Cristian
O domingo com Betina foi perfeito. Fizemos um passeio divertido por Poços de Caldas e por mais que eu fosse acostumado a andar por cidades europeias famosas, aquela ali, no Brasil, foi uma boa surpresa. Além disso, senti que Betina me deixou penetrar um pouco naquela couraça que ela insistia em usar quando estava comigo.
Eu conseguia me enxergar formando uma família com ela e a imagem que surgia na minha mente era agradável. Claro que haveria algum estranhamento das pessoas próximas por ela ser minha ex-cunhada, mas se Betina estivesse disposta a tentar, acho que faríamos isso dar certo.
Na manhã seguinte, eu acordei sozinho na cama. Chequei o celular e vi a mensagem da Betina avisando que foi trabalhar. Me recriminei em silêncio por ter adormecido tão profundamente, pois eu a teria levado ao trabalho, com certeza.
Me levantei, coloquei uma bermuda e rumei para a cozinha. Como Betina podia estar tão apegada com aquele barraco feio que ela chamava de casa? Era difícil encontrar qualquer coisa em bom estado.
Estava abrindo o armário da cozinha em busca de uma caneca quando escutei a porta abrir. Me virei achando que fosse Betina que talvez tivesse esquecido alguma coisa, então ensaiei meu melhor sorriso.
Mas não.
Era um brutamontes de cara fechada, usando uma camisa barata e tênis. Minha primeira reação foi pensar que era um bandido.
Deus, quem ia querer roubar aquela casa horrível?
O outro homem também me encarou desconfiado e o vi colocando a mão no bolso de trás das calças como se tivesse uma arma com ele. Fiquei em alerta. O que fazer? Se ele estivesse realmente com uma arma eu não poderia partir para cima dele como era minha vontade.
- Olha campeão, não precisamos de violência, certo? - Comecei falando.
- Mãos ao alto!
- Certo. Eu vou me levantar. - Eu estava apenas de bermuda e sem camisa, me sentia totalmente exposto - Não é preciso puxar a arma, ok? Não tem nada de valor aqui.
- Exatamente! - O outro disse, me medindo de cima a baixo. - Não tem cara de assaltante, mas hoje em dia bandido não tem cara, não é mesmo?
- Bandido, eu? Do que você está falando? - Perguntei incrédulo.
Até aquele momento eu julguei que o outro homem era um assaltante, mas agora percebi que ele pensava o mesmo de mim.
Eu baixei as mãos e caminhei em sua direção, tentando dialogar.
- Está acontecendo um engano...
Não pude concluir minha fala, pois o estranho se sentiu ameaçado e partiu para cima de mim. Quando percebi que ele iria tentar me derrubar, eu desviei o mais rápido possível.
O homem levou a mão novamente para o bolso de trás e percebi que poderia levar um tiro daquele louco, então o ataquei. Ele era forte e truculento, mas eu era mais alto e estava corajoso demais para recuar. Meu soco atingiu seu maxilar, mas não forte o suficiente e ele se aproveitou do movimento para se livrar de mim e me empurrou contra a parede.
Muito rapidamente o outro homem sacou a arma e apontou para meu rosto.
Nunca tive uma arma apontada para mim antes, e a sensação foi horrível.
- Você está preso por tentativa de furto a residência e por agredir um policial.
- Você é policial? Cadê o uniforme?
- Engraçadinho! - Ele limpou o sangue da boca com a mão livre - Vai me acompanhar até a viatura.
- Tem um equívoco acontecendo aqui...
- Vou adorar ouvir a história toda depois que você estiver na delegacia. Anda!
Sob a mira do revólver eu obedeci e o segui para fora. Na viatura havia um policial fardado no volante.
- Então tinha alguém realmente na casa, Rick! - Falou o outro policial. - Tem certeza de que ele é bandido? Não está parecendo...
O tal Rick me enfiou dentro da viatura, sem deixar o colega concluir sua fala e dirigiu-lhe uma carranca. Depois nos seguiu em seu carro particular. Eu tentei argumentar com o outro policial.
- Aconteceu um engano. Estou hospedado naquela casa.
O policial permaneceu mudo diante dos meus protestos. Pelo menos não tinha me algemado, pois seria humilhação demais.
Tentei me manter frio. Não adiantava fazer um escândalo. Eu precisava ligar para a Betina. Eles deviam ter me confundido com alguém, afinal, qual a lógica daquele homem em concluir que eu era algum criminoso?
Chegamos na delegacia. Fiquei numa sala esperando ser chamado. Com certeza o tal Rick estava fazendo a oitava do condutor. Não demorou muito e eu fui chamado a sentar na frente do escrivão. O delegado, um homem já idoso acompanhava tudo e o Rick também. Ele não parecia nada feliz.
- Vi seus documentos. É da família Servantes. É a mesma da rede de supermercados? - o delegado perguntou.
- Sim! - Me apressei em falar - A dona da casinha é a Betina e eu a conheço.
- Então você é amigo da moça grávida. - O delegado deu um riso de canto - Saiba que ela é namorada do policial Rick e por isso ele ficou furioso quando te viu lá dentro.
Namorado da Betina? Eu tinha ouvido direito ou estava delirando?
- Senhor, não sou namorado da Betina. - Rick corrigiu e eu o vi corar.
- Você passa horas enfurnado naquela casa feia com a garota...
Eu não ouvi o resto. Só conseguia pensar que o outro homem entrou na casa da Betina destrancando-a pelo lado de fora. Ele certamente tinha as chaves, o que mostrava que eram íntimos sim.
Senti meu rosto queimar de raiva. Aquela garota estava brincando comigo? Tinha transado com aquele homem estando grávida de um filho meu?
- Eu tenho direito a uma ligação, não é? - questionei irritado.
A minha vontade era ligar para a Betina e fazê-la esclarecer tim-tim por tim-tim sobre aquela história, mas fiquei frio e tentei ligar para o Augusto que não atendia.
- Você tenta mais tarde. Enquanto isso, vamos localizar a moça.
O delegado se mostrou mais compreensivo, mas o segundo homem tinha uma carranca difícil de arrancar da cara. E a minha não era melhor que a dele, mas eu tinha a satisfação de ter dado um soco naquela boca arrogante.
- Sr. Servantes, enquanto não localizarmos a senhorita Betina para confirmar sua história, o senhor permanece detido. Sinto muito e sei que logo tudo estará esclarecido. Aceita um café?
- Por que está babando ovo para esse cara? - Rick se aproximou - Ele pode estar inventando tudo isso. Todo mundo na cidade sabe que a Betina mora sozinha e esse cara bem pode ser um maníaco!
Procurei segurar dentro de mim a raiva ou eu avançaria violentamente contra aquele policial de meia tigela.
- Você está de folga Rick, pode voltar para casa que cuidamos de tudo por aqui. - O outro policial falou, dando um tapinha camarada no braço do homem.
- Eu vou ficar aqui, não tenho nada de importante para fazer em casa. - Respondeu o homem, me encarando de longe.
Eu não via a hora daquele pesadelo acabar. E o Augusto parecia ter desaparecido da face da Terra. Justo agora!
Demorou muito tempo e finalmente ouvi o delegado falando ao telefone. Parecia que finalmente tinha feito contato com a Betina. Não demorou muito e a vi entrando pela porta principal, os cabelos desalinhados pela correria. Se apoiou no balcão e perguntou por mim. Quando me avistou sentado num banco no canto da delegacia, começou a vir em minha direção, mas foi interceptada.
- Você está bem? - Rick a bloqueou, colocando as mãos em seus ombros.
- O que está acontecendo? Porque ele está aqui? - Betina perguntou, apontando para mim.
- Eu cheguei nessa madrugada de São Paulo. De manhã fui passar na sua casa e percebi uma movimentação estranha. E esse homem estava lá, de bermuda, desalinhado... - Rick parecia impaciente. - Deduzi que fosse alguém que tentaria fazer mal para você. Sei que veio fugida pra cá...
- Não, é um engano. - Explicou e tentou vir em minha direção, mas o policial a impediu e a conduziu pelo braço até a sala do delegado e lá ficaram por um bom tempo até que todos saíram.
- Soltem o rapaz e devolvam a carteira dele. - Ordenou o delegado. - A moça confirmou que houve um engano.
- Você tem certeza de que esse cara não é uma ameaça? Não sei porquê, mas não vou com a cara dele...
Quando me soltaram eu peguei minha carteira e sai andando, sem falar com ninguém. Estava furioso. Nunca fui tão humilhado! Não tinha a menor ideia de como voltar para a casa da Betina e meu carro estava estacionado na praça. Nada estava cooperando.
Escutei passos atrás de mim. Era ela, a infeliz que conseguiu arruinar ainda mais meus dias.
- Espera Cristian, eu não consigo te acompanhar.
- Pede para o seu namorado te levar para casa!
- Não seja babaca! - Betina falou, com urgência. - Você está sem camisa, no sol e certamente perdido. Eu vou chamar um táxi e vamos para casa.
Eu parei de andar porque ela tinha razão. Havia um táxi logo na esquina e entramos nele, em silêncio. Em sete minutos chegamos em nosso destino. Ela destrancou a porta, eu entrei como um furacão e comecei a procurar minhas coisas.
- O que você está fazendo, Cristian?
- Estou indo embora, não é óbvio?