Sombras do Abismo

By Guibiassi

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Um conto introspectivo e sombrio. More

Sombras do Abismo

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By Guibiassi

Apesar de não saber, aquela era a última vez que ele se arrumava para dormir. Estava muito doente, sozinho e sem ninguém para chamar. Todos os seus amigos e familiares já tinham se mudado para a eternidade. Entretanto, em seu interior ele sabia: sabia que estava chegando. O fim. E apesar de saber que ele estava chegando, não sabia quem era ele, não conseguia compreende-lo e nem saber o que lhe esperava do outro lado da realidade.

Colocou a água para ferver, e, enquanto isso, foi buscar o pacote de chá. O ajudava a pegar no sono mais facilmente e evitava que ele ficasse sofrendo de dor por muito tempo em cima da cama. Sempre que estava ativo, de pé ou fazendo alguma atividade, parecia que a doença desaparecia, não sentia praticamente nada e conseguia realizar tudo perfeitamente. Mas, sempre que deitava para descansar, parecia que o peso dos anos que viveu o sufocava instantaneamente, uma pressão que esmagava todo seu corpo contra o colchão, que mais parecia um piso de concreto.

Após tomar o chá, foi se dirigindo para o quarto, e sua casa já não parecia a mesma naquela ocasião. As paredes estavam mais escuras, mais sombrias que o normal. Ele via vultos passando pelas paredes e ouvia passos seguindo ele. Apesar disso, não sentia medo, pois ele sabia o que aquilo significava.

Chegou em seu quarto e sua cama parecia mais maravilhosa do que jamais fora em toda sua vida, alguém havia arrumado ela para ele, mas ele não lembrava de ter recebido visita de ninguém naquele dia. Porém, estava extremamente cansado e não ficou muito tempo divagando sobre isso, tirou seu chinelo, vestiu seu pijama e se deitou. Por incrível que pareça, ele não estava sentindo dor alguma, a cama estava extremamente macia e confortável, porém todo o cansaço desapareceu.

Mesmo com as luzes apagadas, havia uma fresta da janela aberta que iluminava seu quarto. Começaram a se formar sombras na parede, que dançavam como espectros de memórias antigas de sua vida. Ele conseguia ouvir diversas músicas tocando ao mesmo tempo, relembrando memórias da infância e da juventude. Conforme as músicas iam se alterando, as sombras iam acompanhando, passando as diversas fases de sua vida.

Chegando na fase adulta, começaram a se materializar em sua frente seus demônios internos, aqueles que ele alimentara ao longo dos anos com suas inquietações, tomando forma nas sombras, adquirindo realmente vida própria, enquanto a sua vida se extinguia. Fantasmas de perguntas sem resposta, dúvidas que corroeram sua alma, emergiam do abismo interior. Os pecados da juventude e as falhas da maturidade se materializavam diante dele. Cada palavra não dita, cada oportunidade perdida, transformava-se em uma criatura sombria que sussurrava inquietudes.

Sua mente começou a mergulhar em um ambiente metafísico. O tempo, que uma vez foi seu aliado em busca do conhecimento, agora parecia um carrasco impiedoso, que segurando sua mão, ia guiando-o para o abismo da eternidade.

Ele se viu em um corredor escuro caminhando, e ouvindo uma voz conversando com ele. Ou eram seus próprios pensamentos? Ele não conseguia mais distinguir.

"Tudo aquilo que possui uma forma física, um dia irá se desfazer. Esse é o ciclo da vida, esse é o ciclo de toda a criação. Nós recusamos essa existência a vida inteira, projetando todos os nossos medos na morte."

Sentindo a pressão de seu corpo cada vez mais baixa, ele conseguia sentir cada parte de seu corpo, cada músculo se contraindo. Conseguia sentir seu corpo inteiro se fragmentando em diversos pedaços. Seus olhos já não enxergavam nada físico. Ele sabia que continuava caminhando, porém já não sabia mais em que seus pés estavam se apoiando.

"Você está deixando seu mundo, todas as luzes estão se apagando agora. Não tenha medo, não haveria nenhuma maneira de você poder ficar aqui. Deixe para trás suas memórias e tudo aquilo que você conhece, não tenha medo e deixe-se ir embora."

Em seu último suspiro a escuridão o envolvia, mas não era a escuridão do desconhecido; era a escuridão íntima de sua própria alma. A dualidade entre a luz e a sombra, entre os demônios e as memórias, convergiam para um ponto além da compreensão humana.

Em seu último lampejo de visão ele presenciou o fim.

(Baseado na música "The way of all flesh - Gojira")

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