Ilegítimo

By liviaalagoano

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"Serena se lembrava de ter se apaixonado uma única vez durante toda a sua vida. E agora, oito anos depois, re... More

Guia para se (des) apaixonar
Como uma ventania inesperada, você veio até mim
Apesar de tudo, eu ainda vejo mágica
Todos os caminhos me levam até você
A praia de cada um de nós

Pelos meus olhos, você é luz que irradia

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By liviaalagoano

Regra número 3:
Não fique sozinha com ele.
A paixão desperta e a tentação vence quando ele é o único na frente de seus olhos.

O relógio marcava exatamente nove horas da manhã quando Damian percebeu que Serena estava certa sobre seus pés serem a definição humana mais mortal de destruição.

Ele estava suado, sentado no chão já sem casaco e gravata, tentando entender como uma mulher com pouco menos de um e sessenta, conseguiu quebrar sua unha do dedão, dentro do sapato, enquanto dançava.

Serena estava sentada ao lado dele, observando culpada metade da unha de Damian coberta de sangue enquanto a outra metade ainda estava dentro do sapato.

– Petit foi pegar curativos… – Ela falou ainda sem conseguir parar de encarar a unha dele – Eu deveria ter pensado melhor e colocado a sua segurança em primeiro lugar, vou dizer a Chase que não vou dançar.

Serena ameaçou se levantar, mas Damian segurou seu pulso com leveza, achando graça da situação.

– Por que está rindo?

– Hoje eu aprendi que jamais devo te subestimar. – Passou a mão pelo cabelo e inclinou a cabeça um pouco para trás apenas para escorar na parede enquanto um meio sorriso tamborilava pelos seus lábios – Não perdi uma unha em vão, continue sendo minha parceira, Loirinha.

– Em três horas eu já te fiz perder uma unha, em duas semanas você vai estar morto.

– Dessa vez eu não duvido. – A expressão de arrependimento no rosto dela estava começando a mexer com ele então decidiu parar de brincar – É apenas uma unha, eu não vou morrer.

– Desculpe, de verdade. – Pediu mais uma vez, mordendo o lábio inferior sem perceber ao ver o dedo do pé dele sem metade da unha – Como eu fiz isso? É quase sobrenatural…

– Não me assuste, já tem boatos sobrenaturais demais rondando o palácio.

Damian se inclinou para frente, tocando o dedo machucado. A camisa desceu um pouco, dando a Serena o vislumbre de um corpo muito definido para um Duque, aliás, definido como de um trabalhador.

Mãos calejadas e muitos músculos…
Damian Vallière certamente levava uma vida dupla muito agitada.

– Você venceu, pode me chamar de borboletinha. – Comentou e comemorou internamente quando a expressão tensa do rosto dela relaxou.

– Eu não me sinto vitoriosa.

– Você aprendeu a coreografia inteira e tínhamos apostado apenas a metade, teoricamente você venceu duas vezes ainda… – Tentou animá-la – O que precisamos é apenas trabalhar a forma como você executa os passos, seus movimentos estão muito tensos.

– Eu aprendi os passos e como tirar metade da unha de alguém também. – Levantou-se frustrada consigo mesma e foi até a janela, como se sentisse sufocada em estar no próprio corpo – É impressionante como eu não consigo fazer nada certo.

Damian se levantou, observando as costas dela conforme se aproximava, desde o porte fino, as curvas adoráveis da cintura e os cachos dourados que se soltavam do penteado e resvalavam em sua nuca, o que prendeu boa parte de sua atenção. Mas no interior de uma aparência tão adorável, parecia existir uma imensidão inteira que estava aguçando seu interesse.

– Serena… – Chamou-a receoso. Algo lhe dizia que sua unha quebrada não era a única coisa que a incomodava.

Ela não se virou, seus olhos estavam fixos na bela vista litorânea que agora era completamente banhada pelo Sol. Sua mente parecia distante e Damian esperou pacientemente até que ela sentisse vontade de falar.

– Eu odeio sair da minha zona de conforto. – Ela começou, conseguindo a completa atenção dele – Você já se sentiu como… se fosse feito apenas para assistir a vida acontecer? – Desviou seus olhos da janela, procurando compreensão no rosto dele – Como se você não fizesse parte de onde vive e tudo o que consegue fazer é… observar os outros vivendo suas vidas enquanto o tempo parece ter congelado completamente para você?... Você já teve o sentimento de que a sua vida não é sua?

Era a primeira vez que verbalizava aquele sentimento para alguém, na esperança de que tivesse encontrado uma pessoa que também tivesse o que ela tinha nomeado como “síndrome de plateia”.

Damian paralisou por um instante, e tudo o que Serena escutou em resposta foi o som do silêncio.
Ora, era óbvio.
Ela já tinha que ter aprendido que suas divagações assustavam as pessoas.

– Desculpe, eu estou apenas falando bobagens. – Serena tentou desconversar e passou por ele, odiando o sentimento de decepção que sentia sem motivo algum.
Quanta bobagem, Damian não tinha obrigação alguma de ter a mesma mente e as mesmas dores que ela apenas por terem quase a mesma idade e serem irmãos mais novos – Eu vou atrás de Petit, ela está demorando muito com seus curativos.

Serena girou a maçaneta, abrindo uma fresta da porta, mas parou quando escutou passos apressados atrás dela. De repente a mão dele já estava encostada na porta, fechando-a novamente.
Ela não se virou, mas não por medo dele, apenas não queria encarar aquela mesma expressão de estranheza que ela recebia das pessoas quando falava sobre suas divagações.
Ela era uma das princesa da maior potência mundial.
E como mais nova, não tinha a obrigação e preocupação de herdar o trono. Ela tinha apenas que viver e seguir sua vida confortavelmente no palácio…

É loucura e ingratidão reclamar por ter tudo.
Ao menos é isso que escutou a vida toda de seus tutores, governantes e nobres da corte.

– Serena. – Ele a chamou, querendo que ela se virasse e olhasse para ele, mas continuou a falar quando percebeu que ela não se viraria – … Você quer ir à praia?

Depois do espetáculo de esquisitice na frente de Damian, Serena simplesmente aceitou que nada consertaria aquilo e foi à praia com ele, afinal, se Damian ainda não teve a lucidez de fugir dela, era porque ela ainda era uma companhia tolerável.

Naquele momento, Serena tentava amenizar a expressão de Petit sentada à sua frente na carruagem, enquanto Damian e Brandon iam a cavalo.

– Ele não é uma pessoa ruim, e você sabe disso. – Serena insistiu.

Petit suspirou e seus ombros caíram.
Ela não parecia irritada, e sim preocupada.

– Quando eu fui atrás de curativos para a unha dele, tive que avisar os criados que ele tinha se machucado, e sabe qual foi a reação? Ninguém se importou, um deles me deu o que eu precisava e saiu, e ainda deixou claro que fez aquilo apenas porque não queria problemas com o rei. – Contou e olhou pela janela, vendo Damian em um cavalo mais a frente – É mais do que o menosprezarem ou ignorarem, eles o odeiam completamente.

– Depois de ver que não apenas o chamam de demônio, como também o tratam como um, isso ficou bem claro para mim também. – Encarou Damian pela janela, vendo-o conversar com Brandon, pegando o exato momento em que ele riu de alguma coisa que 9 soldado falava.

O sorriso dele tinha um formato meio quadrado que brilhava, cintilava.
Era bom vê-lo assim.

Ele usava apenas uma camisa branca, calças pretas comuns e botas grossas por conta da areia. Damian poderia não ser angelical como Chase, mas estava longe de ser um demônio. Aliás, ele tinha um charme misterioso que Chase não tinha.
Ela não sabia exatamente se era pelo rosto jovem, os olhos azuis-cinzentos ou cabelo cabelo castanho meio espetado que caía sobre seus olhos durante a maior parte do tempo, o que o obrigava a passar a mão no cabelo, e sempre, em todas as vezes que notou ele fazendo isso, Damian olhava para baixo, e quando o olhar dele voltava a se encontrar com o seu, ela percebia que ele realmente estava interessado no que ela dizia, mesmo que às vezes não respondesse ou ficasse preso nos próprios pensamentos, mas sempre estava escutando, e mesmo quando via que ela carecia de qualquer habilidade indispensável de uma princesa, ele não se importava, apenas continuava agindo normalmente, mesmo que ela tenha arrancado uma unha dele…

A brisa salgada soprou mais forte e ela viu ele proteger os olhos com uma das mãos, mas quando ele ameaçou se virar, ela saiu da janela apressada, voltando sua atenção a Petit.
Claro, como se não bastasse o clima estranho que ficou depois da conversa na sala de música, ele ainda tinha que pegá-la espiando ele.

– Óh céus… – Petit cruzou os braços.

– Desculpe, o que você estava dizendo?

– Odeio quando Brandon está certo… – Sussurrou para si mesma, vendo a expressão confusa de Serena – Eu estava dizendo que seu novo amigo tem que tomar cuidado. Com o casamento chegando, assim que um herdeiro nascer, as pessoas do palácio podem se livrar de Damian de forma que sequer Chase vai saber o que atingiu seu irmão.

– Ele vai embora depois do casamento. – Contou. Era triste, mas Petit estava certa, o mundo da elite era avassalador e cruel com um bastardo – E duvido muito que queira se aproximar ou se associar a realeza ou nobreza depois que sair.

Petit ergueu uma sobrancelha, preocupada com o que Serena tinha dito.

– Provavelmente você não vai vê-lo de novo quando o casamento acabar.

A carruagem parou, não dando tempo de Serena responder ou pensar. A porta se abriu e Damian apareceu em seu campo de visão, com a mão estendida para ela.

– Eu quero te mostrar uma coisa. – Foi tudo o que ele disse, e Serena confiou, segurando a mão dele e saindo da carruagem.

– Nós vamos andar por aqui. – Brandon desceu do cavalo, impedindo Petit de ir com eles, segurando seu ombro – Vão, crianças. Sumam, sumam.

Serena jurou uma troca de olhares entre Damian e Brandon, mas o Duque a puxou para ir antes que tivesse tempo de analisar direito o que estava acontecendo.

– Ele te conquistou muito rápido. – Petit implicou.

– Você não protestou dessa vez. – Comentou e afrouxou a farda, encarando o mar azul a sua frente – Ele não me pediu para ficar a sós com ela pelos motivos que você está imaginando.

– A essa altura, não estou imaginando mais nada.

– Eles são crianças, dezoito e dezenove anos… – Desviou o olhar do mar e observou os dois caminhando juntos – Deixe-os descobrir o mundo.

– … Você acha que os dois vão ser apenas amigos? – Brandon deu de ombros – Damian vai embora e se desvincular de tudo que envolve realeza e nobreza depois do casamento.

– Eu sei, ele me contou. – Olhou para Petit, dando um peteleco no nariz dela e se divertindo com sua expressão confusa e irritada que ela fez – Sabe o que é mais interessante nos jovens?

– Diga-me, por favor, óh grande soldado da sabedoria.

Brandon revirou os olhos antes de responder, o atrevimento dela estava acabando com sua aura filosófica.

– Eles estão sempre mudando.

Serena avistou um barco enorme de pesca, com diversas pessoas descarregando caixas, barris e redes repletas de peixe. Era quase hora do almoço, mas ninguém ali parecia ir para casa, pelo contrário, eles descarregavam os peixes para um grupo enorme de mulheres e arrumavam tudo para partir novamente.

Um dos homens em cima do barco acenou na direção deles e Damian acenou de volta.

– Virá a bordo hoje, Bernard?! – O homem gritou e Damian coçou a cabeça sem jeito.

– Dessa vez não, estou mostrando a praia para uma amiga. – Gritou de volta. Serena acenou para ele e recebeu um sorriso de volta, mas logo ele teve que correr e pegar mais caixas para descarregar.

– Bernard? – Ela ergueu uma sobrancelha, encarando Damian que desviava o olhar.

– É meu nome do meio. Ou era, ao menos. – Pigarreou, constrangido. Sequer seu irmão sabia que ele manteve aquele nome – Eu cresci na praia, desde criança todos me chamam de Bernard. Quando fui morar no palácio, tiraram esse nome e deixaram apenas Damian e o título de Duque Vallière, mas pedi que continuassem me chamando de Bernard aqui na praia.

Afinal, era mais uma de suas formas para não deixar o menino que ele foi um dia se apagar.

– Bernard… – Serena treinou o nome – Esse nome combina com seu lado adorável.

Ele ofereceu o braço para continuarem a caminhada, achando graça do comentário dela.

– Eu tenho um lado adorável, Serena?

– Tem um lado que é adorável o suficiente para não ficar bravo comigo mesmo depois da metade da sua unha do pé ter sido destruída.

– Eu acho que mereci isso depois do que disse quando nos conhecemos. – Passaram por uma fileira de casas que cheiravam a peixe, mas isso não pareceu incomodá-la, pelo contrário, os olhos dela estavam presos em cada morador que estava trabalhando ali. Desde as mulheres que cortavam e limpavam os peixes, desde as que traziam potes e panelas limpas.

– Eu já lhe perdoei por isso. – Ela o tranquilizou e apontou para o barco que estava prestes a partir novamente – Você ainda pesca com eles, não pesca?

Apenas aquilo justificava o corpo cheio de músculos e as mãos calejadas.

Damian observou o barco. As risadas e a conversa alta da tripulação ecoavam através do vento, trazendo as lembranças de sua infância de volta em sua mente.

– Eu sinto que não sei fazer nada direito como Duque, ao menos aqui eu sei o que estou fazendo.

Serena parou de caminhar, escutando atentamente ele falar.
Ela estava começando a entender o motivo dele trazê-la ali.
Demian pigarreou mais uma vez, prestes a abrir seu coração pela primeira vez, talvez fosse loucura confiar em uma mulher que conhecia há tão pouco tempo, mas cada canto de sua mente gritava para que ele dividisse aquilo com alguém. E se não pudesse se abrir com uma recente, mas encantadora amiga, que passava por algo tão parecido, não saberia com quem mais se abrir. Afinal, não queria magoar Chase com aqueles pensamentos.

– No palácio é como se eu estivesse vivendo uma vida que não é minha, sabe? – Confessou, sentindo o peito esvaziar aos poucos – Ocupando um lugar que não me cabe e por isso a minha presença lá parece tão errada. – Voltou o seu olhar para Serena, encarando seu pequeno rosto concentrado, seus grandes olhos castanhos fixos nele e seus cachos loiros dançando com a brisa – Tudo o que você disse na sala de música hoje… Eu sei como é sentir que não faz parte de onde você vive. A sensação de estar a todo momento observando e não fazendo parte do que está acontecendo de fato… Eu apenas não consegui responder de imediato porque fiquei… não sei dizer… surpreso, eu acho. – Sentiu seu corpo quente por dentro, era estranho conversar com alguém sobre seus sentimentos mais reprimidos – Foi como se eu estivesse na frente de um espelho.

Serena sentiu o coração acelerar, um sentimento novo pareceu crescer dentro de si e se espalhar pelo corpo inteiro. A sensação de alívio e reconforto por encontrar outra pessoa que se sentia como ela foi feliz e triste ao mesmo tempo, mas com certeza, menos solitário.

– Quando tudo fica muito sufocante, eu venho para a praia e trabalho com eles. – A voz e a alma dele pareciam em paz ali, diferente de quando estava no palácio – É uma vida muito mais simples, mas eu me sinto muito mais…

– Pertencente. – Ela completou – … Como é a sensação? De pertencer há um lugar? De chegar e simplesmente parecer… certo estar ali?

Ela deu um passo à frente, aproximando-se dele. E mais uma vez, aqueles intensos olhos azuis-cinzentos estavam fixos nela, tão enigmáticos quanto belos, prontos para confundí-la e mostrá-la a direção ao mesmo tempo.

Ele deu um meio sorriso e não resistiu ao impulso de tocá-la, mesmo que fosse apenas no ombro e sentir a pele por baixo do tecido de seu vestido lilás.
Serena tinha um efeito magnetizante indescritível.
Ou talvez ele fosse carente demais e tinha achado alguém que lhe dava atenção e o entedia.

– Você vai descobrir um dia. – Ele respondeu e observou os olhos dela caírem, como se não tivesse esperança alguma daquilo.

– Eu não tenho uma praia para a qual fugir. – Ela tentou parecer conformada e deu um passo para trás, quebrando a proximidade – Chase sabe que você trabalha aqui com eles?

– Ele sabe e me apoia nesse quesito. – Apontou para uma pedra enorme há poucos metros dali – Ele me deu um barco de presente, está logo atrás da pedra. Os moradores o vigiam e pegam emprestado às vezes.

– Você vai sair navegando depois do casamento?

– É o plano, mas não tenho destino. – Deu de ombros – Irônico, não? Uma borboletinha sem destino. – Falou tentando arrancar um sorriso dela.

E conseguiu.
Ótimo, Serena tinha um sorriso tão lindo que era quase um pecado ela não sorrir o tempo todo.

– Você vai deixar o vento te guiar, Borboletinha?

– É uma loucura, não é mesmo? Pode falar, Loirinha.

– Talvez seja, mas está tudo bem. Eu imagino muitas coisas loucas na minha mente, e se pudesse, faria metade delas. – Falou e sua mente voou, pensando em sua conversa com Petit na carruagem. Ao fim daquelas semanas que passaria na Defânia, Damian seguiria seu caminho e ela nunca mais o veria.

– E a outra metade?

Mas ela deveria ficar feliz por ele, afinal, Damian finalmente seria livre.

– Não devo realizar a outra metade. – Respondeu, lembrando-se das pessoas cruéis daquele palácio que o tratavam com tanto escárnio por ser um filho ilegítimo, fazendo-o ir embora para longe de sua única família.

– Seria mais loucura do que se jogar a mar aberto e navegar sem rumo? Por que não faria essa metade se pudesse? – Ele brincou, intrigado com a face pensativa dela.

– Porque seria crime. – Deu de ombros e Damian não sabia se ria ou se ficava assustado – Prometa-me uma coisa. – Pediu de repente.

– Dependendo do crime, não posso ser seu cúmplice, Loirinha. – Falou e ela revirou os olhos, cruzou os braços e o canto de sua boca ameaçava o início de um sorriso.

– Você fica engraçadinho assim apenas na praia?

– Em salas de música também. – Os dois cantos da boca dela subiram. Ótimo, tinha conseguido de novo – Diga, Loirinha.

– Prometa-me que vai me levar para dar um passeio no seu barco antes de tudo acabar. – Era uma tentativa inútil e que não fazia sentido algum, mas ao menos queria entender na prática o que era o sentimento de pertencer, mesmo que fosse pela visão dele.

Damian ficou surpreso com o pedido dela, mas dessa vez não demorou a responder como na sala de música.

– Vamos pescar também. Vou lhe mostrar como se pesca de verdade.

Serena estreitou os olhos.

– Você não é meio jovem para ser um pescador especialista? – Provocou apenas para ver o brilho desafiador nos olhos dele.

Petit provavelmente bateria nela se soubesse, mas gostou daquele olhar rebelde e desafiador dele desde o primeiro momento. Lembrava-se das partes mais importantes do que ele tinha lhe dito quando se conheceram, mas mesmo enquanto ele brigava com ela, Serena não pôde deixar de prestar atenção no olhar perturbadoramente impetuoso de Damian Vallière.
Ou melhor, Damian Bernard.

– Loirinha, você engolirá essas palavras, apenas aguarde.

Intenso, impetuoso e até meio feroz… Damian a fazia lembrar de algo, mas não sabia dizer o que era exatamente…

– Por que está me olhando assim?

– Eu ainda não consegui me lembrar… – Encarou bem o rosto dele, tentando recordar o que ele se parecia tanto – Você é alto, musculoso, jovem, tem personalidade forte e é muito bonito… – Falava mais para si mesma do que para ele, mapeando suas características e colocando-as em ordem em sua mente – E também essas três pintinhas no seu rosto que parecem ter sido estrategicamente colocadas para chamar atenção para os traços mais belos do seu rosto… – Murmurava pensativa.

Damian pigarreou e desviou o olhar diversas vezes, sem entender muito bem o que ela estava fazendo e como não tinha vergonha alguma de dizer tudo aquilo tão diretamente. Mesmo que não havendo malícia alguma em suas palavras, elas ainda tinham o poder de envergonhá-lo.

– Princesa, vamos mudar de assunto. – Pediu, até mesmo se esquecendo do combinado de não serem formais quando estivessem a sós.

– Eu estou quase me lembrando, um instante. – Aproximou-se dele de novo, erguendo a mão e segurando o queixo dele, mantendo seus olhos no rosto dela.

Damian estava prestes a surtar.
Certas mulheres não tinham ideia de como simples atos possuíam o poder de abalar toda a estrutura de um homem. Para ela devia ter sido um ato normal, manter a cabeça de um amigo totalmente parada para que ela pudesse se lembrar de algo e colocar um apelido nele, algo que amigos fariam. Mas era muito difícil ficar imóvel quando belos olhos castanhos passeavam por cada canto de seu rosto enquanto a pequena mão enluvada dela segurava seu queixo, fazendo com que ele se inclinasse para ela.

Por Deus, ele estava se esforçando para não chegar muito perto e tocar nela e Serena simplesmente dispara um monte de elogios a sua aparência, se aproxima e segura seu rosto.
Se não fossem uma princesa e um bastardo, qualquer um que os visse daquela maneira os obrigaria a se casar… O que levantava outra questão em sua mente, ela fazia tudo isso porque era seu jeito natural e simples ou porque sabia que não daria nenhum problema já que jamais permitiriam a união de um bastardo com uma princesa?

– Você… me acha bonito, Loirinha? – Tentou agir como se não estivesse queimando por dentro e não se importasse, almejando provocá-la e deixá-la ao menos com a metade da vergonha que ele sentia.

– Obviamente, você é muito bonito, Damian. – Foi sincera e soltou seu rosto, voltando sua atenção para a pergunta dele. Deixaria essa questão de se lembrar o que ele se parecia para depois.

Damian piscou sem jeito e coçou a nuca, desviando o olhar do dela. Céus, em toda a sua vida, ninguém tinha conseguido deixá-lo daquela maneira.

– Você está vermelho.

– O Sol está forte hoje.

Ela riu, uma risada fraca, mas verdadeira.
A companhia de Damian era leve.
Ela podia dançar mal, reclamar de sua “vida perfeita”, não ter medo de ser sincera e agir livremente, que em todas essas vezes, ele não iria julgá-la.

– Por que está surpreso por eu dizer que você é bonito? O querido Bernard não se olha no espelho?

Ele tentou deixar a vergonha de lado e respondê-la a altura.

– Como agiria se fosse o contrário?

E falhou miseravelmente.

– Se dissesse que sou bonita? Eu ia rir de você. – Deu de ombros – Não sou bonita, Damian.

Ele a olhou embasbacado, mal acreditando que estava ouvindo aquelas palavras saindo daquela boca rosada tão delicadamente desenhada naquele pequeno rosto.

– … Você é estúpida? Digo, está desprovida de suas faculdades mentais?

– Entenda uma pequena regra estipulada para as mulheres da realeza e nobreza no quesito beleza. – Fez uma pausa dramática, divertindo-se com aquilo – Existem dois tipos aceitáveis que nos tornam elegíveis para convites para dançar e propostas de casamento: ser bonita ou ser adorável.

Damian cruzou os braços, tentando entender a lógica por trás de toda aquela baboseira.

– Continue, eu devo ter faltado a essa aula na escola da futilidade.

– Para sua sorte, eu tive que estar nessa aula muitas vezes. – Levantou dois dedos das mãos, sinalizando seus pontos – Mulheres bonitas são as que chamam mais atenção, com belos corpos, traços atrativos e que se destacam. Nossa sociedade até segue um padrão, mas até entre as mulheres que estão nele, há aquelas que brilham mais, e essas são as mulheres bonitas, como a minha irmã. – Apontou para si mesma – Eu faço parte das adoráveis, não chamo muita atenção, não me destaco no meio dessas mulheres, entende? Não sou feia, mas sou comum para ser classificada com diamante da temporada. – Baixou a mão, achando graça da expressão revoltada de Damian – Eu não me importo com isso. Na verdade, gosto de não chamar atenção.

– … Eu achava que você era inteligente até dois minutos atrás.

– Acha que sou estúpida agora? – Perguntou descontraída. Ela já teve aquela conversa com Petit diversas vezes, estava acostumada com aquele tipo de reação. Serena achava amável tudo aquilo, mas ela sabia que estava falando a verdade. Ela viveu a vida toda daquela maneira. E não importava o quão bonita ela poderia ser aos olhos de seus amigos, ela sabia sua classificação quando entrava nos salões de baile. E estava tudo bem.

Sinceramente, ela não fazia questão alguma de se destacar.

Damian mordeu a língua, controlando tudo o que tinha vontade de dizer.
A seus olhos, Serena era linda como uma margarida no meio da primavera, sua aura era quente e reluzia como o Sol, seu sorriso se igualava a pérolas brancas e seu cabelo cacheado da cor do ouro parecia brilhar e torná-la ainda mais única. Mas não podia dizer tudo isso ou ela o acharia louco, ele mesmo começava a achar que estava enlouquecendo.

– Sabe, Serena… O maior problema de quando passamos a vida observando as pessoas, é que esquecemos de olhar para nós mesmos. – Suspirou e foi a sua vez de dar um passo à frente e tocar o queixo dela. Sem malícia ou segundas intenções. Apenas um toque tão suave que Serena paralisou, inebriada com toda aquela delicadeza e seriedade repentina. Ele ergueu o rosto dela, olhando diretamente para aqueles belos olhos castanhos que ela tinha ousado chamar de “comum” – Eu sei que não se importa se as pessoas acham que você não é nenhum diamante da temporada. Mas o que você acha? Como você se vê? – Perguntou sinceramente, atingindo o ponto mais fraco do coração dela – Para mim, a sua beleza vem de dentro e irradia por fora, transformando tudo o que toca em luz… – Quando percebeu, já tinha falado a última parte – Quem precisa ser um diamante quando se é uma estrela?

E mais uma vez, Serena sentiu o coração acelerar. Mas dessa vez foi diferente, como se um calor descesse para o estômago e depois subisse pela garganta, se alastrando pelo rosto e tornasse impossível continuar olhando para ele.

Ela desviou o olhar e Damian a soltou, meio arrependido por ter dito a última parte, mas agora já era tarde para voltar atrás, até porque, seria difícil já que não mentiu em nenhum momento.
Ele deveria pedir desculpas? Não, tornaria tudo ainda mais estranho… certo?

Serena mordeu o lábio inferior que insistia em se juntar com o superior e formar um sorriso involuntário. Era como se ela não conseguisse mais controlar o próprio corpo.
Tudo isso por um elogio.
“Parabéns, Serena. Você é, oficialmente, a garota mais carente do mundo”, pensou.

Ela respirou fundo, relaxou o rosto e voltou a encará-lo. Ora, eles tinham uma missão para cumprir, ainda faltavam três mulheres para espantar e não podiam se dar ao luxo de perderem mais tempo.

– Eu acho melhor voltarmos para o palácio. – Tentou falar normalmente, mas se incomodou. No fundo, sentiu como se estivesse fugindo.

Damian tentou resistir.
Mudar de assunto e voltar ao palácio era o mais sensato a fazer.

– Você está vermelha. – Mas às vezes ele não era sensato. Na verdade, raramente era.

Serena quis rir desacreditada, mas seu olhar descrente foi o bastante para sustentar a ironia em sua voz.

– É culpa do Sol.

Damian e Serena tiveram seus planos frustrados ao voltarem e descobrirem que seus próximos alvos estavam fazendo compras. Mas não apenas de imprevistos ruins o dia dos dois foi preenchido, ao menos o ensaio de dança havia sido cancelado já que Daniell e Margareth tinham ido a Paris para buscar Madeline.
Chase chamou Damian para caçarem juntos em uma floresta perto do palácio, o que separou o jovem duque de Serena pelo resto do dia, o que deu a ela muito tempo para investigar sobre seus três próximos alvos com Petit, e afastar as memórias de seu momento com Damian na praia, ao menos até a hora de dormir.

Devia ser por volta da meia-noite e Serena não conseguia fechar os olhos. Sua mente voltava a repetir aquelas palavras dele, ecoando em sua cabeça, fazendo-a revirar na cama.

A sua beleza vem de dentro e irradia por fora, transformando tudo o que toca em luz.”

“Quem precisa ser um diamante quando se é uma estrela?”

Ela mordeu o lábio inferior, tentando afastar aqueles pensamentos e dormir, mas era inútil.
Aquele par de olhos azuis-cinzentos como os de um…

Tigre indiano branco.

Ela se sentou na cama no mesmo instante, embasbacada por finalmente ter se lembrado.
Damian era como um daqueles tigres brancos que trouxeram da Índia para o palácio uma vez.
Eles são grandes, brancos com listras escuras e olhos azuis como os de Damian, além de parecerem ferozes, mas na verdade são solitários e protetores.

Ela suspirou aliviada por finalmente lembrar, mas a sensação passou logo.
Serena pegou o travesseiro atrás de si e o abraçou, afundando sua cabeça nele.

– Por que estou acordada… pensando em como Damian Vallière se parece com um tigre branco?... – Falou sozinha e largou o travesseiro, encarando o relógio de seu quarto.

Meia-noite e quarenta e sete.

– Isso é estranho até para você, Serena. – Sussurrou para si mesma.

– Serena!

Batidas frenéticas na porta fizeram a princesa se levantar no mesmo instante, e assim que a abriu, viu Petit com os olhos arregalados e sons de gritos e discussão vindo de algum lugar.

– A noiva de Chase chegou e estão discutindo no outro corredor. – Petit puxou Serena pelo braço, correndo com ela até a fonte da briga.

A princesa não entendeu muito bem, mas a seguiu, esquecendo-se que estava de camisola, mas isso não pareceu importar já que, quando chegaram, outros convidados que também estavam hospedados no palácio vestiam roupas de dormir também.

Todo mundo saiu da cama para ver a briga de Chase e Madeline, mas estavam sendo mantidos afastados por governantas e mordomos. E no meio da confusão, Serena viu Damian, Daniell e Margareth no meio deles, além de uma mulher loira claramente nua enrolada em uma coberta.

O que diabos estava acontecendo?

– A princesa Madeline viu o rei e a filha do Marquês Travel na cama. – Petit esclareceu ao seu lado.

O quê?
Não, aquilo não podia ser verdade.

A discussão estava ficando cada vez mais acalorada entre Damian, Margarethe Daniell, com cada um defendendo seus irmãos, mas Serena estava muito afastada pela multidão para entender direito o que eles diziam.

Ela soltou a mão de Petit, se enfiando no meio das pessoas, e quando estava há poucos metros deles, viu o exato momento em que Daniell foi para cima de Chase e Damian entrou na frente.

O grito dele foi alto, sendo capaz de calar a multidão em segundos. Damian pendeu para trás, e Chase o segurou, apoiando o irmão em seu peito e o guiando até o chão enquanto gritava para prenderem Daniell.
Serena avançou para frente, sendo impedida de ir até ele pelos soldados que chegaram para conter a multidão. Sentiu seu coração ser apertado e chacoalhado enquanto seus olhos estavam fixos no sangue de Damian pingando no carpete e na faca caída ao seu lado.









E chegamos ao fim do terceiro capítulo de "Ilegítimo", agora faltam dois.❤️
Sabe o que esta autora percebeu enquanto escrevia? Que essa é a primeira protagonista que não é irmã mais velha.
Um fato bobo, mas que eu achei meio engraçado pq não foi intencional KKKK

O que estão achando? Me contem nos comentários.❤️
Um grande beijo e até a próxima semana.❤️





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