Herdeiros do Sol

By YOUGOT7JAMS

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Kim Jongin é o príncipe rebelde da segunda família mais importante do país e próximo na linha de sucessão ao... More

Nota da autora
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16

Capítulo 9

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By YOUGOT7JAMS

No dia seguinte, Kyungsoo não comparece às aulas.

Circulam rumores de que ele apresentou um atestado médico à Reitoria e que deve ser dispensado de todas as atividades extracurriculares pelos próximos três dias. O diagnóstico de uma gripe, porém, não convence Jongin. Ele imagina que a demissão injusta do Sr. Williams o tenha abalado profundamente. Afinal, conhecendo seu caráter, sabe que Kyungsoo jamais faltaria a uma aula.

Não satisfeito, ele passa em frente ao dormitório dele quando sai para correr ou durante os intervalos, mas não o vê sentado à janela como de costume. Se Kyungsoo o assiste, lá de cima, espiando em segredo, sequer afasta as cortinas.

Jongin come waffles belgas, mingau de aveia, pain au chocolat e uma porção de queijos finos com Chanyeol no café da manhã, mas a mente constantemente viaja até o segundo andar da Casa Clermont. A ausência do Monitor-Chefe é pungente e esmagadora. Ele o busca com frequência pelos corredores lotados, na fila da cantina, nas áreas gramadas do outro lado da janela.

Kyungsoo está mexendo com a cabeça dele.

— Você devia checar sua caixa de correspondência — comenta Chanyeol, com a boca cheia de trufas e nozes. — Está abarrotada de coisas. Cartas, páginas de jornais, folhetos, revistas se contorcendo como enguias de papel para caber lá dentro. É sério. Mais uma semana e vão jogar tudo fora.

Jongin morde um pedaço de queijo Camembert.

— Eles me fariam esse favor?

— Às vezes esqueço que você não liga pra nada. — Chanyeol abocanha metade de um waffle de uma só vez, desenhando uma meia-lua quase perfeita com os dentes. — Odeio isso.

— Por quê? É minha maior qualidade.

Chanyeol bufa.

— Você não escreve para a sua família?

— Não — confessa Jongin. — Você escreve?

— Escrevo toda semana. Você conhece minha irmã, Rosé, certo? Ela adora trocar cartas. Meus pais também me fazem escrever relatórios semanais do meu desempenho em St. Georg e mantê-los informados sobre o que acontece aqui. Você nunca escreveu nenhuma?

— Nunca.

— Nem para os seus amigos?

A pergunta o pega desprevenido.

Para quem escreveria? Rahim levaria um tiro por ele, mas não estaria disposto a trocar correspondência. Poderia escrever para Magda, a governanta com quem fuma escondido na lavanderia do palácio, mas eles são funcionários contratados, não seus amigos. Jennie adoraria receber cartas suas, mas ela é parte da família.

A constatação o acerta como uma avalanche.

Jongin não tem amigos.

Embora esteja sempre rodeado de pessoas aonde quer que vá — em jantares enfadonhos da alta sociedade, em festas VIPs ou encontros em Iate Clubes — suas companhias são efêmeras e não duram mais que algumas noites. Jongin não se lembra de metade dos nomes dos rapazes com quem passou madrugadas bebendo ou das pessoas com quem dormiu.

Ele nunca esteve sozinho. Mas, então, olhando para trás, por que se sente tão solitário?

— Não — murmura ele, enfim. — Para ninguém.

Chanyeol é o mais próximo que tem de um amigo.

É por isso que, depois do café da manhã, Jongin decide acatar a sugestão do colega de quarto e visitar a sala de correspondência.

O que ele encontra não o surpreende. A caixa faz jus à descrição de Chanyeol, com dezenas de cartas amontoadas, revistas contorcidas em ângulos desastrosos e recortes de jornal despontando desordenadamente pelas aberturas na porta.

Ele ignora as cartas de amor e as mensagens de fãs.

Um envelope, preso à fenda do caixote embutido na parede, chama sua atenção. O mesmo papel de cor creme selado com cera dourada e o símbolo familiar de um triângulo invertido. A sensação de déjà vu o deixa enjoado. Era a isso que Chanyeol se referia, afinal?

Jongin luta contra a tentação de amassar a carta.

A correspondência é um convite formal dirigido aos membros honorários da Tríade e seus Escudeiros, convidando-os para passar um fim de semana na casa de veraneio da família Oh, em Gangwon.

Um convite que nenhum deles poderia recusar.

Além disso, há três novos escândalos sobre a Segunda Família Real escancarados em capas de revistas e manchetes impressas da internet. Sua ausência na corrida de cavalos foi mencionada, ressaltando sua "flagrante e notória incapacidade de se portar de maneira apropriada em compromissos reais".

Na última semana, sua mãe proibiu o envio de cartas de amor para ele no internato. A notícia, aparentemente inofensiva, também saiu de controle. As páginas de fofoca ignoraram a nota emitida pela assessoria do palácio de Jeolla alegando não haver suporte em St. Georg para armazenar os envios em massa. Em vez disso, os tabloides começaram a espalhar rumores de namoro e um suposto casamento do príncipe herdeiro.

"Quem conquistou o coração do solteiro mais cobiçado do país?"

Até mesmo Jennie, consagrada como um cristal intocável pela mídia, sofreu retaliação da Royal Daily. O simples gesto de soltar sua mão durante o velório do Rei Song foi distorcido como evidência de uma relação conturbada entre os irmãos. A culpa, evidentemente, recaiu sobre Jongin — o "príncipe rebelde" que não era aceito nem pela própria família.

A imprensa está ávida por fofocas agora que ele não pode alimentá-la com seus escândalos e começou a fabricar histórias de forma desonesta.

O impacto das notícias e da sua crescente solidão fazem com que os dias seguintes passem como um borrão. Jongin visita os lugares que Kyungsoo costuma frequentar — como a biblioteca, a sala de treinamento da equipe de esgrima e o Centro de Artes — e sai para fumar na zona proibida da floresta, esperando que o destino faça sua parte.

Ele o encontra em uma sexta-feira à tarde, guiando um majestoso cavalo castanho até a pista de equitação no Centro Equestre. Depois de dias enclausurado no quarto, Jongin imaginou que o rapaz parecesse cabisbaixo e abatido após a demissão do Sr. Williams, mas se surpreende ao ser recebido com o mais belo dos sorrisos.

— Vai montar? — pergunta Kyungsoo ao vê-lo debruçado na cerca de proteção.

Jongin apoia o queixo nas mãos, admirando as pernas de Kyungsoo nas calças justas, as longas botas de montaria e os cabelos escuros parcialmente encobertos pelo capacete, com exceção da franja.

— Tenho muitos talentos, mas montar não é um deles — responde, afastando uma mecha de cabelo caída em frente aos olhos para enxergá-lo melhor. — Vim assistir.

Com a mão que não segura as rédeas, Kyungsoo acaricia o corcel, que esfrega a cabeça nas costas dele e funga em sua orelha em uma demonstração de afeto e confiança. Ele sobe, encaixando um dos pés no estribo e lançando a perna para o outro lado da sela.

— Um príncipe que não sabe montar a cavalo? — provoca Kyungsoo, ajustando facilmente o peso sobre o dorso do animal. — Que revelação decepcionante sobre o solteiro mais cobiçado do país.

Jongin abre um sorriso.

— Você leu as notícias.

Ele dá de ombros.

— Parece que sim.

Kyungsoo agita as rédeas com as mãos enluvadas e o cavalo, com sua pelagem castanho-escura reluzente, trota para longe das cercas da área de treinamento.

A arena é cercada por alambrados de madeira escura e álamos pontiagudos. O piso é revestido por areia clara e fina, perfeitamente nivelada para garantir o bom desempenho dos saltos. O cavalo de Kyungsoo — Aristóteles ou apenas Ari, ele descobre mais tarde — dá uma volta inteira na pista antes de se dedicar ao percurso de obstáculos situado no centro, saltando sobre barras, cercas e pequenos muros.

Na arena, a cada salto, Kyungsoo e o cavalo parecem extensões da alma um do outro. O animal responde com precisão aos comandos dele, deixando-se ser guiado em uma série de movimentos graciosos, enquanto o corpo do rapaz se molda ao seu pescoço a cada salto. Jongin não consegue evitar se sentir hipnotizado por sua destreza, equilíbrio e técnica.

Ali em cima, com os cabelos escapando do capacete e os lábios contraídos em concentração, ele parece livre e poderoso.

Jongin pisca. De repente, a silhueta de Kyungsoo se transforma, adquirindo uma aparência física familiar. Um rosto de pele dourada como a sua, mas com rugas tímidas se alastrando nas laterais dos olhos e cabelos quentes como mel. Ele vê seu próprio pai galopando, as roupas chacoalhando ao vento, livre e selvagem.

Em um piscar de olhos, ele também se transforma naquele menino pendurado na cerca, gritando e aplaudindo a performance de um pai que podia orgulhosamente chamar de campeão, de herói. Memórias de uma época em que seu pai era cheio de vida e Jongin ainda não sabia o que significava ser príncipe.

Após o treino, Kyungsoo conduz o cavalo para a lateral da arena. Quando desce das costas de Aristóteles e caminha até ele, está ofegante e sorridente.

— Posso te ensinar a montar, se você quiser — oferece ele, quando nota Jongin admirando-o de baixo.

Jongin inclina o corpo para a frente, apoiando todo seu peso nos braços pendurados na cerca. Lentamente, ele se impulsiona para cima e passa uma das pernas pelo cercado de madeira, lançando um olhar receoso ao corcel.

— É verdade o que dizem sobre os cavalos farejarem o medo?

Aristóteles relincha, assustando-se quando ele salta para o chão, mas Kyungsoo remove uma das luvas e o acalma com uma carícia em seu pescoço grande e musculoso.

— Não só isso, mas também sentem o cheiro de outras emoções humanas, como o estresse ou a felicidade — explica ele, examinando-o com olhos semicerrados. — Você tem medo deles?

— Não costumava ter — diz Jongin —, mas agora tenho.

Kyungsoo leva a mão ao queixo para desafivelar o capacete.

— Por quê?

Ele nunca compartilhou isso com ninguém antes, mas a voz baixa e suave de Kyungsoo o instiga a responder quase naturalmente à pergunta.

— Quando eu tinha catorze anos, meu pai levou minha irmã e eu para cavalgar com ele em um haras. Ele sempre levava. Era uma tradição de família, um lance de pai e filhos. Você deve saber, mas ele foi vice-campeão de hipismo na categoria de saltos.

Kyungsoo faz que sim com a cabeça e ele prossegue:

— Eu me inspirava nele. Na época, achava que queria montar como ele, para competir. Até que o acidente aconteceu.

— O acidente da sua irmã — constata Kyungsoo, arregalando os olhos grandes e escuros. — Você estava lá também.

— É, estava. Eu vi tudo, e é meio impossível esquecer quando você vê sua irmã ser lançada da sela daquele jeito. Já faz tantos anos, mas ainda me lembro dos gritos de dor, do ângulo estranho que o corpo dela caiu depois de acertar o muro. — Ele balança a cabeça, espantando a lembrança. — Meu pai nunca mais foi o mesmo, como se Jennie tivesse morrido no acidente e parte de sua alma tivesse morrido com ela.

Kim Jaesung sempre tratou a filha como se ela fosse feita de vidro, uma princesa perfeita em uma redoma de cristal. Ele não diz isso a Kyungsoo, mas acredita que o pai, com seus pensamentos antiquados e um capacitismo enraizado, ainda enxerga Jennie como se ela estivesse quebrada.

Ele tem um longo caminho até entender que a deficiência de Jennie é simplesmente uma característica, não um defeito. E um caminho ainda mais longo até conseguir se perdoar.

Kyungsoo assente em compreensão.

— Ele se culpa?

— Sim, bastante. Acho que ele nunca vai se livrar da culpa. Naquele dia, meu pai trocou nossas selas por acidente. Poderia ter acontecido comigo, mas aconteceu com Jennie. — Jongin apoia um dos pés na cerca e se recosta nela, escorado de modo displicente nos antebraços. — Às vezes, acho que ele preferia que tivesse sido eu no lugar dela.

Kyungsoo aperta os olhos com força, como se o pensamento lhe despertasse dor física.

— E você nunca mais montou — adivinha ele.

— Meu pai proibiu. E mesmo que não tivesse, não sei se eu teria coragem de cavalgar sem ela tão cedo. Hoje em dia é diferente. Jennie às vezes sai para montar escondido. Ela pratica Hipismo Adaptado, uma modalidade adaptada para pessoas com deficiência, mas meu pai não sabe. Equitação virou assunto proibido em casa e eu nunca mais subi em um cavalo.

Kyungsoo assente mais uma vez. Ele pisca e umedece os lábios, criando coragem, e lhe estende a mão. A mão nua, aquela descoberta pela luva de couro.

— Um dia, vou te ensinar a montar — promete, observando-o carinhosamente com os olhos bonitos e brilhantes. — Me dá sua mão.

Jongin antecipa o toque, sentindo os dedos formigando antes mesmo de tocá-lo.

Kyungsoo não é como ele. Foi ensinado a reprimir uma parte de si mesmo, essencial e imutável, pela família e pela Igreja. Uma parte que lhe ensinaram ser perversa e errada e que, coincidentemente, é a única que não pode mudar. Tudo para ele é uma descoberta recente, uma experimentação de garoto.

Para Jongin, de certa forma, também é. Sente por ele uma atração irresistível que não consegue controlar. Um desejo que precisa reprimir a todo custo. Algo arrebatador e inédito que nunca sentiu por ninguém antes.

Tudo parece novo com ele.

Jongin caminha até Kyungsoo, a mão estendida, os ombros tensos. O ar ao redor da arena fica denso quando suas mãos se tocam. Kyungsoo encaixa os dedos dele entre os seus e guia a palma de sua mão até a espádua de Aristóteles.

O cavalo enrijece sob o toque.

— Não tenha medo — sussurra ele, sem afastar-se do toque.

Suas mãos ficam unidas, os dedos atrapalhadamente entrelaçados, enquanto instiga a palma de Jongin a deslizar pelas cerdas grossas da pelagem do animal. Naquela posição, a lateral de seu peito está quase colada às costas de Kyungsoo.

A brisa gelada do fim de tarde nublado percorre a pele descoberta da sua nuca, mas o contato mínimo de seus corpos é quente, eletrizante, e arranca-lhes um suspiro em uníssono.

— Kyungsoo — chama Jongin com um sussurro, o nariz por pouco não roçando na curva da orelha dele.

Mas Kyungsoo se afasta. Ele solta sua mão e recosta a bochecha no dorso do cavalo, afagando-o com delicadeza. A claridade do sol, filtrada pelas nuvens cinzentas, se derrama no rosto dele com uma tênue luz prateada.

— Veja — diz ele.

Jongin o imita e, lentamente, afunda a têmpora na pelagem densa e castanho-escura. Os dois apoiam a cabeça no flanco do cavalo, de frente um para o outro, como se estivessem deitados lado a lado em um campo quente e macio.

O rosto de Kyungsoo possui um desenho linear sutil, a marca da tira acolchoada do capacete cruzando sua bochecha. Seus olhos estão fechados e os lábios relaxados, ligeiramente entreabertos.

Ele está tão perto.

Poderia simplesmente se inclinar e beijá-lo, se quisesse.

— Viu só? — sussurra Kyungsoo, abrindo os olhos e observando-o por entre seus cílios escuros. — Não precisa ficar com medo.

— Você está?

— Com medo?

Jongin fixa o olhar em Kyungsoo, buscando a verdade transbordando nas entrelinhas. Sente a imensidão do momento, a transcendência além da superfície. E tem a impressão de que eles não falam mais do acidente, de Aristóteles ou de cavalos de modo geral, mas de algo maior. Da barreira invisível entre eles. Dos muros que por muito tempo estiveram ali, no espaço intermediário, separando-os de uma colisão inevitável, catastrófica e linda.

Kyungsoo sorri.

— Não estou mais.



O verão está mudando.

Restos mortais de insetos se acumulam no parapeito da janela de Kyungsoo — moscas, vespas e pequenas borboletas de asas despedaçadas — coladas aos montes na teia de uma aranha, agora que não precisa mais colecioná-las para alimentar Aurora.

O suéter se torna item obrigatório do uniforme de St. Georg, as folhas das árvores começam a se tingir de laranja outonal e as aulas de Literatura não são as mesmas sem Oliver J. Williams.

Seja corajoso, Kyungsoo.

Ele leva o conselho de forma literal. Após dias imerso em autoflagelação psíquica no espaço restrito de seu quarto, onde a dor e a culpa precisavam ser sentidas, ele está de volta aos eixos e pronto para um salto de coragem.

Um recorte de Júlio César foi adicionado às outras colagens em seu caderno de desenhos, ao lado do esboço da estátua de um soldado imperial, com sombreados fabricados com o dedo indicador ao borrar o grafite.

Ele colou o parágrafo inteiro da fala de César e sublinhou a parte que diz:

"Os covardes morrem várias vezes antes da sua morte, mas o homem corajoso experimenta a morte uma única vez."

Kyungsoo estava cansado de morrer todos os dias.

Desde então, decidiu que viveria cada suspiro e cada momento com uma bravura homérica. Cada ato de coragem seria uma nova ressurreição.

Talvez o verão seja o mesmo, afinal.

Kyungsoo é quem está mudando.

No sábado seguinte, às seis da manhã, ele segue seu ritual diário: bate na porta dos dormitórios da Casa Clermont. Três vezes, batidas curtas. Organiza a fila para os chuveiros, come tartelete de ricota no refeitório e estuda na biblioteca antes do almoço, mas suas tardes são preenchidas pelas risadas e o sorriso caloroso de um certo príncipe.

Pela primeira vez, ele não evita ou mantém distância de Jongin. Pelo contrário, move-se na direção dele como uma bússola quebrada que aponta sempre para o Norte.

Eles treinam equitação, fazem piqueniques perto do Canal e lutam esgrima com galhos partidos de freixo. Ensaiam falas dramáticas de Shakespeare, conversam com estátuas no Centro de Artes e leem livros dentro de outros livros. Jongin ouve seus monólogos alvoroçados sobre Heathcliff e Kyungsoo acende seus cigarros.

É sábado, feriado da Constituição Monárquica, e grande parte dos alunos retornou a seus palácios.

Em tardes quentes como essa, eles se embrenham pela floresta como adolescentes e correm pela zona proibida até o riacho. Os dois se espiam discretamente enquanto se despem do uniforme e suas roupas se aglomeram no píer quando saltam para a água.

— Está gelada hoje — comenta Jongin, impulsionando a superfície espelhada com os dedos esticados, em braçadas longas que ressaltam os músculos dos tríceps e ombros.

Kyungsoo agita as pernas para se manter flutuando, o corpo submerso até o pescoço.

— Estamos entrando em março.

— O último mês do verão — compreende ele.

Kyungsoo adora como os cabelos de Jongin escurecem quando ele mergulha. Como escorrem pela testa e aderem levemente às têmporas. Como seus ombros emergem como rochas homogêneas e aveludadas de citrino, despontando como parte integrante da paisagem.

Kyungsoo não se acha particularmente bonito, esperto ou interessante. Ele é discreto e mantém sua personalidade abaixo da superfície. Um príncipe deve ser imparcial, recatado e quase imperceptível.

Jongin é diferente.

Sua existência, por si só, é um escândalo. Porque a beleza, a verdadeira beleza, fascina e intimida à primeira vista, de tão avassaladora. Assustou-o quando o conheceu, sem a máscara de esgrima, e ainda o assusta em momentos como esse, quando fica a sós para contemplá-la em sua plenitude.

Parece ter se passado um século desde que estiveram no riacho pela primeira vez. Desde que Jongin, um escavador nato, penetrou sob as muralhas que construiu e o viu despido das máscaras. Frágil, vulnerável. Despojado de sua fachada de príncipe impecável.

Kyungsoo afunda os braços na água como se fossem remos, nadando para mais perto dele.

— Você nunca me perguntou sobre a minha mãe — diz ele, recordando o tapa que Jongin presenciou naquela tarde no Jockey Club.

— Acho que fiquei muito decepcionado para perguntar. — Ele submerge na água verde-escura, afundando no riacho até o queixo. — Sempre achei que sua família seria... diferente das outras. Mais interessante.

Kyungsoo arqueia uma sobrancelha.

— Porque um deles veio de origem humilde?

— Porque pelo menos um deles já foi humano de verdade uma vez — responde Jongin com um encolher casual de ombros. — Mesmo depois de tantos anos, tenho a sensação de que não sei nada sobre os meus pais, principalmente a minha mãe. Tudo que sei sobre ela é superficial. É como viver com um robô programado para colecionar champanhes caros, sonegar impostos e sorrir apenas o suficiente para não franzir as rugas nos olhos.

Kyungsoo assente.

— Conheço minha mãe bem até demais — confessa ele, encarando o próprio reflexo turvo na superfície reluzente do riacho. — E talvez isso só torne as coisas mais difíceis, porque sei o quanto ela se esforça para se encaixar, para me encaixar. Sei que ela é rígida porque quer me proteger. Ainda que me controle e sufoque, pelo menos ela me vê. Meu pai era quase um fantasma em casa. Ele sequer interagia comigo. Ou talvez o fantasma seja eu: um menino invisível em um palácio tão grande.

E talvez fosse melhor assim.

Porque, enquanto sua mãe o reprimia por ser quem era, o pai tinha seus próprios métodos sujos para transformá-lo em "homem".

— Você não é invisível, Kyungsoo — sussurra Jongin, olhando para ele. Através dele. — Eles é que são um bando de mentirosos. Todos eles. Vivendo uma eterna encenação.

Kyungsoo solta um longo suspiro e inclina a cabeça para trás, molhando a parte de trás do cabelo. Cansado de bater as pernas sob a água, ele puxa para mais perto um tronco de árvore flutuante que a correnteza transportou para o riacho.

— Quanto tempo acha que alguém aguenta mentir para si mesmo? — questiona ele.

Os dois se aproximam do tronco e se agarram a ele, apoiando seus antebraços para manterem-se suspensos sem muito esforço. O pedaço de madeira não é extenso e seus cotovelos quase se esbarram.

— Não sei — confessa Jongin, mantendo seu rosto bem próximo ao dele. — Minha mãe já faz isso há pelo menos quarenta anos. As únicas vezes em que a via demonstrar uma reação humana era... quando eu arranjava problemas. Agora é diferente. Depois de tanto tempo, acho que ela se acostumou. — Ele estala a língua. — Eu e minha irmã sempre fomos o projeto dela para o futuro. Eu sou o projeto que deu errado, então parece que ela desistiu de mim.

Kyungsoo encolhe os ombros e oferece:

— Bom, meu pai é viciado em apostar em corridas de cavalo.

— Tá legal, você venceu. — Jongin abre um sorriso genuíno e brilhante. — Não há nada pior do que corrida de cavalos.

Com as sobrancelhas levantadas em surpresa, Kyungsoo empurra o tronco na direção dele e forma uma concha com a mão fechada para lançar água em seu rosto. Jongin se esquiva, inclinando o corpo para longe e contragolpeando com fortes jatos d'água.

Mãos o empurram pelos ombros, tentando afundá-lo, e Kyungsoo empurra de volta: braços, peitoral, nuca e onde mais possa alcançá-lo com os dedos. Toques inofensivos e desprovidos de intenção sexual. A única maneira que lhe é permitido tocar outro garoto.

Eles gargalham alto e o som expulsa uma revoada de pássaros de suas árvores, lagartos das moitas de junco e reverbera pelas folhas serrilhadas do grande Salgueiro-Chorão.

Passam a tarde em espírito competitivo, disputando mergulhos, saltos no píer ou quem passa mais tempo submerso sem voltar à superfície para respirar. Entretanto, conforme o sol repousa camuflado entre as folhagens de um velho carvalho, as peles se arrepiam na carícia fresca da brisa e as risadas cessam.

Jongin sobe no píer flutuante primeiro. Sem ele, a superfície esverdeada da água se torna mais escura e densa, serena e plácida. Solitária. Kyungsoo se junta a ele, ambos deitados na plataforma de madeira. Respirando juntos, secando a pele molhada sob os últimos raios de sol.

O horizonte tem agora um tom de azul quase arroxeado e as nuvens, níveas e espessas, pintam-se de rosa-alaranjado nas bordas. Jongin está olhando para o céu do crepúsculo vespertino, observando a movimentação lenta das nuvens.

— Você não fica cansado? — pergunta ele de repente, observando-o com o canto dos olhos. — De tentar ser perfeito em tudo?

Kyungsoo engole em seco. As mãos, que descansam sobre o tronco, buscam uma à outra para brincar distraidamente com os próprios dedos.

— Mas é claro que fico. Acho que não há um príncipe, rei ou rainha que não sinta o desgaste emocional de suprir todas as expectativas. Falhar é natural e humano, mas não temos sequer esse simples direito, porque precisamos criar a falsa sensação de que somos diferentes, especiais. Alimentar a fantasia de que somos deuses. — Ele olha para Jongin com um sorriso mínimo e recita: — Pesada é a cabeça de quem usa coroa.

De repente, Jongin se empertiga no píer, vira-se de lado e apoia a cabeça na mão. Raios de luz refletem nas gotas d'água que escorrem do seu peitoral nu, a pele dourada aquecida pela luz do sol.

Kyungsoo desvia os olhos, como se estivesse invadindo uma privacidade sagrada.

— Se você pudesse se transformar em outra pessoa, o que estaria fazendo agora? — pergunta Jongin, com um tom de voz vibrante e empolgado, quase eufórico. — Quem você seria? Que história fabricaria?

Tenta pensar nisso por um instante. Quem seria se não fosse Do Kyungsoo, príncipe da Quarta Família? Sua mente é envolvida por uma neblina, as palavras se perdendo em meio ao silêncio das ideias vazias.

— Não sei — confessa ele, com um suspiro nervoso. — Nunca me permiti sonhar com outra coisa.

Jongin continua deitado de lado, a cabeça repousando na palma da mão enquanto o observa. Kyungsoo se permite observar as gotas de água em seu queixo, os cabelos respingando na madeira abaixo dele, mas não deixa seu olhar ir além.

— Invente alguma coisa, então — insiste Jongin. — Qualquer coisa.

Kyungsoo comprime os lábios e desvia o olhar para a superfície calma e reluzente do riacho, repousando sob o sol de verão como um espelho de prata.

— Gostaria de estudar Artes — confessa baixinho. — Literatura, filosofia, música e pintura, em uma faculdade que nos incentivasse a pensar e questionar, como nas aulas do professor Williams.

— Combina com você. — Jongin sorri. — Mas você precisaria ser mais específico.

— Como assim?

— Estudar literatura, música ou pintura, e não todas as coisas juntas. Ou fazê-las uma de cada vez. Lá fora, os cursos não são abrangentes como aqui. Você se aprofunda em um assunto mais específico, embora alguns se entrelacem em algum momento.

Ele pisca, aturdido, como normalmente ocorre ao discorrer sobre tópicos desconhecidos com Baekhyun, Minseok ou o Sr. Williams.

Como o professor uma vez apontou, Kyungsoo sabe muito pouco do mundo real, do seu funcionamento intrínseco. Passou toda uma vida trancafiado e distante — primeiro confinado dentro dos limites do palácio, sob a supervisão rígida da família e dos tutores e, então, mais tarde, recluso entre os muros de St. Georg.

O que mais há para descobrir lá fora? Que maravilhas estariam escondidas do outro lado dos muros?

— E você? — questiona ele, finalmente. — Quem seria?

Jongin encolhe os ombros.

— Um comissário de bordo, um fotógrafo itinerante ou simplesmente um passageiro clandestino em um navio de carga. Qualquer coisa que me permitisse viajar e conhecer o mundo, novas culturas e lugares, mas com a privacidade do anonimato. Um explorador livre, sem um bando de repórteres o tempo inteiro na minha cola ou regras para me dizer como me comportar. Estou cansado de ser a ideia de outras pessoas.

Kyungsoo franze a testa.

— Sem palácios, protocolos ou coroas — murmura, de modo pensativo. — O que herdaríamos, então?

Jongin estica a mão para o céu, erguendo-a diante dos olhos. Os raios luminosos são encobertos pelos seus dedos, brincam entre eles, e sombras se desenham em seu rosto bronzeado.

— O Sol, Kyungsoo — responde ele, simplesmente, com uma convicção sincera. — Vamos herdar o Sol.

Ele arqueia as sobrancelhas.

— O Sol?

— Para fazer ser verão o ano inteiro.

E Kyungsoo tem a sensação de que, assim como ele, Jongin também não deseja que o verão termine. Que quer passar mais tempo em St. Georg, apesar das tentativas para se ver livre do internato.

Mais tempo com ele.

Kyungsoo vira a cabeça para o lado, na direção de Jongin, e seus olhares se encontram sob os cílios grossos e molhados. Uma inquietação deliciosa floresce em seu estômago, uma sensação vertiginosa que ignora todos os obstáculos que os impede de eliminar aquela curta e dolorosa distância entre os dois corpos.

Kyungsoo ficará noivo oficialmente em breve e Jongin será expulso de St. Georg quando eles derrubarem a Tríade. Ainda que dê seu grande salto de coragem — ou que se recolha à sua covardia —, Jongin sempre será, inevitavelmente, seu primeiro e último amor.

Mas essa é uma oportunidade única.

Talvez eu nunca sinta isso de novo, ele pensa.

Porque sabe, lá no fundo, que não importa seus esforços, jamais encontrará o amor nos braços de uma mulher. Não vivenciar essa sensação, aqui e agora, seria viver eternamente assombrado pelas reticências, imaginando como poderia ter sido.

E Kyungsoo tem a sensação de que seria incrível.

Sob o olhar ardente de Jongin, ele acaricia a base do dedo anelar, contemplando-o com olhos vivos e brilhantes. Pela primeira vez em muito tempo, ele puxa as cortinas do teatro, abandona o palco e despe-se do personagem que nasceu para interpretar.

— Não quero me casar com ela — confessa, em uma voz suave, mas baixa e levemente estrangulada.

Jongin inspira fundo. Seu peitoral sobe e afunda em uma respiração pesada, ansiosa.

— Não quero que se case com ela — sussurra de volta.

Seja corajoso, Kyungsoo.

Movido por uma força invisível, ele ergue o tronco com ajuda do antebraço, apoiando-se nos cotovelos. O rosto de Jongin já está virado em sua direção, à espera. Os lábios entreabertos, uma mecha úmida caída diante dos olhos. No silêncio, suas respirações se misturam, barulhentas e fora de sincronia.

— Você vai me beijar, Kyungsoo? — pergunta ele, inclinando o queixo para baixo.

Dessa vez, a resposta escapa como um suspiro de alívio.

— Sim.

Uma agitação avassaladora toma conta de seu peito e sua respiração fica aprisionada nos pulmões. Por um instante, Kyungsoo pensa que gastará sua última lufada de oxigênio nesse mundo beijando Jongin. Sucumbindo nos lábios dele, como um romance trágico de Shakespeare.

Ele inclina o rosto, roçando seus narizes por acidente e finalmente pressiona seus lábios juntos, empurrando-se contra Jongin. Experimentando, testando. Tudo que lhe ordenaram que suprimisse, que silenciasse, transborda e vem à tona em um só toque.

A boca dele é volumosa e macia, e ainda que o beijo não se aprofunde, sente o frescor do verão nos lábios dele.

Seus braços tremem, os músculos exaustos dos treinos de remo e das braçadas no riacho. Kyungsoo não aguenta sustentar o peso do próprio corpo por muito tempo e seus cotovelos falham, fazendo-o desabar novamente com as costas no píer.

Quando seu corpo se afasta e cai, Jongin permanece alguns segundos em êxtase. Os olhos fechados, os lábios ainda esboçando um beijo.

Kyungsoo só tem tempo de respirar fundo, tentando recuperar o fôlego que prendeu durante o beijo, e Jongin já está pairando acima dele. Seus cabelos, acariciados pela brisa do entardecer, já estão meio secos, os fios em tons de castanho-mel coroados com mechas douradas.

O corpo dele encobre o sol, lançando sombras em seu rosto. Kyungsoo distingue o som de pintassilgos cantarolando à distância, além das árvores da floresta, e a respiração já ansiosa e ofegante de Jongin em seus ouvidos.

Um dedo desliza sobre sua testa, no ponto onde a franja escura se confunde com as sobrancelhas. Depois desce suavemente por sua bochecha, até roçar a pinta que ele tem no queixo. Um toque simples e sutil, mas que acende seu corpo inteiro.

Jongin mordisca os lábios, tentando disfarçar um sorriso.

— Posso?

Kyungsoo assente de leve, mas é suficiente.

O ar lhe escapa de novo quando o corpo pesado de Jongin se debruça sobre ele. Kyungsoo meio arqueja, meio ri, quando o peitoral molhado desliza sobre seu tronco, seus corpos plasmados, úmidos e maleáveis, como argila sob os dedos de um ceramista.

Quando Jongin se inclina sobre ele, uma mecha do cabelo castanho pende em seu rosto, fazendo cócegas na testa e na ponte do nariz. Kyungsoo a afasta com o indicador, prendendo-a atrás de sua orelha para eliminar qualquer obstáculo.

Com o caminho livre, Jongin o beija com desejo e urgência. Seus lábios têm o gosto refrescante do riacho. As mãos afundam em seu rosto com tanta força que se moldam à sua mandíbula, encaixam em seus ossos. É a primeira vez em toda a sua vida que alguém o toca assim, de verdade. Um toque intencional, transbordando propósito.

Kyungsoo tenta corresponder à altura, envolvendo o corpo dele com os braços, pressionando suas costas e sua cintura, suspirando em sua boca. A fricção maravilhosa dos troncos, colados um ao outro, faz seu corpo inteiro estremecer, pulsando loucamente, como se ele tivesse dois corações batendo dentro do peito.

Uma mão desliza sob sua nuca, embrenhando-se entre os fios molhados. A língua de Jongin umedece seu lábio inferior, mas o toque não se aprofunda. Kyungsoo está extasiado demais para compreender o comando silencioso.

Jongin se afasta um pouco.

— É seu primeiro beijo — constata ele, com um brilho de preocupação no olhar.

Kyungsoo arregala os olhos, os lábios avermelhados e entreabertos.

— Não se preocupe — continua Jongin, antes que ele possa emendar uma explicação. — Seu segredo está seguro comigo. — O polegar dele resvala em seu lábio inferior, instigando-o a entreabrir a boca. Uma mão desliza em seu peito. — Vamos devagar.

E então o beija, suave e demoradamente.

Kyungsoo fecha os olhos de novo, aproveitando a sensação do calor de Jongin contra seu corpo, a língua quente invadindo sua boca. Seus braços se esbarram quando os dois levam as mãos ao rosto e cabelos um do outro, tentando focar no beijo, e não na perna molhada e escorregadia que desliza entre suas coxas.

O desejo aguça seus sentidos.

Kyungsoo ouve a melodia dos rouxinóis, os estalos do beijo e a água do riacho escoando para o córrego metros abaixo. Sente dedos afundando em sua bochecha, a textura dos cabelos de Jongin entre seus dedos. Aspira o cheiro de floresta e o aroma fresco da água em seus corpos.

Seu coração descompassado se acalma, pouco a pouco, até o beijo esmorecer em um ritmo calmo, letárgico. Kyungsoo o segura pelos ombros e lança seu peso sobre o corpo de Jongin, invertendo as posições.

Os dois se afastam e se encaram, as respirações ainda ávidas e alteradas pelo desejo.

— Eu admito — murmura ele, meio sem ar. — Tudo na minha vida é uma ideia de outras pessoas. Exceto você, Jongin. — Kyungsoo empurra o peito dele contra o píer, a mão repousada sobre seu coração latejante. — Você é uma ideia minha.

O sol morno brilha no cabelo de Jongin, pinta seu queixo de laranja. Seus lábios se estendem de maneira brilhante, quente e luminosa.

Um sorriso capaz de incendiar o mundo.



O som das lâminas se chocando ecoa no ambiente.

O instrutor Moreau ostenta uma expressão zangada, os braços cruzados ao encarar as cinco duplas duelando nas pistas de esgrima. Seu rosto pálido adquire um tom avermelhado enquanto ele ziguezagueia pelo ginásio, gritando instruções com seu sotaque francês carregado:

— Flexione os joelhos!

— Mantenha o tronco reto!

— Relaxe esses malditos ombros!

Os demais alunos, impecavelmente trajados em uniformes brancos, assistem de pé no fundo da sala, sentados em bancos de madeira ou de pernas cruzadas no piso lustroso de taco.

Jongin, por outro lado, recosta-se contra a coluna de uma das paredes, a perna dobrada de modo rebelde e indisciplinado. Ele só vai praticar na próxima aula, o que significa que não vai poder duelar com seu adversário preferido: Kyungsoo, que marcha e rompe contra o esgrimista rival como se possuído por Aladár Gerevich.

Com uma postura impecável, ele encontra brechas na guarda do oponente, desferindo estocadas precisas com a lâmina, rodada após rodada. Em seu último ponto, ele arrisca uma flecha e corre em direção ao adversário com o florete esticado. Um golpe ultraofensivo, com poucas possibilidades de sucesso, mas executado com maestria e muita técnica.

Após anunciada a vitória no painel, ele assiste enquanto Kyungsoo cumprimenta o outro esgrimista e se afasta da pista, arrancando a máscara com um único puxão.

Jongin sente sua nuca formigar.

Ele está com as bochechas coradas pelo esforço da partida, os cabelos escuros e úmidos de suor se agarrando às têmporas e estupidamente lindo.

Seus olhares se cruzam de lados opostos do salão de esgrima, como se atraídos um para o outro no ambiente lotado. Ele não espera que Kyungsoo se aproxime. Os dois encurtam a distância e param, frente a frente.

O florete de Jongin cutuca o peito dele.

— Seremos você e eu na próxima — desafia, pressionando a ponta da lâmina contra o colete, na altura onde sua mão deslizou ontem à tarde. — Você prometeu que me venceria se duelássemos de novo. Quero ver isso de perto.

É a primeira vez que se vêem desde o beijo.

Kyungsoo o encara com olhos espirituosos e iluminados, como se compartilhasse com ele um segredo extraordinário.

— Tem razão — aquiesce ele. Com um sorriso caloroso, envolve firmemente a lâmina com os dedos e repete: — Não posso deixá-lo com a impressão errada sobre mim.

Os olhos de Kyungsoo flutuam para sua boca e, então, desviam para longe. A adrenalina que percorre o corpo de Jongin com aquele único olhar o deixa quente sob a vestimenta branca. Inebriado, assustado.

Porque beijá-lo não foi como nada que já provou antes.

Foi diferente. Especial.

Significou algo.

Os passos do instrutor de esgrima, Timothée Moreau, saltam aos seus ouvidos quando ele se movimenta entre as pistas alinhadas paralelamente, chamando a atenção dos alunos no ginásio.

— Encerraremos mais cedo hoje — avisa ele, com ambas as mãos apoiadas na cintura. — Haverá uma missa na Capela em homenagem à memória do falecido Rei Song. A presença não é obrigatória, mas comparecer seria respeitável e adequado, então vou liberá-los agora para as duchas. Tomem um banho, vistam seus uniformes casuais e dirijam-se à Capela assim que possível.

Imediatamente, os rapazes na pista retiram os fios corporais do uniforme. Outros circulam pela área lateral, guardando os floretes, sabres e espadas. Jongin está prestes a segurar no braço de Kyungsoo, para saírem dali juntos, quando dois garotos cruzam seu caminho.

Ambos possuem um broche semelhante ao de Kyungsoo no uniforme, porém de proporções reduzidas e confeccionados em prata. Jongin os reconhece vagamente. São veteranos que moram na Casa Clermont, como Kyungsoo, e que são subordinados a ele na hierarquia de monitores.

Os dois são quase da mesma altura.

O mais baixo tem cabelos castanhos-arruivados emoldurando o rosto oval, com olhos felídeos e astutos. Ele o reconhece de fotografias antigas da família Kim e de páginas de fofoca. Por muito tempo, os tabloides o apelidaram de Meleca, porque, quando tinha seis anos, foi flagrado em um compromisso real com o dedo no nariz. Entretanto, não se recorda de já terem sido apresentados pessoalmente.

— Finalmente — suspira Minseok, apoiando uma das mãos no ombro de Kyungsoo. — Te procuramos por toda parte.

O outro, um pouco mais alto que o primeiro, possui um rosto magro e maxilar afiado. Os olhos pequenos e castanhos contrastam com os cabelos louro-escuros e as sobrancelhas do mesmo tom. Uma marca registrada inconfundível da Sétima Família. Seu brasão é amarelo e monótono, com um perdigueiro malhado no centro.

O símbolo da família Byun.

— Precisamos falar com você — diz Baekhyun a Kyungsoo. — É urgente.

Três pares de olhos se voltam para Jongin, que assiste à cena como espectador silencioso. Os dois outros monitores o encaram com um brilho que conhece muito bem: um misto de assombro e fascínio. Uma adoração temerosa.

Ele é o príncipe rebelde da Segunda Família, afinal.

Kyungsoo estende o braço diante do peito de Jongin, impedindo-o de se afastar.

— Se for sobre a Tríade, ele pode ficar.

— Tem certeza? — pergunta Minseok, com as sobrancelhas levantadas em espanto. — O que temos a dizer é extremamente confidencial.

Baekhyun o examina com suspeita.

— Você confia nele?

Os três conversam como se Jongin não estivesse bem ali, a um passo de distância.

— Com a minha alma — assegura Kyungsoo, muito sério. A confissão quase lhe arranca um suspiro.

Minseok assente, confirmando com um aceno mínimo. Baekhyun faz um sinal com a cabeça e todos o seguem para fora do ginásio. Em vez de acompanhar o restante dos alunos até as duchas, porém, eles se detém na alameda vazia entre a quadra de tênis e a biblioteca.

Baekhyun prossegue, baixinho:

— A antiga duquesa de Gangwon esteve aqui, em St. Georg. Sem querer, eu e Minseok ouvimos uma conversa entre a mãe e a Serpente... e as novidades não são nada boas — murmura ele em tom sombrio. — Temos motivos para acreditar que a família Oh está envolvida na tragédia do verão passado.

— Você lembra como a imprensa foi rápida em comunicar a notícia? — questiona Minseok. — Mesmo depois, na época da tenebrosa Maldição da Primeira Família, os membros começaram a morrer um a um, como moscas. Os meios de comunicação já tinham todos os vídeos prontos, compilados em uma retrospectiva gigantesca. Como se soubessem.

Kyungsoo arregala os olhos.

— Vocês o ouviram admitir isso?

— Bom, não com todas as letras, mas ficou implícito. Eles estão dispostos a qualquer coisa para eliminar todos que estiverem no caminho.

— Isso confirma nossas suspeitas, então.

Os três monitores trocam um olhar longo e cúmplice.

Baekhyun e Minseok são ainda uma incógnita. Ele não tem certeza se pode confiar neles. No entanto, conhece Kyungsoo. Ousaria dizer que, nas últimas semanas, tornou-se um grande entusiasta do príncipe de Gyeongsang.

Reconhece suas peculiaridades, trejeitos e maneirismos como quem identifica os traços de um artista impressos em uma de suas pinturas. Jongin pode não ser tão inteligente quanto ele, mas é esperto, e sabe que Kyungsoo esconde segredos.

Seus colegas também não o enganam. Minseok e Baekhyun sabem muito mais do que querem revelar.

Minseok lança um olhar de soslaio para Jongin e então murmura:

— Esse não foi o único crime em que a família Oh está envolvida. O antigo herdeiro do trono, Song Jiho, foi apenas um dos príncipes que eles tentaram matar.

— E não será o último — completa Baekhyun, com um suspiro cansado. — A primeira tentativa foi há muitos anos, mas houve uma interferência que causou o acidente da princesa de Jeolla. Eles não disseram muito, mas suspeitamos que tenham adulterado uma das selas ou dopado um dos cavalos. Obviamente, Jennie não era o alvo.

Jongin dá um passo para trás, como se golpeado por um tapa invisível. Sua pele estremece na passagem da brisa gelada e seu estômago afunda. Em um instante, o ar parece denso e sua respiração fica mais pesada, enquanto uma fúria ardente desce pelos ombros até os dedos das mãos, cerrados em punhos apertados.

— Jennie? Por que eles tentariam...? — indaga Kyungsoo, franzindo a testa. — Espera, isso significa...

— Jongin está correndo perigo — esclarece Baekhyun, trocando um rápido olhar com o príncipe rebelde. — A Seleção está próxima e agora, mais do que nunca, os Oh querem vê-lo fora do caminho.

Jongin quase ri. O ar escapa pelas suas narinas em um sopro desprovido de humor.

— Eles querem me matar — diz ele, como se não fosse nada. — É isso que está dizendo?

Kyungsoo chacoalha a cabeça, em negação.

— Isso não faz o menor sentido. Jongin nem quer a Coroa. Nunca quis. Ele não é um obstáculo para a família Oh, então por quê?

— Mas ele é o príncipe herdeiro por direito — explica Baekhyun, correndo os olhos pela rua arborizada para se certificar de que ainda estão sozinhos. — Se Jongin decidir amanhã que deseja lutar pelo título, o chanceler da Academia Real ficaria mais do que satisfeito em considerar.

Jongin revira os olhos.

— Isso é absurdo.

Eles se calam quando um grupo de primeiro-anistas vestidos em trajes de polo passam pela estrada lateral em direção ao Centro Equestre.

— É o poder da linhagem real — murmura Kyungsoo, quase em um sussurro, quando eles se afastam. Ele olha para Jongin. — Não importa o que você faça de errado ou o que eu faça de certo, eles vão escolher você sem hesitar, porque a legitimidade é o aspecto mais importante na Seleção.

Minseok confirma com a cabeça.

— Eles não querem arriscar. O trono é o grande objetivo deles. Sempre foi.

O estalar frenético de palmas soa do outro lado da alameda, sobressaltando-os. O professor de esgrima, Sr. Moreau, acena para eles à distância e aponta na direção do Prédio Principal.

— Meninos — grita ele. — Para as duchas, por favor!

Eles se viram ao mesmo tempo, como se pegos em uma conspiração secreta e furtiva.

— Vamos — chama Kyungsoo e eles seguem juntos em direção aos chuveiros, mas a uma distância segura, como se o acaso os tivesse unido.

Enquanto anda, Jongin olha ao redor do campus, observando as construções imponentes agigantando-se acima deles, o brilho das águas do Canal refletido nos muros e a bandeira mortuária da Capela tremulando ao vento.

Este colégio não é o que você pensa.

Kyungsoo tinha razão, desde o começo. Há algo sombrio e perverso acontecendo em St. Georg. Se a família Oh foi responsável pelo acidente de sua irmã e também pela morte prematura do antigo príncipe herdeiro, que outros segredos sórdidos estariam gravados nas paredes do internato?

Há muito mais naquela história abaixo da superfície.

E Jongin vai descobrir o que é.



Kyungsoo entra na Capela primeiro.

Abaixo de um coral retumbante de Lacrimosa, a missa fúnebre de Mozart, seus passos ressoam abafados. Ainda assim, ele se sente exposto e observado.

Pares de olhos astutos e curiosos se voltam em sua direção. Santos, profetas, anjos e demônios o espiam de seus afrescos. Estátuas de granito viram suas cabeças por onde ele passa. Mesmo o padre Hermann e a irmã Agnes o observam, atentamente, como se soubessem.

Kyungsoo beijou um garoto ontem à tarde e eles sabem.

Seus desejos não ficaram reprimidos apenas na imaginação, onde lhe ensinaram a guardá-los, mas foram colocados em prática — a única coisa que não poderia ter feito.

A irmã Agnes uma vez lhe disse que essas inclinações não eram sua culpa, mas uma desordem da própria natureza. Ele não seria punido, desde que preservasse a virtude da castidade, dedicando-se a uma vida celibatária ou ao sacramento do matrimônio.

Todas as confissões pelas quais implorou o perdão divino, todas as noites que passou orando para que Deus realmente o curasse, parecem vazias agora.

Atrás dele, Jongin suspira, alheio aos seus devaneios.

— É só pisar em uma igreja que já sinto vontade de cometer todos os sete pecados capitais.

Kyungsoo olha para um canto discreto da Capela, onde o confessionário pesado de madeira se destaca modestamente na atmosfera serena.

— Você vai se confessar? — pergunta ele, hesitante.

Jongin franze a testa.

— Por quê? Não tenho nada para confessar.

— Nem sobre o que nós fizemos ontem?

— Não tenho nada para confessar — repete ele —, porque não me arrependo de nada.

— Você acha que foi... certo? Bom?

Jongin dá um passo na direção dele.

— Bom? — Ele ergue uma sobrancelha. Um vinco aparece em sua testa e ele responde, muito sério: — Foi a melhor coisa que já senti, Kyungsoo.

Seu peito se agita. Kyungsoo se desmancha em um sorriso.

Ele também não se arrepende de nada.

Quando a música termina, a capela recai em um silêncio sepulcral, com apenas a luz suave dos lustres a iluminar o ambiente. O aroma da cera das velas queimando preenche o ar, criando uma atmosfera solene e reverente. Os bancos de madeira estão ocupados por alunos de todas as Casas e famílias, todos uniformizados, com semblantes sóbrios e estoicos.

Eles se sentam nas últimas fileiras perto da porta, onde está mais vazio. Os quatro rapazes distribuídos, mais uma vez, como se fosse uma coincidência do destino.

— Tem mais uma coisa — murmura Baekhyun em tom conspiratório, quando a voz solene e ancestral do padre Hermann invade o salão, roubando a atenção dos outros alunos sentados fileiras à frente deles.

Kyungsoo ergue uma sobrancelha, de repente alerta.

— O quê?

— Eles também mencionaram uma... traição — responde ele, olhando para a frente, sem virar o rosto. — Estão à procura de um traidor.

As pupilas de Kyungsoo crescem nas órbitas.

— Um traidor?

— Como um desertor? — questiona Jongin, um pouco alto demais, recebendo um chiado em repreensão de Minseok, sentado ao seu lado direito. — Tive o desprazer de testemunhar de perto o que acontece com eles.

Minseok balança a cabeça.

— Não, não um desertor. Eles usaram a palavra "traidor". Ouvimos muito bem. — Ele lança um olhar ao trio de Anfitriões, sentados na primeira fileira diante do altar. — Alguém que traiu a confiança da Tríade, que interferiu nos planos deles. Talvez, seja a pessoa que...

— Sim. — Kyungsoo se apressa a dizer, de maneira firme, cortando a sentença como uma navalha. — É provável.

Baekhyun e Minseok sabem muito mais sobre ele do que teria gostado de compartilhar por conta própria. Alguns esqueletos do passado devem continuar trancafiados em seus armários. Jongin não precisa saber disso ainda.

— Há um traidor entre eles, e Seojun quer descobrir quem é — continua Baekhyun, sussurrando sob a oração trêmula e ensaiada do padre. — Se soubéssemos a identidade dele, poderíamos juntar forças. É a oportunidade de ouro que sempre esperamos.

— Um traidor... — murmura Kyungsoo, perdido em pensamentos, pressionando os lábios de maneira reflexiva.

De repente, Jongin se ajeita no banco ao seu lado. Seus ombros se esbarram sem querer, mas a proximidade proibida, em um ambiente tão devoto e sagrado, o assusta.

— Posso tentar descobrir quem é — sugere Jongin e todos os olhares, discretamente, se voltam para ele. — A Tríade está planejando um encontro de toda a sociedade. Um fim de semana inteiro em uma das propriedades da família Oh. Posso sondar o terreno, espiar algumas gavetas, ver o que eles tanto escondem.

— Não — repreende Kyungsoo. — É perigoso.

Jongin insiste:

— Sou o único que pode.

— Não quero envolver você nisso.

— Mas eu já estou envolvido, lembra? — Ele olha para Baekhyun e Minseok, que o observam, atônitos. Jongin aponta na direção deles discretamente com o queixo. — E não estamos mais sozinhos nessa.

Kyungsoo leva alguns segundos para compreender o que ele sugere, mas quando assimila e absorve o que está prestes a acontecer — o que está acontecendo aqui e agora —, seu estômago se revira em ansiedade e excitação.

Ele olha ao redor, como se os assistisse de cima. Vendo-os de fora. Um observador onisciente.

Dois membros da família Kim, um Do e um Byun.

Três famílias. Uma aliança tríplice.

Uma nova Tríade.

— Podemos fazer isso juntos — propõe Jongin, finalmente. — Uma Tríade por outra.

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