Aurora Serrano
Meu pai, habitualmente contido, revela uma frieza inacreditável. Cada palavra dirigida a mulher de tez insensível, dura mas elegante, é proferida com uma confiança surpreendente. Seus olhos, normalmente calorosos, emanam uma ameaça palpável.
A tensão no ambiente é quase tangível.
__ Não pode fazer isso! Se fizer, vai despedaçar anos de tradição e respeito. Não pode sacrificar o nome Serrano por um capricho romântico. __ Sinto arrepios ao ouvir o tom de voz irado dela e sua movimentação raivosa mesmo sobre a cama.
__ Poder, essa é a palavra chave. E eu posso o que eu quiser. O poder é meu Isabel, e ninguém mais vai me dizer o que fazer. __ Ele fala imperturbável, transmitindo uma segurança e certeza absolutas.
__ Vai manchar o nosso legado. Você não pode manchar a nossa história. __ Seus olhos castanhos desbotados, piscam agitados, intercalando entre olha-lo e me olhar.
__ Você se preocupa com isso? Eu tenho certeza que não. Você defecou em cima desse legado hipócrita há anos sem quaisquer escrúpulos. __ As palavras dele são duras, e nada educadas para um filho dizer a própria mãe, mas parece estar diante de algo que finalmente decidiu enfrentar.
Observo em silêncio e nervosa, tentando decifrar o que está havendo. Por que estou aqui, quando ele sabia que ela não seria amistosa?
__ Você trouxe essa bastarda aqui para me afrontar. Ela me ofende com a sua presença imunda. __ As palavras dela cáusticas me fazem recuar um passo.
Meu pai me olha com atenção, suas feições duras. Um ressentimento contra ele surgindo em mim.
O que está havendo? Por que ele está me fazendo passar por isso?
__ Você é a única imunda aqui. Aurora, está vendo essa mulher? __ Sua voz é controlada. __ Ela é a minha mãe, a sua avó. É inevitável, eu não posso apagar da minha vida esse fato. __ Pisco aturdida, tentando compreender onde ele quer chegar. __ Assim como é um fato ela ser desagradável, desumana, mesquinha...
__ Essa ainda é a minha casa. Saia com a sua bastarda. __ Ela fala em um tom de voz controlado, mas ainda assim repleto de asco.
Asco de mim.
__ Cale a boca Isabel. Toda essa maldição aqui é minha, e um dia também vai pertencer a ela.
__ Papai, eu quero ir embora. Eu não sei o que isso significa, mas não quero estar aqui. __ Consigo falar.
__ Eu preciso que veja Aurora, eu prometo meu amor que eu vou explicar depois, mas eu preciso que veja que o ser humano pode ser horrendo e não há um critério pra quem seja. Essa mulher deveria ser a minha fonte de segurança, mas ela não foi. Ela não foi, entendeu? Ela foi a primeira a me trair, a trair a minha confiança.
__ Eu salvei você da mediocridade seu ingrato...
__ Não, você apenas contribuiu para a ruína de parte da minha existência, mas isso não vai mais acontecer. __ Fala encarando-a com um sorriso quase vingativo.
Qual é o objetivo dele?
Estou supresa, e de certa forma chocada.
__ Você se julga inocente? __ Ela reverbera em um tom acusatório.
__ A minha inocência é um fato, Isabel. __ Suas palavras parecem sair em um suspiro, imbuído de alívio. Ele se move em minha direção, segurando a minha mão.
__ Papai...
__ Vamos embora querida.
__ Filho... __ A voz dela surge novamente atraindo o meu olhar. Sua súplica e recebida com um olhar gélido por meu pai. __ Querido...
“ O que? ”
Ela estende a mão de aspecto frágil, como se implorasse em seu olhar para que ele a segure.
__ Eu sou sua mãe. Eu amei você mais que tudo, só você... Eu te amo, como mulher nenhuma vai amar Francesco.
__ Não há nada que me faça ter qualquer empatia por você. Nada! __ Ele fala cortando suas palavras como lâminas afiadas e sinto meu coração batendo acelerado.
O quarto parece pequeno demais para conter a intensidade de tanta mágoa.
__ Adeus Isabel, eu volto para enterrar você, e colocar fogo nesse lugar.
Não há espera por qualquer resposta, ele me guia em um toque firme, e passos largos para fora do cômodo.
Me esforço para mover-se na mesma rapidez que ele.
Ainda me sinto atordoada. O pobre Matteo ficou nitidamente preocupado com a nossa saída dramática, e ficando com um adeus rápido demais.
O silêncio no carro é irritante. Sim, irritante. Eu acabei de presenciar algo de tamanha magnitude sentimental, e não sei o por quê. Eu quero questionar, mas ao olha-lo, sinto que o silêncio, mesmo difícil é o melhor nesse instante.
Ele digere algo, e eu posso aguardar em respeito a ele, até que ele se sinta melhor para falar comigo.
__ Pare o carro William. __ A ordem obrupta do meu pai, me faz olha-lo.
__ O que foi papai? __ Sinto-me apreensiva.
William reduz a velocidade parando no meio da estrada. Já estamos a quase meio caminho entre a casa na qual estivemos e o portão de saída. Não foi difícil decorar o caminho, tendo em vista que a propriedade é uma vastidão verdejante.
__ Eu sei que gosta de andar ao ar livre. Eu também gosto, então vamos fazer isso, andar um pouco. __ Ele sai do carro, e ao dar a volta, abre a porta ao meu lado para que eu desça.
Ao sair percebo a movimentação dos seguranças que já desceram dos outros dois carros, o que está a frente do que estávamos e o que está atrás. Eles se movem tomando cestas posições entre a estrada e o campo.
__ Fiquem a distância. Eu quero privacidade com a minha filha. __ Meu pai lança a ordem, e percebo que ainda é estranho aos meus olhos e ouvidos vê-lo em tal posição. Tudo sobre ele, é tão fragmentado em minha mente.
Ele dá alguns passos e abre o porta malas do veículo. De dentro ele tira algo...
__ Eu trouxe as suas galochas, caso queira usá-las.
Surpresa o vejo com as minhas galochas amarelas na mão.
__ Trouxe as galochas felizes? __ Questiono em um tom de surpresa. Ele esboça um sorriso afetuoso diminuindo a tensão o que me faz sorrir também.
__ Sim. Já que eu sei que gosta tanto delas. Achei que você gostaria de usa-las para poder andarmos.
Ele se ajoelhou, gentilmente oferecendo sua ajuda para trocar os meus calçados, e então começamos a caminhar juntos em passos tranquilos.
Me encanto com a vastidão do lugar cheio de árvores espaçadas, espalhadas, dando uma visão clara de suas respectivas localizações.
Ao caminhar mais, seguindo em direção a onde ele vai, deparo-me com uma imensa árvore, seus galhos estendidos como abraços acolhedores. O sol, com sua luz dourada, atravessando suas folhas. O ar fresco do dia carrega consigo o perfume da natureza, enchendo meus pulmões com uma sensação revigorante.
Reduzimos o passo, e enquanto observo a árvore majestosa, noto nos olhos do meu pai uma expressão nostálgica, como se ali estivessem entrelaçadas lembranças de tempos passados.
__ Essa árvore é testemunha de muitos momentos meus. Pode parecer um tanto idiota, mas ela foi uma amiga muitas vezes.__ Ele suspira. Seus olhos intensos focam nos meus. __ Precisamos conversar querida e aqui não há a menor possibilidade de nossas vozes serem ouvidas, por ninguem além de nos mesmos.
__ Papai... Eu estou extremamente confusa. Eu não sei o que houve e eu não entendo por que me trouxe aqui, quando sabia que ela não seria agradável? Eu já não sei o que sentir ou pensar.
__ Eu quero explicar tudo a você. Eu não quero que se atormente mais com dúvidas. Me fere e entristece ver mágoa nos seus olhos quando me olha em alguns momentos. E não é isso que eu quero, que tenha dúvidas sobre mim. Eu quero te dar todas as certezas que eu conseguir, eu quero ser incontestavelmente uma fonte de segurança e confiança pra você.
Me envergonho ao saber que ele percebeu os meus ressentimentos. Eu os acho legítimos, pois tenho minhas razões, a principal delas, foi a ausência dele, em grande parte da minha vida, ainda assim não consigo evitar sentir um resquício de culpa.
Ele me guia até alguns galhos mais altos e passamos por eles, ficando em baixo da árvore. Seu formato oval de galhos baixos oferece certa proteção.
__ Eu escalava ela por completo, até chegar ao topo. __ Ele fala erguendo a cabeça, e olhando para o alto. __ Eu acreditava que aqui podia ser uma espécie de lar pra mim, quando tudo estava desmoronando na minha cabeça.
__ O que desmoronava na sua cabeça? Por que a sua relação com a... Sua mãe, parece tão difícil?
__ Acho que eu preciso começar do início, Aurora. Vai fazer mais sentido. __ Ele olha para o imenso tronco.
Enquanto sentamos sobre o casaco dele estendido no chão, eu penso que esse momento poderia ser a penas um momento relaxante entre pai e filha, mas algo me diz que não vai. Esse momento tem um peso e eu o sinto em todos os aspectos do meu pai.
__ Eu não fiz o que fiz hoje, com a intenção de magoa-la. Preciso que acredite em mim, eu não queria assustar você querida. __ De seus olhos emanam sinceridade, carinho. __ Eu queria apenas que visse, aquela mulher austera, amarga.
__ Com que propósito? __ Sussurro.
__ Eu...
O barulho do aparelho celular tocando o interrompe. __ Droga! Eu sinto muito, mas eu preciso atender. __ Sinto uma pontada de frustração, e isso parece refletir no seu semblante também.
__ Hector, algum problema?
Observo em silêncio, ele falar com o Sr. Greco.
__ Mas agora, assim de última hora? Essa reunião não pode ser amanhã? Hoje é domingo Hector. __ Faz-se silêncio enquanto ele ouve o homem do outro lado da linha. __ Entendo!
Meus olhos vagueiam observando o nosso entorno, e imagino o meu pai em sua infância explorando esse lugar. Há solidão aqui, uma solidão semelhante a que eu encontrava nos campos de Bakewell.
__ Irei imediatamente para o banco então. Até mais. __ Sua voz soa firme e também um pouco tensa.
__ Está tudo bem? __ Questiono, percebendo que não vamos mais continuar sob essa árvore e conversar.
__ Uma emergência nos negócios. Eu sinto muito, mas temos que ir.
__ Pensei que íamos conversar. __ Não oculto a minha decepção.
__ Nós iremos. Eu prometo que continuaremos a conversa assim que sairmos do banco. Tem a minha palavra. __ Ele se põe de pé, estendendo as mãos para me ajudar.
__ O senhor vai me levar para o banco?
__ Sim, não há tempo para deixa-la em casa e apenas depois ir para o banco.
__ Mas hoje é domingo. Bancos não abrem aos domingos.
__ Os bancos abrem há qualquer dia para os seus donos querida. Venha!
Ao nos aproximarmos de volta à estrada onde estão os carros parados, é possível observar outros dois veículos que parecem estar de chegada, enquanto estamos de partida.
__ O meu dia não pode ficar pior. __ Meu pai fala e imediatamente segura a minha mão, como se eu fosse uma criança que precisa ser guiada.
__ Algum problema? __ Meus sentidos ficam em alerta.
__ Assim que chegarmos ao carro, eu quero que entre imediatamente. Entendeu? __ Seu tom de ordem é nítido.
__ Por que? O que está havendo?
__ Aurora, apenas faça o que eu estou dizendo . Por favor querida, obedeça.
Antes de estar de fato perto o suficiente, vejo uma mulher loira. Ela vem a passos largos em nossa direção, esboçando um sorriso que soa perverso demais.
Seus olhos estão fixos em mim, por alguma razão.
__ Ora, mais veja quanta ousadia. __ Sua voz, seu olhar, assim como sua aparência, são gélidas.
A tensão que se cria é rápida e densa, como se o ar ao redor se tornasse pesado, carregado de uma frieza.
Nossos olhos se encontram, e a maldade no olhar dela é palpável, como se estivesse prestes a se materializar.
__ Você ousou trazer o seu pequeno erro aqui, marido? __ Sua voz é como um fio de gelo entregando sua identidade.
“É ela. Ela é a esposa. ”
__ Saia da minha frente. __ Meu pai segue a passos firmes desviando dela, quase empurrando-a para longe, enquanto me faz segui-lo.
__ NÃO OUSE ME DAR AS COSTAS COM A SUA BASTARDA, FRANCESCO. SEU MISERÁVEL. __ Ela vocifera furiosa e um arrepio percorre o meu corpo. Sinto minhas pernas ficarem bambas e o meu coração bater um pouco mais rápido.. __ EU SOU A SUA ESPOSA, AQUELA QUE VOCÊ ESCOLHEU. VOCÊ ME ESCOLHEU ANTES, E AGORA NÃO SERÁ DIFERENTE. VOCÊ VAI SE ARREPENDER POR ESSA AFRONTA. __ Continua a gritar.
Olho para trás, os olhos dela ainda em mim, odiosos. Tenebrosos é uma descrição melhor. Os seguranças que nos acompanham impedem que ela chegue mais perto.
__ ELE ME ESCOLHEU ANTES, SUA PUTA MIRIM, DEIXANDO VOCÊ E A PUTA DA SUA MÃE À MARGEM, COMO OS LIXOS DESCARTÁVEIS QUE VOCÊS SÃO. O PODER SEMPRE PESA MUITO MAIS NA BALANÇA PRA ELE. VOCÊ VERÁ BASTARDINHA.
Capítulo concluído ✅
Mores, beijos e até o próximo ❤️😘
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