhos, me perdi em tudo aquilo que tentei ser para não errar no caminho da carreira dele. Me deixei ser um artista sem futuro para o ter como meu, mas eu amava Namjoon.
Amava tanto que chegava a ser violento.
Talvez essa briga que lutamos, a gente tenha perdido.
Antes mesmo de Namjoon partir para cima de Taehyung, me coloquei em sua frente, fechando os olhos e esperando o pior, mas Namjoon parou. Eu abri os olhos e notei seu rosto cansado, marcas de unhas em seu pescoço e sangue saindo da bochecha como se tivesse sido cortado por unha.
Jinah tinha unhas afiadas.
— Namjoon... — Falei, engolindo meu orgulho, deixando que ele me tocasse e chorasse. — O Yoongi precisa de ajuda, por favor, ele só quis me defender.
— Eu mandei tirarem ele de lá... — Namjoon me tirou da frente dele com certa violência, pegando Taehyung pela roupa. — Qual o problema de me escutar, Taehyung? Eu sou seu irmão, porra! Eu dei a merda da entrevista, menti como me pediram, eu só pedi que ajudassem o Yoongi e deixassem Jimin em paz. O que custa, porra?
— Você precisa escolher, Namjoon. Sabe que precisa.
— Namjoon... — Segurei o braço dele.— Não vai adiantar brigar.
— Fica fora disso, Jimin.
Quando o copo transborda, quem é que esvazia o copo?
— Não! Não! — Gritei empurrando Namjoon. — Eu não aguento mais. Eu cansei dessa merda toda, Namjoon. Olha para você, dessa idade apanhando de sua mãe que te põem numa coleira a vida toda. Olha para mim, Namjoon, olha para mim. Eu estou cansado de lidar com tudo isso. Com uma culpa que não é minha. Com medo de você perder algo e ser o culpado por tudo. Como Taehyung acabou de fazer. Por que é minha culpa? Eu estava com você na sua primeira luta, eu torci, cuidei de suas férias, eu te dei sua primeira luva... — Empurrei Namjoon novamente que segurou meu pulso. — Nenhum deles te ama como eu te amo. Se você não tivesse nada, se você não fosse o que é hoje, nenhum deles te amaria. Enquanto você luta por todos eles, apenas eu luto por nós dois... Eu fiz tudo por você, e por que me culpam?
— Amor, não é sua culpa. Não diga isso, Jimin.
— Eu renunciei tudo, eu sou um ômega afinal, não sou? Eu estou sendo abandonado por você todos os dias. Como seria se eu fosse beijado na frente de uma multidão de gente? Como você se sentiria? Mas por que eu tenho que sentir? — Bati no peito dele uma, duas, três vezes sem parar. — Eu não posso te pedir para escolher, eu nunca posso, mas por que todo mundo pode te pedir isso? Por que eu tenho que ser opção de escolha e não a certeza? Eu... Eu me escondi por você. Perdi oportunidades de ser um pintor conhecido porque não podiam pensar que você é casado, então eu não podia ser visto. O que mais eu tenho que sacrificar? Minha única família também deve ser sacrificada para ter seu amor? Por favor, Namjoon, ajude meu irmão. Por favor, uma vez na vida, me escolha.
As lágrimas foram se acumulando e eu não consegui conter. Namjoon me abraçou forte, também chorando.
Me sentia tão desesperado que chegava a ser patético, extremamente inútil todo aquele choro. Mas ainda sim, ser abraçado por ele era como se minha energia fosse recarregada, até porque era ele, sua pele, seu cheiro, seu corpo... Era ele. Meu Namjoon.
— Me desculpa. Me desculpa, Jimin. — Namjoon disse baixo.
O que eu deveria fazer com Namjoon? O que realmente eu deveria fazer? Por que como eu poderia culpar ele, mas como eu não poderia culpá-lo. Era verdade que Namjoon se submetia como um fiel ao cão atrás do seu sonho, que aquele cinturão não era nem 40% do que ele queria para si. Então, ele se permitia ser humilhado e me humilhava junto em sua jornada.
— Irei resolver a situação do Yoongi. — Taehyung disse me tirando de meus devaneios enquanto eu segurava o rosto de Namjoon. Quando olhei para ele, pude ver seus olhos cheios de lágrimas e os lábios crispados. Sorrir para ele.
— Obrigado, Tae. — Namjoon me apertou quando eu falei.
— Não agradeça nada a ele.
A mãe de Namjoon estava lá, dava pra ver sua silhueta, mas quando ergui melhor os olhos ela parecia tão acabada, parecia que havia levado uma surra. Aquilo me assustou, tentei não imaginar uma situação que Namjoon tinha levantado a mão para a própria mãe.
— Namjoon, você bateu em sua mãe? — O olhar de Namjoon me fez tremer, não sei explicar se era raiva, se seria cansaço ou se era meu medo de ouvir um "sim".
— Infelizmente não. — Disse, me tirando de seus braços. — Vamos para a casa.