Virei meu rosto o suficiente para enxergar o de Percy. Ele parecia estar considerando a idéia de olha-la, deveria estar louco, só podia.
— Jackson, nem pense nisso! – exclamei, fazendo com que ele movesse seu olhar na minha direção
— Ela é um monstro, Percy. – Annabeth relembrou
— Nós escolhemos nossos monstros, mas, nesse momento, aquela ali quer mutilar vocês, e eu estou oferecendo almoço. – Medusa finalizou, ouvi seus passos quando foi em direção a dentro da casa
Imaginei cenários onde conseguiríamos fugir de todos monstros sem perdermos um membro e nem virar enfeite de porta.
Só que nenhum deles existia
— Preciso admitir que prefiro entrar. – murmurei, recebendo uma chuva de nãos de Annie e Grover
— Acho que podemos confiar nela. – Percy disse em seguida. — Minha mãe me contou a história dela, ela não é o que as pessoas pensam... e eu definitivamente confio na minha mãe.
Tenho uma grande dificuldade em confiar em pessoas, preciso admitir.
Mas algo em Medusa realmente me fez sentir empatia.
Sua história estava fresca na minha memória, tinha feito um trabalho sobre ela no colégio, talvez não fosse tão culpada quanto todos acham.
— Eu vou entrar. – decidi, olhares de Annabeth me sentenciando
— Eu também, vocês decidam o que quiserem. – Jackson me seguiu quando caminhei até a casa
Não ia os deixar morrer, é claro, sabia que iriam atrás de nós.
O lugar tinha um aspecto de cilada, queria acreditar em Medusa mas tudo parecia ter um ar de dissimulação.
Entrei com cuidado, tendo certeza de que não existiam espelhos para quais eu olharia e encontraria seu rosto.
— Que bom que vieram. – ela estava em frente a uma mesa, cheia de hambúrgueres, assim como Grover disse
— A gente deveria comer? – sussurrei a pergunta, imaginando que talvez houvesse algum tipo de veneno
— Eu estou disposto a correr o risco. – Grover admitiu, se sentando em uma das cadeiras
Era uma bela mesa, recheada de comidas e bebidas, tudo arrumado como se ela soubesse da nossa vinda a horas.
Percy se pôs-se num assento e o último que restou fora o do meio, onde me acomodei ao lado dos dois.
— Não vai sentar? – perguntei Annie
— Esse lugar tem outro significado pra mim. – ela disse, em pé, distante de nós
— Está preocupada se guardo rancor de você apenas por ser filha de Atena? – a voz de Medusa me dava arrepios, mas não conseguia sentir medo ou raiva, só pena. — Não deveria, afinal, não somos nossos pais.
Fiquei alguns segundos pensando sobre isso.
Até agora senti que todos me trataram como se eu fosse meu pai, Zeus, o Deus dos Céus, mas eu não sou, e não tenho nada igual a ele, pelo menos gostaria de não ter.
— Temos mais em comum do que pensa. – ela finalizou, ficando em pé no outro lado da mesa
— Se não é um monstro, é o quê? – Percy questionou, tirando as palavras da minha boca
— Uma sobrevivente. – a resposta foi rápida... demais
— Deve ser mais do que isso, há uma Fúria lá fora morrendo de medo de você. – o garoto insistiu
— Ela sabe o que penso dela, não gosto de valentões, quando aparece um na minha porta eles acabam ficando mais tempo do que gostariam. – o vidro da janela refletiu uma das esculturas do lado de fora. — O presente que recebi dos Deuses é que ninguém pode mais me incomodar. – não a olhei, mas sabia que tinha um pequeno sorriso no rosto
— Minha mãe não te deu um presente, te amaldiçoou. – Annie a interrompeu
— Você é leal a ela? A defenderia? A ama? – a garota de tranças assentiu ambas perguntas. — Eu já amei ela... Já amei... Conhecem a história do que aconteceu comigo? – parecia uma pergunta boba já que era o conto mais conhecido de todo Olimpo
— Atena era tudo pra mim, a adorava, orava, fazia oferendas. Mas ela nunca respondia, nem mesmo uma aparição agradecendo meu amor... – já não sentia tanta fome quanto antes. — Teria passado a vida toda a amando... Mas, um dia, um deus quebrou esse silêncio. Seu pai disse que me amava. – encarei Percy, tendo certeza de que ele não olharia para ela. — Pensei que ele estivesse me vendo como ninguém já havia me visto antes... Mas Atena achou que a tinha envergonhado e precisava ser punida. Não ele, eu. Ela decidiu que nunca mais seria vista por ninguém outra vez. – uma mágoa antiga em sua fala me fez sentir raiva
Sua história era compreensível, sua raiva, sua mágoa, mas sabia que não era só isso, porém não me recordava o resto. Sequer sabia se existia resto.
Não conseguia ver todos lados, era impossível, precisava acreditar em alguém, mas quem?
— Isso não é verdade, minha mãe é justa. – Annabeth defendeu Atena
— Isso é o que os deuses querem que pensamos, que são perfeitos. Mas são apenas uns valentões. Querem que nos culpemos por seus próprios erros.
— Não foi isso que aconteceu, e você é uma mentirosa. – Chase exclamou
A tensão no lugar poderia decapitar cabeças.
De um segundo para o outro tudo pareceu mudar.
Não precisava sequer olhar para Medusa para saber no que pensava.
" Basta "
— Algo está queimando. – seu tom mentiroso bem nítido. — Poderia me ajudar na cozinha, o almoço já está pronto. – a mulher pediu, direcionada a Percy
Achei a idéia ridícula, ele não seria tão burro ao ponto de segui-la, poderia ser uma cilada, um...
Recai meu olhar sobre ele mais uma vez, tarde demais.
Tentei fazê-lo mudar de idéia, tarde demais.
— Percy... – sussurrei antes que ele se levantasse, nada
Ele a seguiu até a cozinha, silêncio entre nós entre.
— Quando corremos? – questionei Annabeth, meus pés já inquietos
A confiança havia se esvaído.
༄
Quase desisti da idéia.
Minutos se passaram, a conversa entre eles parecia não terminar, um certo receio tomando lugar no meu peito.
— Será que... – passos apressados me interromperam
— Corram. – a voz sussurrada de Percy me fez pular da cadeira
Você deve pensar: Vocês correram e fugiram de lá não?
Não, pra ser mortos por Alecto?
Preferimos ir até o lugar menos provável de se sobreviver em aventuras:
O porão.
༄
Estratégias rodavam minha mente, possibilidades de erro também, precisava acertar, não existia margem de fracasso.
— Grover, vamos precisar que você seja a distração principal, sabe o que fazer? – tinha arquitetado algo que funcionaria
— É só eu falar: Maia e... Espera aí! – e lá se ia meu primeiro plano
O sátiro definitivamente não poderia errar, ou um de nós morreria.
— Melhor ficar aí por cima, G! – gritei, eliminando uma das opções rapidamente, e salvando o garoto bode
— E agora? – Percy me encarou, Annabeth fez o mesmo
Poderia dizer que senti pressão e não consegui pensar, mas foi exatamente o oposto.
— Confiam em mim? – uma ideia surgiu tão rápido que me surpreendi
— Sim. – Annie afirmou
— Não. – Jackson foi claramente sincero, quase dei uma leve risada
— Ótimo.
༄
Estava escondida atrás de uma das caixas, perto de mim, Percy também se acobertava próximo de algumas estátuas, parecia com receio mas não tinha tempo de conversar.
— Deveria ter aceitado minha proposta, filho de Poseidon. – a voz de Medusa começou a se aproximar
Recai meu olhar até Percy, que parecia tentar ignorar a mulher, seus dedos apertando o cabo de sua espada, preparada para atacar.
— Já deveria saber que não se deve confiar em Zeus e nada que provém dele. – fiquei impressionada com a forma descarada com que ela me insultou sem sentido
Respirei fundo antes de me levantar, a espada em mãos.
Ainda de olhos fechados, me senti vulnerável a um possível ataque, mas confiava no plano.
— Não se fala mal dos outros pelas costas, Tia Eme... – disse, chamando sua atenção, passos rápidos agora próximos de mim
Sua respiração massageava meu rosto, sabia que aguardava meu abrir de olhos para me petrificar pelo resto da eternidade.
Não enxergar me incomodava, mas me deixava mais atenta a outros sentidos, como ao tato, que me fez sentir quando os dedos gélidos da mulher tocaram meu braço, na tentativa de me assustar.
Sabia que ela estava em frente a mim, era o que precisávamos, logo fiz um sinal com as mãos na direção de Percy, quem se levantou em segundos.
— ... se presta atenção nas suas. – não vi nada, mas o som de algo caindo ao chão me fez crer que havia funcionado
— Annie! – gritei a garota, seus passos se aproximando
Esperei seu sinal para abrir os olhos, quando fez, notei que tudo havia corrido como planejado. Eu a distrai, enquanto Percy a decapitou, depois disso Annabeth pôs seu boné de invisibilidade sobre a cabeça dela, fazendo com que não virassemos pedra ao abrir os olhos.
Não contive um suspiro de alívio.
— Precisamos nos livrar da outra pedra no nosso sapato. – Jackson relembrou
— Eu te acompanho, – me ofereci, um olhar surpreso vindo dele. — pra ter certeza que não vai ser você quem vai virar pedra. – expliquei, mesmo não sendo totalmente verdade
༄
O lugar estava mais leve com a falta da mulher...
Ha!
Até parece, tinham estátuas de mortos em todos lados.
— O que foi? Você tá esquisito, mais do que o normal. – disse, notando o comportamento do garoto
— Nada... – mentira
Mas, antes que o prensasse contra a parede e ameaçasse cortar suas partes até falar o que o incomodava, o menino abriu a porta, indo em direção ao monstro parado a nossa espera.
Um receio quase me fez impedi-lo, um pequeno nó no meu peito ameaçando se romper caso algo acontecesse com ele.
Foi rápido na prática.
Porém tudo passou numa velocidade diferente para mim, como se a possibilidade dele ser morto fosse muito mais provável, que talvez tivesse o feito ir direto a morte...
— Tudo bem? – um susto me fez pular
Já tinha acabado.
Ele estava ali.
Com uma feição preocupada.
Agora meu rosto fervia.
— Cala a boca, Ariel, vamos logo. – fechei a porta rapidamente
Apressei meus passo até que ele estivesse bem distante de mim, para que não visse minhas bochechas vermelhas.