Lara estava sentada em sua cadeira na universidade enquanto escutava o professor falar sobre história da arte. Coçou sua cabeça enquanto tentava entender o que ele explicava, ela amava história mas tinham algumas partes que tinha de se concentrar mais do que o normal.
- Sofia. - Cutucou-a - Está entendendo o que o professor está falando?
- Não, estou vendo tiktok. - Tirou um Air-Pod da orelha e entregou-a - Esse é muito engraçado, assista!
- Manda pra mim, depois eu assisto.
- Você nunca vê os vídeos que eu mando. - Colocou o fone novamente e voltou a rolar o feed.
Lara e Sofia são melhores amigas desde o Ensino Médio onde fizeram dupla no primeiro dia de aula do primeiro ano e nunca mais se desgrudaram. Escolheram o mesmo curso,
cinema, na mesma universidade, só não escolheram a mesma área de atuação. Enquanto Lara queria trabalhar com direção de filmes, Sofia queria trabalhar com a produção.
- Não esqueçam de me enviar o trabalho por e-mail. - O professor lembrou enquanto elas saíam da sala.
- Vai ficar sozinha em casa de novo? - Sofia perguntou enquanto guardava o celular no bolso.
- Mais ou menos, meu irmão e o Hugo estarão lá. - Revirou os olhos.
- Mas o que vão fazer lá a tarde, eles não tem aula?
- Prova de residência, oncologia. - Assentiu com a cabeça concordando consigo mesma pois havia lembrado.
- Deve ser muito legal pertencer à uma família de médicos. - Sofi riu entrando no carro da amiga que era um mini hatch cinco portas.
- Se você acha que falar sobre fraturas expostas, fungos, vômito, sangue e outras coisas nojentas é legal então é super divertido.
Lara é filha de dois médicos, sua mãe Carolina que é médica neurologista e seu pai Sérgio é cirurgião cardiovascular. Ela foi a única que não seguiu esse legado da medicina e estava confortável com isso.
- Essa merda desse trânsito até em casa! - Bateu as mãos no volante - Vai se foder.
- Calma Larinha. - Pegou o celular - Vai, me diz que música.
- Michael Jackson, Thriller.
- Você não cansa de escutar essas músicas da época do seu pai?
-Isso se chama bom gosto Fifi!
***
- Que cheiro é esse? - Sofia perguntou enquanto observava a melhor amiga destrancando a porta do apartamento.
- Não é possível. - Disse abrindo a porta e jogando as chaves encima da mesa - Esse menino está brincando com a minha cara.
Lara deixou a bolsa encima da mesa e caminhou rapidamente até a sala onde encontrou seu irmão mais velho e o amigo fumando um baseado.
- Que porra é essa Bruno? - Jogou uma almofada nele.
- E aí Laricota? - Sorriu - Quer um tapa?
- Eu não quero tapa nenhum! - Abriu as janelas.
- Oi Larinha. - Hugo piscou para ela.
- Oi Hugo. - Respondeu um pouco ríspida enquanto caminhava até a cozinha para ver se o almoço já estava pronto
Hugo era apaixonado por Lara, se ela o pedisse para largar o curso de medicina ele assim faria.
- Tudo bem Sofi? - Bruno sorriu acenando feito uma princesa para ela.
- E aí Brunão, não deveria estar estudando? - Disse deixando sua bolsa ao lado a da amiga.
- Estamos estudando.
- Estudando maconha né seu idiota? - A irmã mais nova disse enquanto entrava na sala.
- Pega leve comigo estou tendo uma semana e tanto. - Encostou as costas no sofá - Deixaram um pacote pra você Lara.
- Valeu. - Pegou o pacote e caminhou até a porta de seu quarto - Vem Sofia!
Ao entrarem no quarto da moça ela fechou a porta enquanto via a amiga se jogar na cama. Sofia se sentia em casa, já tinha dormido naquela cama, usado aquelas roupas e havia uma conexão sincera entre as duas, Lara não podia pedir por uma amiga melhor.
- Eu simplesmente não tenho mais paciência para o Bruno. - Disse enquanto abria o pacote.
- Coitado, deve ser a maior barra a faculdade de medicina.
- Qual é? Vai defender meu irmão também? - Encostou na porta do guarda roupa.
- Não Lala, não vou defender seu irmão. - Deu de ombro enquanto tirava seus sapatos e decidiu mudar de assunto - O que tem dentro deste pacote?
- Não sei. - Abriu o papel kraft e examinou o presente confusa - É uma fita cassete.
- Uma fita cassete? Não é você que tem um tocador dessa coisa?
- Tenho... "Faça bom uso, não precisa agradecer". - Leu enquanto olhava para a fita com uma cara estranha - Não tem o nome de quem me deu.
- Que estranho. - A amiga disse enquanto pegava um chocolate que estava dentro de uma gaveta - Hm o meu favorito.
***
Como todas as noites a família de Lara se reunia para um jantar juntos, era uma maneira deles fingirem que eram uma família unida.
- Como passaram o dia hoje? - Carolina perguntou para os filhos sem tirar os olhos do prato fingindo se importar com a resposta que viria.
- Estudei o dia inteiro. - Bruno mentiu.
- Eu fiz um trabalho da faculdade com a Sofia hoje.
- Sabe pai, hoje eu recebi a nota da minha prova de Farmacologia, tirei oito.
- Parabéns garoto! - Olhou-o com um sorriso orgulhoso no rosto - E você Lara? Quanto tirou em sua última prova?
- Tirei nove. - Arrumou sua postura orgulhosa.
- Somente nove? Deveria ter tirado um dez. - A mãe comentou.
Lara deixou os talheres no prato irritada, já estava de saco cheio.
- Mas eu tirei mais que o Bruno e vocês só ficam orgulhosos dele! - Limpou sua boca e colocou o guardanapo encima da mesa.
- Farmacologia é a matéria mais difícil do curso de medicina querida. - O pai respondeu.
- E a senhorita faz um curso sobre cinema, tem a obrigação tirar notas máximas em todas as matérias. Tenho receio de que não encontre trabalho após esse curso. - Completou a mãe.
Bruno não precisava ser perfeito. Bruno não precisava apenas sorrir e acenar. Bruno podia fumar maconha na sala de casa sem problema algum. Bruno não precisava ser bom em nada. Bruno tinha toda a atenção de mamãe e papai. Bruno tem tudo.
Em irritação, Lara levantou-se rapidamente.
- Um dia eu ainda irei de ganhar um oscar, vocês verão. - Virou de costas e caminhou em direção ao quarto.
Bruno sentia-se mal com toda aquela situação, amava sua irmãzinha mas não podia fazer nada, uma reclamação e os seus pais paravam de pagar sua faculdade.
- Querida acho que você foi muito deselegante com a nossa filha. - Sérgio posicionou os talheres mostrando que estava satisfeito.
- Você sabe que cinema não irá levá-la a lugar algum, Sérgio. - Negou com a cabeça - Nosso filho nos trará muito orgulho.
- Mas a Lara também trará orgulho, tenho certeza. - Bruno falou baixo com medo dos pais.
Lara fechou a porta de seu quarto, jogou-se na cama e com a cara no travesseiro gritou aniquilando toda a raiva que tinha.
Levantou-se e pegou a nova fita que tinha ganho, colocou em seu walkman, colocou os fones e deu play após fechar os olhos. Gostava de escutar música quando estava brava.
Sentiu-se em um lugar totalmente diferente de seu quarto, sentiu a luz do Sol em seu rosto. "Mas é noite" pensou. Devagar abriu os olhos e viu-se em um lugar totalmente diferente do seu quarto.
- Que porra é essa? - Sussurrou enquanto olhava ao redor vendo alguns penteados super estranhos.
Lara tirou o fone depois de dar pause na música, caminhou até uma vitrine onde tinham várias televisões de tubo.
- Dezoito de Janeiro de... Não é possível. - Coçou a cabeça - 1985.
Ela colocou os fones novamente enquanto dava play e fechava os olhos novamente. Assim que abriu-os estava novamente em seu quarto.