HEEEEEY
Sim, outra vez atualização dupla hehehehe
Beijinhos da Imbigo, boa leitura!!!
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Dois dias se passam quase da mesma forma na clínica, com Teresa fugindo e poucos casos interessantes. Camila parece se esforçar para parecer animada, eu sei que ela engana nossos clientes, mas eu a observo de perto demais para cair em seu sorriso polido. A cada vez que ela percebe que Teresa não vai nos acompanhar, algo chamusca em seus olhos castanhos.
Teresa faz questão de ser o mais desagradável possível, ela nem mesmo se dá ao trabalho de disfarçar que está descaradamente evitando Camila, a olha de uma forma que faria qualquer um se sentir um lixo humano e apesar da trainee não deixar a confiança vacilar frente a mais velha, isso não deixa de chateá-la.
Tive que responder pelo menos três vezes os questionamentos da mais nova sobre Teresa, não que eu pudesse realmente justificar o comportamento irritante. Sempre me via tendo que repetir para Camila que não tinha ideia do motivo que a levava a faltar em tantas consultas seguidas.
-E então, a estagiária desistiu? – Teresa pergunta com um sorriso animado, eu demoro a entender quem é a estagiária, mas finalmente me dou conta que se trata de Camila. Nego com a cabeça e a observo murmurar sozinha enquanto se arruma com o jaleco e luvas, logo faríamos o primeiro atendimento do dia.
Estou animada, mesmo que seja um caso triste, acontece que é complexo e eu sinto que Camila vai gostar muito disso. Teresa é especialmente boa com casos cirúrgicos e nesse caso ela vai analisar uma provável hérnia em um Pastor Alemão que necessitará de uma cirurgia delicada.
Camila irá gostar de finalmente vê-la avaliando um caso cheio de complexidade que exige raciocínio e a construção de um plano de trabalho minucioso.
O paciente de hoje não dá para a minha chefe a possibilidade de fugir, sei que ela precisa atendê-lo, o tutor procurou a Cachorrinhos Caramelo especificamente em busca dela depois de receber muitas recomendações e o homem está pagando bem o suficiente para ser atendido particularmente por Teresa.
Quando contei isso a Camila seus olhos brilharam e ela pareceu tão feliz que me senti animada por ela, ainda não somos próximas ou sequer amigas, mas ver sua animação em relação à consulta me fez sentir uma simpatia genuína. Ela sempre procura ser gentil comigo então acho que é natural que aos poucos nossa proximidade aumente, quero realmente que ela consiga o que veio procurar e que aprenda bastante com minha chefe.
-Olá Estagiária. – Teresa fala quando a mais nova se apresenta em seu jaleco impecável, ela sempre está impecavelmente arrumada e maquiada, mesmo que seja uma maquiagem leve e roupas mais elegantes que chamativas. Ela tem o cuidado manter sua aparência em um limite bem dosado, nunca aparece desleixada demais ou exageradamente arrumada, é um equilíbrio interessante que faz sua visão parecer confortável aos olhos.
-Bom dia para as duas. – A morena deseja animada, respondo da mesma forma, realmente cheia de empolgação diante da possibilidade de mostrar algo que eu sei que ela vai apreciar.
Tenho a impressão que nem mesmo consigo conter minha animação, pois Camila me olha e sorri de um jeito que ela não faz normalmente. Ela sempre me sorri com educação e se mostra simpática, mas nunca exibe algo sentimental em suas ações, no entanto, aquele sorriso foi agradecido. Desses que a pessoa fala com o rosto inteiro e você entende com o coração. É tão amigável que me faz ficar a encarando por segundos.
Minha avaliação se perde quando ela fecha a expressão e se volta para minha chefe que chama sua atenção querendo algo.
-Preciso que faça uma coisa urgente para mim. – Teresa pede com um sorriso doce e eu arregalo os olhos. Sei que nada de bom vem desse sorriso, a forma como o corpo de Camila se tenciona indica que ela também sabe. A mais velha não é dada a sorrisos doces, ela só oferece sorrisos doces quando está feliz e só fica feliz quando está fazendo alguém ficar triste, ou está prestes a fazer.
-É claro que sim. – Camila responde rigidamente, eu já passo minhas mãos pelo rosto, negando com a cabeça. A risadinha de Teresa é o prenuncio do juízo final.
-Preciso que vá ao outro lado da cidade e me traga meu café preferido, minha secretária pode te emprestar meu cartão para que compre e peça o Uber. – É um momento cheio de tensão, eu olho por segundos para Teresa sem entender seu pedido sem pé nem cabeça e então olho em desespero para Camila que talvez entenda melhor que eu que conheço a senhora há tanto tempo. Ela sorri sem humor e morde os lábios, chateada.
Teresa conserva um sorriso enorme e maldoso no rosto, parece muito satisfeita consigo mesma e com a forma como Camila respira fundo em decepção.
-Agora? Não pode pedir em um serviço de entrega ou algo assim? – A trainee pergunta e eu finalmente começo a entender, se ela não estiver aqui para participar da consulta, não vai ver Teresa em ação e consequentemente continuará sem aprender nada com ela.
-É claro que é agora e é claro que não posso pedir em serviços de entrega. – A senhora sem vergonha responde com a sobrancelha levantada como se estivesse ansiosamente esperando a mulher a sua frente se negar para ter um motivo para demiti-la.
-Sua secretária não pode ir buscar o café? – Camila pergunta me fazendo perder as forças dos joelhos. Teresa abre um sorriso largo tão maldoso que eu sei que a mais nova deve estar pensando em enforcar senhorinhas. Eu não julgo, há sempre um momento na vida que você deseja enforcar alguém e se você trabalha com Teresa esse impulso acaba direcionado a uma senhorinha.
Não dá para pensar nos direitos e na proteção de idosos quando o idoso em questão parece o cão atentando seu juízo.
-Não, não faz parte do trabalho dela. – É o único que Teresa responde antes de seguir para a sala. Eu olho para Camila com pena, mas preciso seguir minha chefe a qual eu ainda tento convencer para que mude de ideia, mas ela me dá um total de zero atenção.
O caso é maravilhoso e Teresa como sempre dá uma demonstração de que sua fama não vem de alguma falácia, ela é impecável. Tudo o que passou despercebido por todos os outros veterinários que o tutor havia procurado anteriormente é rapidamente destrinchado pela senhora que avalia o cãozinho minuciosamente, alternando entre os exames e a avaliação física.
Teresa é muito boa e eu fico feliz por isso, o Pastor Alemão é um doce e eu não consigo tirar as mãos dele em carinhos gostosos perdendo os dedos entre os pêlos macios enquanto o tutor diz que ele não é tão simpático com todo mundo. Teresa comenta que eu tenho doce para cachorros e eu começo a rir negando com a cabeça, mesmo que não seja mentira, eles realmente me amam de uma forma genuína que eu não saberia explicar, mas que não duvido, apenas agradeço, adoro todas as lambidinhas e patinhas pidonas implorando por carinho.
-Será uma cirurgia complicada, mas tenho certeza que vamos conseguir fazer o melhor trabalho possível para ele. – Teresa explica, dando alguns detalhes sobre a abordagem que irá usar durante o procedimento. A linha de raciocínio dela é muito boa e elimina vários riscos que uma abordagem tradicional poderia acarretar naquele caso.
Isso me deixa um pouco deprimida por Camila, ela adoraria ouvir isso. Quando ela chega nós já encerramos o atendimento e seus olhos castanhos parecem devastados ao dar de cara com o consultório vazio. Talvez seja exagero meu, mas eles chegam a encher de lágrimas de decepção.
-Aqui está. – Ela fala baixo, mantendo os olhos no chão quando entrega o café a Teresa. Sei que deve estar escondendo suas intenções assassinas ou a vontade de chorar, talvez os dois.
Teresa toma um gole do café e sorri toda faceira, agradecendo antes de avisar que precisa ir embora resolver coisas importantes. Camila ainda abre a boca, mas eu faço sinal com a cabeça a fazendo voltar a si antes de questionar nossa chefe geniosa, isso apenas iria atrapalhar e fazer a mais velha ficar ainda mais obstinada em sua birra infantil com a morena.
-Ela vai fugir para sempre. – Camila fala entredentes quando Teresa some do consultório. Sua pele morena chega a estar corada em tons rosados devido a irritação e eu me movo incerta sem saber o que fazer para fazê-la sentir melhor.
-Apenas tenha paciência, ela é teimosa, mas com o tempo vai te aceitar. – Minto descaradamente, não tenho muita certeza se Teresa em algum momento vai ceder, sei bem que o rancor dela pode durar décadas. Entretanto, preciso dar um pouco de esperanças para a mulher a minha frente. Não consigo olhar para sua expressão tão triste e irritada sem tentar fazer algo a respeito.
Não sou boa em lidar com pessoas chateadas ao meu redor, é algo que sempre me deixa desesperada no sentido de querer fazer o que estiver ao meu alcance para ajudar a resolver. Não tenho ideia de como minha chefe se sente tão confortável na própria pele depois de claramente acabar com o dia de alguém, mas sei que as pessoas são diferentes, ela não é como eu, provavelmente deve achar divertido. A graça do seu dia todo deve estar garantida pela expressão no rosto de Camila.
-Inferno. – Camila fala baixinho, chutando de leve a lixeira com as luvas descartadas após a consulta.
Penso sobre o que posso fazer para ajudar enquanto passo meu cabelo de um lado para o outro e então um sorriso preenche meu rosto ao ter uma ideia. Não vou conseguir compensar a consulta, mas é alguma coisa.
-Venha cá, vou te mostrar tudo sobre o caso. – Eu chamo, abrindo o computador com as fotos e exames do Pastor Alemão. Camila me olha um pouco de lado e parece hesitante sobre se deixar animar com algo, eu entendo, quando fico chateada é difícil que eu queira me deixar sair da chateação, principalmente se a compensação vem de algo não tão legal quanto meu objetivo principal.
Ignoro seu jeito e abro todos os documentos necessários, começando a falar com empolgação. No começo ela parece um pouco desinteressada, mas aos poucos vai aproximando até que seu corpo está colado ao meu observando as imagens de perto com tanta atenção que eu quero rir. Ela escuta tudo com os olhos brilhando, fazendo perguntas muito oportunas e apontando detalhes que eu explico com paciência.
Ela faz observações parecidas com as de Teresa, é claro que de um modo muito mais simples e carente de experiência, mas é curioso perceber que de alguma forma o cérebro das duas funciona da mesma forma. Camila ama a medicina veterinária da mesma forma que minha chefe, eu amo muito mais os cachorros do que a medicina veterinária em si, elas não, são profissionais diferentes, tem gente que ama o dinheiro, o status, os pacientes e uma série de outras coisas, é claro que isso não é restrito a apenas um objeto para esse amor, é possível amar mais de um ou até todos os citados, acontece que há sempre um alvo principal e o delas é a medicina veterinária em si, tudo que a envolve, tudo que ela pode alcançar, elas amam tudo que há e tudo que ainda podem fazer, amam o desafio de ver um caso complexo apenas para destrinchá-lo até que ele se torne simples.
Camila exala empolgação e amor.
Sua atitude me deixa ainda mais sentida, ela realmente tem uma vontade fora do normal, ela ama a medicina veterinária de uma forma intensa e arrebatadora, é uma pena que justamente Teresa não queira deixar que ela se aproxime. Teresa tem muito o que ensinar e Camila muita vontade de aprender, elas se encaixariam perfeitamente se conseguissem se entender.
O resto do dia é preenchido com alguns treinamentos e casos esporádicos de coisas mais simples. Minha trainee não parece especialmente feliz, mas também não parece tão entediada quanto nos outros dias, ela passa o dia lembrando detalhes do caso da manhã e parece realmente interessada em como Teresa vai realizar aquela cirurgia.
No dia seguinte minha querida chefe apenas aparece depois do almoço, eu começo a entender que ela apenas está disposta a aparecer para casos delicados e emergências. Ela manda que Camila vá assistir uma cirurgia que um dos nossos colegas está realizando alegando que é um caso que vai enriquecer seu aprendizado. Nosso caso também iria, mas Teresa é uma teimosa.
A mulher mais jovem não rebate dessa vez, apesar de tudo parece feliz em ver um pouco de ação e mais uma vez a velha de três anos consegue prolongar sua birra com nossa trainee.
No dia seguinte Teresa aparece pela manhã, temos uma castração a fazer e apesar de ser um procedimento relativamente simples, ela se mostra agitada e disposta a participar, deve estar louca para fazer alguma coisa interessante. Teresa é teimosa, mas eu sei que ela sofre quando se afasta do trabalho por muito tempo. É uma viciada sem remédios, fico rindo do quanto ela é tão obstinada a ponto de se punir apenas para continuar punindo outra pessoa. Não tenho energia para essas coisas.
Quando ela para e olha na direção de Camila com atenção e um sorrisinho de lado eu me sinto arrepiar dos pés a cabeça. Teresa não tem jeito, não sei o que fazer com ela, não que eu possa fazer muita coisa, ela é o gênio da medicina veterinária e a dona da Cachorrinhos Caramelo, minha única opção é ficar calada em meu canto, esperando o que ela vai inventar dessa vez.
-Tenho uma missão para você, estagiária. – Eu reviro os olhos, sabendo que tudo vai começar de novo, mas Camila parece ter se adiantado, ela puxa um café de trás das costas e oferece para a mais velha, justamente do lugar preferido de Teresa.
Eu observo com atenção a interação entre as duas, Camila permanece com uma expressão serena e Teresa parece chocada com o fato de que a garota se adiantou em seu pedido.
Quando ela franze o cenho e se remexe em desagrado, eu prendo a risada, se eu rir sei que vou estragar tudo para Camila, mas é tão engraçado ver essa senhora trambiqueira ser pega no pulo.
-Bom, agradeço pelo café, mas iria pedir que faça um relatório detalhado da situação de cada paciente da enfermaria. – Teresa joga, sendo rápida o suficiente em pensar em um plano B para manter Camila longe de si. Um traço de raiva tremula na expressão da trainee.
É claro que ela teria um plano B, o cão é muito bem articulado. Camila é boa, mas ela ainda precisa aprender muito sobre maldades e desígnios ruins para chegar aos pés daquela senhora. A trainee suspira e aperta a parte de cima do nariz com a ponta dos dedos, os ombros estão baixos cheios de desapontamento, enquanto Teresa espera que ela fale alguma coisa, qualquer coisa, mas ela apenas assente devagar, aceitando a tarefa.
A mais nova se afasta rapidamente enquanto eu olho com uma expressão julgadora para minha chefe que dá de ombros e continua a se movimentar para se aprontar.
-Você precisa dar uma chance a ela. – Falo o obvio em um tom tão chateado que isso chama sua atenção. Ela me olha minuciosamente com as sobrancelhas franzidas e então nega com a cabeça.
-Eu não preciso nada, Lauren. – Rebate em tom decidido e eu suspiro, quebrando minha cabeça ao pensar o que preciso fazer para conseguir ajudar Camila a conseguir um pouco de simpatia dela. Isso não pode continuar do jeito que está.
Nós terminamos o primeiro atendimento e passamos o dia juntas, um caso de emergência chega e eu arrisco comentar que poderíamos chamar Camila para assistir, mas minha querida chefe apenas descarta e avisa que ela tem muito o que fazer. Quando o dia finaliza eu estou cansada demais, é sexta e eu quero minha cama e a companhia da minha sobrinha no dia seguinte. Obviamente a trainee não terminou o trabalho extenso de escrita, a enfermaria é enorme e Teresa a avisa que espera que tudo esteja pronto na segunda de manhã.
Meu fim de semana é perfeito, eu visito Rebeca no sábado e brinco com ela toda uma tarde até ir para casa onde me encontro com Normani para beber vinho e assistir filmes melosos que nós duas adoramos. No Domingo acabo saindo com Dinah e seu pequeno terrorista, Jorginho, que odeia todo mundo, mas parece gostar de mim, então não puxa os meus cabelos ou coloca o pé para me derrubar como faz com as outras amigas da mãe. Temos um tempo divertido e eu me sinto renovada para voltar ao trabalho.
Nem todo mundo tem tanta sorte.
Camila aparece na segunda totalmente derrotada, sua expressão é rígida quando entrega um maço considerável de papel para Teresa que a olha de olhos cerrados. A trainee parece alguém que dormiu menos de três horas durante o fim de semana inteiro e eu sinto pena percebendo que ela faz o máximo para fingir que está perfeitamente bem.
-Não pense que eu não vou ler, vou ler cada palavra e seu emprego depende disso. – Teresa avisa me fazendo engolir em seco. Camila sorri sem mostrar os dentes, muito pouco intimidada, acho que o ódio a alimenta.
-Espero mesmo que o faça, não escrevi a toa. – Responde tranquila antes de me seguir, Teresa fica para trás alegando que vai analisar tudo aquilo. Ela fica sumida durante todo o dia, um dia especialmente divertido para Camila, principalmente na parte da tarde.
Quando Creme de leite chega com sua barriguinha rechonchuda cheia de mini poodles eu vejo os olhos castanhos de Camila brilharem pela primeira vez em direção a um cachorro. Nossa paciente está esperando filhotes há algumas semanas e nossa consulta consiste em uma ecografia para analisar se está tudo bem com a mamãe e os pequenos.
Pela primeira vez vejo Camila se interessar de verdade por um caso simples, ela é muito simpática com o tutor e pergunta detalhes sobre a paciente que naquele momento já está deitada na maca totalmente entregue aos meus toques como se não aguentasse mais o peso da própria existência.
Eu a entendo, não deve ser fácil carregar tantos corpinhos famintos em seu corpo pequeno. Ela exibe a barriga enorme sem problemas, é uma cachorrinha dócil, seu marido, o Goiabada, está preso por uma coleira, sentado no chão do consultório apenas observando tudo atentamente.
Eu acompanho os dois desde que eram filhotes, Goiabada sendo um ano mais velho que Creme de leite. Depois de adotar a fêmea o tutor sempre os trazia juntos para a consulta, é a primeira vez que eles dão filhotes e o tutor avisa que é a última, pretende presentear os sobrinhos com os filhotes, mas depois disso quer castrar os dois por achar que Creme de Leite está sofrendo demais durante a gestação.
Eu acho graça do seu jeito preocupado, Creme de Leite parece estar em uma condição muito boa de saúde, acontece que ela é toda manhosa, sempre foi, chorava horrores para tomar as vacinas enquanto Goiabada não soltava um pio, se agitando apenas com as reclamações da companheira.
Para provar minha teoria, Creme de Leite chora alto quando eu toco levemente sua barriga com o aparelho da ecografia. Goiabada late agitado em resposta e tenta subir na maca, mas é impedido pelo tutor que se agacha e explica que está tudo bem, que é apenas uma exame necessário como se ele entendesse, talvez entenda, o cão branquinho de pêlos encaracolados que não combina em nada com o nome Goiabada se senta e se mostra mais calmo enquanto eu continuo com o exame da manhosa Creme de Leite.
-Tudo bem, está tudo bem, você é uma boa garota. – Eu a mimo em uma voz derretida que a faz soltar alguns sons sentidos até se tranquilizar outra vez como se só precisasse ser um pouco amaciada.
A tela grande do consultório exibe as imagens cheias de sombras que eu estou acostumada a analisar. Ser Médico Veterinário é engraçado, eu simplesmente preciso reter um conhecimento considerável sobre todas as áreas, principalmente trabalhando com Teresa.
Chamo Camila para perto, mostrando a ela algumas coisas importantes e os ângulos mais indicados para colher informações. Quando eu paro em um ângulo especialmente bom, chamo o tutor que olha de olhos arregalados para a tela conseguindo identificar as pequenas sombrinhas dos seus netos.
O homem se desfaz em lágrimas enquanto faz carinhos na cabeça de uma Creme de Leite manhosa e toda sentida como se dissesse "sim, eu fiz todo esse trabalho, beije minhas patinhas".
-Eles são tão lindinhos. – Ele fala derretido, tocando a tela.
-Posso imprimir se quiser mostrar aos seus sobrinhos.
O homem assente rápido e até Camila sorri diante da cena, analisando cuidadosamente a saúde de Creme de Leite. Depois de verificar que está tudo bem e reforçar os cuidados necessários para a fase final da gestação, nós liberamos os dois e finalizamos o dia pesado.
Na manhã seguinte quando eu chego, Teresa já está em nossa sala, o que me surpreende, ela é muito pontual, mas não costuma chegar mais cedo.
-Eu odeio aquela nojentinha. – Ela comenta com os olhos queimando em mim. Percebo as folhas espalhadas por sua mesa, várias marcações e comentários em cada uma delas.
Jesus....
-Você leu tudo de ontem para hoje?
-É claro, eu queria demitir aquele projetinho de gente.
-E não vai?
-Não posso.....ainda. – Ela lamenta audivelmente. – Ela não deixou passar nenhum paciente e fez um trabalho aceitável.
Trabalho aceitável quer dizer trabalho impecável no vocabulário de Teresa, se tratando de Camila, talvez ela realmente tenha sido iluminada pelo espírito santo a ponto de ser capaz de fabricar perfeição, é o único que poderia explicar que minha chefe não tenha uma reclamação sequer a fazer.
-Eu disse que ela é boa. – Afirmo orgulhosamente, o jeito que a mais velha me olha me faz estremecer. Ela odeia que eu pareça gostar cada vez mais de Camila, não é como se eu pudesse evitar, se ela se deixasse até ela gostaria. A garota é gente boa.
Mas Teresa é Teresa....
Esporadicamente eu passo por situações com essa senhora que me fazem considerar que ela provavelmente é capaz de tirar uma vida sem pestanejar e, como eu sou a vida mais próxima dela boa parte do tempo, realmente penso que corro um risco considerável.
-Você falou do meu caso a ela??? – Teresa me acusa, me fazendo recuar um pouco.
-É claro, estamos treinando Camila, preciso falar dos casos para ela. – Respondo cuidadosa, analisando se existe alguma possibilidade dela me atacar. Teresa me fuzila por alguns segundos e então pega um maço de papéis me entregando com uma expressão raivosa.
-Ela fez quase uma monografia sobre o caso, estudos de caso, artigos, citações de livros, tem tudo aí, além de uma sugestão de abordagem.
Eu pulo as folhas até a sugestão de abordagem e acabo sorrindo largo ao ler as duas páginas e observar que a mulher se deu ao trabalho de fazer desenhos ilustrativos sobre o procedimento, ela é muito boa com os desenhos.
-É ousado, mas poderia dar certo. – Eu falo baixinho, percebendo que Teresa está a ponto de arrancar a pele do próprio corpo com as unhas. Ela passa por uma agonia tão intensa que eu tenho certeza que quando um dia ela morrer e chegar ao inferno o diabo vai replicar várias Camilas para seu tormento eterno.
-Não é só ousado, é irresponsável e arrogante, assim como aquela menininha metida. Quem ela pensa que é para se dar o direito de sugerir o que eu devo fazer no MEU CASO?
-Ela pensa que é sua aluna e espera que você ensine a ela o motivo para que a sugestão seja tão ousada. – Respondo com simplicidade.
-Pois eu espero que ela desapareça da minha vida. – Teresa resmunga, pegando sua bolsa para ir embora. Na saída ela tromba com Camila quase a derrubando e não se importa em parar para pedir desculpas, apenas vai embora sem olhar para trás.
-Parece que ela vai continuar brincando de gato e rato. – A trainee reclama chateada, olhando com cara de cachorrinho sem dono enquanto a mais velha vai embora.
-Camila. – Eu chamo sua atenção com um sorriso enorme. – Acho que você tem alguns comentários para ler. – Aponto animada, recolhendo todas as folhas espalhadas pela mesa de Teresa.
Camila percebe o que eu falo, ela olha ao redor com os olhinhos brilhando e sorri animada, se mexendo para juntar as folhas comigo. Elas estão repletas de comentários e observações diretamente de Teresa, mesmo que seja por escrito, aquilo é muito mais do que uma aula e eu sei que a morena saberá como aproveitar.
-Pode tirar o dia para ler, qualquer coisa pode me perguntar ou destacar, eu dou um jeito de fazer ela tirar suas dúvidas. – Garanto sorridente, Camila assente e eu ofereço minha mesa para que ela faça seus estudos enquanto eu atendo os pacientes do dia no consultório.